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Universidade de Aveiro Departamento de Comunicagao e Arte
2009
Nuno Miguel Chuva Arte: comunicagao ou nao comunicagao?
Vasco Da objectividade elementar a subjectividade artistica
ft
Universidade de Aveiro Departamento de Comunicagao e Arte
2009
Nuno Miguel Chuva Arte - comunicagao ou nao comunicagao?
Vasco Da objectividade elementar a subjectividade artfstica
Tese apresentada a Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos
necessarios a obtengao do grau de Doutor em Estudos de Arte, realizada sob a
orientagao cientifica da Doutora Rosa Maria Pinho de Oliveira, Professora
Auxiliar do Departamento de Comunicagao e Arte da Universidade de Aveiro, e
co-orientagao do Doutor Alvaro Miranda Santos, Professor Catedratico jubilado
da Faculdade de Psicologia e de Ciencias da Educagao da Universidade de
Coimbra.
Apoio financeiro do POCI 2010 no Apoio financeiro da FCT e do FSE no
ambito do III Quadro Comunitario de ambito do III Quadro Comunitario de
Apoio. Apoio.
4
( iriKi ■».lno\'7 , :.(:-lO PrograniaOperacioiialCiencLae lnovaQao20lO
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UNIAO EUROPEIA
Fundo Social Europeu
Dedico este trabalho
Ao amigo e Professor Doutor Alvaro Miranda Santos pelo notavel exemplo de
empenho e dedicagao.
Aos meus pais, fonte de honestidade e afeigao humanas, por me terem
permitido chegar ate aqui.
o juri
presidente Prof. Doutor Joaquim Arnaldo Carvalho Martins
Professor Catedratico da Universidade de Aveiro
Prof. Doutor Antonio Quadros Ferreira
Professor Catedratico da Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto
Prof . a Doutora Maria Teresa Cruz
Professora Auxiliar da Faculdade de Ciencias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
Prof. a Doutora Rosa Maria Pinho de Oliveira
Professora Auxiliar da Universidade de Aveiro (orientadora)
Prof. Doutor Jose Pedro Barbosa Gonpalves de Bessa
Professor Auxiliar da Universidade de Aveiro
Prof. a Doutora Maria Isabel da Fonseca e Castro Moreira Azevedo
Professora Auxiliar da ARCA-EUAC - Escola Universitaria das Artes de Coimbra
agradecimentos Quando se trata de enunciar pessoas, corremos o risco de nao as abragar
todas e de cometer alguma injustiga, por isso direcciono agradecimentos a
todas as pessoas que contribufram directa ou indirectamente para este
trabalho. Agradego particularmente a Prof. a Doutora Rosa Maria Pinho de
Oliveira, por se ter disponibilizado desde o primeiro momento para a
orientagao deste trabalho. A sua simpatia e amizade, aliadas a transmissao de
competencia e rigor cientifico, revelaram-se de extrema importancia.
Obrigado por me levar a caminhar de outro modo.
Ao Prof. Doutor Alvaro Miranda Santos devo a minha gratidao por ter aceite
continuar a trabalhar comigo por mais uns anos. Enquanto viveu, a sua
proficiente orientagao, sabedoria, curiosidade, entusiasmo e confianga
depositada muito contribufram para o aprimoramento desta investigagao.
Obrigado por me ajudar aver de outro modo.
A concretizagao do V capftulo nao seria possfvel sem o apoio de varias
instituigoes. Para tal, muito contribuiu o Instituto Camoes, que se revelou de
extrema importancia na viabilizagao deste projecto, com a disponibilidade
imediata do seu agendamento nos programas oficiais de cada Centro Cultural
Portugues. Por esta razao, muito agradego ao seu director, Dr. a Simonetta Luz
Afonso, bem assim como a todos os directores dos Centros Culturais
Portugueses, por onde o projecto inquiridor foi apresentado. De igual modo se
agradece a Dr. a Ana Luisa Barao (Faculdade de Belas Artes da Universidade
do Porto), Helena Barbosa (Universidade de Aveiro), Eng. Miguel Silva e Rui
Ligeiro (Universidade de Coimbra), Universidade Internacional da Figueira da
Foz e Dr. a Dina Dias (Figueira da Foz), por terem permitido uma mais ampla
recolha de inqueritos. Ainda urn especial agradecimento ao Dr. Nuno Cordeiro,
por me disponibilizar o seu tempo e conhecimentos, possibilitando-me a
compreensao do processamento de dados e sua posterior analise. A todas as
pessoas que contribufram com a sua opiniao no inquerito, tambem o meu
obrigado.
Desprovido de palavras que possam fielmente retratar a minha gratidao, devo
urn particular agradecimento a Reinaldo Antonio Costa (Rako) pelas longas
conversas que trilharam conhecimentos e ensinamentos. Agradego tambem
ao Dr. Manuel Coelho pela revisao lingufstica do trabalho e ao Luis Filipe
Esteves por me ter socorrido das inumeras angustias informaticas.
A Dina Maria Costa Dias, pelo "empurrao" que me levou a continuar a minha
formagao academica, urn agradecimento muito especial.
A Fundagao para a Ciencia e Tecnologia por ter apoiado financeiramente esta
tese.
Por fim gostaria de expressar o meu obrigado aos meus pais, sem os quais
tudo nao passaria de urn sonho.
palavras-chave
arte, comunicagao, nao-comunicagao, informagao, objectividade,
subjectividade, significagao, compreensao, criador, fruidor.
resumo
Podera uma obra de arte constituir-se como um acto de comunicagao?
Esta tese pretende apresentar a ideia de que a obra de arte nao esta obrigada
a ser um meio de comunicagao ou a comunicar alguma coisa. Comunicagao
pressupoe uma circularidade entre dois elementos, emissor e receptor, mas
tambem a focalizagao numa mensagem que se deseja compreensfvel a
ambos. O criador e o fruidor, como humanos que sao, tern uma dimensao
variavel. Nao so o criador e diferente do fruidor, como tambem este e diferente
de todos os seus semelhantes, e por conseguinte e na directa correlatividade
obra de arte -fruidor que se salienta uma incomunicagao. Por um lado, a obra
de arte e o repositorio de determinados elementos que a caracterizam e a
definem; por outro, temos o fruidor que e proeminentemente o promotor da
polissemia que circunscreve o processo artistico e que se traduz na
significagao atribuida a obra.
A compreensao da obra (considerada invariavel na sua existencialidade ffsica)
podera ser alcangada? Nesta analise, consideramos que este entendimento e
baseado na passagem do significante ao significado e que o seu conceito
devera ser alcangado por intermedio quer da sua compreensao quer da sua
extensao, o que pode variar em fungao de factores extrinsecos a obra de arte.
Neste sentido, este estudo sublinha um paradoxo: o da comunicagao/nao-
comunicagao na arte, tomando como referencias as condigoes de linearidade
espago-tempo - onde a diacronia historica da arte e a analise da relatividade
comunicacional da obra no espago geografico ajudam a fundamentar a ideia
central deste trabalho - bem assim como a coadjuvagao dos elementos
constituintes do processo artistico, a saber, criador/obra de arte/fruidor, para
complementar a esfera estetica. E no jogo nao simplista da codificagao-
descodificagao, objectividade-subjectividade, informagao-significagao, que se
prefigura o elemento chave para o entendimento desta questao, porventura
celeumatica.
No entanto, com tantas diferengas decisivas entre os varios media utilizados
hoje na arte, cada um com caracterfsticas materials e estilfsticas
individualizadas, bem como com linguagens proprias, torna-se ainda mais
necessario reflectir nas questoes que a arte formula, consciente ou
inconscientemente. Neste momento, em que a questao "isto e belo?" e
substituida por outra ainda mais angustiante, "isto e arte?"; num momento em
que o savoir-faire e questionado com grande forga; numa epoca em que tudo o
que diz respeito a ideia de arte deixou de ser evidente, tanto em si mesmo,
como na sua relagao com os diferentes publicos, assistimos tambem a
problematizagao da sua fungao comunicativa.
IX
keywords
art, communication, non-communication, information, objectivity, subjectivity,
signification, comprehension, creator, beholder
abstract
Can we associate the reading of a work to a way of communication? In other
words, can a work of art be an act of communication?
This thesis wants to present an idea that the work of art is not obliged to be a
way of communication or to communicate something. Communication
assumes a circulation between two elements: transmitter and receiver, but also
the focus on the message that we wish to be understandable to both. Creator
and beholder, human as they are, have a variable dimension. Not only the
creator will be different from the beholder, but also this one will be different
from all his similar, and consequently it is in the direct correlativity beholder -
work of art that this lack of communication stands out. First, the work of art is
the repository of some elements, which define and characterize it. On the other
hand, beholder is prominently the promoter of the several meaning that
circumscribe the artistic process and that becomes the signification attributed to
the work.
Can the understanding of the work (considered invariable its physical
existence) be reached? In this analysis, we consider that this understanding is
based on the passage from the significant to the real meaning of the work and
that its concept can be reached through its comprehension or extension, and it
can change because of the factors extrinsic to the work of art.
So, this study underlines a paradox: communication/non-communication in art,
taking for reference the conditions of space-time linearity - where an historic
diachrony of art and the analysis of the communication relativity of the work in
geographical space help to settle the central idea of this work - as well as the
coadjutorship of the elements that belong to the artistic process, that is to say,
creator/work of art/beholder, to complement the aesthetic sphere. It is in
uneasy game of the coding/decoding, objectivity/subjectivity,
information/meaning, one can see the key element for the comprehension of
this question, however polemical.
Anyway, with so many decisive differences between the media used today in
art, each one with individual material and stylistic characteristics, as well as
particular languages, it becomes more necessary to reflect over the questions
that art ask for, consciously or not. In this moment, when the question "is this
beautiful?, give place to a more anguishing one, "is this art?"; in a moment
when savoir-faire is strongly questioned, in a time when where everything
concerning the idea of art is no longer evident, as in itself, as in its relation with
different publics, we also assist to the questioning of its communicative
function.
XI
INDICE GERAL
INTRODUGAO 1
CAPITULO 1 13
Comunicacao
l.lConceito 13
1.2 Historia 20
1.3 Modelos de comunicacao 30
1.3.1 Introdugao 30
1.3.2 Escola Processual 31
1.3.2.1 A Cibernetica (ciencia do controlo) 32
1 .3.2.2 Modelo informacional de Shannon e Weaver 34
1 .3.2.3 Modelo de Harold Lasswell (modelo dos 5 W) 42
1 .3.2.4 Modelo de George Gerbner 44
1.3.2.5 Modelo linguistico-funcional de Jakobson 45
1.3.3 Escola Semiotica 49
1.3.3.1 Modelo saussuriano 50
1 .3.3.2 Modelo peirciano e de Ogden & Richards 54
1.3.3.3 Modelo semiotico-informacional de Umberto Ecoe Paolo Fabbri 56
1.3.4 Outras referencias 58
1.3.4.1 Escola de Palo Alto (palo-altismo) 58
1.3.4.2 Teoria Comunicacional de Marshall McLuhan 61
1.3.4.3 Escola de Frankfurt (teoria critica) 63
1.4 Perspectiva artistica aos modelos de comunicacao 64
1.4.1 Introdugao 64
1.4.2 Perspectiva artistica 65
XIII
CAPITULO II 90
A obra de arte como motivo da dialectica em torno da comunicacao
2.1 Introducao 90
2.2 A obra de arte 91
2.3 Analogia artfstica-mimese 96
2.4 A obra como imagem de realidades existenciais 101
2.4.1 Fotografia - Um principio da imagem absoluta 101
2.4.2 Holografia - Paradigma da imagem absoluta 120
2.5 Autotelia da obra de arte 126
CAPITULO III 130
A arte como nao-comunicacao: problematica geral
3.1 Uma dificuldadede comunicacao 130
3.2 Alguns exemplos para uma generalizada (in)convencionalidade 151
3.3 Umaobjectividadeelementar para uma subjectividade arti'stica 162
3.3.1 Os elementos da obra como signos da realidade 190
3.4 A intransitividade como barreira a transparent da obra de arte 201
3.5 Compreensao da obra - Condicao fundamental da comunicacao 205
3.5.1 Sociedade "conhecedora" versus Sociedade "leiga" 215
3.5.2 A critica mediadora de conceitos - Uma hermeneutica inabragavel 221
3.5.3 Assessores de compreensao 229
3.6 Sentimento - Estado afectivo incomunicavel 237
3.7 Perspectiva anah'tica e relacional dos elementos do processo artistico 242
3.7.1 Criador artistico 242
3.7.2 Codificagao / Descodificagao 245
3.7.3 Fruidor 253
XIV
3.7.3.1 Fruidor/ Receptor- Recepgao estetica 253
3.7.3.2 Vivenciagao - Experienciagao do fruidor 256
3.7.3.3 Imaginagao (re)criadora 260
3.7.3.4 Realidade relativa - Atribuigao de significagao 262
3.7.4 Retroacgao 266
CAPJTULOIV 270
Analise do processo diacronico-historico da arte
4.1 Introducao 270
4.2 A arte ate ao Sec ulo XX 273
4.2.1 Existenciade canones num Academismo considerado 276
4.2.2 As ideias pre-concebidas de beleza 288
4.2.3 Pos-academia, o principio da subjectividade 291
4.3 seculo XX e a viragem do milenio causadores de uma nova arte 302
4.3.1 Ausencia de canones-Arte sem leis universais 303
4.3.2 Actualidade artistica - Uma proposta de decadencia 344
4.3.3 Protocolo de comunicagao para a Utopia duma transparencia de sentido 364
4.3.4 A fealdadecomo factor condicionante da compreensao artistica 368
CAPITULOV 373
Projecto pratico para uma fundamental teorica: problematica experimental (uma
leitura subjectiva sobre a objectividade)
5.1 Introducao 373
5.1.1 Enquadramento do tema 373
5.1.2 Justificagao do estudo 374
5.1.3 Objectivos 375
5.1.4 Hipotesede investigagao 376
5.2 Descri^ao do projecto 377
5.2.1 Exposigao itinerante 377
XV
5.2.1.1 Constituigao da exposigao 378
5.2.1.2 Particularidades das obras 380
5.2.2 Inquerito junto do publico 384
5.2.3 Conferencia / Comunicagao 385
5.3 Material e metodos 386
5.3.1 Paises do estudo 386
5.3.2 Cidades / Instituigoes do estudo 389
5.3.3 Duragao e periodo do estudo 391
5.3.4 Populagao do estudo 391
5.3.5 Tipo e tecnica de amostragem e dimensao da amostra 391
5.3.6 Definigao das variaveis em estudo 392
5.3.7 Li mitagoes do estudo 393
5.3.8 Metodos de recolha de informagao 393
5.3.9 Aspectos eticos 398
5.4 Analise estatfstica 398
5.4.1 Tipo de estudo e instrumentos de medida 398
5.5Apresenta?ao de resultados 399
5.5.1 Caracteristicas da amostra: analise superficial 399
5.5.2 Algumas relagoes efectuadas - Analise cruzada 416
5.6Conclusoes 446
CAPJTULOVI 451
Conclusoesecomentarios 451
Trabalhos realizados / frequentados no ambito desta tese 461
Perspectivas de futuro 465
Bibliografia 467
Si'tios consultados 497
XVI
Indicedas imagens 502
Indice das tabelas 508
In dice onomastico 510
indice tematico 519
indice dos anexos 536
XVII
INTRODUQAO
E vulgar dizermos que a arte comunica, ou que nos transmite alguma coisa, do
mesmo modo que tambem nos indignamos com algumas obras e perguntamos o que
significam, ou que pretensao tera tido o artista relativamente a esta ou aqueloutra atitude. E
pois muito frequente, asseverarmos que a arte e um acto de comunicacao, para logo de
seguida questionarmos essa associacao. Levanta-se pois uma duvida: sera a arte realmente
comunicacao? Poderemos nos dizer, como Maria Marcelino 1 , que a imagem e a forma
mais democratica de comunicar? Podera a obra de arte, em alguma circunstancia,
comunicar alguma coisa? E qual sera a causa desta aparente incompreensao do significado
das obras de arte, que parece ser transversal aos varios publicos? Sao estas questoes que
estao na base deste trabalho. Ele pretende demonstrar, a ideia contraria de que a arte esta
incluida, a semelhanca das outras formas de expressao, num processo de comunicacao.
Pretende-se com esta investigacao, procurar caminhos para a demonstracao e posterior
fundamentacao desta ideia. Apesar da opiniao maioritaria indicar que, embora a arte e a
comunicacao sejam de dominios diferentes, mas com grande interdependencia entre elas,
temos a liberdade de julga-las, diferentes e com autonomia propria, e dai pressupor a arte,
uma actividade humana que nao carece de comunicacao e que por isso, tal como diz Paulo
Silveira, pode «(...) ate mesmo reivindicar seu extremado e contro verso direito a
incomunicabilidade » 2 .
Num universo, onde todos os conceitos sao questionados, todos os valores 3
ponderados e onde a cada dia assistimos a (re)avaliacoes e (re)validacoes no dominio das
artes, interessa tambem problematizar a sua funcao comunicativa. O fruidor de arte analisa
toda a objectividade informacional contida na obra, dai resultando uma significacao
pessoal e subjectiva, que caracteriza o processo artistico como "nao-comunicativo". Nao se
1 MARCELINO, Maria - Da palavra a imagem. l a ed. Porto: Edi^oes ASA, 2001. (Cademos Pedagogicos;
51). p. 12.
2 SILVEIRA, Paulo - Arte, comunicacao e o territorio intermedial do livro de artista. In ENCONTRO
NACIONAL DA ANPAP, 13, Brasilia. "Arte em pesquisa: especificidades". Brasilia: Pos-graduagao em
Arte da Universidade de Brasilia, 2004. Vol. I, p. 243.
3 Nao so os valores esteticos ou artisticos, mas tambem os valores operativos (praticos) e simbolicos.
prestara portanto a frustracao, qualquer intencao por parte do criador, de transformar as
suas obras em objectos para veicularem mensagens?
Desde sempre o homem pretendeu materializar o seu pensamento, as suas ideias e
ainda antes da escrita fe-lo fazendo uso das suas maos e de processos mnemotecnicos,
recriando a seu modo a natureza. A obra de arte adquire assim a forma de uma realidade
subjectiva personificada numa materialidade elementar. Surgida num tempo impreciso, ela
aparece provavelmente para relacionar a vida do homem com a sua sobrevivencia. Os
rituais de caca teriam talvez como finalidade facilitar as cacadas. Supoe-se que os
cacadores, ao representarem um animal estariam a retirar-lhe forca. Talvez por isso, a
representacao do homem seja de extrema raridade. Pela distancia que nos separa desse
periodo, nao sabemos ao certo quais as intencoes dos nossos antepassados e o patrimonio
hereditario que nos foi legado pouco nos revela acerca disso. Mas e uns milenios depois,
que a historiografia demonstrou possuir conhecimentos suficientemente validos, para que
possamos nao so acreditar mas tambem contribuir para o alargamento do conhecimento.
A arte deixa entao de ser uma mera representacao com o fim ultimo de
sobrevivencia, para se centrar exclusivamente na homenagem a vida depois da morte
(pintura eglpcia), na natureza (arte minoica e micenica), na narrativa de historias e
preocupacao com o corpo (arte grega), no Naturalismo e Retratismo (arte romana), ate
entrar na representacao institucional, fosse ela regia ou religiosa (arte gotica,
renascentista). A arte tinha ao certo uma preocupacao: aproximar os conteudos universais
com significado, as formas da natureza. Dai o principio da mimesis 4 que limitaria a
natureza, tambem ela a uma representacao, contraria a presentificacao da ideia na arte que
Hegel defendia. A arte deveria portanto ser proxima do (re)conhecivel, deveria ser
expressao identificavel de um criador acerca de uma dada realidade.
Apesar das dissemelhancas que se evidenciam em todas as manifestacoes artisticas
e sempre uma arte de alguem para alguem, uma arte de um criador para um fruidor. E a
partir daqui que se estrutura a triade criador - obra de arte - fruidor e e da simbiose entre o
acto criador e a vivencia do espectador/fruidor que se faz arte. E esta dualidade que
persiste desde o inicio, pois esta e indissociavel da vida em sociedade, ou seja, da
interaccao dos humanos. Mas tambem e esta simbiose, que somada ao elemento invariavel
4 cf. ARISTOTELES - Poetica. trad, de Eudoro de Sousa. 4 a ed. Lisboa: Edigoes IN-CM [Imprensa
Nacional-Casa da moeda], D.L. 1994 (Estudos gerais/Serie Universitaria. Classicos de filosofia).
obra de arte, se complementa numa esfera estetica e e responsavel pela discussao em torno
desta tematica.
A arte vem desembocar numa actualidade, que disponibiliza tecnica e ciencia. Estas
sao apropriadas e incluidas nos seus processos de criacao, de tal modo que ela revela-se
pluridisciplinar, oferecendo-nos varias possibilidades de "leitura". Mas "leitura" de que?
Leitura e sem diivida um substantivo que aufere uma enorme carga activa por parte do
sujeito receptor (fruidor), no entanto, tambem revela a necessidade obrigatoria de
conhecimento de codigos e convencoes para a descodificacao de signos expressos em
letras (escrita), ou em elementos visuais (artes plasticas). E seremos nos possuidores dos
codigos essenciais para a compreensao das obras de arte? Em parte talvez sim: reparemos
que na escrita sabemos da existencia das letras que compoem o alfabeto, sabemos
inclusivamente da sua conjugacao no sentido da formacao de palavras e por sua vez de
frases. Mas poderemos nos, atraves de uma sintaxe menos "perfeita", ou ainda pelo uso de
uma semantica mais evoluida, entender o verdadeiro sentido das proposicoes? Fazendo
uma analise semelhante nas artes plasticas e tomando mais especificamente a pintura,
poderemos verificar que algo de semelhante sucede. Uma pintura e constituida por
determinados elementos e atributos que compoem a informacao e que na sua totalidade sao
passiveis de multiplas variacoes. Por serem elementos, sao considerados elementares na
constituicao da obra e, por sua vez. conjugados entre si revelam-se num todo. Todos os
elementos da obra, porque fazem parte de conhecimentos ja adquiridos e vivenciados
anteriormente, compreendemo-los perfeitamente, mas a sua conjugacao vai obliterar o seu
entendimento, tornando a obra de arte hermetica.
A critica da "pura visibilidade" reduz a obra a sua contemplacao expressiva ou
produtiva, ela propoe colocar a margem, de forma convincente, o que considera serem os
principios estruturais das formas. Esta marginalidade tern uma forte aproximacao as
relacoes externas da obra com o seu espectador, estabelecendo uma separacao naquilo que
se considera serem os conteudos significativos das formas e tudo aquilo que existe ou pode
existir real ou abstractamente.
Nao seria pensavel abordar a questao da comunicacao na arte sem passarmos pela
materia da compreensao artistica. Ambas estao interligadas e so a compreensao conduz a
uma comunicacao. Por isso, este trabalho incide fundamentalmente nesta relacao da
compreensao, com destino a questionar a comunicacao.
O conceito comunicacao e indissociavel do conceito compreensao, porque e este
que permite ao fruidor atingir o entendimento da obra. Por isso, verificaremos que a
compreensao da obra de arte e a sua passagem do significante ao significado, e o conjunto
de caracteristicas que compoem os conceitos. Por isso mesmo, em qualquer historia e na
historia da arte em particular, e sempre considerada a escrita significada, a escrita de
convencoes, nao propriamente uma escrita de significantes. Mas torna-se evidente, que isso
reflecte um estudo aprofundado, dos conceitos colocados posteriormente a disposicao dos
fruidores, e que dai resulta um amplo conhecimento das obras que fazem parte constituinte
da historia da arte. E se essas obras nao forem explicitadas? Poderao elas atingir aquilo que
muitos artistas tern como pretensao: trans formarem as suas obras em objectos para
veicularem mensagens? As obras, desde que se lhes atribuam a funcao comunicacional,
deixam de ser arte, para passarem a ser um mero objecto utilitario.
As obras de arte, evidentemente ligadas ao seu criador sao elementos invariaveis,
sao o que sao, e o que as representa numa optica retiniana e a sua presenca fisica. Por outro
lado, o factor sobre que nos debrucaremos grandemente neste trabalho e sem duvida o
fruidor, visto que ele cultiva as informacoes em funcao das suas vivencias pessoais, motivo
pelo qual nos apercebemos das grandes disparidades subjectivas que se verificam no
campo artistico. Em termos de comunicacao, poderemos dizer que a hibridizacao de
generos e formas artisticas que o invadiram e que proliferam incessantemente, e a
consequente multiplicidade de significacoes conduzem a comunicacao ao "fracasso".
Como vimos, a arte teve em grande medida o seu percurso em formas, que
pretenderam exclusivamente representar com fidelidade acontecimentos, pessoas ou coisas.
Esse percurso e o reflexo de um caminhar humano nas suas mais diversas incursoes pelos
seus descontentamentos. E somente ao humano que devemos as modificacoes a que a arte
se sujeitou ao longo de seculos e mesmo milenios. Obviamente que o tracado deste
percurso esta definido, mas so parcialmente, porque o ponto de chegada nao foi atingido,
nem tao-pouco parece vir a alcancar-se. Digamos que um ponto marca o seu inicio e um
segundo ponto encontra-se em constante movimento influenciado pelo factor tempo, sem
nunca estacionar. O seu paradeiro e aquele que a historia nos mostra e aquele que a cada
momento se constroi, se renova, se amplia.
Ora, se a arte obrigatoriamente figurava, e porque ela cumpria uma funcao, o que
vem a desaparecer de forma evidente com o seculo XX e mais acentuadamente na viragem
do presente milenio. Nao mais faz sentido explorar o campo da figuracao com o intuito de
"fazer parecer". O non-sens, a ausencia, a realidade ampliada, o digital, etc., acabam por
destituir os valores anteriores e impoem cada vez mais as suas qualidades, dando provas da
sua validade a todos que delas usufruem. A harmonia entre a forma e o respectivo signo
deixou de vigorar.
O presente trabalho aborda entao questoes que relacionam comunicacao e arte, na
sua mais intima ligacao, incidindo maioritariamente nas artes que apelam a sensorialidade
visual. Esta decisao tratou-se apenas de um criterio de trabalho, visto que achamos que
todas as questoes aqui exploradas sao extensivas a todas as artes. As varias tematicas
abordadas vao desde alguns paradigmas comunicacionais ate a relatividade
espaciotemporal da obra de arte. Assim, dividiu-se a tese em seis capitulos. O capitulo I
esta todo ele dedicado as questoes basilares da comunicacao, ou seja, aquilo que lhe diz
exclusivamente respeito. Refiro-me pois ao seu conceito, a sua historia. Por outro lado,
faz-se uma breve incursao por alguns modelos comunicacionais, advindos a partir do
momento, em que se sentiu que a comunicacao seria um dominio a explorar passivel de vir
a transformar o mundo. Esses modelos vao desde os paradigmas lineares e esquematicos de
Norbert Wiener e Shannon e Weaver, ate a pluridisciplinaridade da Escola de Palo Alto.
Ainda neste capitulo, se aproximam alguns dos modelos atras referidos as artes
plasticas. Pretendeu-se portanto simular situacoes de equiparacao onde se demonstra, que,
embora se possam relacionar com a triade artistica, eles nao se efectivam como formas de
comunicacao artistica. Por isso, entre todos eles nao se avistou a possibilidade de algum se
firmar como um paradigma comunicacional para as artes.
A obra de arte e invariavel na sua essentia. Ela e materialidade, ela e aspecto fisico;
por isso, ela e o unico elemento da triade artistica que nao sofre variacao e logicamente nao
influencia as varias visoes que dela se podem tirar. Por isso, o capitulo II explora a obra de
arte como elemento central desta tese. Ela questiona a obra enquanto principio de
reconhecimento da realidade. Poderemos nos dizer que as imagens que nos invadem
constantemente, e em particular as imagens artisticas, nos comunicam alguma coisa? A
obra de arte e incontestavelmente uma imagem. Mesmo sendo apenas um conceito, este
firmar-se-a em imagem e por isso devera relacionar-se com a realidade. Sera que essa
relacao consegue fazer-se passar a todos os fruidores da obra? A fotografia e analisada
como uma tentativa de estreitar essa relacao. Ela e considerada para aferir, se uma forma
realista pode em alguma circunstancia contribuir para ser totalmente identificada e
promover de algum modo, um acto comunicacional entre o criador dessa imagem e o
fruidor que a recria.
Por outro lado, para acentuar a exactidao da realidade e diminuir a diferenca entre
essa realidade e a sua representacao, optou-se por acolher neste estudo a holografia,
mormente a 3D. Esta e considerada como o maior paradigma daquilo que nomeio de
imagem absoluta, ou seja, de uma imagem que expressa uma representacao univoca e
coerente, um registo "total" da realidade. Ela e o linico meio capaz de poder transmitir sem
equivocos uma dada realidade. Mas para alem da identificacao da sua forma sera ela capaz
de transmitir ao fruidor o conteiido que lhe estara subjacente? A holografia artistica, como
qualquer outra forma de expressao de arte, nao vive exclusivamente da forma e, neste
ponto, o aspecto comunicacional centra-se alem, da visibilidade formal, mais
acentuadamente no conteiido. As obras abstractas ou abstractizantes nao adquirem
contornos reconheciveis. A analise formal, enquanto reconhecimento da realidade, nao tern
pois grande importancia no expoente maximo da visibilidade. Ja o conteiido revela o
intento do seu criador e e este que interessa esquadrinhar. Neste ambito, a preocupacao esta
precisamente na extensao da realidade - no que ela traduz de verdadeiro, e no que ela
oculta - o que ela pode traduzir de falsidade.
Este capitulo contempla ainda uma parte relacionada com a finalidade da arte. Se
associarmos a arte a comunicacao estamos certamente a atribuir-lhe uma dada funcao. Ora
isso vem contrariar em absoluto a ideia comummente aceite de a arte ter um fim em si
mesma. De facto, se a arte for usada para comunicar algo, nao so ela tern a porta aberta
para fundar uma nova linguagem, dita universal, o que parece ser uma grande Utopia, mas
tambem fara perder irremediavelmente todo o seu "valor de culto" a que Walter Benjamin 5
se refere. Portanto, a referenda a autotelia da obra, apenas vem reforcar a ideia de nao-
comunicacao na arte.
O titulo deste trabalho, "Arte: comunicacao ou nao-comunicacao? Da objectividade
elementar a subjectividade artistica", subdivide-se em duas partes, ambas referentes ao
capitulo III: por um lado, "Arte: comunicacao ou nao-comunicacao" tern o seu estudo nos
aspectos da comunicacao centralizado na tematica da tese; por outro lado, "Da
objectividade elementar a subjectividade artistica" explora a obra de arte como sendo,
5 BENJAMIN, Walter - A obra de arte na era da sua reprodutibilidade tecnica. In idem, Sobre arte, tecnica
linguagem e politica. Lisboa: Relogio D'Agua, 1992. (Antropos). pp. 84-88.
simultaneamente subjectiva e objectiva. Esta segunda parte do titulo pretende demonstrar
que a arte nao e comunicacao, porque apenas a sua objectividade atinge o fruidor e e essa
objectividade que e geradora de multiplas subjectividades. Assim sendo, o capitulo III
especifica a problematica geral de todo este trabalho. E em torno deste capitulo que todos
os outros giram, de modo a complementa-lo eficazmente.
O capitulo III tem num primeiro momento, uma visao pessoal daquilo que
considero ser a impossibilidade de comunicacao artistica. Ele explora uma nova
abordagem de entender a arte centrada na pura visibilidade. Por isso, objectivam-se alguns
exemplos que exploram a (in)convencionalidade na arte, incidindo particularmente naquilo
que uma obra revela a qualquer humano - a sua objectividade. O ponto "Uma
objectividade elementar para uma subjectividade artistica" visa precisamente exaltar este
aspecto e acentuar esta ideia como axial e fundamental na prossecucao deste estudo.
Estabelece-se uma relacao ciclica, entre a dualidade forma e conteiido e consequentemente,
entre a objectividade e subjectividade. Este ponto pretende fazer perceber que qualquer
obra, desde a mais abstracta a mais figurativa, tem o seu principio nestas dualidades e que
sao simultaneamente objectividade e subjectividade. Considerar subjectiva ou abstracta
uma obra figurativa, parece paradoxal. Podemos supor isto se considerarmos que a sua
objectividade material nos esclarece acerca da sua forma, mas o seu conteiido permanece
oculto, hermetizando a obra numa total incompreensao. Se a obra abstracta tem um
elevado grau de subjectividade, nao menos verdade e, que ela e puramente objectiva. O
reconhecimento dos seus elementos constituintes basicos prova-o.
Como sabemos, a compreensao esta intimamente ligada a comunicacao: nao
poderemos comunicar se nao compreendermos o codigo de uma determinada linguagem.
De igual modo, a compreensao estetica requer a apreensao de determinados
conhecimentos. Daqui se distinguem dois grupos: um deles carece da informacao
necessaria para que possa julgar a obra com total idoneidade e por isso encontra-se num
estado de ignorancia; o outro, detentor da vivencia e conhecimento proprios da arte,
possibilita uma visao diferente, mais objectivada. Neste ultimo grupo destacam-se os
criticos, historiadores e, ainda que ocasionalmente, os guias de museus, curadores, etc. As
suas funcoes sao penetrar naquilo que existe de mais recondito na obra e mediar entre esta
e o publico, para possibilitar a este uma leitura mais clara do que lhe e proposto ver.
Ainda neste capitulo, abordamos a triade artistica numa perspectiva
comunicacional, ou seja, tentamos enquadrar o criador, a obra de arte e o fruidor, num
processo de comunicagao geral, onde coabitam tambem a codificagao e o feedback. Se um
sistema de comunicagao necessita da reuniao de todos estes elementos, entao ha que
demonstrar, que a nao verificagao de um deles ajuda a fundamentar a proposigao que aqui
se defende.
Como ja aqui foi referido, a arte sofreu muitas variagoes ao longo dos tempos.
Temos nessa transformagao, uma das base para compreender a nao-comunicagao na arte.
Nao considero que alguma vez pudesse ter existido comunicagao na arte, mas pelo menos
houve momentos em que existiria algo semelhante a isso. Sempre que a arte pretendia
"falar" acerca de uma determinada coisa, pessoa ou facto, ela fazia-o, usando modelos que
permitissem, se nao a todos, pelo menos a grande maioria, a identificagao do assunto/tema
em causa. Ora, isso opoe-se ao "fracasso" 6 comunicacional e artistico que hoje se vive.
Verificamos que a "comunicagao" na arte e inversamente proporcional ao seu
percurso temporal. Se em algum momento ela poderia eventualmente "comunicar", ha
muito que deixou de o fazer, por virtude das multiplas linguagens que foram surgindo e
libertaram o artista da obsessao mimetica. E neste contexto que surge o capitulo IV. Ele
pretende averiguar a relatividade temporal. No fundo explora a historia da arte em varios
momentos, fazendo referenda as vicissitudes das conjunturas da epoca, para se perceber o
enquadramento de determinado movimento ou assunto. Este capitulo subdivide-se em duas
partes. A primeira centra-se sobre a arte que chegou ate ao seculo XX. Aborda a arte
relacionada com as obrigagoes impostas pelos poderes de decisao. A necessidade de uma
arte subjugada a determinadas leis imperava e o artista nao detinha o privilegio de ser livre
na sua criagao. A arte estava atribuida uma fungao social, como a de representar o
soberano de um reino, ou uma fungao mais pedagogica, como a de explicar os varios
momentos biblicos e evangelizar a populagao.
As academias proliferam e poem o acento nas gramaticas de representagao. O
espectador da obra nao e um fruidor, mas sim um "leitor". Este apenas e considerado no
sentido de lhe permitir o melhor acesso visual. A tonica era colocada na forma e o
conteudo seria o corolario da primeira. E na viragem do seculo XX, que se norteiam outros
6 Considera-se "fracasso", sempre que a arte pretende veicular uma mensagem, que por variadissimas razoes
acaba por nao chegar ao seu destinatario como uma informacao suficientemente valida para ser
compreendida.
desideratos. As academias comecam a periclitar e a mimese da realidade comeca a nao
mais fazer sentido. O criador reivindica as emocoes para o seu trabalho e liberta-se desse
rigor mimetico e portanto das regras classicas de representacao. A segunda parte deste
capitulo incide precisamente sobre a arte do seculo XX, culminando numa abordagem a
actualidade artistica. A libertacao de qualquer forma pre-concebida e a caracteristica que
mais se destaca. O encontrar um homem novo que o Renascimento pretendeu, so se
efectiva plenamente com este periodo, onde o artista ganha o direito a liberdade de
expressao, mas tambem de pensamento. O Romantismo, agarrado as emocoes, as paixoes,
a gloria, etc. e mais tarde o virgulismo impressionista constituiram-se como um ponto de
viragem da arte. Surgem entao, num seculo, variadas formas de expressao, onde
encontramos o principio orientador, da ausencia de regras ser a regra. A explosao
tecnologica vem acelerar este principio e abrir novos caminhos, nao so para o criador, mas
tambem para o fruidor, que simultaneamente a todas estas modificacoes comeca a
enquadrar-se com um novo papel - a subjectividade.
O espectador deixa de ser uma preocupacao fundamental, passando o artista a
centrar a sua atencao nele proprio - desde o seculo XIX que ha uma grande incidencia no
eu. As mensagens que este veicula deixam de circular ao sabor da sua excessiva forca de
expressao e o fruidor critica a impossibilidade de compreender as obras. Como este
tambem comeca a co-participar na criacao, a arte comeca a enquadrar-se numa estetica da
relacao, onde ja nao interessa somente estudar o artista, mas tambem o seu enquadramento
com o espaco e com o fruidor. A arte sociologica de Herve Fischer (1941- ) atribui a arte a
responsabilidade de desocultar a sociedade, evidenciando as suas atitudes. As tecnologias
da comunicacao lancam o artista para uma nova plataforma - a estetica da comunicacao de
Fred Forest e Mario Costa evidenciam-no. O artista e artista da comunicacao, nao por
virtude da discussao em torno desta, mas sim dos meios que levam a comunicacao. As
relacoes de troca ocasionadas com acesso aos meios tecnologicos de comunicacao sao o
eixo desta estetica.
Verificaremos que a obra de arte contemporanea e um oximoro, e uma falsidade.
Ela remete para um estado evolutivo que designo no trabalho de "decadencia", onde a
comunicacao ja nao e um interesse comum. O processo que conduzia uma arte de cariz
universal e logicamente permitia o transito das mensagens, deixou de funcionar e a questao
comunicacional e relegada para segundo piano. Por isso, o ponto referente a actualidade
artistica nao e mais do que o demonstrar desta evidencia. O sentido de comunicacao e
perdido com a mudanca dos tradicionais conceitos.
A linguagem oral nao sofre mutacoes significativas (para alem das estritamente
necessarias as adaptacoes aos tempos em que e utilizada), mas, caso ela tomasse o exemplo
da arte, com certeza ocasionaria falta de consensualidade, naquilo que e uma parte tao
importante na "evolucao" da especie humana - a comunicacao. Percebe-se entao, que a
inquietacao da arte ao longo dos tempos veio favorecer a perda da capacidade de a
compreender.
A proposta de decadencia do ponto 4.3.2 e no fundo o culminar dessas mudancas
artisticas, que geram o actual momento da historia da arte. Uma historia diferente de todas
as outras, onde os elementos do processo artistico nao se encontram propriamente
definidos, onde o feio pode ser belo e onde todos os valores sao re-equacionados.
Analisando o percurso historico da arte, entroncamos numa relacao processual qui pro quo,
que de facto e demonstrativa de uma equivocidade ou de uma plurivocidade de
significacoes.
O quinto capitulo deste estudo, foi pensado com o objectivo de vir a fundamentar a
proposta teorica deste trabalho. A sua essentia pratica assentou num metodo de analise e
investigacao. Ha dois factores que influenciam a obra de arte: o momento em que e
apresentada e o local onde e visualizada. Tempo e espaco sao indubitavelmente factores
que decidem sobre o valor artistico. O que foi ontem nao e hoje e provavelmente nao o sera
amanha; o que num determinado local e valorizado de uma determinada forma, noutro
pode ser tido em conta de outra, possivelmente muito diferente. Ora, se os conceitos
espaco e tempo podem induzir diversas formas de compreensao da obra de arte, seria
necessario averigua-los, de modo a poder tirar conclusoes que fossem confluentes com a
tematica central da tese.
A relacao temporal da historia da arte e abordada como vimos no capitulo IV,
porque, como nao e possivel pela experiencia alguem avaliar as mudancas da arte
verificadas em longos periodos de tempo, entao so o relato historico nos permite aceder em
absoluto a grande vastidao de acontecimentos e ocorrencias artisticas, sem previamente
termos contactado com elas. Por isso se lhe dedica inteiramente um capitulo. Por outro
lado, a relatividade espacial da obra de arte pode ser avaliada experimentalmente, visto que
nao carece do factor tempo para a sua verificacao. O objectivo e averiguar como a obra de
10
arte e vista em funcao das diferencas culturais, se o conceito "comunicacao artistica" seria
aceite universalmente e se os resultados obtidos pela opiniao publica estariam em
consonancia com essa universalidade.
Para atingir tais objectivos, realizou-se um projecto itinerante com obras de minha
autoria que, nao sendo representativas do meu trabalho artistico, foram realizadas com o
desiderato de obter resultados que permitissem verificar se a arte e considerada como
sendo ou nao comunicacao. A essa exposicao de pinturas e fotografias foi anexado um
inquerito, atraves do qual se recolheu a opiniao de um publico bastante vasto. O projecto
estava inicialmente previsto para uma apresentacao global, ou seja, em todos os
continentes, mas por questoes financeiras, apenas foi possivel apresenta-lo na Europa,
Africa, Asia e America do Sul. Para isso contamos com o suporte financeiro da Fundacao
para a Ciencia e a Tecnologia, atraves da atribuicao de uma bolsa, bem assim como da
logistica ofertada pelo Instituto Camoes. Aproveitou-se esta iniciativa para divulgar em
cada localidade de apresentacao do projecto a ideia central da tese, tendo para tal sido
realizadas algumas palestras sobre o tema em causa.
Este trabalho encontra-se em contramao com a visao de uma comunicacao na arte,
fruto talvez de um sedentarismo dogmatico. Por isso, mesmo que sujeita a criticas podera
constituir uma pedrada no charco da nossa inercia cultural neste campo. No entanto, o
estudo da comunicacao e uma preocupacao no campo artistico e em todas as suas possiveis
interaccoes. Por essa razao, e necessario investigar, compreender e formular novas formas
de entender a arte, e criar novos meios para atender os interesses sociais do mundo, que se
diz globalizado. Na procura desse objectivo, resolveu-se fazer as reflexoes que se seguem,
sobre os paradigmas existenciais, e promover uma abertura para a ampliacao do conceito
de arte. Por isso, os capitulos seguintes interrogam continuamente as relacoes da arte e da
comunicacao.
Para finalizar, o capitulo VI, faz uma analise das consequencias deste estudo,
relacionando a fundamentacao pratica com toda a investigacao teorica. E portanto neste
capitulo que encontramos as conclusoes e e nele que se pretende evidenciar uma nova
visao da arte, deixando em aberto, a possibilidade de perspectivar este estudo no futuro, em
consonancia com novos valores que subsequentemente se aproximam. Inclui-se tambem
neste capitulo toda a actividade que se desenvolveu no ambito deste trabalho.
11
No fim deste capitulo, podem ainda encontrar-se um indice de imagens, de tabelas e
dos anexos, bem assim como um indice onomastico e outro tematico, que prestarao de
imediato servigo, aqueles que pretenderem localizar rapidamente um nome ou assunto que
lhes interesse.
* *
12
CAPITULO I
Comunica^ao
Nunca na historia do mundo se falou tanto de comunicagao. Esta, ao
que parece, deve resolver todos os problemas: a felicidade, a
igualdade, o desabrochar dos individuos e dos grupos.
Lucien Sfez
l.lConceito
De origem latina, derivado do verbo communicare, que significa tornar comum a
muitos, partilhar, e tendo a mesma raiz que "comunidade" e "comum" 7 , ou proximo de
"comungar" ou "comunhao" 8 , o termo comunicacao aparece no sec. XIV e significa "estar
em relacao com", no sentido de "por em comum". Designa, entre outras, «(...) une
experience anthropologique fondamentale. Intuitivement, communique consiste a echanger
avec autrui» 9 . Para Kierkegaard 10 o "tornar comum" e tornar vulgar, porque so deste modo
a mensagem se consegue colocar a disposicao de todos. Este conceito de "comunhao"
esteve sempre muito presente nas comunidades cristas, que auferiam uma verdade comum
e partilhavam uma mesma simbologia religiosa, sendo um dos seus principals objectivos a
divulgacao das suas crencas. Tal divulgacao so seria conseguida por meio da comunhao
(do latim communione) das comunidades, pretendendo-se «Envolver a terra numa rede de
Do latim communis.
Estes dois, tambem saidos de communicare.
9 WOLTON, Dominique - Penser la communication. Paris: Flammarion, 1997. (Champs; 413). p. 15.
Wolton relacionando a comunicagao com a sociedade estabelece tres niveis distintos para a comunicagao, a
saber, "comunicagao directa", "comunicagao tecnica" e "comunicagao social funcional", onde existe um
tronco comum a todas definidor da comunicacao: a interacgao, cf. idem, ibidem, pp. 14-16.
10 Em forma de critica aos media.
13
missoes» n . Mas "por em comum" nao e indissociavel do factor humano: de facto, nao e
possivel pensar-se em comunicacao sem estar implicita a actividade subjectivamente
humana.
Ja no seculo XVIII aparece a ideia de transmissao que ainda hoje predomina. A
comunicacao e entao, desde ha alguns seculos, ate hoje, entendida como um acto de
transmissao, em que o que e transmitido e o conteudo, ou seja, a informacao. Ate ha algum
tempo, a unica forma de se estabelecer a distancia um acto de comunicacao seria fazer
transportar a informacao entre um ponto emissor e outro receptor. Os meios para esse fim
eram essencialmente humanos, e quando se pretendia reduzir o tempo que medeia entre a
emissao e a recepcao, haveria que aumentar a rapidez de transporte dessa informacao. Essa
funcao caberia ao homem, aos pombos, ou aos pares homem-cavalo, homem-barco e, mais
recentemente, ao homem-comboio, homem-carro, homem-aviao. Apesar dos
desenvolvimentos que os meios de comunicacao foram sofrendo ao longo dos tempos,
ainda hoje e utilizado este processo. Basta para tal atentarmos nos correios convencionais,
em que se deposita uma carta ou encomenda e esta e transportada com recurso a meios
humanos, por meio terrestre, fluvial ou aereo. Se o cliente desejar reduzir o tempo de
recepcao, podera sempre remeter a sua informacao por correio azul, Express mail ou outros
servicos. E um processo moroso, comparativamente aos meios electronicos. Ainda assim e
aceitavelmente eficaz para que tenha perdurado ate aos nossos dias, alias com uma cada
vez maior expansao. Assim, a rede telegrafica de Claude Chappe (1763-1805), os
telefones, a Internet, os comboios, os jornais, etc. sao tidos como meios de comunicacao.
Hoje a informacao e veiculada de variadas formas, tendo ja ha muito tempo deixado os
suportes tradicionais, para se implantar noutros circuitos, como as redes telematicas, a
"infoweb", etc., sendo a informacao «(...) a coisa mais difundida e menos definida do
mundo» 12 .
A era do digital, ja acelerada pela revolucao industrial com a invencao da
impressao, da fotografia, do cinema, do telefone, do fax, da radio, da televisao, do satelite
intensifica-se pela abundancia e autonomizacao constante da informacao. Desde ha alguns
seculos a esta parte e gracas a imprensa de Gutenberg (1450), as linguas estabilizaram-se e
11 Esta era a incumbencia da Igreja Catolica Romana, definida pelo Papa Gregorio XVI (1765-1846).
LEFLON, Jean, Histoire de l'Eglise. La crise revolutionnaire (1789-1846). Paris: Bloud et Gay, 1949. p.
512. Cit. por MATTELART, Armand - A invencao da comunicacao. Lisboa: Instituto Piaget, 1996.
(Epistemologia e Sociedade; 42). p. 225.
12 LUSSATO, Bruno - Informacao, comunicacao e sistemas. Lisboa: Dinalivro, 1991. p. 35.
14
a leitura generalizou-se. Actualmente, com linguagens como o html (hipertexto), ela
complexifica-se e regula-se diferentemente sobre um ecra, mais do que sobre o papel. Uma
mesma informacao comporta mais elementos: texto, imagem, imagens animadas, som, etc.
Paralelamente, a educacao do publico reforca a capacidade de leitura dos signos
complexos. Por exemplo, um humano do seculo XIX seria talvez incapaz de compreender
um cartaz ou publicidade comercial, que nos facilmente decriptamos sem problemas, e a
fortiori um clip de video, ou um spot de televisao. Tal deve-se ao facto da "Galaxia de
Gutenberg" se ter transformado na "Galaxia de Marconi", o analogico adquire formato
digital, os mass media passam a self-media. Podemos entao dizer que, no sentido em que
hoje conhecemos a comunicacao, ela e uma invencao do seculo XX, porque e neste
periodo que surgem as grandes preocupacoes em torno dela, dando-se grandes
transformacoes no seu seio. No entanto e-o na medida de uma preocupacao cientifico-
economica. Como e evidente, ela nao nasce com o seculo XX, mas e a partir deste periodo
que se comeca a tomar consciencia da grandeza desta nova "ciencia".
A comunicacao e um fenomeno complexo, estando-lhe associadas varias teorias e
conceitos, muitas delas completamente contrarias. Nenhuma delas se pode afirmar como
detentora de uma verdade absoluta, mas apenas parcial. O conceito moderno de
comunicacao tern cronologicamente a marca da primeira geracao, a de Norbert Wiener
(1894-1964), matematico, fundador da cibernetica. Norbert Wiener, juntamente com Julian
Bigelow (1913-2003) e Arturo Rosenblueth (1900-1970) realizam, em 1942, uma
conferencia que dara lugar a publicacao do artigo intitulado "Behavior, Purpose and
Teleology", em 1943, na revista "Philosophy of Science". Este artigo e considerado por
Philippe Breton como contendo «(...) a nocao moderna de "comunicacao"» 13 , e isto
porque desde logo nutria o pensamento moderno de comunicacao e particularmente da
cibernetica. Inicialmente, Wiener nao se refere a palavra comunicacao, apropriando-se
antes da nocao de comportamento, o que leva a crer que tenha seguido as ideias
behavioristas.
Uma segunda geracao, que fica todavia como referenda principal nos dias de hoje,
provem da engenharia, de um dominio tecnologico particular, o do telefone e da telegrafia.
Dois celebres engenheiros, Claude Shannon (1916-2001) e Warren Weaver (1894-1978),
tentaram modelar a comunicacao a distancia, ou mais exactamente, a materialidade deste
13 BRETON, Philippe - A Utopia da comunicacao. Lisboa: Institute) Piaget, D.L. 1994. (Epistemologia e
Sociedade; 11). p. 19.
15
tipo de ligacao. Dai o famoso esquema ainda hoje divulgado: um emissor transmite uma
mensagem em direccao a um receptor por via de um canal. Quando comunicamos temos
em mente uma certa ideia e, se conseguimos transmiti-la, os nossos receptores terao
tambem em mente e em fim de processo, se nao exactamente a mesma ideia, pelo menos
uma ideia bastante semelhante, uma copia aproximada, ou uma versao da ideia que
desejamos comunicar - o modelo de simples engenharia passou a engenharia humana.
A corrente ideia de comunicacao entre indivlduos assenta num pressuposto
fortemente instalado: o emissor dispoe de uma certa quantidade de materia ou, dito de
outro modo, de um pacote de informacoes (a mensagem) e efectua o seu transporte para o
receptor. Esta transmissao efectua-se em condicoes que por vezes podem parasitar essa
recepcao (barulho, interrupcoes). A primeira consequencia de tal aproximacao materialista
a comunicacao e a de considerar que a "encomenda" enviada contenha toda a
"mercadoria", ou seja, que o sentido nao deixe tambem de ser transmitido. A vida do dia a
dia mostra-nos generosamente ate que ponto isto e falso. Se existe efectivamente um
aspecto fisico na comunicacao, ele e sem duvida de ordem sonora ou da escrita. Se o
destinatario dispoe da lingua utilizada pelo emissor, ele recebera, depois da descodificacao,
uma sintaxe e uma serie de significacoes. O sentido e construido pela significacao dada.
Uma vez recebida a mensagem, o receptor interrogar-se-a sobre ela, porque esta e como
um resumo carregado de signos a decifrar. Esta incompletude e propria de todas as
emissoes sonoras e todas as producoes escritas. O receptor e de facto aquele, que gracas a
sua imaginacao e a sua reflexao, "inventa" o sentido do que recebeu, como se de um
enigma se tratasse.
Algumas pessoas diriam mesmo que nao ha mensagem, porque a informacao nao
contem nem a chave da sua intencao nem do seu contexto, nem mesmo a das suas
consequencias. Se ha uma mensagem, so podera ser o resultado do trabalho do interlocutor
(significacao), mas em todo o caso o que e certo e que ela nao sera transmitida. O caracter
nao transmissivel da significacao pode espantar algumas pessoas habituadas a nao
estabelecerem a diferenca entre o sentido e a significacao. O que e necessario compreender
aqui e que o sentido e comum, colectivo, enquanto que a significacao e sempre singular e
pessoal. De certo modo, a linguagem humana, pela sua dimensao social, e impropria para
formular ou fazer entender uma experiencia interior ou pessoal. No entanto, cada um de
nos chega a construir ou a discernir o sentido atraves das palavras ou da escrita. Para
16
avancar um pouco mais no esclarecimento deste paradoxo, e necessaiio distinguir o
transmisslvel do nao-transmisslvel: a significacao e uma combinacao mais ou menos
complexa de elementos ligados por uma logica, traduzida numa sintaxe pessoal e extraida
da riqueza vivencial de cada um; o sentido produz-se como um evento singular e nao como
um elemento ou uma estrutura. Neste exemplo, incluimos a lingua que e um sistema nao-
efemero, disponivel a qualquer momento, capaz de aperfeicoamento, e que e o vector da
significacao. A sua relativa estabilidade, a sua natureza convencional, o seu jogo na
sociedade fazem dela um referente comum para os individuos que a adoptam. Ela permite
colocar a coisa significante no "entre dois" de uma relacao humana.
A comunicacao, por um lado, e um dos termos mais dificeis de definir, por nao
existir uma definicao univoca e suficientemente clarificadora da sua existencia; por outro
lado, e um dos termos mais recorrentes na nossa epoca, ao ponto de a caracterizarmos
recorrendo a expressao "sociedades da comunicacao". Alias, como refere Adriano Duarte
Rodrigues, «0 seculo XX ficara na historia como o seculo da Comunicacao Social» 14 . Mas
normalmente esta atribuicao nao corresponde ao que efectivamente se supoe dizer, porque
hoje ela tornou-se um "colosso terminologico" 15 , que abrange inumeros dominios. Apesar
de vivermos num periodo onde as areas de saber primam pela especificidade e pelo rigor, o
termo comunicacao conduz a varios lexicos, que se reportam a variadissimos dominios.
Assim, para alem do vulgar emprego do termo para justificar as relacoes sociais, tambem e
utilizado por outras entidades, como o jornalismo audiovisual e impresso; ou empresas de
telecomunicacoes, que a apelidam de "auto-estradas da comunicacao". Ha quern se refira
tambem as "vias de comunicacao", no sentido de significar os meios disponiveis ao
homem para a sua deslocacao fisica. Tambem a arte nao escapa a esta nomenclatura,
porque diz-se: "a arte comunica".
As sociedades da comunicacao constituem um laco que circunscreve as actividades
humanas, nao so afirmando o humano como um homo communicans mas tambem
transformando as sociedades em suportes que interagem simultaneamente e que alargam o
conceito de comunicacao humana para o de comunicacao de maquinas. Estas extensoes
instituem a comunicacao como um dos maiores mitos das sociedades pos-modernas 16 e
14 RODRIGUES, Adriano Duarte - A comunicacao social: nocao, historia, linguagem. Lisboa: Vega, [199-
?]. (Ciencias da Linguagem; 15). p. 17.
15 BRETON, Philippe, op. cit., 119.
16 cf. LYOTARD, Jean-Francois - La condition postmoderne: rapport sur le savoir. Paris: Editions de
Minuit, 1994. (Critique).
17
acredita-se que a era do "Emerec" 17 , entrou num processo de desenvolvimento irreversivel.
Assistimos de facto aos efeitos, de uma proliferacao de factos tecnologicos e socio-
culturais associados a diferentes formas de comunicacao, transmissao e arquivo de
informacao. As "maquinas para comunicar" 18 em todo o caso fazem ja parte do nosso meio
envolvente e do nosso quotidiano e aproximamo-nos de uma forma de opulencia
comunicativa 19 . Quer de uma forma quer de outra, elas tornam-se prementes para o
desenvolvimento social, dando-lhes unidade, sendo mesmo consideradas indispensaveis.
No entanto, este papel dos meios de comunicacao restringe-se apenas aos meios que
permitem a troca de informacoes, quer sejam consideradas as formas mais simples de
comunicacao, como a linguagem verbal, quer a utilizacao dos mais avancados sistemas,
como satelites (1957) 20 , fibras opticas (1975), etc. Assim, como John Fiske 21 , somos
relutantes em considerar a televisao ou o "nosso penteado" como um meio de comunicacao
isto porque efectivamente eles nao nos possibilitam, uma troca de informacao, tal como
Attallah afirma: «Les medias de masse modernes excluent toute possibilite de reciprocite
de la communication. Les contenus voyagent a sens unique, du centre vers la peripherie» 22 .
E se comunicar e por em comum, entao a televisao sera uma quimera inatingivel
em termos comunicacionais, um fracasso, como algumas pesquisas o demonstraram em
estudos sobre a recepcao 23 . Peraya e Meunier a este respeito referem que «Meme si un
vetement peut se faire le support ou le vehicule de significations socioculturelles evidentes,
17 Contracao das palavras francesas "emetteur" e "recepteur". cf. CLOUTIER, Jean -A era do emerec ou a
comunicacao audio-scripto-visual na hora dos self-media. 2 a ed. Lisboa: Instituto de Tecnologia
Educativa, 1975. cf. ainda idem, Petit traite de communication: EMEREC a l'heure des technologies
numeriques. Reillanne [Franca]: Atelier Penousseaux, cop. 2001. Os anglo-americanos utilizam a
contraccao derivada das palavras "transmetter" e "receiver", dando origem ao novo termo "transceiver".
18 cf. PERRIAULT, Jacques - La logique de l'usage: essai sur les machines a communiquer. Paris:
Flammarion, 1989.
19 cf. MOLES, Abraham - Theorie structurale de la communication et societe. Paris: Masson, 1988.
(Technique et scientifique des telecommunications), pp. 15, 147, 207.
20 O primeiro satelite artificial surgiu em 1957, mas o primeiro direccionado para as telecomunicacoes so
apareceu em 1958.
21 FISKE, John - Introducao ao estudo da comunicacao. 5 a ed. Porto: Asa, 1999. p. 13.
22 ATTALLAH, Paul - Theories de la communication: sens, sujets, savoirs. Quebec: Tele-Universite,
1994. (Communication et Societe). p. 202.
23 A este respeito cf. SILVA, Carlos Eduardo - Muito alem do jardim botanico. Sao Paulo: Summus
Editorial, 1984. (Novas buscas em comunicacao); VILCHES, Lorenzo - La lectura de la imagem: prensa,
cine, television. Barcelona: Paidos, 1995. (Paidos comunicacion; n° 11); idem, Manipulation de la
informacion televisiva. Barcelona: Paidos, 1995; CADAVIECO, Fombona Javier - Diseno de
informativos en television: estudio y analisis de categorias y variables. Madrid: Universidad Complutense
de Madrid. Facultad de Ciencias de la informacion, 1996. Tese de doutoramento apresentada no
Departamento de Periodismo II, da Universidad Complutense de Madrid (Estructura y Tecnologia de la
Informacion).
18
il parait peut probable a ces auteurs qu'il soit porteur d'un message intencionnel» 24 . O
vestuario, deste modo, nao e mais do que um repositorio de informacoes, que por sua vez
estao relacionadas com um sistema socio-cultural especifico. Sao aquilo que Prieto 25
apelidou de "indice". Assim, a propria multidisciplinaridade apontada por Fiske, no sentido
que lhe quer dar, parece profusamente exagerada, porquanto a comunicacao estara
consignado um campo muito particular, com as suas variacoes possiveis, que sao as da
ciencia, com a verdadeira telia de por em comum. A nao ser que encaremos a comunicacao
como uma "evolucao" historica, em que o partilhar da lugar ao transmitir. Seria assumir
preponderantemente a comunicacao como um acto apenas de transmissao, se quisermos de
informacao, ate porque como tern sido referenciado, falar-se de comunicacao e o «(...)
equivalente de muitas outras designacoes: informacao, meios ou tecnicas de difusao,
comunicacoes de massa, "mass media", etc.» 26 . Caso contrario afasta-se toda e qualquer
possibilidade de atribuicao designativa de comunicacao, a tudo quanto possa gerar
confusao neste assunto. Deste modo, a comunicacao, sendo um acto, so o sera quando
satisfeito o seu objectivo principal de por em comum, pelo que nao atingindo esse fim,
deixa de ser um acto para se transformar num produto chamado informacao.
Muita da tecnologia que nos rodeia, nao e comunicacao, bem assim como muitas
das relacoes sociais tambem nao o sao. Caso contrario, estariamos certamente rodeados de
comunicacao: ao ouvir um CD de musica, ao ler um livro, ao contemplar um outdoor
publicitario, ao sermos acordados por um despertador, ao vermos televisao... Existiria ate
comunicacao nas escolas, onde alguns professores tern muito pouco de comunicativo.
Todos os que defendem «(...) que "tudo e comunicacao" significa a impor-lhes uma
responsabilidade que em caso nenhum podem assumir» 27 . O humano esta mergulhado em
grandes incertezas sobre a comunicacao; antes, diriamos, sobre a incomunicacao. A
profusao de tantos sistemas confunde o humano, entregando-o a contingencia de um
mundo que respira indecisoes, quer culturais, quer sociais, politicas, religiosas, ou
economicas.
24 PERAYA, Daniel; MEUNIER, Jean-Pierre - Introduction aux theories de la communication: Analyse
semio-pragmatique de la communication mediatique. 2 a ed. Bruxelas: De Boeck, 1993. (Culture &
Communication), p. 35.
25 «(...) un fait immediatement perceptible qui nous fait connaitre quelque chose a propos d'un autre "fait"
qui ne Test pas». cf. PRIETO, Luis Jorge - Messages et signaux. Paris: PUF [Presses Universitaires de
France], 1972. (Le Linguiste; 2). pp. 19-31. A segunda parte desta obra esta consagrada a economia dos
signos e o autor apelidou-a de "Economie", pp. 83-156.
26 RODRIGUES, Adriano Duarte, op. cit., p. 21.
27 BRETON, Philippe, op. cit., p. 9.
19
1.2 Historia
Uma historia da comunicacao nao atinge as suas origens, porque a comunicacao e
uma condicao humana, tal como a linguagem e uma condicao da historia. Encontrar urn
marco divisorio entre o antes e o depois da comunicacao, ou seja, distinguir o que tera sido
uma primeira forma de comunicacao primitiva, de um momento em que se torna possivel a
troca de informacoes e assim constituir uma historia da comunicacao, e uma tarefa dificil.
Para Marshall McLuhan 28 , a historia da comunicacao e explicativa da historia da
humanidade, porquanto a esta estao associados alguns marcos inovadores provindos dos
dominios da comunicacao. As sociedades seriam entao transformadas, nos mais diversos
pianos, pelas revolucoes da comunicacao. Veja-se o caso do aparecimento da escrita, da
imprensa e actualmente a comunicacao de massas. McLuhan divide pois a comunicacao
em periodos ou culturas. Na epoca tribal, onde nao havia um alfabeto, apenas se falava
para comunicar. Era uma cultura oral ou acustica, caracteristica das sociedades nao
alfabetizadas (sociedade tribal). Esta cultura foi a que prevaleceu desde a existencia da
humanidade ate a sua alfabetizacao, com o aparecimento da imprensa de Johannes
Gutenberg (c. 1390-1468). Tambem para Jean Cloutier 29 , numa primeira fase, so prevalece,
tal como em McLuhan, o individuo per se, pelo que a comunicacao esta apenas restrita a
oralidade, ao gesto, a palavra, a expressao corporal. Trata-se da comunicacao interpessoal.
Segundo Cloutier, seguiu-se uma segunda etapa em que o humano sente
necessidade de se libertar da restricao pessoal. Ele comeca a fazer uso do desenho, da
musica e a escrita fonetica aparece, arrancando o homem da exclusiva dependencia do
sistema auditivo. E a era da comunicacao de elite. A musica e o canto sao formas de
exteriorizacao; instaura-se um codigo sonoro para comunicar, surgindo assim o "tam-tam";
tambem se privilegia a visao, por utilizacao dos codigos visuais, dos quais o mais exemplar
e os sinais de fumo. Os registos imageticos primitivos tambem sao fundamentals para a
transferencia do pensamento e da mundivivencia que rodeavam o "Emerec". As primeiras
imagens que podiam estar associados a um sistema de comunicacao remonta, como e
sabido, nao a historia, mas sim a Pre-Historia, ha cerca de 35000 anos, ao chamado
28 cf. McLUHAN, Herbert Marshall - A galaxia de Gutenberg: a formacao do homem tipografico. Sao
Paulo: Companhia Editora Nacional, cop. 1972. (Cultura, Sociedade, Educacao; 19).
29 cf. CLOUTIER, Jean - A era do emerec ou a comunicacao audio-scripto-visual na hora dos self-
media. 2 a ed. Lisboa: Instituto de Tecnologia Educativa, 1975. p. 21.
20
Paleolitico Final e «(...) tern todas em comum o poder de nos representar o Emerec de
entao» .
Muito se tern discutido acerca dessas imagens, alegando uns que nao se trata, como
outros referem, de arte, mas antes de simples registos dos seus quotidianos 31 . Nao importa
encontrar a resposta a esta questao, pois sai do ambito deste trabalho, mas poderemos
colocar outra de igual modo pertinente: pretenderam os nossos antepassados, atraves das
suas interpretacoes da realidade, expressar uma "fascinacao magica" 32 , ou essas formas
seriam nao formas isoladas e desordenadas, mas sim conjuntos 33 , podendo ter sido o seu
modo de comunicar, sendo que existiria uma infinidade de registos, dos quais so um
pequeno resqurcio nos chegou ate hoje? Assim como pouco se sabe acerca das razoes da
existencia da arte rupestre, tambem dificilmente chegariamos a alguma conclusao valida
para as questoes lancadas sem que, como sempre, nao se especule acerca das mesmas.
Independentemente do fim a que se destinavam, uma coisa e certa: as representacoes
rupestres seriam compreendidas por quern as visualizasse. Esta afirmacao contem uma
outra revelacao nao menos verdadeira e que existe uma diferenca substancial, entre o que
seria o mundo no Paleolitico e o nosso mundo actual. Se a cada imagem que vemos
atribuimos uma pluralidade de significacoes, por causa da pluralidade de imagens que nos
invadiram interiormente, o mesmo nao se passaria com os nossos antepassados num
universo muito limitado de imagens. Dai que talvez nao faca sentido falar de significacao
ha 35000 anos atras. Todavia, uma leitura atenta das obras pre-historicas permite verificar
que se trata de obras convencionais, que somente seriam conseguidas seguindo
determinados criterios de estabilidade das suas formas de construcao. Assim, talvez
possamos afirmar que estas obras tinham uma significacao muito particular, sendo a
propria construcao baseada num procedimento mnemotecnico, para permitir a repeticao da
mesma figura com a minima variabilidade possivel.
idem, ibidem, p. 30.
31 Muitos sao os que consideram os animais representados nas pinturas, como elementos vivos, no entanto
poucos sao os que defendem o contrario, que as representacoes se referem a animais mortos. A este respeito
cf. ABERCROMBIE, Margaret - The anatomy of judgement: an investigation into the processes of
perception and reasoning. Londres: Hutchinson, 1960.
32 FABRE, Maurice - Historia da comunicacao. 2 a ed. Lisboa: Moraes Editores, 1980. p. 21. (Problemas
sociais).
33 A este respeito cf. LAMING-EMPERAIRE, Annette - La signification de l'art rupestre paleolithique:
methodes et applications. Paris : A. & J. Picard & Cie, 1962 e LEROI-GOURHAN, Andre - Prehistoire de
L'art occidental. Paris: Mazenos, 1965. O caracter altamente estereotipado das figuras pre-historicas
reforcam a interpretacao destes autores, de que as imagens paleoliticas representam simbolos e nao retratos.
Poderiam assim constituir-se, como unidades minimas de comunicacao.
21
Porem, o que se torna relevante para este estudo e frisar que a comunicacao tera
tido origem ha milhares de anos, mas que sera duvidoso que tenha sido por meio da arte.
Dai que fique a duvida, para a qual nao temos resposta valida, porque efectivamente a
verdadeira comunicacao tera aparecido quando se estabeleceu a relacao entre o signo, que
podia ser a imagem e o respectivo conceito. A escrita e representativa desta relacao.
Supoe-se que as primeiras tentativas da escrita tenham acontecido na
Mesopotamia 34 por volta de 3100 a.C. Os passos seguintes foram fundamentais para o
desenvolvimento das sociedades, porque permitiram a livre circulacao de ideias e
conceitos, sob a forma de pictogramas - os ideogramas 35 .
Posteriormente atinge-se mais uma etapa. O signo grafico, em lugar de significar a
ideia de um objecto (ideograma) comeca a designar um som - o fonograma. O signo do
objecto pode assim significar o proprio objecto, ou ainda o som. Esta mudanca veio ajudar
a colmatar uma limitacao da escrita ideografica, que era a expressao de conceitos
abstractos, como por exemplo os verbos dever, querer, etc. A comunicacao saiu reforcada.
Varias formas de escrita foram surgindo, a escrita sumeria, que passou a escrita
cuneiforme; a escrita hieroglifica do antigo Egipto; a escrita linear desenvolvida pelos
minoicos; o alfabeto fenicio, que deu origem ao alfabeto oriental ou arameu e ao alfabeto
ocidental ou cananeu, e que estao na origem de todos os alfabetos actuais. Muitas outras
derivacoes poderiam ser enunciadas, como o cirilico (escrita dos eslavos); o alfabeto
hebreu e arabico, descendentes do arameu; o latino, com origens no cananeu e introduzido
na Europa pelos gregos, etc. Se a escrita teve um papel importante no desenvolvimento e
aperfeicoamento das varias linguas, tambem a oralidade era fundamental. Assim, no seculo
III a.C, Aristoteles (384-322 a.C) ja tinha tido a preocupacao de estudar a comunicacao.
Esta era fundamentalmente dirigida para o aperfeicoamento da retorica, visto que ele
considerava importante, o conhecimento de uma tecnica de relacionamento na vida
34 Em consequencia do processo de aglutinagao entre os Sumerios e os povos semitas da Arabia.
35 Ainda hoje a escrita ideografica e utilizada pelos chineses, mas com enormes dificuldades, visto eles
utilizarem uma combinagao de pictogramas, ideogramas e sinais, que como se calcula, terao de ser em grande
numero para possibilitar uma compreensao clara das ideias a transmitir. Porem, tamanha quantidade de
simbolos e dificil de ser apreendida. Refira-se que o dicionario chines tem em media cerca de 40 mil
caracteres e que apenas quatro mil sao correntemente utilizados.
22
publica 36 . O modelo, que persiste ate aos dias de hoje, era composto por: fonte -
mensagem - receptor.
Cloutier aponta como caracteristica dum terceiro periodo da historia da
comunicacao, uma amplificacao dos meios, desde logo com o aparecimento da imprensa
de Gutenberg ate aos mais recentes processos tecnologicos de comunicacao, como o
satelite, passando pelo cinema, radio, televisao, telegrafo e telefone. E a era da
comunicacao de massa, ou na terminologia de McLuhan, Galaxia de Gutenberg. O que ele
chama Galaxia de Gutenberg e o universo da imprensa que influenciou a vida humana sob
todos os pianos, pessoal, politico, estetico, economico, psicologico, moral, etico e social.
Segundo ele, a nossa epoca esta a ser submetida a um transformacao no seu environnement
ou nos meios de comunicacao, mas isso nao significa que os actuais meios vao desaparecer
e ser substituidos por outros. Quando ele tenta explicar que entramos num mundo onde as
caracteristicas de comunicacao sao a instantaneidade e simultaneidade oral, opondo-o a um
mundo de sequencialidade e linearidade tipografica, nao significa que a palavra va "matar"
a imprensa, nao significa que o magnetofone e a televisao irao matar o livro. A impressao
tipografica, segundo McLuhan, permitiu a tiragem da imprensa em centenas, milhares e
mesmo milhoes de exemplares em todas as linguas e em todos os dialectos, o que deu
origem ao nascimento do nacionalismo. Por outro lado, o livro, sendo portatil, habituou os
humanos a lerem e a pensarem privadamente, dando nascimento ao individualismo. O
mundo da imprensa, enfim, habituou o homem a depender quase inteiramente do seu
sentido da visao, com a exclusao do tacto e do olfacto, do gosto e da audicao. Ele fez do
humano um ser de simples dimensoes logicas e lineares. A era da imprensa conduziu a
revolucao industrial e a linha de montagem, ao conceito newtoniano da fisica e do
universo. Assim, as ramificacoes da Galaxia de Gutenberg fornecem uma explicacao do
que se passou desde a Renascenca ate a actualidade, em que a economia se revela como
um facto determinante para o aparecimento e desenvolvimento das sociedades e a qual a
comunicacao esteve inevitavelmente ligada. Desta forma, uma sociedade desenvolvida
economicamente e com certeza uma sociedade que tera sistemas de comunicacao muito
desenvolvidos, quer dizer, formas de "transaccionar" de forma segura e rapida.
36 Aristoteles nomeou de ethos, a qualidade do orador que agrada pessoalmente os seus ouvintes. cf. A este
respeito, ARISTOTELES - Art rhetorique et art poetique. Paris: Librairie Granier Freres, imp. 1944.
(Classiques Gamier).
23
Este desenvolvimento nao aconteceria, se nao houvesse uma gradual generalizacao
dos meios de comunicacao. De resto, de que serviria uma sociedade evoluida, se a
comunicacao nao recebesse uma resposta semelhante? Por exemplo, apos a Revolucao
Francesa, o territorio nacional trances foi dividido em varias parcelas - departamentos -
para que o governador dessa area pudesse alcancar todos os locais da sua regiao num curto
espaco de tempo. Entao podemos relacionar a comunicacao com a nocao de fluxo e de
troca tal, como a economia de mercado a desenvolveu e estruturou no seculo XII, ou com
as relacoes sociais dominantes no fim do seculo XVII. A comunicacao e entao, num
primeiro tempo, determinada pela razao economica, o resultado de relacoes de troca, de
fluxo de mercadorias e de ideias, de dinheiro como meio universal de troca, e finalmente,
das relacoes estruturais e de apreensao do social, como relacoes naturais e reais,
contrariamente a visao religiosa de um poder divino, que organizava e dirigia o "todo" com
forca e bondade. A mistica religiosa, ou a ideia de que Deus dirige o mundo e o medo da
punicao divina sao entao substituidos pela autonomia do sujeito social, pela vontade geral e
o direito natural. Digamos que surgem varios tipos de autonomia na sociedade moderna 37
(a autonomia religiosa, a autonomia economica, a autonomia social, etc.), todas elas
especies de "burocracias" que subjazem as sociedades.
As sociedades modernas 38 «(...) ne croient plus que les regies et relations sociales
soient determinees par un ailleurs divin et transcendantal. Elles croient, au contraire, que
l'ordre social est determine par l'exercice de la raison humaine confronted aux difficultes et
contradictions du monde empirique» 39 . Estas sociedades modernas, que deixaram para tras
as sociedades feudais e que estao na origem da nossa modernidade ocidental, caracterizam-
se pelo desaparecimento da transcendencia divina, para o que a Revolucao Francesa e a
industrializacao muito contribuiram. Da-se a passagem da historia enquanto exterior ao
homem para a nocao de historicidade como vontade propria e universal do homem. A ideia
de fazer parte da historia ja nao interessa ao homem: interessa-lhe sim fazer a propria
historia e fazer parte dela pelos seus feitos apreendidos conscientemente. Esta mudanca,
provocada em certa medida pelo despovoamento do campo, conduz, nas sociedades
i7 cf. ATTALLAH, Paul - Theories de la communication: histoire, contexte, pouvoir. Quebec: Tele-
Universite, 1997. (Communication et Societe). p. 24.
38 No seculo XIX, Ferdinand Toennies (1855-1936) apelidou as sociedades modernas de Gesellschaft em
oposicao as sociedades antigas, as Gemeinschaft. O que distingue as duas e o urbanismo versus ruralismo que
as caracterizam. O processo de industrializacao promove a deslocacao demografica do campo em direccao a
cidade. cf. a este respeito, ATTALLAH, Paul, op. cit., pp. 11-17.
idem, ibidem, p. 1.
24
modernas, a uma nova forma de visualizar o campo social. Surgem entao algumas teorias
que tem o intuito de explicar estas mudancas, aparecem pois as primeiras teorias sobre a
"massa".
Mas este e tambem, um periodo em que surgem as primeiras preocupacoes em
controlar a comunicacao e segundo Mattelart 40 tem como encarnacao simbolica o
engenheiro Sebastien Le Prestre, marques de Vauban 41 (1633-1707), contrariamente a D.
Quixote de la Mancha (1605) simbolo da "comunicacao nomada". Este periodo e deveras
recheado de pesquisas para tornar rios navegaveis, bem como da construcao de portos
comerciais, da ampliacao das redes viarias, e da construcao de pontes.
A era da comunicacao de massa de Cloutier engloba a Galaxia de Gutenberg e a era
da electronica de McLuhan, porque existe uma diferenca cronologica entre os varios
episodios dos autores. A comunicacao de massa explica a comunicacao ate as mais
recentes tecnologias da actualidade, enquanto que a Galaxia de Gutenberg encontra como
limite o seculo XIX, ao qual se sucede a era da electronica. A cultura electronica, ou
Galaxia Marconi, prima pela velocidade da transmissao das mensagens e caracteriza a
actualidade, em que nos somos formados e transformados pelas tecnologias, enfim a
electronica. A invencao da electricidade foi decisiva para a comunicacao, nomeadamente
para o desenvolvimento nos domlnios das telecomunicacoes. Efectivamente, a energia
electrica permitiu a troca de informacao entre longas distancias, o que ate entao so tinha
sido possivel por meios muito arcaicos e tecnicamente limitados. E o caso do batuque
africano ("tam-tam"), dos sinais de fumo utilizados pelos indios americanos e das
comunicacoes sonoras em cadeia de boca a orelha, que permitiam a transmissao da
mensagem 42 entre varias pessoas sequencialmente. Todos estes meios tornaram-se
completamente obsoletos quando, em 1794, Claude Chappe cientificou todos os processos
anteriores numa descoberta - o telegrafo aereo (optico). Este permitiu uma substancial
reducao do tempo de transferencia das mensagens. No entanto, as limitacoes que lhe
estavam inerentes condicionavam o processo, por vezes ate a sua completa ineficacia.
40 cf. MATTELART, Armand, op. cit., pp. 17, 18.
41 De nacionalidade francesa, Sebastien Le Prestre era engenheiro militar de construcoes destinadas a
fortificacoes, tendo sido Nomeado comissario-geral das fortificagoes por Luis XIV (1638-1715) em 1678. O
seu interesse pela demografia levou-o a cria^ao de formularios para o Censos da populagao e teve um papel
importante na catalogagao das iniimeras vias de circulagao. Pode ser considerado um precursor da
organizacao cientifica do trabalho.
42 Sabemos hoje experimentalmente o quanto este processo - telefone arabe - e ineficaz. Uma frase
inicialmente proferida, por ser mal compreendida regressara deformada.
25
Bastaria o anoitecer ou, por exemplo, interpor-se nevoeiro entre os postos de recepcao para
que a percepcao dos sinais em transito nao fossem reconhecidos pelas pessoas que eram
encarregadas de fazer veicular a mensagem.
E entao somente com o aparecimento da energia electrica que se conseguiram
grandes revolucoes no campo da comunicacao. A segunda metade do seculo XX e marcada
pela aparicao de grandes tecnicas de comunicacao tais como o telegrafo electrico, que
apareceu pelas maos do americano Samuel Morse (1791-1872), em 1837, e veio substituir
o telegrafo optico inventado por Claude Chappe; a fotografia de Nicephore Niepce (1765-
1833) em 1824; o telegrafo sem fios, em 1873, pelas maos de Guglielmo Marconi (1874-
1937) 43 ; o telefone de Graham Bell (1847-1922) em 1876; o fonografo de Thomas Edison
(1847-1931), em 1877; o cinema, apocope de cinematografo, inventado por Louis Lumiere
(1864-1948), em 1894; o belinografo de Edouard Belin (1876-1963), em 1907, que era urn
aparelho de telegrafia de imagens, ou seja, uma especie de fax moderno; o cabo
submarino 44 ; longos desenvolvimentos pela mao de varios investigadores, de entre os quais
se destaca o escoces John Baird (1888-1946) e Vladimir Kosma Zworykin (1889-1982),
deram origem a televisao; etc.
Este periodo tambem vem abrir a era das massas. E na intencao de tornar as
informacoes comuns, que nasce a oportunidade da propaganda e da publicidade se
concretizarem em realidade. Estas nao sao propriamente uma concepcao moderna visto
que, ja em periodos mais remotos, os homens faziam uso da palavra para promover os seus
artigos e os seus prestimos. No entanto, a concepcao moderna associa a sua origem ao final
do seculo XIX e principios do seculo XX e liga-as ao intento da persuasao, seja ela de
ordem economica ou politica. Como e evidente, outrora, se bem que se possa falar de uma
especie de propaganda ou publicidade, ela nao adquire a dimensao de hoje, onde sao
estabelecidos, estudos teoricos, especificacoes e leis para a sua sobrevivencia.
E preciso esperar pela Primeira Grande Guerra para se formar e entrar em aplicacao
uma doutrina governamental da opiniao pela propaganda, em que o individuo nao estando
preparado para ela estava indefeso e vulneravel as suas accoes. A natureza da guerra
tambem mudou: as populacoes civis sao cada vez mais implicadas nela pelas privacoes a
43 A radio era exclusivamente telegrafo sem fios. So a partir de 1920, com a sua proliferacao e que o radio
comecou a fazer parte da vida das pessoas - comecava a "Era do radio".
44 E em 1845 que se comecam a construir as primeiras linhas sob o Canal da Mancha e a 23 de Agosto de
1850 a Franca e ligada a Inglaterra, marcando o inicio da era dos cabos submarinos de telecomunicacoes. Em
1866 aparecem as primeiras comunicacoes transatlanticas.
26
que estao sujeitas, pelo seu envolvimento na indiistria do armamento; pelas consequencias
da guerra aerea. No decurso deste periodo sao instaurados mecanismos de censura e
instancias de propaganda, com modalidades diferentes segundo os paises. Depois do
armisticio, os alemaes reconheceram nao ter atribuldo suficiente importancia a dimensao
da guerra - Adolfo Hitler (1889-1945) fara disso um objecto de preocupacao maior. E a
partir da experiencia da guerra - «(...) primeiro conflito de propaganda da Historia, onde
se testou, em tamanho natural, numa confrontacao total, a arte moderna de gerir a
opiniao» 45 - que o americano Harold Lasswell (1902-1978) concebe a obra fundadora da
sociologia da comunicacao de massas, "Propaganda Technique in the World War" 46 , onde,
com fundamentos activamente relacionados com a guerra explora os varios publicos - quer
os aliados que convinha manter; quer aqueles cuja neutralidade importava preservar, quer
acentuando o odio dos inimigos por meio da divulgacao de atrocidades ou ainda
desmoralizando-o. Representante da escola empirista, Lasswell inventara a famosa
formula, que coloca as pertinentes questoes a proposito da comunicacao de massa:
"Quern?, Diz o que?, Em que canal?, A quern?, Com que efeito?" 47 . As suas investigacoes
tiveram um importante papel na opiniao politica sobre a guerra. Ele considerava que seria
imprescindivel o apoio das massas, para levar a efeito determinado tipo de accoes,
nomeadamente a alteracao da opiniao publica americana sobre a Primeira Guerra Mundial,
de uma posicao contra a guerra, para outra a favor.
O periodo entre as duas guerras e tambem aquele em que tomam forma os
primeiros modelos da comunicacao comercial. Durante os anos vinte, que veem nascer a
radio, os dirigentes da indiistria americana tomam consciencia do beneficio que seria gerir
as necessidades dos consumidores; assim procuram as melhores formas de apreender as
expectativas e os desejos dos seus potenciais clientes. Nascem entao, nos Estados Unidos,
grandes agendas de publicidade, fundando as suas pesquisas nas teorias behavioristas da
psicologia do comportamento. Os primeiros estudos de mercado, as primeiras sondagens
ao servico da publicidade sao feitos. O conceito de alvo publicitario afina-se, enquanto a
45 MATTELART, Armand, op. cit., p. 366.
46 LASSWELL, Harold Dwight - Propaganda technique in the world war. Nova Iorque: Alfred Knopf,
1927. A este respeito cf. tambem as obras, LIPPMANN, Walter - Public opinion. Nova Iorque: Free Press,
1922; CANTRIL, Hadley - The psychology of social movements. Nova Iorque: Wiley, 1941; ROGERSON,
Sidney - Propaganda in the next war. Nova Iorque: Garland Pub, 1972; CHAKOTIN, Serge - The rape of
the masses: the psychology of totalitarian political propaganda. Nova Iorque: Haskell House Publishers,
1971.
47 cf. infra, sec. 1.3.2.3 (Modelo de Harold Lasswel), pp. 42, 43 e 1.4.2 (Perspectiva artistica), p. 71 (§ 2) e
sgg-
27
industria das relacoes piiblicas elabora os seus fundamentos sob a alcada de Edward
Bernays 48 (1891-1995) e de Ivy Lee (1877-1934). Com a publicidade, surge a preocupacao
de estudo dos efeitos das mensagens sobre os individuos, para os persuadir e os levar a agir
segundo comportamentos desejados pelos centros de influencia - os meios de comunicacao
de massa monopolizados 49 . Neste sentido, Paul Lazarsfeld (1901-1976) propoe a teoria das
"balas magicas" 50 ou "teoria hipodermica". A "invasao dos marcianos" 51 , que passou na
radio a 30 de Outubro de 1938, e apenas um exemplo claro de como factores externos eram
fortes influenciadores das atitudes dos publicos.
A era das massas vai-se consolidando com o aparecimento exponencial de agendas
jornalisticas, a difusao de jornais em grande numero, o surgimento da lei sobre a liberdade
de imprensa, a legalizacao das associacoes sindicais, a formacao de uma opiniao publica
moderna. Elaboram-se as primeiras teorias sobre o comportamento colectivo. Estes sao
apenas alguns dos exemplos que podemos considerar como precursores do periodo que
conhecemos e que se traduz na utilizacao de satelites, das redes de comunicacoes
multimedia, etc., e que deram origem a globalizacao da comunicacao - sinonimo de
transnacionalizacao cultural, mercantilizacao internacional, mas tambem factor de
democracia. Ainda que estas tecnologias possibilitem uma maior aproximacao entre as
complexas sociedades humanas, tambem podemos dizer que os grandiosos sistemas que
possibilitam uma comunicacao veloz sao de uma cada vez maior incompreensao, pela
elevada complexidade que apresentam. Mas esta complexidade e directamente
proporcional a aproximacao das sociedades. O mundo torna-se uma especie de mercado ou
de aldeia, as pessoas encontram-se em comunicacao entre si e porque essas comunicacoes
se tornaram globais, estamos todos na mesma aldeia. Esta drastica transformacao dos
Edward Bernays era sobrinho de Sigmund Freud (1856-1939). Foi pioneiro no dominio das Relates
Piiblicas nos Estados Unidos, tendo realizado entre outras duas importantes accoes de marketing, que se
tornaram historicas na publicidade, o evento "Golden jubilee of light" em favor da General Electric, que
levou milhoes de americanos a piscarem as suas luzes de suas casas por ordem de um sinal da radio NBC; e o
"Bacon and eggs", que fazia referenda as vantagens de um bom pequeno almoco. cf a este respeito
BERNAYS, Edward - Propaganda. Nova Iorque: Horace Liveright, 1928.
49 cf. MILLS, Charles Wright - Power, politics and people. Nova Iorque: Oxford University Press, 1963. p.
203.
50 A teoria das balas magicas e nos explicada por Jose Rodrigues dos Santos, como o «(...) equivalente ao
que se passa numa galeria de tiro. Bastava atingir o alvo para que este caisse. As balas eram irresistiveis, as
pessoas estavam totalmente indefesas» in SANTOS, Jose Rodrigues - O que e a comunicacao. Lisboa:
Difusao Cultural, 1992. p. 18.
51 "The Invasion from Mars" foi uma adaptacao feita por Orson Welles (1915-1985), do romance "The war
of the worlds" de Herbert George Wells (1866-1946) a radio. A transmissao efectuada em 1938 na CBS, teve
tamanha veraciade nos ouvintes, que houve uma onda de panico generalizada, bem assim como um caso de
suicidio.
28
meios de comunicacao coloca a disposicao individual do humano, segundo Cloutier, a
possibilidade deste comunicar por intermedio de novos meios. O humano tern ao seu
dispor media individuals, os self-media - o que possibilita uma era da comunicacao
individual.
Este periodo tern inicio no apogeu da comunicacao de massa e e uma consequencia
desta, porque e o periodo da revolucao da electronica que possibilita meios tecnicos (audio,
visuais, scripto, ou audioscriptovisuais) para que cada humano disponha dos meios praticos
para a sua comunicacao com os outros. A fotografia, as gravacoes audio e video, a
reprografia sao meios que permitem emitir e receber e deste modo a linguagem verbal
perde, indirectamente, a sua exclusividade. Convira realcar que a comunicacao nao
pertence ao dominio cientifico. No entanto, nao so e impulsionada pelos seus aspectos
tecnologicos que estudam as dificuldades de comunicacao entre a tecnologia e o homem,
como tambem se cruza com algumas disciplinas, tomando-lhes inclusivamente
emprestados alguns conceitos. E o caso das ciencias cognitivas, relacionadas com a
psicologia, que elaboram alongados estudos sobre a linguagem e a percepcao; das sociais
que se inter-relacionam com a sociologia; da linguistica; da semiologia; da antropologia;
da geografia humana; da historia; da economia; etc. Importa referir que a comunicacao
inicialmente estava presa as ciencias sociais, pelas maos de Emile Durkheim (1858-1917);
Gabriel Tarde (1843-1904); Georg Simmel (1858-1918); a psicologia das massas de
Gustave Le Bon (1841-1931); ao behaviorismo de John Watson (1878-1858); as teorias de
condicionamento de Pavlov (1849-1936); ate aos estudos americanos de Albion Small
(1854-1926) e Charles Cooley (1864-1929); e somente se consegue libertar delas,
ganhando autonomia, apos a fundacao do "Communication Research Institute" da
Universidade do Illinois.
29
1.3 Modelos de comunicacao
1.3.1 Introducao
Nao se ensinara nada a ninguem, dizendo que a nocao de comunicacao tern
definicoes multiplas. E afirmando isto que Michel e Armand Mattelart introduzem a sua
obra "Historia das teorias da comunicacao" 52 . Nesta obra, os autores apresentam a genese e
a diversificacao das teorias da comunicacao. Esta historia assenta na premissa de que a
disciplina da comunicacao esta ainda a constituir-se e que a historia desse desenvolvimento
se relaciona com as multiplas aproximacoes teoricas ao problema. Serve pois esta ideia
para entendermos que a comunicacao e um campo em constante desenvolvimento pelo que
desactualiza constantemente qualquer teoria a seu respeito.
Os modelos teoricos de comunicacao tern a sua origem, na vontade de estudo e
entendimento dos processos de transmissao das mensagens, nos mais diversos canais
tecnicos e estabelecem um conjunto de principios que regulam a ordem dos metodos, a fim
de poderem estabelecer as relacoes que operam junto dos elementos que compoem o
sistema de comunicacao.
Apos a necessidade de uma comunicacao que possibilitasse um acesso generalizado
a informacao, surge a comunicacao de massa. Esta tornou-se, se nao um modelo para todos
os outros modelos, pelo menos um ponto de partida para a ampliacao do seu estudo.
Numerosos foram os teoricos da comunicacao que procuraram conceptualizar o que
seria "a comunicacao". Os modelos que aqui se apresentam, nao sao todos os existentes,
porquanto estes sao numerosos e complementares, pretende-se antes dar uma ideia, dos
principals modelos e das vantagens que estes trouxeram para o campo da comunicacao.
John Fiske 53 agrupa-os e analisa-os em duas linhas teoricas: a Escola Processual e a Escola
Semiotica. Para uma melhor organizacao de tais modelos optou-se por seguir a
classificacao de Fiske. Contudo, nao houve a pretensao de ser exaustivo. Nao caberia neste
trabalho tal pretensao. Se algum modelo se encontra excluido, tal situacao dever-se-a a
52 MATTELART, Armand; MATTELART, Michel - Historia das teorias da comunicacao. Sao Paulo:
Loyola, 1999.
53 cf. FISKE, John, op. cit.
30
heterogeneidade do campo em analise porque, como Griffin 54 diz, a comunicacao e uma
disciplina a que falta disciplina. O enriquecimento e a compreensao dos processos de
comunicacao passariam por uma vontade de integrar as diferentes teorias da comunicacao,
num sistema global e nunca pela rejeicao de algumas delas. Assim por exemplo, o modelo
de Shannon e Weaver pode ser enriquecido pela retroaccao de Wiener, pela semiologia
(codificacao e descodificacao), pela Escola de Palo Alto, assim como pelo modelo dos 5 W
de Harold Lasswell.
1.3.2 Escola Processual
A Escola Processual analisa a comunicacao como transmissao de mensagens. Ela
debruca-se sobre o modo como os emissores e os receptores codificam e descodificam; a
forma como os transmissores usam os canais e os meios de comunicacao. Existe nesta
escola uma grande eficacia e exactidao. Para ela a comunicacao e um processo no qual ha
uma relacao de afectacao comportamental entre as pessoas envolvidas no processo.
A Escola Processual admite o fracasso no processo de comunicacao, ao contrario da
Escola Semiotica que atribui as diferencas da significacao em ambas as partes a
diversidade socio-cultural. Para minimizar estas desigualdades, de modo a poder melhorar
o sistema de comunicacao advoga a ideia de que terao de ser melhoradas as respectivas
relacoes socio-culturais, em lugar de centrar o seu estudo na forma como e veiculada a
mensagem. O fracasso na comunicacao acontece se as pretensoes iniciais nao sao
satisfeitas, ou seja, quando os efeitos do processo de comunicacao sao menores ou
diferentes daqueles que seriam desejados. O mesmo podera de certo modo aplicar-se ao
dominio artistico, visto que qualquer criacao, que esta embebida, primeiro, de significados
e, segundo, de significacoes, nao e um facto assumido e convencionado integralmente por
toda a sociedade. Existe uma transmissao de mensagens, em que cada elemento do
processo comunicativo desempenha o seu papel, existindo sempre duvidas sobre a eficacia
54 cf. GRIFFIN, Em - A first look at communication theory. 3 a ed. Nova Iorque: McGraw Hill Companies,
1997.
31
e a exactidao de tal processo. A Escola Processual tern estreitas ligacoes com as ciencias
sociais, a psicologia e a sociologia. Ela estabelece a comunicacao como uma interaccao
social, dando grande relevo ao relacionamento social e ao comportamento de cada
individuo, bem como a forma como esse relacionamento ou comportamento afecta o
estado emocional da outra pessoa.
1.3.2.1 A Cibernetica (ciencia do controlo)
O termo Cibernetica deriva da palavra grega KvPspvfjxrjt; (governador, governo, de
onde tambem derivou a palavra latina gubernare) e ja fazia parte do vocabulario de Platao
(428/27-347 a.C) referindo-se a kubernetike para designar o timoneiro ou a arte de
conduzir um navio - e a ciencia do controlo.
No inicio do seculo XIX, inserido num projecto de classificacao taxionomica
universal de todas as ciencias, o fisico frances fundador da electrodinamica, Andre-Marie
Ampere 55 (1775-1836), criou o termo "cibernetica" para designar a ciencia politica que
trata de governar o estado. Em 1948, Norbert Wiener introduziu o mesmo termo, sem
conhecer a prioridade de Ampere, e reinventando-o no seu livro "Cybernetics or control
and communication in the animal and the machine 56 .
O conceito foi desenvolvido em paralelo com os trabalhos de Shannon aplicando-se
a uma "ciencia" de controlo e da transmissao das mensagens. A cibernetica foi aceite como
um termo generico, cobrindo o conjunto das tecnologias de automacao, dos sistemas de
comunicacao e metodos de tratamento da informacao. Nao se trata de uma ciencia
especificamente constituida, mas antes uma pratica pluridisciplinar, tendendo a modificar
quantitativamente as relacoes do homem com o meio ambiente, suprimindo a distincao
entre o vivo e o artificial, o espirito e a maquina. A logica do raciocinio e indiferente a
materialidade dos suportes: nao e o hardware que qualifica os fenomenos, mas a estrutura
55 cf. AMPERE, Andre-Marie - Essai sur la philosophic des sciences, ou exposition analytique d'une
classification naturelle de toutes les connaissances humaines. Paris: Bachelier, 1834.
56 WIENER, Norbert - Cybernetics or control and communication in the animal and the machine. Nova
Iorque: John Wiley & Sons; Paris: Hermann & Cie. Editeurs, 1948.
32
logica dos acontecimentos ou comportamentos. A cibernetica e a ciencia das maquinas que
se auto-regulam (termostato): as maquinas, estando "informadas" sobre os resultados,
corrigem-se a si proprias. O fim da intervencao cibernetica e entao estabelecer a ordem,
enfim, a homeostasia. Este e o seu principal objectivo, que acarreta simultaneamente um
defeito, isto porque, se por um lado este sistema pretende atingir a normalidade, por outro
nao estuda as causas que estiveram na origem da desordem, ela «(...) n'interroge aucun
des sens possibles du comportement» 57 ; pelo contrario, ela limita-se a identificar as causas
que perturbam a transmissao da informacao e a corrigir o sistema de modo a restabelecer a
normalidade. Portanto, este modelo limita-se ao restabelecimento do equilibrio, nao
interrogando os valores do sistema.
Os sistemas que Wiener descreve compreendem orgaos mestres, que fazem parte
integrante da informacao e tomam deliberacoes, e orgaos escravos, chamados de
servomecanismos a quern compete executar as instrucoes que lhes sao dadas e sao
mantidas em equilibrio pelos feedbacks negativos do tipo homeostatico. Trata-se portanto
de um sistema fechado, em que existe uma interdependencia entre todos os elementos que
o constituem.
A cibernetica trouxe um conceito essencial a qualquer teoria da comunicacao: a
circularidade, retroaccao, ou feedback 58 . Tambem Wilbur Schramm (1907-1987), nos seus
estudos, inclui a nocao de retroaccao no processo comunicativo, entrando em litigio com o
processo de Shannon. Para ele, o feedback e possibilitado por uma aproximacao entre o
emissor e o receptor, em que este tern o papel de fazer perceber que recebeu a mensagem,
por meio de um contacto proximo, mas, por outro lado, tambem tern a obrigacao de ele
proprio se tornar emissor, exigindo do seu receptor identico papel. Cada interveniente no
processo torna-se pois emissor e receptor, um transceiver, numa dualidade em que a
codificacao de um e complementada pela descodificacao do outro e vice-versa. Esta
interaccao e designada por Jean Cloutier de "Emerec" 59 .
Este conceito torna obsoleta a ideia de linearidade num sistema dado, em que o
efeito retroage sobre a causa e que pode ser esquematizado do seguinte modo:
57 ATTALLAH, Paul, op. cit., p. 177.
58 O termo feedback foi introduzido pelo engenheiro e industrial americano, Edwin Howard Armstrong
(1890-1954) e pretendia significar um circuito de regeneragao do sinal num posto de radio.
59 cf. CLOUTIER, Jean, op. cit.
33
Emissor
Carml
Men sag em
Canal
Receptor
Retroacgao
Fig. 1 | Modelo cibernetico
A teoria cibernetica teve dois seguimentos fundamentals, a teoria da informacao
(iniciada por Shannon e Weaver, seu aluno) e a inteligencia artificial. A aplicacao da
cibernetica vai ter um maior eco, na decada de cinquenta com a aparicao dos primeiros
robots, de que sao exemplos a raposa (1953), do frances Albert Ducrocq (1921-2001), o
"homeostat" (1952) e as tartarugas (1950), respectivamente dos ingleses Ross Ashby
(1903-1972) e Grey Walter (1910-1977). A aplicacao da cibernetica a engenharia, de certo
modo fa-la-a desaparecer enquanto preocupacao fundamentalmente comunicacional. No
entanto, a aplicacao da cibernetica nos dias de hoje nao se faz notar claramente, estando
implicitamente incluida noutros dominios, nomeadamente a psicologia.
1.3.2.2 Modelo informational de Shannon e Weaver
E incontestavel o rigor das obras de Claude Elwood Shannon e Warren Weaver,
apesar das suas formacoes em engenharia e matematica, tendo sido alias gracas a estas
duas disciplinas, que desenvolveram trabalhos no dominio da teoria da comunicacao 60 .
Durante a Segunda Guerra Mundial desenvolveu-se nestes dois homens das ciencias uma
preocupacao: tornar os canais de comunicacao mais eficazes. Apesar do seu modelo estar
intimamente relacionado com as suas formacoes, eles diziam que ele poderia ser aplicavel
a qualquer problema da comunicacao humana. Mas nao podemos referir-nos a este modelo
sem antes fazer uma pequena alusao, aquela teoria que marcou a tendencia de mudanca do
60 Contrariamente as teorias antecedentes, como o funcionalismo e a teoria do estimulo-resposta, em que os
seus teoricos pertenciam ou a sociologia, ou a psicologia, a teoria da informacao e governada por pessoas
ligadas as ciencias nao humanas, dai a atribuicao do nome "teoria dos engenheiros".
34
assunto "comunicacao" - a teoria hipodermica {bullet theory). Esta surgiu no periodo entre
as duas grandes guerras, precisamente num momento em que os totalitarismos impostos
pelas circunstancias de entao pretendiam uma analise dos efeitos psicologicos dos mass
media (a propaganda) no publico, sobretudo quando o mundo se preparava para uma nova
guerra e se pretendia convocar a populacao para a fabricacao de armamento. Portanto, esta
teoria assenta sobre o comportamento humano, que era alias o ambito de estudo da
psicologia behaviorista (estimulo-resposta) 61 , limitando o campo de estudos apenas aos
comportamentos registaveis e mensuraveis e tentando estabelecer leis, que descrevem as
relacoes entre o estimulo e as possiveis "reaccoes": «Na realidade, mais do que um modelo
sobre o processo de comunicacao, dever-se-ia falar de uma teoria da accao elaborada pela
psicologia behaviorista» 62 . A teoria linear da agulha hipodermica, como tambem e
designada, e um modelo de causa e efeito que estabelecia uma estreita relacao entre as
mensagens e os seus receptores, no sentido de que qualquer pessoa poderia ser manipulada,
caso fosse exposta a um determinado designio previsto anteriormente. Esta pretensao deu
origem a um novo termo: as sociedades de massas.
A teoria hipodermica foi gradualmente substituida por um estudo que,
paralelamente a analise empirica, tinha uma abordagem experimental - o estudo empirico-
experimental ou de persuasao . Assim:
«A "teoria" dos meios de comunicacao resultante dos estudos psicologicos
experimentais consiste, sobretudo, na revisao do processo comunicativo entendido
como uma relacao mecanicista e imediata entre estimulo e resposta, o que torna
evidente, pela primeira vez na pesquisa sobre os mass media, a complexidade dos
elementos que entram em jogo na relacao entre emissor, mensagem e destinatario. A
abordagem deixa de ser global, incidindo sobre todo o universo dos meios de
comunicacao e passa a "apontar", por um lado, para o estudo da sua eficacia
persuasiva optima e, por outro lado, para a explicacao do "insucesso" das tentativas
de persuasao. » 63 .
O seu estudo incide fundamentalmente sobre os efeitos dos mass media em diversas
situacoes, como a propaganda, a publicidade, campanhas eleitorais, etc. Interessa pois o
resultado, indiferentemente dos processos e dos modos como e conseguido. A ideia
behaviorista foi posteriormente ampliada por Maletzke (1922- ) pela adicao das nocoes de
61 A teoria do estimulo-resposta deriva fundamentalmente das mediaticas investigates do cientista russo
Ivan Pavlov (1849-1936) e da apropriagao que alguns teoricos fizeram das suas investigagoes, adaptando-as a
sociedade humana.
62 WOLF, Mauro - Teorias da comunicacao. Lisboa: Editorial Presenga, 1995. (Textos de apoio; 21). p. 24.
idem, ibidem, p. 30.
35
pressao e de constrangimento emanantes do medium modificando a resposta ao estimulo (o
modelo traditional behaviorista abstrai-se do medium).
Na sequencia desta teoria da-se uma passagem da ideia de partilha para a de
transmissao, no que Shannon desenvolveu um papel fundamental.
O modelo comunicativo da teoria da informacao, como tambem e designado, e o
culminar de um estudo que deu lugar a publicacao de "Uma Teoria Matematica da
Comunicacao" 64 , que nao e mais do que uma teoria da transmissao, e que domina mais ou
menos conscientemente as concepcoes modernas do fenomeno de comunicacao. E uma
comunicacao que assenta no conceito surgido no seculo XVIII, que estabelece uma relacao
entre transmissao e comunicacao aplicada as estradas, caminhos-de-ferro, canais fluviais,
etc.
E um modelo muito linear (fig. 2), em que o receptor e um alvo passivo visado pelo
emissor, sem possibilidade de inversao de papeis, muito diferentemente da cibernetica de
Norbert Wiener, bem como da "Teoria geral dos sistemas" 65 de Ludwig von Bertalanffy
(1901-1972); mas e tambem de grande simplicidade, tendo-se transformado num modelo
generalista de comunicacao. Consiste numa teoria sobre a optimizacao da transmissao das
mensagens, que se funda na transmissao de um sinal entre o emissor e o receptor no quadro
de uma teoria matematica da informacao - e uma concepcao telegrafica 66 - em que se
exige, para efectivar essa transmissao de informacao, que esta seja convertida num codigo,
com caracteristicas convencionais. Ora, esta teoria vem substituir as teorias anteriores em
que havia uma centralidade no factor humano, para se preocupar com uma outra dimensao
- o fenomeno mecanicista. Com estes teoricos, a tecnologia, que nos modelos anteriores
nao tomava importancia, adquire preponderante significado, sendo inclusivamente o
fundamental elemento do processo.
64 SHANNON, Claude Elwood; WEAVER, Warren - The mathematical theory of communication.
Urbana, [Illinois]: University of Illinois Press, 1971.; publicacao inicial: A mathematical theory of
communication. Bell System Technical Journal. River Street? [EUA]: Wiley, vol. XXVII, (Julho e
Outubro de 1948), pp. 379-423 e 623-656.
65 Esta teoria e herdeira do Estruturalismo. Ela acusa a insuficiencia do esquema classico do reducionismo e
em geral das hipoteses mecanicistas, para explicar as numerosas e complexas interaccoes que caracterizam a
tecno-polis moderna e que influenciam a organizacao tecnologica e social. O olhar do australiano Bertalanffy
e organicista e particularmente atento a organizacao, ao controlo, a estrutura das interaccoes. Esta teoria visa
fundar a unificacao da ciencia por um isomorfismo, quer isto dizer pela elaboracao de um niimero ilimitado
de teorias simples aplicaveis a descricao dos mais variados fenomenos. cf. A este respeito BERTALANFFY,
Ludwig von - Theorie generale des systemes. Paris: Dunod, 1973.
66 A influencia do local e do quadro da pesquisa (nos anos quarenta, Shannon trabalhava para a Bell
Telephone) e evidente na construcao do modelo.
36
Fonte de
informacao
Transmissor
Receptor
Destino
— ►
hi -1
— ►
Sinai
u
1
J Sinai
1 recebido
Mensagem
Mensogem
Fonte de
ruido
Fig. 2 | Modelo de Claude Shannon, e Warren Weaver
Os laboratories Bell queriam saber como e que uma fonte de informacao, apesar
das interferencias, poderia levar uma mensagem ao seu destino com um minimo de
distorcao, e no menor espaco de tempo. Para definir a informacao, Shannon e Weaver
baseiam-se no 2° principio da termodinamica (principio da maquina a vapor) enunciado
por Nicolas Carnot 67 (1796-1832), que diz que, num sistema fisico, a energia tende a
degradar-se. O sistema tendera para o equilibrio, para a sua morte, tendera para a
entropia 68 . Tambem a informacao esta submetida a entropia, mas ao mesmo tempo e uma
luta contra esta, porque aquela consiste em impor uma ordem na mensagem. Os seus
objectivos principals eram medir a informacao transmitida e regular os problemas de
transmissao telegrafica, estudando a que leis ela estaria sujeita (ruido, entropia, caos): o
sinal deveria chegar ao alvo o mais rapidamente possivel e o mais proximo do estado em
que tinha sido emitido. Porem, esse sinal poderia ser afectado ou perturbado por um
fenomeno de ruido. Para corrigir esses ruidos era utilizada a redundancia que poderia em
alguns casos dificultar, ou atrasar o veicular da mensagem. Imagine-se por exemplo o
alfabeto fonetico, que tern como funcao garantir a perfeita correspondent entre letras e
palavras para nao haver perda de sentido, e logo se percebe o quao aborrecido se torna
utilizar tal sistema de comunicacao.
Este modelo de comunicacao reduz afinal a comunicacao a transmissao de
informacao. No dizer de Escarpit 69 , e uma teoria que explora o rendimento da informacao.
cf. CARNOT, Nicolas - Reflexions sur la puissance motrice du feu et sur les machines propres a
developper cette puissance. Paris: Bachelier, 1824.
68 Em termodinamica entropia e o principio que descreve o grau crescente de desordem no funcionamento de
um sistema; em comunicacao sera o grau de incerteza.
69 cf. ESCARPIT, Robert - Theorie generale de l'information et de la communication. Paris:
Hachette, 1976. (Langue, linguistique, communication), p. 14.
37
Francis Jacques nomeia-o justamente "esquema d'Hermes" 70 , pelo facto da sua
evidente analogia com o transporte de um conteudo de um ponto a outro. Para muitos, o
seu caracter mecanicista nao trouxe vantagens as ciencias da linguagem, visto que este
modelo reduz a comunicacao humana a um simples esquema, onde os elementos -
emissor, receptor, mensagem, codigo, canal, ruido - apenas dao conta das caracteristicas
aparentes do "comportamento" linguistico. E um modelo que, contrariamente ao modelo
peirciano, diferencia e enclausura cada um dos seus elementos, nao estabelece directas
relacoes entre o lugar do emissor, do receptor e da mensagem, para alem das estritamente
necessarias para o funcionamento do processo de comunicacao.
Para Shannon e Weaver, o significado esta contido na mensagem e a precisao
semantica esta directamente relacionada com o melhoramento da codificacao.
Shannon e Weaver diferenciam tres tipos de problemas no ambito da comunicacao:
- Problemas tecnicos: dizem respeito a exactidao da transferencia das series de
simbolos em funcao do canal, do espaco e do tempo, desde
o emissor ate ao receptor.
- Problemas semanticos: dizem respeito a identidade ou a uma estreita
aproximacao, entre a interpretacao do receptor e a
intencao do emissor. Dizem respeito a precisao com
que os simbolos transmitidos transportam o
significado pretendido. Ou seja, trata-se de assegurar
que as imagens, as representacoes dos objectos e da
realidade sao os mais proximos para o emissor e o
receptor.
- Problemas de eficacia: dizem respeito ao sucesso, isto e, ao facto de o
significado transportado ate ao receptor provocar nele
o comportamento desejada pelo emissor.
Para eles, os tres niveis inter-relacionam-se, nao sendo por isso fechados em si
mesmos. Existe uma interdependencia entre eles.
Este modelo incorpora dois conceitos: o canal e o codigo. O canal e referente ao
meio fisico atraves do qual o sinal e transmitido, podendo ser encarado como ondas
sonoras, ondas de luz, ondas de radio, sistema nervoso, etc. O codigo e aquilo que e de
70 «Hermes, jadis dieu des marchands et des voleurs, aujourd'hui honnete emissaire des postes et
telecommunications*, cf. JACQUES, Francis - L'espace logique de l'interlocution. V ed. Paris: PUF
[Presses Universitaires de France], 1985. (Philosophie d'Aujourd'hui). p. 187.
38
comum acordo numa determinada cultura ou subcultura, o que ficou convencionado por
uma determinada organizacao social. Sao regras, convencoes, signos, simbolos, que regem
o sistema social, organizando e estimulando as atitudes dos individuos em sociedade. Os
codigos determinam em que situacoes devem ser usados, de forma a permitir uma melhor
transmissao da mensagem, bem como a reducao desta, atraves da sua substituicao por
signos ou simbolos, que estarao em lugar de outra realidade. Shannon desenvolve entao
pesquisas que possibilitem uma maior eficacia na transmissao da informacao. Nesse
sentido, as suas investigacoes em torno do codigo sao fundamentals. Ele estuda os metodos
de codificacao para possibilitar uma transmissao das mensagens num ambiente "ruidoso" e
simultaneamente a respectiva descodificacao, advogando a utilizacao de codigos
redundantes e do "theoreme de canal bruyant" 71 , que era um meio de melhoramento da
codificacao e do rendimento da cadeia informacional. Mas esta preocupacao com o codigo
estava relacionada com as mensagens e nao com o factor humano. Wilbur Schramm teve
como novidade o cuidado de se dedicar a estudar o emissor e o receptor nas fases de
codificacao e descodificacao, com uma visao mais vasta do que Shannon e Weaver e mais
proxima de Lasswell. Para Schramm, a codificacao e uma ferramenta que o humano tern a
sua disposicao, partindo do codigo, que e o conjunto de conhecimentos e experiencias
partilhados pelo emissor e o receptor. Este conceito e bastante interessante, quando
colocado no contexto dos mass media, porque forcosamente o codigo torna-se restrito.
Esta teoria e a mais popular e ao mesmo tempo a mais criticada, porque apresenta
um grande defice na sua elaboracao. Ainda que seja amplamente aceite por uns e
contestado por outros, este modelo nao centra a sua atencao naquilo que seria desejavel em
termos de comunicacao, ou seja, a sua dimensao comunicativa. Infelizmente, Shannon foi
censurado por nao se ter interessado tambem pela informacao. De facto, nao era a sua
obrigacao, e muitas vezes os teoricos discordaram do seu esquema por nao se preocupar
com o sentido, mas somente com a eficacia dos fios e das ondas radio. Para ele, nao
interessava o conteudo das mensagens ditas por telefone, mas sim a transmissao do sinal
que possibilita a transferencia das mensagens, ou seja, preocupava-se com a quantificacao.
O seu modelo e tecnico e instrumental, um meio para atingir um fim. Por excessiva
preocupacao com a organizacao do modelo, com a sintaxe do mesmo, descura a relacao
71 ESCARPIT, Robert, op. cit., p. 25.
39
com o significado, tal como no exemplo de Roubine 72 onde ao funcionario dos correios
nao interessa o conteiido das mensagens enviadas, ou das suas significacoes. Para os
teoricos da teoria da informacao, interessa, antes de mais, o significante que, por ser a parte
fundamental do processo de comunicacao, devera conter algumas qualidades: resistencia
ao ruido, velocidade de transmissao, facilidade de codificacao e descodificacao. Eles so se
interessam no significado, na medida em que as suas caracteristicas tern uma incidencia
sobre as do significante. O modelo de Umberto Eco (1932- ) e Paolo Fabbri (1939- ),
apresentado em 1978, veio reformular o modelo de Shannon, preenchendo esta lacuna da
omissao do significado. Para estes, desde que os codigos em uso pudessem estabelecer
relacoes estreitas entre os significados e os significantes, entao a mensagem era vista como
uma forma significante que pode apresentar varios significados.
Shannon sabia que estava a trazer inumeras solucoes a questao tecnica da
comunicacao, mesmo sem abordar a questao da transferencia do sentido, ou seja, a questao
semantica e da eficacia da comunicacao, quer dizer, a questao comportamental ou
pragmatica. O erro talvez provenha do facto de, na epoca, se julgar que a resolucao tecnica
melhorava os outros aspectos da comunicacao, o que nao se verificava. Um exemplo disso
esta na historia politica dos Estados Unidos quando, no periodo das eleicoes presidenciais
que opunham o democrata Franklin Roosevelt (1882-1945) e o republicano Wendell
Wilkie (1892-1944), as sondagens garantiam uma derrota convincente do democrata, em
virtude do forte apoio jornalistico que Wendell Wilke obtivera. Apesar de tais visoes,
Roosevelt acabaria por ganhar. Paul Lazarsfeld e os seus associados, Bernard Berelson 73
(1912-1979) e Hazel Gaudet, na altura elaboraram um estudo que culminou na publicacao
do livro "The People's Choice" 74 , em que constataram que a maioria da "massa" eleitoral
referia nao ter sido influenciada pelos media, mas sim pelas pessoas que as rodeavam,
como amigos e familiares. Esta foi uma prova convincente de que a uma mesma
informacao poderia haver diferentes respostas e de que, alem disso, um conteiido definido
como fixo e invariavel na sua origem poderia, depois de ser transposto para o dominio do
2 ROUBINE, Elie - Introduction a la theorie de la communication. Paris: Masson, 1970. Tomo III
[Theorie de 1' information], (Monographies d'electronique). p. 2.
73 O sociologo Bernard Berelson foi um dos primeiros que propos as mensagens da comunicacao, uma
analise de conteiido, no sentido de procurar a significacao da mensagem, independentemente da vontade
criadora do seu autor. Por outro lado, a mensagem deveria ser dividida em unidades parcelares para permitir
uma analise mais cuidada e objectiva. cf. BERELSON, Bernard - The State of Communication Research.
Public Opinion Quarterly. Cary [EUA]: Oxford University Press. Vol. XXIII, (1959), pp. 1-17.
74 LAZARSFELD, Paul Felix; BERELSON, Bernard e GAUDET, Hazel - The People's Choice. 3 a ed.
Nova Iorque: Columbia University Press, 1968.
40
receptor, ser completamente adulterado, o que de resto levou a derrota de Wilkie. Portanto
este fenomeno exemplar e demonstrativo da relevancia do estudo da significacao no
processo comunicativo e torna mais evidente ainda a ausencia deste estudo por parte dos
teoricos da teoria da informacao, que consideram a mensagem como «(...) une forme et
non comme sens» 75 .
Bern mais tarde, o modelo de John Riley e Matilda Riley lembra-nos que somos
individuos pertencentes a grupos. O comunicador e o receptor sao pois restituidos aos seus
grupos primarios (familia, comunidade, pequenos grupos, etc.). Estes sao grupos influentes
na maneira de ver e de julgar dos individuos. A vantagem deste modelo e a aparicao da
retroaccao entre o emissor e o receptor, que demonstra a existencia de um fenomeno de
reciprocidade e de uma inter-influencia entre os individuos em presenca. Neste modelo, os
autores consideram que o emissor quer sempre influenciar o receptor, que por sua vez se
encontra incluido na massa. Contudo, ele age independentemente, embora sendo
influenciado pelo grupo. Realca-se tambem que, tal como o receptor o emissor e
igualmente influenciado pelo seu grupo primario, por via do feedback. Assim, segundo os
autores, a persuasao nao pode ser compreendida no esquema do estimulo-resposta, porque
efectivamente nao e o conteudo das mensagens que altera o comportamento dos humanos,
mas antes a relacao destes com o meio socio-circundante.
O modelo comunicativo semiotico-informacional veio complementar o modelo da
teoria da informacao, preenchendo o buraco existente nesta e mostrando que os efeitos nas
relacoes reconhecam a atribuicao de sentido. Tambem para Jean Cloutier a comunicacao e
baseada num sistema de inter-relacoes entre intervenientes, entre intervenientes e os seus
media, entre intervenientes e os seus environements. A informacao e a "essentia" das inter-
relacoes e a interaccao e a finalidade principal. Este sistema esta proximo do behaviorismo,
mas longe da linearidade das teorias classicas da informacao.
Outro defeito apontado a esta teoria e que, pelo facto de ser um modelo
unidirectional para "massa", e ignorada a plurivocidade de receptores. Nao se centrando
nestes, ficam esquecidos os elementos psicologicos e sociologicos de cada um. Este
deveria ser um criterio a ter em conta, ate porque esta teoria e maioritariamente centrada no
estudo da comunicacao de massas, pelo que seria justificavel a inclusao desse factor como
elemento de analise. Portanto, na analise do processo comunicativo, nao existe um estudo
75 PERAYA, Daniel; MEUNIER, Jean-Pierre, op. cit., p. 30.
41
diferenciado, que de conta da assimetria dos papeis do emissor e receptor, como seria
desejavel.
Este modelo, apesar de possuir algumas deficiencias na sua aplicabilidade, quer ao
dominio a que se destinava, quer particularmente ao campo artistico para o qual nao foi
pensado, foi uma porta aberta para largos e complexos estudos da comunicacao. Assim
como o telegrafo totalmente obsoleto nos permite compreender as caracteristicas dos
media posteriores, tambem o modelo informacional de Shannon e Weaver nos permite uma
visao mais alargada de todas as teorias que lhe sucederam.
1.3.2.3 Modelo de Harold Lasswell (modelo dos 5 W 76 )
O modelo do cientista politico Harold Dwigt Lasswell 77 e uma forma evoluida do
modelo hipodermico, que visava fundamentalmente a analise sociopolitica. As questoes
que ela coloca explicam a sua existencia, enquanto modelo destinado a um publico de
massas. Este modelo nasceu da vontade de investigar alguns aspectos relacionados com a
forma como a informacao contida nas mensagens se perdia ao longo de toda a tramitacao
da comunicacao.
Lasswell 78 diz-nos que, para se ter plena compreensao dos processos de
comunicacao de massas, necessitamos de estudar cada uma das fraccoes do seu modelo, ou
seja, para que se esteja num verdadeiro acto de comunicacao teremos de esclarecer
algumas questoes:
"Quern?"
"Diz o que?"
"Em que canal?'
"A quern?"
76 Em ingles as questoes para o esclarecimento da comunicacao serao: Who?, Says What?, In Which?, To
Whom? With What Effect?
77 Harold Lasswell e considerado o fundador da Mass Communication Research e da analise de conteiido.
78 LASSWELL, Harold Dwight - The structure and function of communication in society. In The
communication of ideas. Nova Iorque: Institute for Religious and Social Studies, 1948. pp. 37-51.
42
"Com que efeito?"
Este modelo, contemporaneo do de Shannon, e uma versao verbal do esquema de
Shannon e Weaver, sendo muito linear. Utiliza o termo "efeito", em lugar da desejavel
"significacao". Qualquer alteracao no sistema de comunicacao produzira um "efeito"
diferente. A variacao do efeito e portanto adequada a sua modificacao. Um efeito diferente
sera provocado se tambem mudarmos os elementos do processo, quer dizer, bastara mudar
o canal, a mensagem, ou o codigo, para que se obtenha tambem um efeito diferente. O
interesse essencial deste modelo e que ultrapassa a simples problematica da transmissao de
uma mensagem, olhando a comunicacao como um processo dinamico, contrariamente a
linearidade de Shannon, e em que cada etapa tern a sua importancia, a sua especificidade e
a sua problematica. Com este modelo pretende-se resultados junto dos receptores,
colocando-se o acento na finalidade e nos efeitos da comunicacao. Logo, existe uma
preocupacao acrescida sobre o conhecimento da variabilidade dos publicos e estabelecem-
se formas de actuacao para essas diversidades, tendo em conta diversos factores, como a
idade e o sexo, nao estando no entanto previstas as relacoes socio-culturais particulares
inerentes a eles. Posteriormente, a teoria empirica de campo ou dos efeitos limitados
permitiu eliminar esta lacuna, autorizando associar a comunicacao (de massa) ao contexto
socio-cultural em que ela ocorria. Este modelo e demasiado simplista, porque a
preocupacao fundamental esta limitada a sua dimensao persuasiva; quer isto dizer que a
comunicacao e vista como uma relacao, em que o emissor assume uma posicao autoritaria.
Apesar de alguns desenvolvimentos, este modelo continua demasiado linear,
centrado sobre o transporte de informacoes, e em que existe uma diferenciacao entre os
papeis do emissor e do receptor. Esta teoria da comunicacao, simultaneamente com a teoria
da informacao centrou-se em todas as possibilidades do processo comunicativo que se
anteviam na epoca.
43
1.3.2.4 Modelo de George Gerbner
Tal como o modelo de Shannon e Weaver, tambem o de George Gerbner (1919-
2005), pretende ser universalmente aplicavel em qualquer situacao; e generalista e tenta
explicar qualquer forma de comunicacao. E um melhoramento do modelo de Lasswell,
sendo mais apurado.
Gerbner propoe articular o seu esquema (fig. 3) segundo dois niveis, ou antes duas
dimensoes: uma consistindo na percepcao ou recepcao - dimensao perceptiva ou receptiva
- de um evento do mundo real, porque ele pretende aliar a mensagem a realidade, o que de
facto e uma opcao relativamente original tocando o conceito de significacao e percepcao; e
a outra, que sai mais particularmente do dominio da comunicacao, apelida-se de dimensao
comunicante ou de meios de controlo, induz uma interaccao entre o "perceptor" (que pode
ser um individuo ou uma maquina) e os eventuais conteudos de significacao das
mensagens ou acontecimentos recebidos.
acontecimento
disporiibilidode de
seleccdo do conterto
Dimensao perceptual
meios de controlo
(ou dimensao comunicante]
dlsponibilidade de
seleccao do contexto
Fig. 3 I Modelo de George Gerbner
O processo inicia-se com "M", que poder ser uma pessoa ou uma maquina. A
79
realidade "A" e percebida por "M", e a percepcao que "M" tern desse acontecimento ou
O acontecimento nao pode ser percebido na sua "totalidade", porque seja homem ou maquina (microfone,
por exemplo), o receptor e por um lado limitado pelas suas capacidades fisicas e tecnicas, e por outro
selecciona alguns campos de informacao, segundo as disposicoes, as suas expectativas, o objecto da sua
atencao.
44
realidade e denominada "Ai". A percepcao "Ai» de "A" nao e identica a "A" e sobretudo
nao e exaustiva. A accao dita de "controlo" consiste na transformacao de "Ai" num sinal
respeitante a "A", a famosa mensagem nomeada "SA", porque e divisivel em forma (S) e
conteudo (A).
O modelo de Gerbner possui a inestimavel vantagem de ter em conta, o que em
ciencias da comunicacao e o nivel inferior, por exemplo a comunicacao interindividual,
sendo igualmente aplicavel aos niveis mais vastos, como o organizacional e o social. E
com efeito, muito diferente do modelo de Lasswell, que visa essencialmente esta curiosa
coisa chamada "comunicacao de massa"; ou ainda do de Riley & Riley, o qual se focaliza
sobre o contexto social onde o acto de comunicacao ocorre.
1.3.2.5 Modelo linguistico-funcional de J akobson
Por ser um linguista, Roman Jakobson (1896-1982) fundamenta a sua teoria nessa
ciencia, mas tambem na teoria matematica da comunicacao. Ele interessa-se pelas questoes
da significacao, da estrutura interna da mensagem e da constatacao da diferenca que pode
existir entre a mensagem emitida e aquela que variavelmente e recebida. Ele demonstra
que a comunicacao implica factores que concorrem para a significacao da mensagem.
Jakobson faz um recenseamento dos seis elementos implicados em todo o acto de
comunicacao: sao, nos seus termos: o destinador (destinateur), o destinatario (destinataire),
o contacto (contact), o codigo (code), o contexto (contexte), a mensagem (message).
Segundo ele, um acto de comunicacao tern de ter presente um destinador que envia a
mensagem e um destinatario que a recebe. O emissor (destinador) e a instancia que produz
a mensagem e que, no caso mais corrente, pode ser tido como responsavel da mesma. E a
este que e imputada a intencao da comunicacao, cuja presenca nos coloca na semiologia da
comunicacao e que faz com que nos tenhamos, numa mensagem, verdadeiros signos
emprestados por um codigo.
Olhando mais de perto, apercebemo-nos de que o emissor e um "arquivo" que pode
ser dissociado e repartido por varios aneis, constituindo uma "cadeia de emissores". Uma
45
tal corrente pode ser mais ou menos complexa e e dificil de estabelecer a priori uma
terminologia que seja adaptada a casos mais singulares.
O receptor e a instancia que recebe a mensagem. Nao se trata forcosamente de um
individuo, uma mensagem pode muito bem possuir varios receptores, simultaneos ou nao.
Podemos distinguir sub-funcoes relativamente ao canal/contacto (variados receptores:
radio, televisao, atendedor de chamadas...), ao codigo (interpretes) e ao contexto (ultimo e
principal elo da corrente da recepcao, aquele que se preocupa em encontrar a intencao
comunicacional do emissor: e o conjunto das condicoes sociais).
Por outro lado, a mensagem e o conjunto de signos escolhidos no seio de um ou
mais codigos. Supoe uma codificacao e respectiva descodificacao, que junta o emissor ao
receptor - nao se confunda com a informacao que aquele tern intencao de comunicar, como
seria de esperar pelo vulgar sentido da palavra mensagem. E preciso compreender o termo
como um conceito, que significaria um conjunto acabado e enderecado de elementos
portadores de informacao, porque a mensagem e composta de um ou mais sintagmas. A
mensagem em transito diz respeito a qualquer realidade que nao ela mesma, ou seja, a
mensagem estara em lugar dessa realidade que importa realcar e que Jakobson apelidou de
"contexto".
Outro factor, o "contacto", refere-se ao canal fisico e as relacoes psicologicas entre
o destinador e o destinatario. Por ultimo, o "codigo" serve como um sistema generalizado e
comum de significacoes, a partir do qual a mensagem se estrutura.
A principal originalidade deste modelo e que a estes seis factores, Jakobson faz
corresponder seis funcoes. Deste modo o seu modelo nao e somente descritivo: passa a ser
tambem operacional. O destinador, mensagem, destinatario, contexto, contacto e codigo
sao factores constitutivos da comunicacao e todos tern uma funcao especifica e diferente
entre eles, dentro de cada acto de comunicacao. Portanto, nenhum acto de comunicacao se
estabelecera sem que estejam previstas e colocadas em jogo, as seis funcoes. Tratam-se de
funcoes desempenhadas pelas mensagens, que Jakobson distingue em funcao do elemento
constitutive do acto de comunicacao que e solicitado de forma privilegiada pela mensagem
considerada. E importante ter presente que a maioria das mensagens acumula varias
funcoes e que as variacoes de significado se deve a uma diferente hierarquia entre essas
funcoes, tal como Jakobson refere: «La diversite des messages reside non dans le
46
monopole de l'une ou l'autre fonction, mais dans les differences de herarchie entre celles-
■ 80
Cl.» .
Ele estabelece uma relacao directa entre elementos e funcoes, de acordo com o
esquema seguinte:
Contexto
(referenda I]
DESTINADOR > MENSAGEM > DESTINATARIO
(emoliva) [poetica] (conativa)
Contacto
(fdtica)
Codigo
(metalinguistica)
Fig. 4 | Esquema de Roman Jakobson (reuniao dos
elementos e funcoes).
A funcao "emotiva" ou expressiva explica a relacao da mensagem com o
destinador. Ela pretende informar sobre as emocoes do destinador, o seu estado de espirito,
ou seja, a sua pessoalidade. Esta funcao e notoriamente mais evidente em determinadas
categorias de mensagens. Por exemplo, o jornalismo nao dara muita importancia a esta
funcao, porque como se depreende facilmente, a mensagem jornalistica e equivoca 81 , e por
isso nao poetica. Aos leitores, nao interessam as emocoes dos jornalistas, dai elas nao se
reflectirem nos jornais. A noticia deve ser imparcial.
A funcao "conativa" refere-se aos efeitos que a mensagem provoca no
destinatario e acentua a vontade que o emissor tern de agir sobre o receptor. Esta e
notoriamente uma funcao relativa ao destinatario e o tipo de mensagem que a funcao
conativa solicita devera ser preferencialmente performativo, para que induza um certo
comportamento no receptor. Por isso, a publicidade privilegia esta funcao.
A funcao "fatica" ou relacional consiste em confirmar se ficou estabelecida a
comunicacao entre o emissor e o receptor. Num processo linguistico ou verbal de
comunicacao, e facil perceber que esta funcao esta presente (por ligacoes fisicas, e
psicologicas), e e necessaria ao sucesso do acto de comunicacao. E, como Fiske 82 refere, o
JAKOBSON, Roman - Essais de linguistique generate: les fondations du langage. Paris: Editions de
Minuit, 1963. (Arguments; 14). p. 214.
81 Apesar do jornalismo suportar uma linguagem equivoca, porquanto existe um significado para o emissor e
outro para o receptor, e dever e preocupacao constante das editoras torna-la o mais univoca possivel, a
semelhanca do que se passa com a linguagem cientifica.
82 FISKE, John, op. cit., p. 29.
47
nosso "ola" quando nos cruzamos com alguem na rua. Mas esta interjeicao nao comunica
nada: reforca, sim, a relacao entre quern a profere e quern a recebe, informa de uma
vontade expressa de reconhecimento da relacao. A discussao em torno do modelo de
Jakobson remete para uma acepcao dinamica da comunicacao: as funcoes fatica e conativa
colocam em relevo a participacao do outro, visto que este intervem activamente no
processo.
A funcao "referencial" diz respeito a preocupacao da veracidade da mensagem. E
a funcao que permite denotar a realidade contextual que nos envolve, e de que a mensagem
devera depender. Diz respeito a uma funcao denotativa de informacao sobre um referente
ou, por outras palavras, e o "de que se trata" (a realidade para a qual remete a mensagem).
Esta funcao e orientada em direccao ao contexto, na medida em que e dela que vai
depender a mensagem. Portanto, a mensagem nao vive isolada e esta intimamente
dependente de um contexto. Para um perfeito entendimento da mensagem, o contexto nao
pode nunca ser omitido, visto que e este que organiza o seu significado. Veja-se, entre os
fundamentalistas, o caso de alguns sectarios que leem as sagradas escrituras a letra, um
exemplo para perceber o quanto e importante o sentido do contexto na interpretacao da
mensagem.
A funcao "metalingurstica" (por vezes tambem chamada "funcao de traducao"
porque diz respeito a explicitacao do codigo que esta em uso no processo de comunicacao)
e empregue quando a linguagem e utilizada para falar da mesma linguagem. Ela e a
ferramenta da comunicacao, como objecto de reflexao.
Finalmente a funcao "poetica" tern a ver com uma auto-relacao da mensagem. Ela
coloca o acento sobre a forma da mensagem. Esta funcao permite fazer da mensagem um
objecto estetico, autorizando o jogo com as palavras, os sons e os sentidos. Jakobson
previne que esta funcao nao e somente utilizada poeticamente na mensagem, mas que ela
esta presente na linguagem do dia a dia.
Estas seis funcoes nao se excluem umas as outras, mas eventualmente poderao
sobrepor-se, numa aproximacao ao tratado de semiotica geral 83 de Eco, no qual facilmente
reparamos que a funcao emotiva, conativa e fatica pertencem ao dominio da linguagem
analogica e que por isso dependem de outras circunstancias, visto que elas vivem num
mundo de relacoes. Pelo contrario, a funcao metalingurstica, poetica e referencial sao do
83 ECO, Umberto - Tratado geral de semiotica. 4 a ed. Sao Paulo: Pespectiva. (Estudos; 73).
48
dominio da linguagem digital, ou seja, primam pelo rigor do conteudo. Segundo Peraya e
Meunier, qualquer mensagem possui estas seis funcoes, ainda que em percentagens
diferentes. Deste modo, «(...) la predominance de la fonction referentielle definira le
langage scientifique, la fonction poetique la litterature et la poesie, la fonction conative le
discours prescriptif ou moraliste, etc.» 84 .
1.3.3 Escola Semiotica
Os modelos que fazem parte da Escola Semiotica tern assumido no campo da
comunicacao uma certa hegemonia. A Escola Semiotica estuda o papel dos referentes na
nossa cultura. Ela apoia-se no termo significacao e dai, ao contrario da Escola Processual,
nao considera qualquer fracasso no processo de comunicacao. Ela aceita que qualquer
"fracasso" no processo comunicativo dever-se-a as diferencas culturais entre emissor e
receptor. Ha uma preocupacao social, nomeadamente no que diz respeito a forma como as
imagens interagem com as pessoas de forma a produzir significados. O seu metodo de
estudo e a semiotica, que veio substituir gradualmente o Estruturalismo, complementando
e aumentando o seu conceito (nomeadamente o de cultura). O Estruturalismo aborda os
fenomenos socio-culturais pelo seu conjunto, isto e, pelo conjunto das suas estruturas.
Entao, a analise e feita incidindo fundamentalmente nos tracos comuns dos fenomenos, nao
se interessando na obra em particular. Do mesmo modo, assim como nao ha um estudo
especifico no que diz respeito a particularidade dos fenomenos, tambem esses fenomenos
sao inseridos em contextos estruturais vastos, logo generalizantes. Contrariamente, a
semiotica estuda os factos pela sua raiz particular e nao globalizante, analisando as
praticas, em detrimentos das estruturas. Sao entao valorizados os detalhes da cultura como,
por exemplo, os cambiantes artisticos, as tematicas, a contextualizacao em cada
movimento, etc.
A Escola Semiotica, ao contrario da Escola Processual da especial atencao a
comunicacao, nao como processo, mas sim como promovedora de significacao.
84 PERAYA, Daniel; MEUNIER, Jean-Pierre, op. cit., p. 68.
49
Preocupados pela formacao da significacao, os modelos pertencentes a esta escola
enquadram-se perfeitamente em qualquer realidade, incluindo a artistica. A prioridade dada
ao objecto e a sua consequente fruicao pelo receptor toma agora novos rumos. O objecto
era desprezado e o receptor na Escola Semiotica deixa de ser um mero receptor,
atribuindo-se-lhe um papel mais activo no desenrolar de todo o processo.
A conviccao da existencia de signos na imagem fez surgir a semiologia, que
estuda a cultura enquanto comunicacao e diz respeito ao conjunto das mensagens
subordinadas a codigos subjacentes.
Existe ainda uma grande diferenca entre a Escola Processual e Semiotica. Elas
divergem naquilo que consideram ser uma mensagem. Para a Escola Processual, a
mensagem e o que esta no meio do processo de comunicacao e e considerada como aquilo
que e transmitido por esse processo. Para a Escola Semiotica, prevalece a ideia de
producao de signos, que interagindo com os receptores produzem significados. Como
refere John Fiske a este respeito:
«(...) ler e o processo de descobrir significados que ocorre quando o leitor interage
ou negoceia com o texto. Esta negociacao tem lugar quando o leitor traz aspectos da
sua experiencia cultural e os relaciona com os codigos e signos que formam o texto.
Envolve tambem um certo entendimento comum quanto aquilo de que o texto trata
(...) assim, leitor com experiencias sociais diferentes, ou de diferentes culturas
poderao encontrar significados diferentes do mesmo texto. » 85 .
1.3.3.1 Modelo saussuriano
O estudo da semiotica nas artes plasticas revela-se de grande importancia para a
compreensao das obras de arte, isto porque e esta ciencia que, pelos seus modos, esclarece,
ou pelo menos tenta averiguar, as suas razoes, mormente no que concerne a sua linguagem
e a sua relacao com o fruidor.
A semiologia desenvolveu-se extraordinariamente nos principios do seculo XX, na
sequencia dos estudos de filologia. E efectivamente a partir desta data que surgem grandes
preocupacoes com a linguistica. Ferdinand de Saussure (1857-1913) teve capital
85 FISKE, John, op. cit., p. 16.
50
importancia no desenvolvimento da semiologia. Apesar de nunca ter escrito nada 86 , os seus
alunos 87 mais proximos encarregaram-se de promover o seu trabalho, reunindo as ideias
adquiridas nas suas aulas, atraves de apontamentos e outros documentos do proprio
Saussure. Elaboraram e publicaram, em 1916, aquilo que veio a chamar-se "Curso de
Linguistica Geral" 88 . Esta teoria saussuriana abalou grandemente o universo do
conhecimento linguistico, introduzindo neste campo novas teorias conceptuais, isto porque,
por um lado, perturbou e destruiu as velhas teorias filologicas da linguagem e uma
linguistica fundamental comparativa, propondo um modelo estruturalista; por outro,
anunciou um novo dominio - a semiologia, estabelecendo as relacoes de dependencia
metodologicas entre linguistica e semiologia.
A semiologia desenvolvida a partir dos trabalhos de Ferdinand de Saussure tinha
uma vertente psicossociologica, tal como ele proprio definiu: «On peut done concevoir
une science qui etudie la vie des signes au sein de la vie sociale; elle formerait une partie
de la psychologie sociale, et par consequent de la psychologie generale; nous la nomme-
rons semiologies - aquilo que Barthes 90 preferiu apelidar de "Ciencia geral de todos os
sistemas de signos". No entanto, a semiologia e afastada por intencionalmente estabelecer
uma divisao entre a palavra e a lingua e dar apenas interesse cientifico ao codigo, sem se
dar conta das suas pretensoes, ou seja, de qualquer ligacao a psicologia social.
A semiologia define-se como o estudo dos sistemas de signos, primeiramente
aplicado a analise linguistica e posteriormente aberto a outras formas de expressao como a
retorica da imagem.
O modelo de Saussure (fig. 5) centra a sua atencao no proprio signo. E e um objecto
fisico com um significado ou, segundo ele, o signo consiste num "significante" e num
"significado" 91 aliados entre eles, por um modo de significacao. O significante e a imagem
do signo tal como a encontramos na realidade, tal como a visualizamos: poderao, pois, ser
os sons de uma musica ou um registo num quadro. O significado e o que esta mentalmente
Na verdade, a linica coisa que escreveu foi "De l'emploi du genitif absolu en Sanskrit" (Genebra, 1881), e
"Memoire sur le systeme primitif des voyelles dans les langues indo-europeennes" (Lipsia, 1879).
87 Entre os quais poderemos destacar Albert Sechehaye (1870-1946) e Charles Bally (1865-1947).
88 SAUSSURE, Ferdinand de - Cours de linguistique generale, Paris: Payot, 1975. (Payotheque). Publicado
por Georges Sechehaye e Charles Bally.
idem, ibidem, p. 33.
90 cf. BARTHES, Roland - O grau zero da escrita seguido de elementos de semiologia. Lisboa: Edicoes
70, 1981. (Signos; 3).
91 Posteriormente Benveniste (1902-1976) retoma a discussao de Saussure adoptando para o mesmo contexto
a designacao de sinal-realidade. cf. a este respeito, BENVENISTE, Emile - Problemas de linguistica
geral. Sao Paulo: Companhia Editora, 1976. (Biblioteca Universitaria. Letras e linguistica; 8).
51
associado ao significante. De um modo sintetico, este e a expressao do signo, o significado
e o seu conteudo. Portanto segundo ele, o signo decompoe-se no seu significante e no seu
significado, referindo-se a uma realidade externa atraves da significacao.
Signo
/\
composfo por
/ \ s; nif ;o a ao
significante Mais significado — realidade
(existeneia
fisica do signo)
(conceito
mental)
externa ou
significado
Fig. 5 | Os elementos da significacao segundo Saussure
O signo, antes de tudo e uma marca, uma referenda fisica, mas e fundamentalmente
um conceito, ou ideia mental, quer dizer, um conceito aceite universalmente dentro de uma
determinada cultura 92 .
A letra "P" funciona como um signo, isto e um significante com uma determinada
plasticidade, forma e composicao; por outro lado, tern um significado relativo a uma dada
cultura. Primeiramente, e entendida como a decima quinta letra do alfabeto portugues;
gramaticalmente, sera uma consoante oclusiva labial; quimicamente, estamos perante o
simbolo quimico do fosforo; fisicamente, representa o "momento". Referimo-nos entao a
universos. Se, na cultura cientifica, o "P" e aceite universalmente como a letra que
simboliza o elemento quimico fosforo, o mesmo nao se passara em universos mais
restritos, podendo significar apenas uma letra do alfabeto ou uma moeda de troca
(piastra 93 ). Em qualquer dos casos, a letra "P" tern referencias a uma realidade externa.
A letra "P", no mundo arabe, nao fara sentido pois estara descaracterizada,
descontextualizada, inserida num contexto que desconhecera o seu verdadeiro significado.
No mundo arabe a forma de poder compreender a letra "P" sera a de estabelecer uma
relacao entre o significante signico e a realidade vivencial do humano perante o signo,
visto que o significado e inexistente, na medida em que ele nao foi formado mentalmente.
A codificacao do significado em significante aparece como uma etapa essencial da
Como linguista, Saussure introduz o seu modelo na linguagem, fazendo pois, mais sentido entende-lo no
mundo das palavras do que no mundo das imagens e dos sons. Facilmente compreendemos que as linguas
sao convencionadas, ao passo que a arte carece de convenio.
93 Piastra e a sub-divisao da libra egipcia, libanesa e siria e do dinar sudanes.
52
construcao da mensagem compreensivel pelo seu destinatario; uma relacao
significante/significado demasiado subjectiva desfoca e corre o risco de ser mal entendida,
ou mesmo incompreendida. A letra "P", aos olhos do mundo arabe, aparece como
incompreensivel, visto que a relacao entre o significante e o significado nao se encontra
estabelecida. Se o significante ja por si e uma forma muito diferente do seu universo
alfabetico, o correspondente significado tambem nao se torna evidente.
O emissor deve escolher o seu codigo. Esta escolha esta aliada a distincao, na
perspectiva barthesiana 94 , entre os conceitos de denotacao e conotacao 95 . Existe
denotacao 96 quando o significado e construido objectivamente enquanto tal, ao passo que a
conotacao exprime um valor subjectivo aliado ao signo, feito de forma e funcao. Qualquer
emissor do signo deve escolher e definir a sua expressao, em funcao dos seus objectivos e
do meio envolvente.
Os autores deste modelo realcaram a diferenca entre comunicacao e significacao,
desenvolvendo a semiologia da comunicacao e a semiologia da significacao. Digamos que
a semiologia da comunicacao tern como objectivo a comunicacao, ou seja, a existencia de
uma intencao comunicacional (por isso assentando em signos codificados e aceites
convencionalmente), enquanto que a significacao sera o resultado de signos espontaneos,
expressivos, que nao tern a intencao de comunicar. A partir daqui pode-se fazer a distincao
entre a imagem publicitaria e a imagem artistica, uma com preocupacao quanto ao caracter
de veiculacao da mensagem, a outra centrada apenas na significacao dos seus multiplos
receptores.
Os defensores deste modelo, por se centrarem numa semiologia do codigo, nao
evidenciam o emissor: o seu campo de estudo encontra-se no objecto e na sua
descodificacao e nao na sua criacao. Por outro lado, nao se encontra estabelecida nenhuma
relacao entre o emissor e o receptor, o que seria desejavel, dado serem ambos humanos e
por isso mesmo possuidores individualmente de uma carga cultural propria.
94 Sobre a conotacao/denotacao cf. BARTHES, Roland - Elements de semiologie. Communications. Paris:
Seuil. n° 4, (1964), p. 130 e sgg.
95 Louis Hjelmslev designa a denotacao, como uma relacao entre uma expressao (significante de Saussure) e
um conteiido (significado de Saussure) e define a conotacao de igual modo a denotacao, mas em que a
expressao tem por sua vez um signo denotativo, quer isto dizer, uma nova relacao entre expressao e
conteiido.
96 Por ser mais evidenciador, Prieto sugere a substituicao do termo denotacao por notacao. cf. PRIETO, Luis
Jorge - Pertinence et pratique - essai de semiologie. Paris: Editions de Minuit, imp. 1975. (Le Sens
commun). p. 109.
53
1.3.3.2 Modelo peirciano e de Ogden & Richards
Sendo uma teoria da interpretacao e sendo a comunicacao um sistema de signos a
serem interpretados, o modelo peirciano, apesar de nao por a tonica na comunicacao, e em
rigor uma teoria da comunicacao.
Charles Sanders Peirce (1839-1914) chegou ao seu modelo (fig. 6), baseado na
triangularidade 97 de Charles Ogden (1889-1957) e Ivor Richards (1893-1979). Tanto
Peirce como a dupla Ogden & Richards chegaram a modelos muito semelhantes a respeito
da forma como os signos significam. Para eles existe uma triangularidade entre o signo
(significante), que e qualquer coisa percebida que substitui qualquer outra coisa; o objecto
(referente), ou seja, o objecto do mundo real, ao qual o signo se refere; e o interpretante
(humano). Eles partiram desta ideia para estudar a significacao. Peirce explica o seu
modelo da seguinte forma: «(...) is something which stands to somebody for something in
some respect or capacity. It addresses somebody, that is, creates in the mind of that person
an equivalent sign, or perhaps a more developed sign. That sign which it creates I call the
interpretant of the first sign. The sign stands for something, its object. » 98
Signo
Interpretante < > Objecto
Fig. 6 | Os elementos da significacao segundo Peirce
No modelo de Ogden e Richards, (fig. 7) apesar das muitas semelhancas, existem
diferencas que se prendem fundamentalmente com a designacao dos elementos da
significacao. Em substituicao do objecto de Peirce, surge o "referente"; no lugar do
interpretante, temos a "referenda"; e quanto ao signo, este e substituido pelo "simbolo". O
97 OGDEN, Charles Kay; RICHARDS, Ivor Armstrong - O significado de significado. 2 a ed. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1976.
98 Charles Peirce cit. por ZEMAN, Jay - Peirce's theory of signs. Bloomington: Indiana University Press,
1977. p. 228.
54
simbolo e a referenda estao interligados, bem assim como o referente e a referenda, mas
pelo contrario a ligacao entre o simbolo e o referente nao e directa. Isto significa que
Ogden e Richards nao dao grande relevo a relacao entre o signo e a realidade exterior. Para
eles, os simbolos organizam os nossos pensamentos, ou referencias, e estas por sua vez
estruturam a nossa percepcao da realidade.
Referente
if/ \%
J?/ ^>
$f/ simbolizo ' \fy
(uma relacao causal) \
Referencia Simbolo
(pensamento)
Fig. 7 | Os Elementos da significacao segundo Ogden & Richards.
Este modelo esta muito proximo das ideias de Saussure, sobretudo na grande
semelhanca entre simbolo e referencia, e significante e significado, respectivamente. Ele
implica uma bidireccionalidade entre cada elemento que o compoe, ou seja, cada termo do
modelo nao existe independente dos outros dois, porque existe uma interdependencia entre
todos.
Segundo Peirce, os signos referem-se sempre a uma realidade, mas dela sempre se
diferenciando. Essa realidade traduzida por ele como "objecto" e sempre entendida pelas
pessoas - os "interpretantes". E algo mental e intelectivo, algo que e fabricado pelo signo
em si e pela vivencia de cada pessoa. Qualquer conceito, ou antes, qualquer realidade varia
(dentro de determinados limites) em funcao da experiencia de cada pessoa. Os limites
estabelecidos para a definicao da realidade sao estabelecidos por convencao social. Para
Peirce, o signo e sempre uma triade semiotica, fruto de um processo aberto e continuo. A
sua teoria parece ser muito abrangente, podendo adaptar-se a varias situacoes para alem da
comunicacao humana. No entanto, nao esta ainda muito estudada a sua relacao com
problemas especificos de comunicacao, talvez porque se opoe esquematicamente a
55
99
qualquer outro modelo apresentado. Nao obstante, Santaella considera-a como uma teoria
da comunicacao, que deve ser entendida enquanto triade de objectivacao (signo-objecto);
triade de interpretacao (signo-interpretante); e triade da significacao (signo-signo),
consideradas precisamente a partir da sua triade semiotica (signo, objecto, interpretante)
com a respectiva correspondent na mensagem, no emissor e no receptor.
1.3.3.3 Modelo semiotico-informacional de Umberto Eco e Paolo Fabbri
Como critica a linearidade mecanicista da teoria da informacao, surge o modelo
semiotico-informacional (fig. 8), que reclama um estudo sobre a questao semantica da
significacao, mas baseado na linearidade da teoria informacional. Por esta razao, apesar da
semelhanca esquematica com esta teoria, incluimos o presente modelo na Escola
Semiotica, pois as novidades trazidas pelos seus autores foram mais relevantes no campo
da semiotica do que propriamente no da transmissao da informacao.
[Destino]
emissor
Canal
Mensagem emitiaa p- Mensagem
como signiflconte fecebida
que veiculd um como
certo significado signiflconte
Ccdigo
Destlnatdrio
Mensagem
recebida
como
slgnificacfo
CAdigo
Sub-c6digos ' ^— Sub-cbdigos ■
Fig. 8 | Modelo semiotico-informacional de Umberto Eco e Paolo Fabbri.
99 cf. SANTAELLA, Lucia - Por que a semiotica de Peirce e tambem uma teoria da conmnicacao.
"Revista de comunicacao e linguagem". Lisboa: CECL [Centro de Estudos de Comunicacao e Linguagens].
n° 29 [O campo da semiotica] , (Abr. 2001), pp. 43-53.
56
Umberto Eco e Paolo Fabbri definem como central ao modelo semiotico-
informacional, o problema da significacao. A grande diferenca face a linearidade de outras
teorias comunicativas reside numa questao semantica. Neste modelo, introduz-se a nocao
de transformacao garantida pelo codigo, em lugar da anterior transferencia de informacao.
Neste modelo, realca-se a importancia que os mass media adquirem no seio da
relacao comunicativa e a importancia dos processos de reconhecimento, que permitem ao
receptor conferir um determinado sentido a mensagem. Esta pesquisa inclui, no seu estudo,
um factor explicativo da variabilidade da recepcao das massas, a saber, «(...) as variaveis
ligadas aos factores de mediacao entre individuos e comunicacao de massa (rede de
pequenos grupos, fluxo a dois niveis, funcoes de lideranca de opiniao, habitos e modelos
de consumo dos mass media, etc.)» 100 . Sao estas que em diferentes relacoes, circunscrevem
a "descodificacao aberrante" 101 . Segundo Eco e Fabbri, se existe variabilidade na recepcao,
e porque nao existe um unico codigo, mas sim uma multiplicidade de codigos - sub-
codigos - que funcionam individualmente e subjacentes aos codigos comuns. Se uma obra
num museu e vista como obra de arte, logo a obra contem um codigo que todos identificam
e que e comum; por outro lado, existirao codigos menos percebiveis que subjazem ao
codigo principal e que a definem, por exemplo, como sendo artistica e nao cientifica.
Portanto, as relacoes com o significante sao vistas de varios perfis, e deste modo, tambem
lhes corresponderao varios significados. Entao, qualquer problema emergente na
comunicacao tera a sua causa no seio do processo de transformacao de um sistema noutro.
Ora, qualquer dificuldade no processo de veiculacao da mensagem pode assentar na
ausencia de conformidade na relacao dos codigos do processo de comunicacao. Por
exemplo, desde a disparidade de diferencas de codigos entre emissor e receptor, ate a sua
ausencia completa, passando por uma excessiva codificacao, ou talvez uma deficiente
codificacao.
100 WOLF, Mauro, op. cit., p. 111.
101 ECO, Umberto [et al.] - Prima proposta per un modello di ricerca interdisciplinare sul rapporto
televisione/pubblico. Perugia: Instituto di Etnologia e Antropologia Culturale, 1965. Cit.por WOLF, Mauro,
op. cit., loc. cit.
57
1.3.4 Outras referencias
1.3.4.1 Escola de Palo Alto (palo-altismo)
Em meados dos anos cinquenta, alguns teoricos de varias areas de saber reflectem
sobre uma nova teoria da comunicacao, sem se fundarem nos modelos telegraficos que
entao vigoravam. Surge a Escola de Palo Alto (colegio invisivel 102 ), mais recentemente
apelidada de "Nouvelle Communication" 103 .
Palo Alto e uma denominacao generica para designar um conjunto de
investigadores que trabalhavam em conjunto em Palo Alto, na California, em torno da
teoria da comunicacao e das relacoes entre individuos. Nunca houve uma escola
propriamente dita, mas unicamente um conjunto de pesquisadores que tinham afinidades
comuns nos seus trabalhos: a terapia clinica e as teorias da comunicacao interindividual.
Entre estes investigadores, os mais conhecidos sao Gregory Bateson (1904-1980), Don
Jackson (1920-1968), Paul Watzlawick (1921- ), Virginia Satir (1916-1988).
O iniciador deste trabalho, considerado o pai desta escola, e Gregory Bateson, que
era antropologo, zoologo e etnologo. Ele foi muito influenciado pelos matematicos, que
fundaram a "cibernetica", Norbert Wiener e John von Neumann (1903-1957), mas tambem
por Ludwig von Bertalanffy. Foi a mistura de varios saberes que fez a forca da Escola de
Palo Alto e que trouxe uma nova visao a comunicacao. Alias, quando a teoria cibernetica
comeca a desviar-se do seu intento inicial, os autores de Palo Alto tentam retoma-la e dar-
lhe forca para nao se encaminhar para os dominios da engenharia.
Na base desta escola esta a rejeicao do modelo de Shannon & Weaver, considerado
como inadequado as ciencias sociais e um modelo de engenharia, unicamente aplicavel ao
dominio tecnico. Assim, a pragmatica psicossociologica dos teoricos de Palo Alto assenta
na ideia de que qualquer acto de comunicacao devera ser encarado sob o ponto de vista do
seu conteudo e da relacao entre os intervenientes no processo comunicativo, tendo cada
individuo um papel preponderante a desenvolver, em funcao dos seus criterios socio-
102 Termo inventado por Derek John de Solla Price (1922-1983). A comunidade desta escola (colegio) era
composta por investigadores, que nao mantinham contacto fisico, nao se expondo colectivamente, dai o
termo invisivel. cf. PRICE, Derek de Solla - Little science, big science. Nova Iorque: Columbia University
Press, 1963.
103 cf. WINKIN, Yves - La nouvelle communication. Paris: Seuil, 2000. (Points, Essais; 136).
58
culturais. Os intervenientes no processo comunicativo nao sao vistos, portanto, como
elementos isolados de onde parte ou chega a mensagem, mas antes como facilitadores do
fenomeno social na comunicacao, o que, como Winkin 104 refere, retoma o verdadeiro
sentido da palavra comunicacao - participacao, comunhao, por em comum. Nesta
interaccao, a comunicacao reforca-se e controla-se em permanencia, em consequencia da
multiplicidade de canais em jogo.
A teoria desta escola baseia-se no axioma "e impossivel nao comunicar" 105 para
desenvolver uma teoria mais global. A comunicacao esta aliada ao comportamento dos
individuos e, como nao ha "nao-comportamentos", a comunicacao e permanente e integra
multiplos codigos de comportamento, em inter-relacao.
Carol Wilder 106 em entrevista a Paul Watzlawick questiona:
«Wilder: Le premier axiome d'une logique - "On ne peut pas ne pas communiquer"
- a une belle resonance esthetique et evoque les dimensions tacites de la
communication; mais certains ont soutenu qu'il repoussait les limites de ce qui
constitue la communication au-dela de tout champ d'application utile ou significatif.
Watzlawick: Oui, c'est ce qui a ete dit. En fait, cela se ramene generalement a la
question suivante: "L'intentionalite est-elle une composante essentielle de la
communication?" Si vous vous interessez a l'echange d'information a un niveau que
je qualifierai de, conscient, volontaire et delibere, alors, effectivement, la reponse est
"oui". Mais si vous adoptez notre point de vue et admettez que tout comportement en
presence d'une autre personne est communication, alors il me semble que vous devez
aller jusqu'a l'implication de l'axiome.
Wilder: Alors, je vais vous poser la question dans l'autre sens. Existe-t-il un
comportement qui ne serait pas communicatif a vos yeux?
Watzlawick: II est evident que s'il n'y a personne autour de vous, vous allez vous
retrouver avec la vieille question: "L'arbre qui tombe dans la foret fait-il du bruit s'il
n'y a personne pour l'entendre?"».
Para esta escola, mesmo um comportamento que esteja direccionado para nao
comunicar, nao e passlvel de deixar de comunicar, visto que, ao negar-se a comunicacao,
esta-se precisamente a revelar essa indisponibilidade. Sapir, de modo semelhante, tambem
esclarece que o agir individual reflecte um agir comunicacional, mesmo que este nao seja
evidente: «Toute structure culturelle et tout acte individuel de comportement social
cf. idem, ibidem, p. 26.
105 cf. WATZLAWICK, Paul; BEAVIN, Janet Helmick; JACKSON, Don - Une logique de la
communication. Paris: Seuil, 1972. p. 46.
106 WILDER, Carol - From the international view - A conversation with Paul Watzlawick. Journal of
Communication. Vol. XXVIII, n° 1, (1978), pp. 35-45. Cit. por WINKIN, Yves, op. cit., pp. 318, 319.
59
entrainent une communication implicite ou explicite» 107 . Reflecte-se aqui o assentimento
democratico de Habermas 108 . O axioma desta escola verifica-se em qualquer situacao. E o
caso, por exemplo, quando se entra numa dependencia bancaria, manifestando nao querer
comunicar com as pessoas circundantes. No entanto, desse modo, ja estamos a comunicar
essa nossa intencao. A ideia desta escola e deveras radical comparativamente com as outras
enunciadas. O humano sabe que nao esta so e que o mundo e povoado por semelhantes
seus que estao em constante interaccao. A presenca e a ausencia do outro, num mesmo
lugar e ao mesmo tempo, ou o silencio e a inaccao, tidos como comportamentos, serao,
segundo esta escola, um feito significativo, que comunica qualquer coisa, cujo sentido
ajuda a compreender o significado das representacoes de uma expressao linguistica, de um
gesto ou de uma mimica. Com efeito, qualquer individuo vive num conjunto de regras,
uma especie de codigos de comportamentos, e utiliza-as obrigatoriamente na sua
comunicacao, quer seja emissor ou receptor. Dissociar uma mensagem verbal consciente
do seu contexto (nivel sonoro, tempo da palavra, proximidade do interlocutor, etc.) torna
entao totalmente inepta a comunicacao verbal e a nao verbal. A analise de apenas uma das
suas componentes (um gesto ou uma palavra) nao apresenta nenhum interesse, porque nao
permite reconstituir a significacao do todo.
Houve, no entanto, um autor desta escola que nao partilhou da ideia comum "e
impossivel nao comunicar". Trata-se de Ray Birdwhistell (1918-1994), que nao emprega
esta formula. Para ele, a comunicacao deveria ser vista como um processo, onde cada
interveniente se compromete e se empenha em participar. A comunicacao, segundo ele,
nao passaria pela utilizacao de sons, gestos, etc., ou ainda pela ausencia de qualquer uma
destas accoes. Tal como ele proprio refere:
«Un individu ne communique pas, il prend part a une communication ou il en
devient un element. II peut bouger, faire du bruit..., mais il ne communique pas. En
d'autres termes, il n'est pas l'auteur de la communication, il y participe. La
communication en tant que systeme ne doit done pas etre concue sur le modele
elementaire de Faction et de la reaction, si complexe soit son enonce. En tant que
systeme, on doit la saisir au niveau d'un echange» 109 .
107
108
L09
SAPIR, Edward - Linguistique. Paris: Editions de Minuit, 1968. (Le Sens Commum). p. 92.
Sobre este assunto cf. infra, pp. 88 (§ 3), 89.
Ray Birdwhistell cit. por WATZLAWICK, Paul; BEAVIN, Janet Helmick; JACKSON, Don, op. cit., p.
68. Publicado originalmente em BIRDWHISTELL, Ray - Contribution of Linguistic-Kinesic Studies to the
Understanding of Schizophrenia. In Auerback, Alfred - Schizophrenia: An Integrated Approach. Nova
Iorque: Ronald Press, 1959. p. 104, [contribuicao entre as pp. 99-123].
60
A comunicacao deveria entao assentar na participacao, ou seja, deveria ver-se a
comunicacao como intervencao individual, de fora para dentro, existindo a comunicacao e
participando os individuos activamente nela, independentemente dos conteudos latentes
(inconsciente) ou manifestos (consciente) a que a "Espiral do silencio" da cientista politica
Elisabeth Noelle-Neumann (1916- ) se refere, reforcando os principios da psicanalise. A
analise desta participacao e de ordem contextual, tomando em conta a percepcao da propria
opiniao do individuo. A ideia e que ele procure evitar o isolamento. Alguns irao calar-se,
enquanto outros exprimir-se-ao. Se adicionarmos a tudo isto a pressao dos media,
observamos que uma grande quantidade de pessoas nao exprimem a sua verdadeira
opiniao. Interessa verificar, nao os elementos da comunicacao individualmente e por si so,
mas, sim, analisa-los em interaccao, para compreender que sao estes elementos que
permitem formular o contexto em que o individuo se encontra inserido e que, como
factores externos, influenciam decisivamente as suas atitudes. Um gesto ou uma imagem
nao sao vistos isoladamente, mas sim em grupo e, deste modo, a comunicacao esta, nao na
troca do seu conteudo, mas sim no sistema que viabilizou a troca. A troca deixa entao de
ser uma transferencia de informacao, como nos modelos telegraficos, para passar a centrar-
se na relacao social e simbolica.
A Escola de Palo Alto, despertando os aspectos psicologicos da comunicacao,
complementa a teoria funcionalista. Com efeito, Palo Alto elabora uma teoria sobre a
liberdade e a autonomia, baseada nas orientacoes que os funcionalistas criaram em torno
do humano, como um ser livre e autonomo.
1.3.4.2 Teoria Comunicacional de Marshall McLuhan
Marshall McLuhan (1911-1982) distingue tres estadios de desenvolvimento, a cada
um correspondendo um tipo de sociedade:
- Sociedade primitiva e tribal - em que prevalecem os media orais e a escrita e inexistente.
- Sociedade da Galaxia de Gutenberg - apos o surgimento da imprensa, permitindo deste
modo a mecanizacao da escrita.
61
- Sociedade da Galaxia de Marconi - apos o surgimento dos media audiovisuais
electronicos que promovem a criacao da aldeia global.
A teoria de Marshall McLuhan e um prolongamento da de Harold Innis (1894-
1952). Esta refere que a comunicacao depende sobretudo dos meios materials ou
intelectuais desenvolvidos pelas sociedades. Trata-se de uma nova forma de encarar a
comunicacao, visto que todo o saber e transmitido por via dos meios de comunicacao,
portanto, segundo ele, existira sempre um processo comunicacional, na medida em que
existe sempre um meio de transmissao, apesar de se diferenciar em cada epoca. Assim, o
telefone, a epistola, a pintura, ou qualquer outra arte, por fixarem ideias, praticas, costumes
- no fundo, um saber - constituem-se como comunicacao. Entao, a historia da
comunicacao e, no seu ponto de vista, a historia dos meios de comunicacao. Apesar da sua
investigacao nao se centrar no estudo da sociedade nem na comunicacao em si, ela tern
sobretudo como preocupacao as relacoes que possam existir entre as sociedades e a
comunicacao. As formas de saber sao condicionadas pelos meios. Para Innis, um meio
podia ser qualquer meio de comunicacao, enquanto que, para McLuhan, o meio e o
prolongamento de uma faculdade ou capacidade humana. Por exemplo, a televisao,
segundo ele, e um prolongamento da nossa visao, ou a radio um prolongamento da nossa
voz. Esta ideia relacional entre os media e o humano leva-nos a uma outra ideia que ele
propoe: "o meio e a mensagem" 110 . Assim, o meio (prolongamento) pode ser entendido,
como um estimulo que provoca uma determinada "reaccao", ou seja, a sua teoria contem
algumas relacoes com a teoria do Estimulo-Resposta.
Por outro lado, sendo o meio que transporta a mensagem e sendo ele um
prolongamento das capacidades humanas, entao tambem a mensagem adquire as mesmas
caracteristicas. Nao interessa portanto o conteiido das mensagens transportadas pelo meio,
mas e imprescindivel compreender as transformacoes que esse meio provoca no humano,
como diz Attallah: «C'etait le media qui, en prolongeant les facultes et capacites humaines,
les transformait et induisait une variation d'echelle des affaires humaines» m . Reduzindo a
comunicacao ao estudo do efeito dos media no humano e nao centrando a atencao no
conteiido e no contexto estudado, McLuhan acaba por aproximar-se da teoria funcionalista.
110 cf. McLUHAN, Herbert Marshall - Os meios de comunicacao como extens5es do homem. Sao Paulo:
Cultrix, 1995 e do mesmo autor a ilustracao grafico-descritiva do referido livro intitulada: O meio sao as
massa-gens. 2 a ed. Rio de Janeiro: Marshall McLuhan, 1969.
in ATTAL LAH, Paul, op. cit, p. 281.
62
Esta e uma abordagem globalizante dos meios de comunicacao de massa. Para ela, nao
importam os efeitos dessa comunicacao junto dos receptores enquanto individuos, mas sim
o papel que essa comunicacao exerce na sociedade.
Diferentemente da teoria hipodermica, que regia os seus principios segundo as leis
do behaviorismo, a teoria funcionalista destaca a accao social na sua ligacao aos
paradigmas. As questoes centradas na manipulacao foram evidentemente objecto de estudo
inicial, tendo sido progressivamente substituidas, como se compreende, pela persuasao,
influencia, chegando finalmente as funcoes - donde o seu nome. Esta teoria refere que os
media sao fracos e que nao possuem a capacidade de manipular as sociedades. Deste
modo, a existencia dos media nas sociedades dependera da "boa vontade" destas. Portanto,
o papel que os media deverao desempenhar nao e mais o da manipulacao, mas sim o da
seducao. Os media nao tentam impor indiscriminadamente os seus "produtos". Pelo
contrario, procuram ir de encontro aos desejos e necessidades das sociedades.
Para Lazarsfeld, as mensagens dos media atingem, em primeiro lugar, os individuos
mais implicados e mais influentes. Desse modo, eles sao considerados como lideres ou
guias. Os lideres vao por seu turno difundir a mensagem, essencialmente por intermedio do
dialogo. Este modelo de transmissao da informacao efectua-se em dois tempos ("Two steps
flow of the communication").
1.3.4.3 Escola de Frankfurt (teoria critical
A teoria critica surgiu na Alemanha, fazendo oposicao a communication research, e
foi desenvolvida por Theodor Adorno (1903-1969), Jiirgen Habermas (1929- ), Max
Horkheimer (1895- 1973) e Herbert Marcuse (1898-1979), no Institut fiir Sozialforschung,
de Frankfurt (1923). Apesar de fundada na Alemanha, com a instauracao do nazismo como
poder politico, ela ve-se obrigada a transferir-se para Paris e finalmente para o Institute of
Social Research, de Nova Iorque.
Segundo a teoria critica, todas as areas das ciencias sociais sao vistas como tecnica
de investigacao, recolha, classificacao de dados e logo nao penetram na realidade factual,
63
nem no seu fundamento historico, antes originam uma grelha, que comporta a divisao do
todo social em pequenas partes, correspondentes a pluralidade de ciencias de estudo. Esta
teoria pretende ser uma teoria social, em que o processo cientifico e criticado, ou seja, a
analise da sociedade nao e vista como um processo cientifico, como o faz a sociologia. E
uma teoria que tern como proposta a superacao da "crise da razao" 112 , em que
primeiramente analisa os fenomenos que pretende investigar e, de seguida, estabelece uma
relacao entre esses fenomenos e os factores sociais que sobre eles exercem influencia.
1.4 Perspectiva artistica aos modelos de comunicacao
1.4.1 Introducao
A grande maioria dos modelos anteriormente apresentados sao considerados numa
optica linguistica, ainda assim existe uma indirecta ligacao com as artes plasticas, isto
porque estas pertencem a um sistema unilateral, nao simetrico, onde o artista (emissor)
nunca e fruidor (receptor), nem o fruidor e criador 113 , sendo comportamentais e nao
comunicativas as atitudes previstas para os receptores. Outra razao prende-se com o facto
da arte se inscrever num sistema diferido, em que as mensagens sao criadas em
permanencia, independentemente da intencao activa dos seus criadores, bem como da
presenca efectiva dos seus fruidores. Uma vez criada a obra de arte, esta persiste na sua
existencia e cada momento seu corresponde quase a uma nova criacao. Sempre que o
fruidor se encontra perante a obra, esta apresenta-se-lhe pela primeira vez,
independentemente da sua existencia antes da fruicao. Logo, esta situacao sugere um
momento diferente para cada contacto com a obra, e evidentemente para cada um dos
diferentes fruidores, visto que estes nao sao aprioristicamente "contabilizados", na medida
em que e receptor da obra quern se "cruzar" com ela. Ora, independentemente da obra de
112 cf. WOLF, Mauro, op. cit., p. 73.
113 Evidentemente que num primeiro momento, o criador e o proprio fruidor das suas obras, no entanto nao e
a ele que se destinam as mensagem que ele coloca nas obras, ou seja, ele nao e o "fruidor final": esse e o
publico. Do mesmo modo, mesmo em atitudes em que o fruidor seja chamado a participar na obra, este nao
se desvincula do seu papel de fruidor e portanto, por maior que seja a sua accao na obra ele nao passara de
um intervencionista, e nao sera nunca um verdadeiro criador.
64
arte ser ou nao fruida, ela existe. Por esta razao, houve o cuidado de sempre valorizar toda
a informacao numa aproximacao as artes plasticas, de modo a poder redimensionar esses
modelos a espacos teoricos ampliados. No entanto, as relacoes aqui propostas sao uma
ideia pessoal e deverao pelos seus valores ser consideradas apenas programaticos, nao
havendo pois propriamente, intencao de desviar qualquer tracado definido.
Se nao se optou por seleccionar um dos modelos apresentados como o modelo geral
da "comunicacao" artistica, foi porque se entendeu, apos a analise anterior a varios
modelos, que nenhum deles, podera ser aceite como paradigma dos processos de
comunicacao. Neste sentido, sera errado considerarmos como modelos as teorias abaixo
referidas, visto que um modelo e uma forma axiomatica, um paradigma da estrutura e
funcionamento de qualquer coisa (no nosso caso de uma "linguagem"). Independentemente
disto, usaremos essa nomenclatura para facilitar a compreensao das ideias.
1.4.2 Perspectiva artistica
A cibernetica propoe um equilibrio estabelecido por um controlo, mas nao podemos
propriamente falar de um controlo ou equilibrio na arte, porquanto existe sempre um
desnivelamento entre o que e pretensiosamente emitido, ou criado pelo artista e o que
efectivamente e recebido pelo fruidor. Logo, falar-se de uma regulacao homeostatica nao
parece muito correcto, embora os elementos mediadores do processo artistico possam ser
automatismos de regulacao. Um critico podera ajudar a eliminar as perturbacoes que se
instalam na arte e nesse sentido, promover um equilibrio entre a criacao e a recepcao,
aproximando deste modo o artista do fruidor.
Outro dos principios fundamentals da teoria cibernetica e que todo o real pode ser
interpretado em termos de mensagem, ou seja, qualquer realidade e passivel de ser
conhecida e compreendida por meio de outras realidades, por exemplo, as imageticas. As
imagens serao uma traducao da realidade primeira e logicamente sao disponibilizadas aos
fruidores, com o pretexto de possuirem uma determinada mensagem a transmitir. Assim
sendo, a obra de arte e uma fonte da realidade e pode, apos analise, constituir-se como um
65
meio de transicao para o conhecimento da realidade a que se refere. Talvez este modelo
seja uma das pioneiras formas de entender a arte como transmissao de qualquer coisa,
sujeitando-se aquela a determinadas regras, com o objectivo de pretender atingir um
elevado grau de optimizacao. Esta optimizacao, no modelo de Shannon e Weaver, seria
possivel pela inducao de redundancia.
O exagero de redundancia na obra de arte, devido a nao transmissao de
caracteristicas novas, antes repetindo outras ja transmitidas, apesar de facilitar a
transferencia de informacao, tende a torna-la aborrecida. Pode, deste modo, como Coelho
Netto 114 refere, reduzir a propria informacao, o que constitui uma atitude paradoxal, porque
se, por um lado, a obra esta repleta de informacao (objectiva), por outro, esse excesso vai
tornar-se inutil, visto que se apoia na repeticao das mesmas caracteristicas.
A redundancia, defendida por Fiske 115 e deveras interessante, sobretudo se a
encararmos como o apogeu da transmissao de qualquer mensagem. De facto, a codificacao
da mensagem tern de ser sucedida de um processo de descodificacao a qual pode ser
suportada por um processo de redundancia, na medida em que ela torna possivel, pelo
menos em parte, o entendimento da obra de arte. Parece uma forma sintetica e simplista de
estudarmos este assunto; no entanto, tambem julgamos que, apesar da fiabilidade aparente
da redundancia para explicar a comunicacao na arte, ela nao e suficiente, pois nao explica
ou nao resolve a questao no seu todo, apenas a complementando. A redundancia assumida
por Fiske, e aceitavel ate certo limite, porquanto, apos o surgimento de uma obra de arte,
tambem se evidencia uma cada vez maior convencionalizacao da mesma, embora apenas, e
talvez, no que diz respeito a sua aceitacao explicita como obra de arte. Quer isto dizer que
a novidade artistica e a sua posterior repeticao traz consequentemente uma aceitacao
publica da obra, o que se traduz pela introducao de novas definicoes artisticas, que
ampliam cada vez mais o dominio da arte e conduzem a criacao de novos movimentos
artisticos.
As novidades podem e tern quebrado convencoes e, quando assim acontece,
contrariamos fortemente a ideia de uma comunicacao na arte, porque e legitimo aceitarmos
que, a par disso, tambem surgem novas atitudes, novos conceitos, novas expressoes que
necessitam, por sua vez, de serem categorizados e apreendidos por nos, embora na sua
114 COELHO NETTO, J. Teixeira - Semiotica, informacao, comunicacao: diagrama da teoria do
signo. Sao Paulo: Perspectiva, 1989. (Debates; 168). p. 136.
115 cf. FISKE, John, op. cit., pp. 25, 31.
66
totalidade seja uma pura Utopia. Uma obra de arte nao se presta a compreensao "absoluta",
pois, se assim fosse, estariamos a construir um alfabeto para a mesma e outro para outra
obra, e mais ainda para outras obras e estariamos a postular que o publico fruidor estivesse
contextualizado e admitisse todas essas possibilidades canonicas por consenso absolute, o
que parece ser uma quimera inatingivel.
As proto-instalacoes e proto-accoes servem de exemplos para o entendimento desta
questao, sobretudo se as encararmos no seu incipit. Face ao surgimento dos happenings e
das instalacoes evidencia-se uma atitude mais de reinicio do que de rejeicao. Eles
constituiam-se como a apoteose do pictorico, elevando este a um estadio de obsolescencia,
conotando-o como "gasto". Esta novidade surgiu de forma intrigante, nao so pelo periodo
em que ela se enquadra mas tambem face as vivencias que propicia em cada momento do
seu acontecer. Vejam-se, por exemplo, as manifestacoes face a guerra do Vietname 116 , ou
sobre o uso nuclear. Houve o quebrar de muitas convencoes, para se comecar a aceitar
estas novas atitudes como fenomenos artisticos factuais e portanto aceitaveis. Inicia-se um
processo de presentificacao da obra de arte, seja ela tida como happening, performance, ou
qualquer outra atitude mais reivindicativa. A redundancia ganha, neste contexto, grande
relevancia, podendo afirmar-se que e inversamente proporcional a entropia. A
familiarizacao com estas novas perspectivas artisticas constroi um limite 117 cada vez mais
dilatado do conceito arte, e cada vez mais compreensivel, relativamente as suas proprias
traducoes. Evidentemente que, a par com esta ideia, se eleva outra - a da comunicacao.
Fica claro que a redundancia tern por objecto a melhor concretizacao comunicativa, se bem
que ela nao conduza ao total conhecimento da obra de arte pois, a visualizacao da obra de
forma continuada e vivencial, e portanto redundante, nao clarifica convenientemente todos
os seus aspectos concernantes, seja ela de que dominio for. Ou seja, havera elementos que
nao poderao fazer parte de uma convencionalizacao desejada, porquanto eles sao dotados
de grande intransitividade - intransitividade signica - nao tendo por isso uma caracteristica
unica, e invariavel.
116 O conhecimento do horror absurdo da Primeira Grande Guerra e depois da Segunda Grande Guerra e suas
consequencias futuras, nomeadamente os desenvolvimentos sociopoliticos subsequentes, tiveram forte
influencia nas decisoes artistico-filosoficas, que levaram aos protestos da guerra do Vietname.
117 Havera sempre um limite ao conceito arte, mesmo apos o surgimento de novas atitudes, pois estas serao
tomadas como um exercicio amplificador, mas limitativo do processo artistico, porque cada uma tera de se
renovar a elas proprias com neologismos, sob pena de enclausurar hermeticamente a arte.
67
A repeticao de episodios da Antiguidade ou da mitologia em multiplas pinturas leva
a uma redundancia dos temas apresentados, tendo como consequencia uma efectiva relacao
com a realidade a que se referem. Portanto, quando Shannon introduz o conceito de
redundancia pretendendo com ele diminuir a probabilidade de erro no processo
comunicativo, ele limita-se a melhorar o processo de codificacao - o que, de resto,
artisticamente, correspondent a uma atitude direccionada para a clarificacao da obra de
arte. A figuracao sera, a evidencia, uma forma redundante, porquanto ela introduz na sua
concepcao um sistema de correccao do possivel "erro" criado. Se a forma ja evidencia
claramente o desejado pelo artista, a cor, a composicao, a perspectiva, etc., reforcam essa
clarividencia. O conceito de redundancia, no entanto, apesar de explicitar formalmente
algumas evidencias, nao explica os limites de optimizacao da compreensao artistica. O uso
de redundancia na mesma obra facilitara a compreensao de alguns aspectos a ela inerentes,
mas descurara outros que, no seu todo, formam a obra de arte total (forma e conteudo).
Por outro lado, as inovacoes artisticas pretenderam ultrapassar os conceitos
obsoletos, implicados nestes grandes factores redundantes. Na actualidade, pouco sentido
faria voltarmos a explorar dominios que pertencem ao senso comum. O caminho estara na
descoberta de novas formas de expressao, mas condicionada a um certo grau de
redundancia, sob pena de, as obras ou serem altamente contestadas, ou entao
completamente incompreendidas. E portanto, o processo de criacao forma uma sequencia
ciclica, com o objectivo de procurar o equilfbrio. Se o artista pretende incluir um pouco
mais de redundancia na sua obra para a tornar mais clara, logo que se aperceba do limite
por ele achado optimo, ele tera duas hipoteses: ou termina a obra ou, por acha-la
demasiado redundante, opta por voltar a introduzir-lhe entropia. No entanto, Escarpit
salienta que a fruicao e incompativel com o conceito de entropia porque «(...) on peut
relire cent fois un livre, regarder cent fois une peinture ou, une sculpture, ecouter cent fois
un morceau de musique, et, alors qu'on les connait ou croit les connaitre par coeur et dans
leurs moindres details, y prendre chaque fois un plaisir nouveau» 118 . De certo modo, as
reincidencias na fruicao de uma mesma obra podem levar a novas significacoes, mas o
adicionar de mais entropia fara aumentar esse numero de significacoes, ou seja, o aumento
de entropia cria uma maior impossibilidade de conhecimento ou inteleccao do significado e
consequentemente este e substituido pela significacao.
118 ESCARPIT, Robert, op. cit., p. 189.
68
Uma obra de arte pode ser vista numa determinada exposigao e ser posteriormente
revista em livros, televisao, ou outros meios. Estes recursos constituem-se como factores
de redundancia, pelo que, pouco ou nada trarao de novo a fruigao. Por isso, uma obra
informara tanto mais a sua mensagem quanto ela lutar contra a entropia 119 , contra o caos.
Esta afirmacao opoe claramente a arte figurativa a arte abstracta. Se esta tern uma elevada
dose de entropia, aquela tera valor equivalente em redundancia. Se uma e mais
informativa, a outra sera menos. Adriano Duarte Rodrigues refere-se aos "limites
inferiores" e "limites superiores", os quais podemos relacionar com a entropia e a
redundancia:
«0 limite inferior, definido pela ausencia total de codigo comum aos protagonistas
(ex.: interlocutores falando linguas diferentes mutuamente desconhecidas) ou pela
ausencia de referenda comum (ex.: quando alguem fala de "alhos" e o outro de
"bugalhos"), e proprio da chamada "linguagem de surdos". O limite superior ou por
excesso, definido pela total adesao dos interlocutores ao mesmo codigo, nao
deixando qualquer margem de ambiguidade, ou pela total compreensao da referenda,
anula a autonomia relativa dos protagonistas e a impossibilidade de dialogo real, de
resposta» 120 .
Assim, a arte figurativa apresenta-se com determinados elementos que a
configuram como uma forma de expressao a qual se pode associar uma determinada carga
normativa, e neste sentido, a sua analise tera uma reduzida ambiguidade; pelo contrario, a
arte abstracta atinge um "limite inferior", porquanto nao so nao existe um codigo comum,
como tambem possibilita uma incomensurabilidade de opinioes analiticas da obra.
O modelo de Shannon e Weaver introduz tambem o conceito de codigo, tema
indispensavel na discussao teorica da arte 121 . A inter-relagao entre codigo e meio 122 nao e
facilmente definivel porque para cada meio podemos ter varios codigos. Assim, a pintura
tern os seus proprios codigos, a musica tera outros..., Um mesmo meio podera tambem ter
varios codigos: e o caso da Arte Video, que associa o meio representativo e mecanico, e
das performances que, sendo representativas, tambem nao deixarao de ser apresentativas,
desde logo pela presence do criador (o performer).
119 «(...) un objet "informe" serait un object entierement connu et previsible, qui aurait perdu toute son
entropie». In idem, ibidem, p. 109.
120 RODRIGUES, Adriano Duarte, op. cit., p. 24.
121 Sobre este assunto cf. infra, sec. 3.7.2 (Codificacao/Descodificacao), pp. 245-252.
122 Poderemos classificar o meio em apresentativos (sao os gestos, as expressoes, sao "linguagens naturais", e
solicitam a presenca de um comunicador), representatives (sao as artes plasticas, os livros a escrita, a
arquitectura, etc.), e mecanicos (sao as tecnologias, como o telefone, a televisao a radio, etc.).
69
Por outro lado, a arte e mais frequentemente vista como sem codigos. Se, no
Renascimento, podemos claramente falar de codigos, os quais tinham uma funcao
clarificadora, o mesmo nao se passa na modernidade artistica, na qual os codigos que o
artista imprime na obra nao sao os que irao ser utilizados pelo fruidor na sua recepcao. Por
essa razao, os codigos primeiros (os da concepcao) estruturam a obra seguindo
determinados criterios, fazendo-a pertencer ao dominio que lhe convier. Deste modo,
segundo o modelo semiotico-informacional de Umberto Eco e Paolo Fabbri, parece
aceitavel falar-se de total ausencia de codigos na arte ja que estes nao assumem o
verdadeiro estatuto e conceito de codigo, como algo comum a ambas as partes. Nao e esse,
porem, o sentido que se pretende dar a inevitavel presenca de codigo: pretende-se, antes,
defini-lo como um conjunto de regras e convencoes que permitem nao o reconhecimento
da tematica da obra e do seu conteudo, mas sim ordenar e combinar os elementos, mesmo
que discretos, com vista a possibilitar a sua categorizacao no piano artistico. Do mesmo
modo, nao parece aceitavel falar-se de uma deficiente codificacao. Na arte, esta nao sera
consideravel, diriamos que sera ate inexistente, porquanto qualquer hipo-codificacao se
traduzira numa excessiva codificacao. O Minimalismo, que tende para uma reducao dos
seus codigos, implica inevitavelmente na concretizacao da obra, uma excessiva
codificacao.
Como a intencao de Shannon e apenas a da eficacia sobre as grandes massas,
descurando o factor humano e de transferencia de sentido, Schramm explora esse factor,
correlacionando emissor e receptor com as suas experiencias mutuas. Assim, um
determinado assunto e visto pelo artista e pelo fruidor segundo a sua experiencia desse
assunto, mas a sua representacao em obra de arte e a fruicao serao diferenciadas em funcao
do conhecimento que cada um tern sobre o assunto representado. A transferencia do
sentido ao nivel do criador pode ou nao ter importancia. Trata-se de uma questao muito
particular: se, para alguns artistas, interessa fazer chegar uma mensagem, para outros, essa
questao nao tern relevancia. No entanto, tanto uns como outros estao conscientes de que as
suas obras adquirem uma plurissignificatividade, sendo utopico encontrar um unico sentido
em todos os receptores da obra, sobretudo se considerarmos o seu universo
incomensuravel. E este modelo, sendo direccionado para as grandes massas, justifica-se
que tenha uma relacao com as artes. Na verdade, nao serao estas tambem sujeitas a um
70
publico de massas? Ainda que de uma forma mais discreta, evidentemente que sim, porque
existe um objecto que e alvo de analise por parte de um elevado grupo de pessoas.
Esta associacao as massas nao considera como objecto de estudo os efeitos
psicologicos nos respectivos grupos de recepcao, efeitos a que a teoria hipodermica se
referia, ou como acontece em algumas situacoes que integram certas formas de vida das
sociedades, como e o caso dos comicios politicos. De qualquer dos modos, a obra de arte
provoca uma grande diversidade de comportamentos e por isso, podemos aproxima-la da
teoria hipodermica, sendo que os criticos, historiadores e a propria comunicacao social
desempenham um papel de influenciador social com uma intencao mediadora, com vista a
tornar clara a intencao do artista. A propria ausencia de retroaccao ou feedback 123 tambem
ajuda a estabelecer uma correlacao as artes, visto que, assim como os meios que se
encaminham para um publico de massas nao esperam dele uma resposta imediata, tambem
a obra de arte, nao existindo sincronicamente com os seus publicos, nao pressupoe
qualquer tipo de retrocesso no sistema artistico. Existe «(...) um desfasamento quer no
espaco, quer no tempo entre emissores e receptores (...) a direccao da mensagem nao pode,
por isso, seguir outro sentido que nao seja a linha unidireccional emissao > recepcao» 124 .
Assim, se um processo de comunicacao pressupoe uma resposta, na arte esta nao se
evidencia, na medida em que tambem nao existe um contacto directo entre artista e
publico; logo, qualquer feedback e sem-sentido. No entanto, ele podera eventualmente
existir, mas de um modo discreto e sempre a posteriori.
Um dos modelos que tern grandes semelhancas com o que se desenvolve em termos
artisticos e o de Harold Lasswell, porque cada elemento do processo definido por Lasswell
pode ser adaptado a arte. Assim teremos:
"Quern?" - o artista
"Diz o que?" - a mensagem
"Em que canal?" - a obra de arte
"A quern?" - o fruidor
"Com que efeito?" - receptividade (fruicao)
O artista ("quern?"), produzindo uma obra de arte, incorpora-lhe uma mensagem e
destina-a a um fruidor ("a quern?"). A questao terminal do processo de Lasswell ("com que
123 Sobre este asunto cf. infra, sec. 3.7.4 (Retroaccao), pp. 266-269.
124 BARBOSA, Pedro - Arte, comunicacao & semiotica. Porto: UFP [Universidade Fernando Pessoa],
2002. p. 54.
71
efeito?"), de facto, tambem aqui esta em perfeita consonancia com a origem do processo.
Interessa nao esquecer que este modelo, sendo uma evolucao da teoria hipodermica,
continua a colocar em dualidade, por um lado, a forma como e organizada uma mensagem
para ser levada ao receptor e, por outro, que influencia tera a respectiva mensagem nesses
receptores. Ora, se tomarmos em atencao que a receptividade da obra dependera
inequivocamente do que for apresentado aos fruidores, independentemente destes
pertencerem a um universo mais indiferenciado ou mais especializado, o factor que realca
o efeito em funcao da causa e indiscutivel. Todo o universo de obras polemicas pode ser
entendido sob este ponto de vista. Por exemplo, o pioneiro da Arte Transgenica: Eduardo
Kac (1962- ) recebe enormes criticas a sua obra "Time Capsule" 125 , o que levanta duvidas
quanto ao surgimento de novos interfaces com aplicacoes electronicas. Por sua vez, ainda
mais recentemente, a obra "Mundo Suspenso" 126 dos irmaos Scuotto 127 que, para o
presepio de Napoles, incluiram pela primeira vez uma mulher nua e outras tres seminuas a
tomar banho, foi objecto de polemica, cuja origem esta na nao distincao entre o sagrado e o
profano. Se a atitude destes artistas relativamente as suas obras fossem diferentes, muito
provavelmente tambem os efeitos produzidos nos receptores seriam outros. Se a elaboracao
do presepio de Napoles seguisse os caminhos convencionais, o comportamento da
sociedade crista seria inevitavelmente diferente.
Portanto, as premissas introduzidas por Lasswell no seu modelo fazem todo o
sentido. Se, por um lado, o seu modelo e a constatacao de uma assimetria, em que um
emissor produz activamente uma mensagem e o receptor age em conformidade com a
mesma, por outro lado, essa atitude comportamental do emissor e, seguindo a teoria
behaviorista, passivel de ser sujeita a observacoes e avaliacoes, que permitam estabelecer
melhorias nos fins desejados. Ha ainda a referir que, neste modelo, prima-se pela falta de
relacionamento entre os varios receptores, existindo um isolamento entre eles,
independentemente das suas relacoes socio-culturais. De facto, apenas um grupo contestou
a escultura dos irmaos Scuotto, assim como tambem a obra de Kac, a qual, longe de ser
uma obra classica, levantou questoes para as quais o Instituto Cultural Itau (ICI) nao estava
125 Em "Time capsule" (1997), Kac foi anestesiado localmente, para de seguida ser implantado no seu
calcanhar um microchip de identificacao usado para localizar animais domesticos perdidos. Deste modo ele
torna-se simultaneamente animal e dono.
126 A exposicao "Mundo suspenso". que acolheu as respectivas esculturas realizou-se na igreja San Severo al
Pendino em Novembro de 2005.
127 Emanuele (1978- ), Anna (1982- ), Lello (1972- ) e Salvatore Scuotto (1970- ).
72
preparado, culminando na sua reprovacao por parte do departamento juridico daquela
instituicao. Portanto, as relacoes entre as varias "sociedades" culturais nao sao
consideradas.
Este modelo podemos dizer, que contem uma limitacao quanto ao estudo da
audiencia, nao medindo o impacto da mensagem no quadro das varias sociedades. Porem,
o artista podera ter em consideracao essas sociedades, embora nao se trate de as considerar
como condicao essencial para a apresentacao do seu trabalho. Daqui se conclui que, neste
aspecto, falha a sua aplicabilidade as artes, mas, na superacao da teoria hipodermica, este
factor era considerado; dai que houvesse uma preocupacao acrescida centrada quer nos
processos psicologicos do criador da mensagem e na sua relacao com o processo
comunicativo, quer na relacao entre o receptor e sociedade que lhe e paralela. Posteriores
estudos conduziram a teoria empirico-experimental (teoria da persuasao), que, apesar de
seguir o modelo da teoria hipodermica, e no seu todo mais evoluida.
Importa nao esquecer que o "quern?" nao e forcosamente um individuo, mas pode
ser, por exemplo, um museu ou outra instituicao artistica, mas voltaremos sempre a origem
que precede a arte, ou seja, a criacao de que inevitavelmente ela nao se desvincula e que
incontestavelmente esta na genese do processo. Lasswell ignora que o "quern?" e um actor
da sociedade e esquece que ao elaborar o conteudo das mensagens, esta a inspirar-se nessa
sociedade. O modelo evidencia uma abordagem superficial, descurando alguns elementos
que lhe dizem intimamente respeito. O artista nao se encontra isolado, e na formulacao do
seu trabalho, esta dependente das variabilidades da sociedade que o engloba. Esta pode ser
a que imediatamente o circunda, aquela que lhe esta mais proxima, mas pode tambem ser
uma sociedade que dele esta mais distante e tambem lhe imprime influencias. Por exemplo,
o criador estara rodeado da sua realidade nacional, mas podera tender a alargar o seu
trabalho alem fronteiras, dependendo das circunstancias do momento. A este respeito, veja-
se o envolvimento de grupos de artistas em favor de causas universais, como a fome, as
doencas, as posicoes antiguerra, os problemas ambientais, etc.
Este modelo, alem de nao integrar o papel das sociedades no conteudo da
mensagem, tambem nao faz referenda a cultura que esta na origem dessas mensagens.
Assim, indiferentemente de se tratar de um criador individual, de uma sociedade ou de uma
instituicao, as questoes inerentes ao modelo permanecem iguais.
73
Ja para Abraham Moles (1920-1992), o universo comunicacional e composto pela
sociedade, que designa de "macro-meio". E um conjunto generalista em que se inclui
tambem o "criador", que e outro elemento fundamental na sua "socio-dinamica". O artista
incorpora a sua cultura individual, que e a «(...) somme de l'education et de Pexperience
de chaque individu dans le domaine de la connaissance» 128 , diferenciando-se da cultura
colectiva, em que tambem se integra, e que e constituida por redes sociais de
conhecimento. As culturas, por sua vez, sao diferenciadas no seu estudo em "culture
vivante", ou seja «(...) une frange d'acquisivite verbale, une puissance de devenir,
incertaine et vague, mais en perpetuelle evolution» 129 , e "culture acquise", que e «(...)
representee par la memoire commune du groupe social: ensemble des bibliotheques, des
ecrits et des musees, temoins statiques de Pepoque, mais temoins materialises)) 130 . Deste
modo, estabelece-se, em constante dinamica, uma relagao entre a cultura e o meio, por
forga da acgao dos criadores - "socio-dinamica". E ao criador/artista que compete o dever
desta "socio-dinamica" cultural, a ele compete apresentar obras ou produtos novos, emitir
informagao, embora envie mais do que recebe. A sua produgao esta dependente da "cultura
de massa", "viva e adquirida", porque e esta que vai orientar todo o processo de produgao,
e ela que vai dar de "beber", se preferirmos, dar inspiragao. Numa fase seguinte, o artista
submete a sua obra a apreciagao de um "micro-meio", ou seja, um conjunto de entidades
que desempenham o papel de mediadores entre ele e o publico. Deste modo, partilham o
mesmo codigo que o criador.
Este equilibrio tambem e proposto por Horace Newcomb que, baseado num sistema
triangular, (fig. 9) procura explicar a comunicagao nas relagoes sociais ou na sociedade.
Para o seu estudo, Newcomb parte do principio de que qualquer relagao em sociedade
existe sempre sob a forma de um equilibrio. Como existe uma interdependencia no sistema
ABX, o equilibrio e sempre procurado pelas personagens intervenientes na relagao: «(...)
se A muda, B e X mudarao tambem» 131 , ou ainda «se A mudar a sua relagao com X, B tera
que mudar a sua relagao ou com X ou com A» 132 .
128 MOLES, Abraham - Sociodynamique de la culture. 2 a ed. Paris: Mouton, 1971. p. 32.
idem, ibidem, p. 37.
idem, ibidem, p. 36, 37.
131 FISKE, John, op. cit., p. 51.
132 idem, ibidem
74
B
Fig. 9 | Modelo de Horace Newcomb.
A arte e um sistema em equilibrio assistindo-se todos os dias a reajustes no dominio
artistico, quer sejam os artistas (A) a produzirem obras (X) em funcao das necessidades e
exigencias da sociedade (B), quer os publicos (B) a reivindicarem os trabalhos (X) dos
criadores (A), quer ainda, a propria critica (X) a induzir tanto os criadores (A) como a
sociedade (B), bastando, para tal, que redimensionem o contexto cultural. Tal foi o caso
das obras russas, que foram alvo de iconoclastia, devido a dissolucao de todos os grupos e
associates independentes de artistas com a instauracao do Realismo Socialista (1930-
1960) que voltava a espelhar o conservadorismo classico idealizado por Josef Stalin (1878-
1953). Portanto, neste sentido, o artista produzira a sua obra tendo em conta o publico, que
formulara o juizo final acerca dela. Mas o publico, apesar de se poder encontrar em
contrariedade com a obra e o artista devera aceita-los, respeitando-os, porque, por
principio, tanto a obra como o artista serao reconhecidos pela massa critica idonea, logo,
apesar de nao serem compreendidos, serao respeitados.
Tambem Pierre Schaeffer 133 (1910-1995) poe em relacao a triade criador (autor),
produtor e publico, e partindo deste triangulo, acrescenta-lhe outro elemento - o mediador
- formando assim um quadrado. Os especialistas e instituicoes, na sua especificidade, tal
como o criador, os criticos, os museus, as galerias, sao bons exemplos deste tipo de
entidades mediadoras. A obra, sendo transmitida aos mass media, sofre uma filtragem por
parte das entidades responsaveis por esses meios de comunicacao de massas, como e o
caso da televisao, imprensa, radio, etc. E uma especie de gatekeeping da teoria de Kurt
Lewin (1890-1947) que desenvolve um processo de seleccao, antes de prosseguir para os
fruidores. Estes {gatekeepers), por interesses pessoais e em funcao dos seus "valores",
tomam uma "decisao". So apos esta fase e que a obra se constitui um produto cultural, que
133 cf. SCHAEFFER, Pierre - Machines a communiquer: genese des simulacres. Paris: Seuil, 1970. Vol. I,
(Pierres vives). pp. 45-67.
75
e incluido na sociedade ("macro-meio"), influenciando-a e completando o ciclo socio-
cultural.
Como vimos anteriormente, Jakobson faz corresponder uma funcao a cada um dos
seis elementos de comunicacao. Cada elemento e o ponto da relacao ou da "funcao"
estabelecida entre a mensagem e esse elemento. Neste modelo, os elementos tern
obrigatoriamente de estar presentes, mas isso nao implica que as funcoes estejam
evidenciadas. O mesmo sucede na arte, em que algumas funcoes nao se interceptam. Toda
a reproducao e indicial quanto ao criador (funcao emotiva) e assume uma posicao signica
para o fruidor (funcao conativa).
A arte e emotiva e consequentemente tern uma "linguagem" plurivoca. Os artistas
fazem uso da funcao emotiva quando intencionalmente fazem espelhar as suas emocoes. O
artista podera expressar-se de modos diferentes, consoante o publico a que se destina. Se
ele tiver uma vontade premente de agir na sociedade, podera ajustar a sua "linguagem" de
modo a facilitar o entendimento da mensagem e fa-lo-a variavelmente em diferentes
condicoes.
Em lugar oposto, encontramos a funcao "conativa". Este e um aspecto
considerado, e raramente desprezado, porque ao artista pode interessar o efeito da obra
sobre o publico e interessa-lhe portanto, ter um cuidado especial com a finalidade de o
fazer agir, no sentido desejado pelo artista. A relacao da mensagem com o seu fruidor e um
factor a ter em conta por parte do criador de obra de arte. No entanto, nao podemos
esquecer que este modelo desenvolve uma reflexao sobre a mensagem na comunicacao
verbal. Consequentemente, depreende-se que a funcao que consiste em o destinador agir
sobre o destinatario, provocando-o, incentivando-o a escutar, a comover-se, etc., fica
perdida quando considerada no dominio artistico, visto que o modelo pressupoe a
existencia fisica do destinador e do destinatario. Esta funcao aparece claramente nas
situacoes em que a finalidade da comunicacao e fazer agir o destinatario, de acordo com o
sentido desejado pelo destinador. Nao obstante esta situacao, podemos tomar como
exemplos de aplicacao desta funcao o caso da "Nova Figuracao", que suscitou uma tomada
de consciencia politica no espectador, ou ainda as "obras abertas" de Marcel Duchamp
(1887-1968), a que ele atribui uma grande funcao operatoria, solicitando ao espectador
uma participacao activa. Para ele, e ao fruidor que compete atribuir o significado da obra.
Outros casos existem como a performance, o happening, que sao exemplos de exacerbacao
76
da funcao conativa da obra de arte [veja-se Yves Klein (1928-1962), Wolf Vostell (1932-
1998), Hermann Nitsch (1938- ), John Cage (1912-1992) e seu discipulo Allan Kaprow
(1927-2006), entre outros]. Poder-se-a referir ainda, as obras cineticas de Jean Tinguely
(1925-1991). A "obra aberta" nasce entao da pluralidade de interpretacoes (significacoes)
que provocam junto do publico.
A obra de arte tambem devera ser contextualizada, ou seja, deverao ser
encontrados os detalhes que ela encerra e nao se ficar apenas pela sua visibilidade fisica.
Esta, sendo a mais evidente e clarificadora, devido a ostentacao da materialidade que a
compoe, nao explica a obra: simplesmente, pela sua organizacao, ajuda-la-a a ser melhor
classificada. Podera ate ser enganadora, na medida em que o aspecto fisico pode em nada
corresponder ao seu conteudo. Dai que a questao da veracidade da obra possa ter a devida
importancia. Com efeito, por falta de regras de representacao, na modernidade artistica, o
criador pode desenhar um quadrado e faze-lo corresponder a um circulo. Esta e, porem,
uma preocupacao que pertence mais ao dominio da comunicacao objectiva, mas de menor
valor no processo artistico, porque muito raramente nos deparamos com a questao da
veracidade da mensagem de uma obra de arte, um factor pouco considerado no campo
artistico 134 . No entanto, esta despreocupacao quanto a veracidade nao invalida a
inquietacao relativamente a identificacao do contexto da obra. Poderemos nao acreditar no
Realismo Fantastico, mas deveremos com certeza considera-lo e localiza-lo no respectivo
dominio. Tambem a arte figurativa e predominantemente referencial porque elimina todos
os "ruidos" e, principalmente, porque cada grupo de elementos da obra (o barco na
marinha, a aldeia na paisagem, etc.), por sua vez, se referenda a uma realidade concreta.
Na arte figurativa existe sempre a preocupacao de atingir o real objectivamente. Dai que,
por vezes, na obra, alguns elementos sao desconsiderados em detrimento da valorizacao de
outros. Por exemplo, o sfumato da Renascenca tern como principal funcao dar mais realce
a certas partes da obra, tornando o assunto mais claro pela hierarquizacao de prioridades;
pelo contrario, a arte abstracta afasta-se desta funcao. Independentemente do contexto
aparecer mais ou menos discretamente na analise da obra, nao podemos deixar de lhe
atribuir a importancia devida, porque a variabilidade da compreensao dependera, em todo o
134 Basta atentarmos um pouco sobre alguns movimentos artisticos e podemos constatar que alguns referem-
se a atitudes menos crediveis, no entanto plenamente aceites pela historia. Temos a titulo de exemplo, o caso
da obra de Hyeronymus Bosch (1450-1516), e a sua imaginacao extravagante, ou, mais proximo de nos, da
pintura Metafisica de Giorgo de Chirico (1888-1978), ou do Realismo Fantastico de Ernst Fuchs (1930- ).
77
caso, quer da mensagem que cada fruidor julga possuir, quer do contexto em que a obra
estara inserida.
Na arte, a funcao fatica nao e tao evidente, devido ao facto de ser um factor que
esta de algum modo oculto e que passa despercebido. Esta funcao e evidenciada pelo factor
redundancia. Estruturar uma obra de arte com convencoes trara uma maior redundancia a
mesma e fara com que ela seja melhor compreendida. Se, na arte figurativa, esta funcao
pressupoe ajudar a concluir o processo artistico, ja o mesmo nao se passara com a arte
abstracta visto que, apesar desta funcao permitir uma aproximacao entre a forma e o
conteudo, ela nao possibilitara o objectivo ultimo da mesma, que e a efectivacao e a
conservacao do processo artistico o mais proximo possivel de um acto de "comunicacao"
artistica. Por outras palavras, diremos que, na arte figurativa, existe uma acentuacao da
eficacia da funcao fatica, que na arte abstracta e obviamente mais reduzida.
Por outro lado, a funcao fatica esta relacionada com a convencionalidade. Quer
isto dizer que o "ola" apontado por Fiske 135 so desempenha o seu verdadeiro papel porque
e considerado por todos como um elemento que exerce essa funcao. Se cada obra fala por
si, entao sera nesse dizer que se encontrara a sua funcao fatica. Se cada obra de arte ja por
si e uma afirmacao, cada fruidor podera participar na re-afirmacao da obra para alem do
seu reconhecimento, mediante variadas formas, consoante os diferentes tipos de obras
disponlveis: uma musica podera ser cantarolada, enquanto uma obra visual sera
comentada.
Tambem os titulos das obras tern uma funcao fatica, servindo para estabelecer o
"contacto" entre o fruidor e as obras 136 . Deste modo, eles possibilitam o enquadramento
das obras num determinado contexto. Alem de poderem informar, realcando questoes
ocultas da obra, os titulos permitem nao perder o contacto com ela e as vezes provocar o
fruidor. Portanto, a funcao fatica existe para facilitar a ligacao entre o criador e o fruidor e
neste sentido, sao quase sempre expressoes automaticas. Outra forma de vermos esta
funcao e, como refere Attallah 137 , por meio de uma imagem interiorizada do outro, neste
caso, do artista. Evidentemente que a bilateralidade desta interiorizacao imagetica e
possivel, mas nao efectiva o reconhecimento da consensualidade acerca da obra de arte.
Alem disso, nao se trata do reconhecimento da compreensao por parte do fruidor para com
135 cf. pp. 47 (§ 4), 48.
136 Sobre este assunto cf. infra, sec. 3.5.3 (Assessores de compreensao), pp. 231 (§ 1) - 236.
137 ATTALLAH, Paul, op. cit, p. 34.
78
o artista, mas vice-versa. Na verdade, so ao artista cabe a preocupacao de fazer entender as
suas obras e nunca o contrario, o qual pode ser visto tambem como uma interiorizacao
imagetica do outro, mas so enquanto percepcao da intencao criadora. O artista, ao elaborar
a sua obra, podera manter esta funcionalidade mais ou menos activa, bastando-lhe seguir
determinados criterios exigidos para o reconhecimento da obra.
Para considerarmos um determinado objecto como arte, teremos de identificar nele
algumas caracteristicas, que o definem como tal. Poderiamos afirmar, como Arthur
Danto 138 , que o que distinguira o objecto vulgar da obra de arte, e consequentemente
possibilitara a apreciacao estetica, e a instituicao em que esta inserido, o "mundo artistico".
Os museus poderao constituir-se como entidades que "transformam" os objectos em obras
de arte, no dizer de Bernardo Pinto de Almeida tratam-se de sistemas de enunciacao:
«01hamos para um objecto de arte onde quer que esteja: o que nos garante a sua pertenca
ao universo dos objectos de arte, comeca justamente por ser o lugar onde podemos olha-lo.
O que quer dizer que os lugares da arte, antes de serem um lugar de coleccao, ou de
apresentacao, constituem dispositivos de enunciacao que designam que os objectos que
guardam (e que mostram) pertencem a categoria especifica de objectos de arte. Podemos
gostar ou nao desse objecto, mas aceitamos a regra que o classifica, o dispositivo que o
enuncia, o discurso que o substantiva» 139 . Deste modo, um objecto colocado num museu
sera lido pelas pessoas que o visitam como uma obra de arte. O museu tern uma funcao
metalinguistica, ou antes "metasemiotica" 140 , afirmando-se perante o publico como um
espaco consignado a obras de arte e com regras proprias. Assim, o museu serve de
traducao para o conteudo da obra, explicando, por meio de uma "linguagem", uma outra
"linguagem". No entanto, nem todos os objectos inseridos num museu sao obras de arte:
existirao objectos que carecem de mais elementos metasemioticos para acederem ao estado
de artisticos. Uma placa avisadora de proibicao de fotografar nao e uma obra de arte, mas
podera se-lo se contiver mais elementos a desempenhar uma funcao metasemiotica. Por
exemplo, bastara que a placa avisadora esteja emoldurada, ou que esteja delimitada
espacialmente com um risco vermelho, de modo a restringir o seu acesso. Neste sentido, os
138 cf. DANTO, Arthur - The Artworld. The Journal of Philosophy. Nova Iorque: The Journal of
Philosophy, Inc.. Vol. LXI, n° 19, (Outubro 1964), pp. 571-584.
139 ALMEIDA, Bernardo Pinto - O piano da imagem. Lisboa: Assirio e Alvim, 1996. (Arte e Producao; 11).
p. 21.
140 O termo metalinguistica convira apenas quando em causa estarao mensagens linguisticas, por essa razao,
tratando-se de imagens substitui-se o termo por metaiconico, metagestual no caso do gesto, ou se quisermos
um vocabulo mais neutro e abrangente podemos utilizar o termo metasemiotico.
79
museus tern a funcao (e tambem a obrigacao) de criar condicoes que favorecam a
descodificacao e o bom entendimento por parte dos fruidores do discurso (conteudos)
museologico, oferecendo-lhes um codigo que permita a verificacao da veracidade da obra,
e a constatacao de que e verdadeira obra de arte. No entanto, quanto mais elementos
metasemioticos contiver uma obra de arte, mais ela se definira, tendo esses elementos a
funcao de obrigar a obra de arte a reflectir por ela propria, como e o caso da obra de
Magritte (1898-1967) "Ceci n'est pas une pipe" (fig. 58, p. 235).
Na obra conceptual de Joseph Kosuth (1945- ) "Uma e Tres Cadeiras" (fig. 10),
apresenta-se, o conceito de cadeira por meio de uma cadeira real, uma fotografia dessa
cadeira e a definicao da palavra cadeira retirada de um dicionario. Todos estes elementos
enfatizam a funcao poetica da obra no seu todo. Fortalece-se o sentido conceptual tanto da
obra em si como tambem do movimento artrstico.
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Fig. 10 | Joseph Kosuth, Uma e tres cadeiras, 1965.
Qualquer uma das "representacoes" poderia definir a cadeira, mas cada forma
tern o seu valor proprio. Kosuth retoma a formula "Art as art as art" 141 , do pintor Ad
Reinhardt (1913-1967), e adapta-a ao seu ponto de vista "Art as idea as idea" , atingindo
uma proposicao bastante satisfatoria: a ideia da arte e a arte sao a mesma coisa. Esta
funcao poetica reporta-se a forma da mensagem, ou mais claramente ao modo como a obra
e apresentada. Ou seja, o artista, para um mesmo fim podera apresentar obras distintas, o
que tera como consequencia uma leitura diferente por parte do publico. A obra de Kosuth
141 cf. REINHARDT, Ad - Art as art. In HARRISON, Charles, e WOOD, Paul [ed.] - Art in theory, 1900-
1990: an anthology of changing ideas. Oxford [etc.]: Blackwell Publishers, 1999. pp. 806-809. Texto
originalmente publicado em Dezembro de 1962, na revista Art International.
80
poderia ser dividida em tres, sendo estas apresentadas individualmente, com um objectivo
especifico comum. Se assim fosse, cada uma delas teria um significado, adquirindo,
porem, em conjunto uma nova sintaxe e dimensao estrutural. Efectivamente, apesar de
poderem visar o mesmo fim, as tres obras possuem formas diferentes e nao adquirem a
mesma significacao, pelo que o impacto sobre o fruidor tambem sera indubitavelmente
diferente. O modo como o artista elabora a sua obra e determinante para o estudo das
significacoes dos fruidores e o redimensionamento particular que dela possa advir levara a
que lhe atribuam um estatuto diferente. As obras poderao passar de simples "frases" para
formas sintacticas e semanticas mais evoluidas, como se de "figuras de estilo" se tratasse.
Uma obra essencialmente com base na funcao poetica pretende transmitir uma
mensagem com caracter ambiguo, como de resto e toda a arte. O fruidor e despertado para
a relacao formal, mesmo antes do seu interesse pelo conteudo. A funcao poetica,
contrariamente a todas as outras, nao assenta numa logica de consensualidade, nao
promove o equilibrio da relacao. Quer isto dizer que ela nao pretende compatibilizar os
extremos da relacao triadica da arte. Quanto mais ilogica for a obra de arte, mais esta
funcao se torna evidente, mais afastada ela estara de todas as outras funcoes, embora
sempre dependente de algumas delas. Podemos alias referir que, de ha um seculo a esta
parte, e precisamente a "incongruencia" artistica que mais se tern valorizado, constatando-
se que a normalizacao e, em certa medida, rejeitada pela massa critica. Um lavatorio
exposto num museu necessitara sempre de uma funcao metasemiotica para que tal seja
considerado como obra de arte 142 ; ou ainda, mesmo que nao haja um contacto directo entre
artista e fruidor, uma obra socio-politica com caracter critico dependera fundamentalmente
da funcao conativa.
No modelo de George Gerbner, o criador percepciona, selecciona e filtra a
realidade, que posteriormente constituira o conteudo da obra. O "criador" elabora essa
filtragem, visto que a realidade normalmente e dotada de grande complexidade, sendo
necessario elaborar uma previa seleccao da mesma e escolher, em funcao das vivencias
pessoais. A filtragem condiciona a finalizacao da obra de arte, porquanto todas as atitudes
artisticas de cariz sintetico passam por uma depuracao mais acentuada. Tal filtragem nao
142 Durante a exposigao de arte contemporaea "Eu, Tu, Eles" realizada no Centro de Artes e Espectaculos da
Figueira da Foz em 2004, a obra "As Frases" do artista plastico norte-americano Jimmie Durham (1940- ),
que era constituida por um lavatorio parcialmente partido, foi considerada roubada, quando desapareceram
algumas pegas (os cacos) que estavam pousados no chao junto ao lavatorio. Apos averiguagoes constatou-se
que inadvertidamente uma funcionaria da limpeza os tinha removido para o lixo.
81
esta so presente nas formas mais abstractas mas tambem nas formas de arte mais
figurativas, aquelas que se aproximam mais fielmente da realidade. O artista ao imprimir
na sua obra o seu cunho proprio esta a realizar uma filtragem; tambem, ao eliminar
determinados aspectos menos relevantes da realidade esta a contribuir para uma obra que,
apesar de muito semelhante ao real, e apenas e somente a representacao da sua
subjectividade a maior das objectividades (o proprio real). Uma obra figurativa, dita
representativa, e re-apresentativa: apresenta-nos uma realidade (subjectiva) relativa a outra
realidade (objectiva). O humano junta, aos estimulos externos da realidade, os seus
conceitos (pre-concebidos) dessa mesma realidade ou de fraccoes da realidade. Sera,
assim, em funcao de padroes pessoais de pensamento que essa realidade ira ser
transformada e trabalhada, de forma a constituir-se uma imagem ou acontecimento "re-
apresentativo". Podemos entao dizer como Fiske 143 , que apos o tratamento dessas
informacoes externas, correlacionadas com as vivencias "internas" do humano surge o que
poderemos chamar "significado".
John Fiske da-nos o exemplo dos puzzles visuais, que derivam de fotografias de
objectos familiares, mas tirados de angulos estranhos ou num grande piano pouco habitual.
Sem a interiorizacao dessa imagem, nao se consegue passar a sua efectiva compreensao.
Essa alteracao do piano da imagem tambem adultera a sua semantica, que inicialmente
estava prevista como consensual. Deste modo, concebe-se a "comunicacao" no sentido em
que Francis Jacques a define: «(...) une transgression semantique assez delicate a operer, la
comprehension mutuelle» 144 . Numa determinada apresentacao plastica, a realidade
reproduzida em formas e cores apenas e entendida dessa forma - como formas e cores. A
percepcao dessa realidade carece obrigatoriamente da interiorizacao de diversas vivencias
por parte dos fruidores, pois elas originam pensamentos e ideias acerca da obra, mas tendo
sempre presente a sua experiencia cultural, sem a qual a percepcao da obra de arte ficaria
desprovida de conteiido, ou no maximo reduzida a muito pouco.
No modelo de Gerbner (fig. 11), a percepcao do "criador" sobre uma dada
"realidade" e convertida em dois aspectos: por um lado, numa determinada forma ("S"), e,
por outro, no seu conteiido ("A"). Forma e conteiido formam aquilo que vulgarmente
denominamos mensagem. Podemos associar a dualidade apresentada ("S/A"), a obra de
arte porque, de facto, ela reveste-se de forma e conteiido. A obra de arte, neste contexto,
1 cf. FISKE, John, op. cit., p. 42.
144
JACQUES, Francis, op. cit., p. 209.
82
funciona como mensagem, ou mais correctamente como informagao. A sua forma e um
sinal, e a sua presence, ao passo que o conteudo prende-se com a informacao, com aquilo
que se pretende transmitir. Existem varias formas de se transmitir um determinado
conteudo por intermedio de varios meios e utilizando os mais diversos canais.
Realidade 1^*™** ,
setecijoo do contexto y percepc,ao
Dimefisdo perceptual
mefos de controlo
(ou dlmensao comunlconte)
disponlbllldade de
seleccdo do conlexto
Fig. 11 | Adaptagao da arte ao modelo de George Gerbner.
O "fruidor", recebe nao o acontecimento ou a "realidade", mas sim uma mensagem,
ou informacao sobre ela que e constituida por uma determinada forma ("S") , e um
determinado conteudo ("A"), e emitida pelo "criador". O "fruidor", que e o receptor da
mensagem ou da obra de arte, percepciona a dualidade "forma(S) /conteudo(A)" (obra de
arte) e estabelece uma filtragem dessa realidade percepcionada. O "fruidor" age e decide
sobre essa mensagem que e de tipo informativo, atraves dos conteiidos vivenciais
previamente adquiridos e, apos a interacgao entre "fruidor" e "S/A", elabora significagoes
("SA 2 ").
A disponibilidade para a arte tern sofrido grandes alteragoes ao longo dos tempos.
Em determinados periodos, a arte era muito restritiva, inatingivel para maioria da
populagao. Mais tarde, quando a sociedade comega a ter um imaginario consumista e uma
cultura de massas, a arte desenvolve-se e atinge um momento de grande proliferagao. Os
anos cinquenta e sessenta foram de vital importancia para a renovagao do ideal artistico e
para o melhoramento da sua relagao com a sociedade. A cultura urbana cresceu e
influenciou notoriamente a arte do seculo XX, tendo a publicidade e os modos de vida
grande importancia. O surgimento da serigrafia e a introdugao dos multiplos, que tinham
83
como unico objectivo a produgao em massa das obras de arte a baixo custo, deram origem
a uma grande proliferagao da arte e a sua acessibilidade a classes que ate ai se viam
privadas dela. Foi criado um "Musee Imaginaire" 145 no qual se reiine um numero ilimitado
de ilustracoes e reproduces que tornaram a arte disponivel para qualquer um.
Nos anos sessenta, teve um papel fundamental nesta transformacao social a Escola
de Birmingham (Center of Contemporary Cultural Studies) que, por meio da teoria
culturologica - Cultural Studies - alargou a nocao de cultura, concedendo aos estilos de
vida da classe obreira e aos media a atencao ate ai reservada a cultura erudita. Segundo
Wolf, a caracteristica fundamental desta teoria «(...) e o estudo da cultura de massas,
distinguindo os seus elementos antropologicos mais relevantes e a relacao entre o
consumidor e o objecto de consumo» 146 . Do mesmo modo, Edgar Morin (1921- ) estuda a
cultura de massa, que identifica como sendo uma cultura industrial. Essa cultura e o
padrao-modelo industrial na sua terminologia, "pattern" 147 . Neste ambito, Morin estabelece
tambem uma oposigao entre criagao e produgao do produto de massa, em que tern igual
importancia a produgao em serie, mas valorizando sempre a criagao original, porque o
strandard e uma consequencia do sucesso do passado, ao passo que o original pertence ao
recente sucesso. Esta disponibilidade para a arte e referida no modelo de Gerbner. Assim
como a radio, devido ao baixo custo quer dos transmissores quer dos receptores, aumenta a
disponibilidade dos seus ouvintes para a mensagem transmitida, tambem a "banalizagao"
da arte predispoe o publico para uma maior fruigao da mesma.
Se numa obra de arte, queremos passar a ideia de um determinado movimento, essa
obra tera de conter caracteristicas que esse movimento possui. Quer dizer, um
encadeamento de significantes que esse movimento contempla. Do mesmo modo, se
queremos transmitir alguma mensagem utilizando como veiculo a obra de arte, entao ter-
se-a que recorrer a uma certa convencionalidade. Aqui reside um enorme problema, para
cuja resposta quer contribuir este trabalho. O problema da denotagao na arte coloca-se em
qualquer obra, na medida em que ela e apenas o que e representado objectivamente; por
outro lado, a denotagao e mais transparente, no sentido de nao deixar fixar uma imagem,
ou seja, deixando apenas ver o que esta para alem do vidro e nao o proprio vidro 148 . Ora, se
145 MALRAUX, Andre - Le musee imaginaire. Paris: Gallimard, D.L. 2003. (Folio/Essais; 300).
146 WOLF, Mauro, op. cit., p. 89.
147 MORIN, Edgar - L'esprit du temps. Paris: Bernard Grasset, D.L. 1975. Vol. II [Necrose], p. 101.
148 Sobre este assunto cf. infra, sec. 3.4 (A intransitividade como barreira a transparencia da obra de arte), pp.
201-205).
84
apenas se consegue disponibilizar ao fruidor uma obra que tenha elementos de denotacao e
que conotativamente nao deixe transparecer nada, para alem da significacao do fruidor,
entao dificilmente a poderemos enquadrar numa optima relacao de transmissao de
informacao, o mesmo sera dizer, de mensagens.
A arte figurativa ganha avanco em relacao a arte abstracta neste contexto de
conotacao/denotacao. Ela expoe uma grande carga denotativa, pela organizacao de cores,
formas, etc. e conotativamente tambem facilita o processo de compreensao imagetica.
Como Barthes 149 refere, as conotacoes sao reforcadas pela denotacao que as veicula. Doze
pessoas em torno de uma mesa reforcam a ideia expressiva de uma "Ultima Ceia de
Cristo". Tomando como exemplo a arte figurativa, reparamos que o criador elabora a obra
de arte incluindo-lhe (ou nao) uma mensagem e que ele devera estar ciente de que o fruidor
da sua obra a "lera" por meio de uma descodificacao "superficial" dos elementos
denotativos, mas igualmente tambem "descodificara" todas as conotacoes aliadas a
mensagem, porque ele formulara varias possibilidades de interpretacao da obra na medida
em que, sendo a imagem artistica repleta de signos analogicos, sao entao signos vazios,
que fazem o sujeito fruidor perder-se, em virtude da sua centralizacao em vivencias e
pontos de vista proprios. Como se torna evidente, esta dupla leitura (conotativa e
denotativa) influenciara decisivamente o comportamento do fruidor perante a obra.
Uma determinada tecnica possibilita a criacao do significante, que adquire uma
forma por meio da organizacao formal, cromatica, sonora, espacial, etc. A esse significante
associar-se-a um determinado significado que, por sua vez, tambem tera a sua organizacao,
visto que sendo este um conceito ou uma ideia abstracta, estara inserido num determinado
sistema. Quando o artista se exprime, independentemente da forma como o faz, isso vai
condicionar parcialmente o fruidor, isto porque este vera na obra o que ela efectivamente e,
a que movimento pertence, de que forma e feita, etc., mas tambem revelara algumas
atitudes pessoais do criador. Isso e o que vai distinguir o artista em causa, do restante
universo de artistas. Na arte figurativa, esta questao e mais evidente. Se uma tela
representa um barco, este se-lo-a para qualquer fruidor, mas a forma de o representar, que
podera ser dissemelhante entre varios artistas, traduz tambem desde logo, a diferenca
existente no universo de artistas.
1 cf. BARTHES, Roland, op. cit., p. 131.
85
Uma das teorias que mais poe o acento nas relagoes sociais como elemento
fundamental de estudo da comunicagao e de facto o palo-altismo. Na arte, nao e a
multiplicidade de interacgoes que e considerada, porque o alargamento das suas relagoes,
apenas e entendivel por um circulo muito restrito. No entanto, em alguns casos especiais,
essas interacgoes podem estender-se a uma rede mais abrangente, como no caso dos
happenings, em que o artista interage com uma multiplicidade de fruidores, que se tornam
por sua vez intervenientes da obra. Os fruidores da obra sao encaminhados pelo artista a
organizarem-se de determinada maneira e a agir de certo modo. Existe por assim dizer,
uma complementaridade entre o criador e os fruidores, os quais, apesar de agirem com
condicionalismos que lhes sao imputados, possivelmente reflectirao uma multiplicidade de
expressoes. Nao sendo entao a multiplicidade de interacgoes que exclusivamente favorece
a comunicagao, a atengao centra-se, tambem em alguns casos, na variedade de canais.
Disto sao exemplo as actuais tendencias artisticas, que fazem uso das novas tecnologias, ou
ainda as intervenczoes gestualistas que incorporam, para alem do gesto, outras formas de
expressao, como a palavra, o som etc.
Com referenda ao seu primeiro axioma, "e impossivel nao comunicar", encontrara
ele aplicabilidade no contexto artistico? Podemos dizer que este axioma vem de encontro a
ideia comum de que a arte e comunicagao, isto porque se centra nos processos de envio e
recepgao de mensagens sem a utilizagao da palavra. Sera que e pelas expressoes, pelos
gestos, pelas posturas, se quisermos pelo silencio, que podemos definir uma comunicagao.
Sera que as atitudes artisticas possuem um caracter comunicacional? Uma atitude e um
comportamento e, segundo esta escola, os comportamentos nao tern contrario, o que
significa dizer que, quer queiram quer nao, os artistas nao poderao deixar de ter
comportamentos que exprimem comunicagao. E verdade que a obra, produto finalizado do
artista, nao verbaliza o que quer que seja e, na interacgao com os seus fruidores tambem
nao comunica nada. Mas a aplicagao desta teoria nas artes, embora nao se enquadre no
conceito de comunicagao enquanto colocar em comum, exprime naturalmente uma
verdade: se, na optica desta teoria, basta uma presence fisica para que exista comunicagao,
entao, nesse sentido, a arte tambem e inegavelmente comunicagao. Mas, se e impossivel
nao comunicar, e porque este comunicar reflecte uma comunhao, mesmo que a verdadeira
intengao nao seja comunicar.
86
Entao, como poderemos, a luz desta teoria, compreender a arte? Podemos aceitar
que o objecto artistico, pela sua natureza nao querendo comunicar possui caracteristicas
que se transmitem ao fruidor e que sao variavelmente adquiridas de fruidor para fruidor.
Ora, se o lugar comum da comunicagao de Palo Alto se encontra neste ponto, tendo como
partida, algo que nao deseja comunicar, mas que por variadas razoes acaba por comunicar
algo, facilmente percebemos que artisticamente nunca poderemos aplicar tal teoria. A obra
podera nao querer comunicar nada e acabara realmente por nao comunicar nada em virtude
dos diferentes estados de fruigao. O problema reside na incongruencia entre fruidores e na
impossibilidade de se poder transmitir artisticamente que nao se pretende comunicar nada.
Imagine-se os sentimentos provocados por uma obra e percebe-se que, pela sua
variabilidade nao ha comunicagao 150 , a nao ser que se tome esta como algo generico, neste
caso sentimentos - principio pobre para um acto de comunicagao. A contrariedade desta
teoria esta plasmada na "improbabilidade da comunicagao" 151 de Luhmann, que no fundo
relaciona varios factores que ditam uma Utopia da comunicagao, entre os quais se destaca
precisamente esta diferenciagao de receptores. No fundo Luhmann nao nega a
comunicagao, mas sim exalta a dificuldade em conseguir atingi-la.
A Teoria Critica nao tinha como preocupagao reclamar uma extensao estetica para a
comunicagao. A Escola de Frankfurt tern dois movimentos contraditorios relativamente a
obra de arte: por um lado, esta e o reconhecimento objectivo da realidade e, por outro,
pretende de modo subjectivo ultrapassar essa realidade. Attallah, a este respeito, toma o
exemplo da musica de Schonberg (1874-1951) e diz:
«Ainsi, Schonberg accomplit deux chose: d'abord, il reussit a objectiver sa
subjectivite en creant une oeuvre d'art independante de lui, mais neanmoins
impregnee de lui; ensuite, il se refuse a donner une fausse image de la realite. II
parvient done a reunir subjectivite, gratuite et vision d'un monde meilleur (dans la
perfection formelle de l'oeuvre et l'exquise tension des notes) avec la reconnaissance
des conditions reelles de vie (dans l'atonalite meme de l'oeuvre)» 152 .
Portanto, segundo esta escola, e este modo de ver a obra de arte que despoleta no
ser humano a condigao estetica. A obra e encarada numa dualidade objectividade-
subjectividade, em que a subjectividade pretende ultrapassar o que real e objectivamente
ela diz. Se a obra de Schonberg e contraditoria quanto a sua forma de expressao e porque,
150 Sobre este assunto cf. infra, sec. 3.6 (Sentimento - Estado afectivo incomunicavel), pp. 237-242.
151 LUHMANN, Niklas -A improbabilidade da comunicacao. Lisboa: Vega, 1992. (Passagens; 10).
152 ATTALLAH, Paul - Theories de la communication: sens, sujets, savoirs. Quebec: Tele-Universite,
1994. (Communication et Societe). pp. 198, 199.
87
por um lado, ela se assume como uma oposicao ao mundo que o rodeia e, por outro, tenta
impor uma alternativa a esse mundo, como se criasse um novo mundo, uma nova
realidade, fruto da subjectividade do artista.
Entao, esta escola propoe que se estabelecam Utopias socio-culturais, porque a obra
de arte deve ter a intencao de criar um mundo melhor. Todavia, tal situacao nao acontece,
porque nao e mudando a pintura ou a escultura, que se muda a sociedade. Dai que a cultura
de massas nao confere nenhuma vantagem a sociedade, porque e notoriamente ilusoria e
pertence ao momento do "agora" e nao ao porvir. E, logicamente, nao e possivel nesse
"agora" visualizar qualquer modificacao social, mas antes frui-lo, como qualquer coisa que
existe no momento e nao com uma preocupacao de futuro.
Segundo a Escola de Frankfurt, a cultura de massas nao tern como objectivo uma
melhoria das condicoes de vida, mas sim iludir e manipular as sociedades, de modo a
preenche-las de desejos superfluos e secundarios, com a promessa da transformacao social
do mundo a que pertencem. Nos argumentos filosoficos e sociologicos contra a
possibilidade de existencia de uma Arte Pop, no que diz respeito particularmente a Escola
de Frankfurt, identifica-se a Arte Pop a uma massa homogenea. A Arte Pop nao pode
portanto conter uma especificidade e um requinte, porque dirige-se a uma massa. Logo,
nao se trata nunca de um publico unico, mas de varios grupos especificos e numerosos
atraidos por razoes diferentes. A cultura de massas entao, nao se efectiva no refugio da
subjectividade, mas, estando consignada a uma producao em serie e desvalorizada,
submetendo-nos a uma cultura estandardizada 153 .
Jiirgen Habermas, nao sendo fundador da Escola de Frankfurt herdou todo o
pensamento da mesma. Ele fala-nos de um "agir comunicacional" 154 . A comunicacao nao e
um acto isolado, provocado por uma situacao concreta, mas a definicao dessa situacao
deve ser comum aos participantes da mesma, pelo que e necessario reformula-la por meio
de uma negociacao ou discussao. E o que acontece quando nao existe uma clarificacao da
arte. Uma determinada situacao artistica dificilmente sera comungada pelos participantes
na sua fruicao. Por isso, segundo Habermas, devera providenciar-se um agir
comunicacional, para coordenar as interaccoes socio-artisticas e nao deixar a arte
153 Segundo Melvin Defleur (1923- ), o conteiido de tipo popular e o mais rentavel do sistema, porque os
piiblicos apenas tern uma pequena influencia sobre esse conteiido. cf. DEFLEUR, Melvin Lawrence; BALL-
ROKEACH, Sandra - Teorias da comunicacao de massa. 5 a ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.
154 cf. HABERMAS, Jiirgen - Consciencia moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1983. (Biblioteca tempo universitario; n° 84).
88
aprisionada apenas aos seus efeitos. Tal situacao estara na origem, digamos, da
renegociacao da situacao artistica, sempre com o sentido positivo de procurar o
entendimento com o outro, que sera o artista, de modo a interpretarem em conjunto a
situacao artistica e a acordarem mutuamente sobre a mesma 155 . Portanto, e o principio
democratico do consenso que prescreve a razao comunicacional. E, no entanto, a arte nao e
propriamente um sistema democratico, no sentido de Habermas, porque a consensualidade
perde-se. A arte oferece-se de modo "gratuito" e nao da lugar a uma discussao, para que
esse "agir" seja de facto um contributo para a "comunicacao". Portanto neste sentido,
quando a arte surge, como nao ha lugar a discussao, ela aparece sempre num processo
muito rapido: ela impoe-se e nao se deixa impor.
* *
155 Segundo este principio, poderiamos falar de uma etica da "discussao" que garantisse uma autentica
compreensao mutua. A este respeito cf. idem, De l'ethique de la discussion. Paris: Editions du Cerf, 1992.
(Passages).
89
CAPITULO II
A obra de arte como motivo da dialectica em torno da comunicacao
As proprias obras de arte, que se apresentam como copias da
realidade, so o sao de uma maneira periferica; transformam-se numa
realidade segunda ao reagirem a primeira; reflexao subjectiva,
independentemente de se os artistas reflectiram ou nao.
Theodor Adorno
2.1 Introdugao
O objectivo deste trabalho e a averiguacao da existencia de comunicacao ou nao-
comunicacao na arte e a sua fundamentacao prende-se com os elementos que fazem parte
do processo artistico, os ja referidos criador, fruidor, mas tambem inevitavelmente a obra
de arte.
No primeiro capitulo, quando se perspectivaram os elementos desta triade num
possivel processo de "comunicacao" artistica, nao se deu demasiada atencao a obra, visto
que ela nao mantem as mesmas caracteristicas de variabilidade do criador e fruidor. Ela e
monossemica, constante, vive de si propria. No entanto, convira considera-la, como um
dos mais importantes elementos da triade em que gira toda a questao estetica. Por isso
mesmo se dedica um capitulo exclusivamente a ela.
Este capitulo e um elo de ligacao ao capitulo seguinte e centra-se na analise da
obra, com o intuito de encontrar referencias que remetam para as suas relacoes externas,
nomeadamente com as realidades que se propoe representar. Servira pois este topico, por
um lado, para saber se existem representacoes, ditas obras de arte, que se aproximam
incontestavelmente de uma realidade e se essas representacoes sao fundamentals para
90
reclamar uma comunicacao na arte; por outro lado, poder-se-a associar a ideia de
comunicacao, a uma arte que, apenas e exclusivamente, remete para um fim em si mesma?
Caracteriza-la como comunicativa nao sera advogar uma contradicao face a sua definicao
original? Ou estaremos nos incluidos num sistema que, acompanhando a "evolucao" da
arte ao longo dos tempos, tambem de igual modo adultera o seu conceito? Estas sao
algumas questoes pertinentes na actualidade e que visam essencialmente complementar
este estudo.
2.2 A obra de arte
Historicamente a obra de arte nunca se desprendeu de outros conceitos e isso,
contrariamente ao que se podera pensar, corresponde a autonomizacao do seu conceito.
Para entender a autonomizacao da nocao de obra de arte contribuiu o surgimento de outros
conceitos. O passado historico objectivou novos dominios: outros campos de interesse - do
critico, do historiador, do analista, dos artistas, do coleccionador -; outras possibilidades de
ordem tecnica ou inteiramente relacionadas com ela - estilos, movimentos, tecnicas,
periodos -; outro enquadramento institucional - galerias, museus, saloes, academias, etc.
todos estes conceitos/dominios inserem-se na esfera estetica de que a obra e o nucleo. Por
se relacionar com tantos dominios, ela acaba por se tornar vital para a discussao de
assuntos em torno da arte.
Nao podemos reflectir sobre os processos de criacao, sem uma aproximacao previa
a obra. Afinal ela estabelece uma relacao que permite englobar, numa mesma interaccao,
numa mesma troca, a obra de arte, o seu criador e o fruidor. E a obra que perdura para alem
do criador e e ela que se transmite para os publicos.
A obra de arte, tal como sugere Bourdieu 156 , afirma a inseparacao do campo da sua
producao do da recepcao. O campo da producao afirma o primado da forma sobre a
funcao, do modo de representacao sobre o objecto da representacao. Claro esta, isto apenas
porque toda a supremacia se encontra confinada a existencialidade da obra. Esta
156 cf. BOURDIEU, Pierre - As regras da arte: genese e estrutura do campo literario. Lisboa: Editorial
Presenga, 1996. (Biblioteca do seculo; 3). p. 326.
91
inseparacao torna-se compreensivel se percebermos que o fruidor visualiza e aprecia na
obra a consciencia do seu criador. Inversamente, o artista desenvolve a sua criacao com
vista a uma posterior e inevitavel avaliacao critica.
Mas a questao "o que e uma obra de arte?" metamorfoseada por Goodman em
«Quando e que um objecto e uma obra de arte?» 157 trouxe grandes discussoes, as quais nao
cabem neste trabalho. Centrando esta tematica tome-se a perspectiva de Umberto Eco, que
considera a obra de arte como um sistema aberto - obra aberta 158 . E ela que determina as
leis da sua existencia, a sua propria semantica. Podemos dizer que a obra de arte e o
espelho da nossa humanidade e apresenta-se de dois modos: por um lado, ela e a sua
materialidade elementarmente objectiva; por outro, ela e a consciencia colectiva dessa
humanidade. Importa realcar que este ultimo aspecto e uma construcao individual com
base nos aspectos sociais, culturais, politicos, economicos, etc. dos varios individuos.
Poderemos dizer que a obra de arte nao tern outra definicao que aquela que lhe quer
atribuir o seu fruidor. Portanto falar-se de consciencia colectiva sera o mesmo que remeter
para a universalidade da sua recepcao. A materialidade traduz a existencia factual do
objecto e pretende referir-se a uma realidade. Esta referenda a realidade e notada de igual
modo por parte do fruidor, que a reenvia para uma realidade que sera sempre a sua escolha.
Por essa razao, a maior importancia dada a obra pelo fruidor e a sua propria
transcendencia 159 , e o que transpoe a obra e se refere unica e exclusivamente a sua relacao
subjectiva com o mundo, com as potencialidades do seu environnement. E desta dualidade
que vivem as obras de arte, tal como Adorno 160 refere, elas nao deixam de ser coisas
(materialidade/objectividade), nem tao-pouco o "espiritual". As diferentes formas que
podem revestir esta dualidade concretizam algumas relacoes entre o humano e a realidade
que o rodeia. E um pensar ao mesmo tempo consciente e inconsciente, individual e
colectivo, um espirito livre e imaginativo em interaccao com o mundo exterior, «(...) e a
157 GOODMAN, Nelson - Modos de fazer mundos. Porto: ASA, 1995. (Argumentos: biblioteca do
pensamento contemporaneo). p. 113.
158 cf. ECO, Umberto - Obra aberta. Lisboa: Difel, 1989. (Documento e Ensaio). O conceito de "obra
aberta" proposto por Eco surge do conceito de "forma aberta" sugerido em 1915, por Heinrich Wolfflin
(1864-1945). cf. WOLFFLIN, Heinrich - Conceptos fundamentales de la historia del arte. 6 a ed. Madrid:
Espasa Calpe, 1976.
159 cf. GENETTE, Gerard - L'ceuvre de l'art. Paris: Seuil, 1994. Vol. I [Immanence et transcendance],
(Poetique). p. 263. cf tambem p. 266 e sgg.
160 cf. ADORNO, Theodor - Experiencia e criacao artistica. Lisboa: Edicoes 70, imp. 2003. (Arte &
Comunicacao; 81). pp. 35, 36.
92
manifestacao da dialectica social do universal e do individual atraves do espirito
subjectivo.» 161 .
E corrente ouvir-se dizer que as obras de arte exprimem qualquer coisa ou que
representam qualquer coisa. Por outro lado, quando elas nos deixam perplexos, levantam-
se duvidas a seu respeito e questionamo-nos sobre o que elas representam ou o que
significam. Ora, quando comummente se sustenta a ideia de que as obras representam ou
exprimem qualquer coisa, isso e dizer que elas nos "falam", que elas tern um sentido, se
quisermos, que comunicam connosco. Isto explica porque nos fazem pensar que nao as
compreendemos - e que inevitavelmente esperamos delas um sentido, que deve ser
explicado e analisado e nao somente visto ou vivido segundo a nossa significacao.
Representar em arte e tornar presente sob a forma de um objecto sensorial, qualquer coisa
ausente, objectiva e exterior a nos, por meio de um substituto, um representante, digamos,
um signo. Perguntarmo-nos sobre o que uma obra representa e questionarmo-nos sobre a
intencao implicita do artista, ou sobre a realidade presente na obra. Mas esta realidade,
como bem se entende, nao e igual a realidade que ela representa. Por exemplo, as figuras
voadoras de Chagall (1887-1985) representam efectivamente figuras voando nos ceus, mas
exprimem uma ideia romantica ou mistica e uma alegoria a educacao judaica e tradicional.
Uma obra de arte e acima de tudo um objecto, que se assinala numa relacao com o
mundo circundante, uma relacao particular com outros objectos do mundo. Mas dizer que
as obras de arte exprimem ou representam qualquer coisa e dizer simultaneamente que elas
nao sao objectos como os outros. E, se elas nos reenviam para qualquer outra realidade,
isso significa dizer que funcionam como signos, ou seja, que adquirem uma realidade
perceptivel e que indicam uma outra que nao se encontra presente. As obras dao a conhecer
(exteriorizar), por signos sensiveis, qualquer coisa de subjectivo que nao e sensivel, como
por exemplo uma ideia. Um claro exemplo talvez seja as palavras que funcionam como
signos, pelas quais exprimimos pensamentos. Podemos portanto afirmar que as obras de
arte representam a realidade do mundo exterior; ou, ainda melhor, exprimem elementos da
subjectividade do criador, do que vulgarmente se designa por mundo interior - emocoes,
aspiracoes, etc. (fig. 12). As obras serao, entao, ou representacoes do mundo exterior ou
expressoes da individualidade criadora.
161 idem, ibidem, p. 79.
93
Representacdo
I
Realidade exterior
ui
h
<
Id
a
<
a.
GO
D
Expressao
Subjectividade do
criador
1
Explicitagdo pldstica "Explicitagdo" sentimenta
Fig. 12 | Dualidade representagao - expressao.
E se, com efeito, uma obra pode exprimir um estado afectivo, este nao se
desvincula de uma relacao com a realidade, podendo essa expressao afectiva estar ou nao
de acordo com a representacao, ou seja, uma pintura pode muito bem representar a tristeza,
por meio da utilizacao de cores que contrariem esse sentimento.
As obras de arte nao exprimem a vida afectiva dos artistas enquanto tal, mas antes
uma relacao vivida no mundo, sob a influencia da sua vida afectiva. O artista vive no
mundo e age nele em conformidade com a sua vida afectiva. E esta relacao vivencial que o
artista afectivamente transporta para a sua obra e, neste sentido, os signos representados
nao nos indicam o seu mundo, mas antes a sua relacao com o mundo. Se as obras de arte
exprimem uma relacao subjectiva com o mundo, se elas exprimem uma subjectividade
colectiva ou singular, entao a referenda ao mundo advem como um pretexto: o real ao qual
elas parecem fazer referenda esta de facto escondido, transformado, de modo que podemos
dizer que esta ausente nas obras e que as relacoes internas do conteudo permanecem
hermeticas ao fruidor. Assim, as obras que apelidamos de abstractas, nao mostrando
objectivamente o representado, nao o sao mais do que as figurativas porque, no fundo,
tambem estas nao representam nada. Um Deus grego representado numa pintura nao e
menos abstracto do que uma obra de Jean-Paul Riopelle (1923-2002), ja que ambos sao
expressoes de qualquer coisa que existe apenas para nos. Mas o mesmo acontece com as
obras puramente figurativas, que nao mostram mais do que uma obra abstracta, porque
estao repletas de subjectividade, seja de ordem singular, da relacao que o artista mantem
com a realidade que o circunda, seja de ordem cultural, das convencoes esteticas e da
simbologia expressa. Desde que se admita que as obras de arte nao imitam o real, admite-
94
se de igual modo que elas ja nao o representam, mas que exprime a maneira de o viver.
Portanto, o advento da modernidade, que trouxe o fim da imitacao, tambem arrastou
consigo uma decadencia da representacao, em favor da valorizacao da expressao subjectiva
e individual do criador.
Partindo do ponto de vista de que as obras de arte nada representam, podemos
afirmar que elas nao correspondem a verdade sendo portanto uma grande falsidade. Com
efeito, tentam fazer-se passar pela realidade, recorrendo a artiflcios de ilusao e o
paralogismo que invade o fruidor acaba por ser fruto dessa falsa aparencia. A realidade,
por mais fielmente representada que esteja, e sempre uma outra realidade, independente. A
sua representacao e muito diferente do original (realidade primeira), porque ela e sempre
da ordem da convencao estetica, do simbolico ou do conceptual. Por isso, a originalidade
dessa realidade esta muito distante do fruidor. Ainda que ela seja um reflexo da realidade,
nunca havera uma verdadeira equiparacao. Para tal, basta considerarmos que a realidade e
factual e e identificada com todas as suas caracteristicas mais do que aquelas que estao
presentes em qualquer representacao ou recriacao dessa realidade. Se atentarmos que e
sensorialmente que apreendemos a realidade, facilmente perceberemos o quanto sao
importantes as caracteristicas que compoem as diversas realidades, sejam elas naturais, ou
de ordem plastica. Mesmo o Ready-made, que aparentemente corresponde a uma realidade
tal qual ela e, nao deixa de ser outra coisa. A atribuicao de valor a um urinol de qualquer
sanitario ou exposto numa galeria 162 sera diferente, porque cada realidade e apenas a ideia
que cada um tern dela, na linha de Oscar Wilde 163 , segundo o qual a vida e fruto da nossa
criacao, sendo ela que imita a arte e nunca o contrario. A infuncionalidade do urinol -
"Fonte" (1917) - como obra de arte distancia-o da realidade comum e imprime-lhe outras
caracteristicas, que ja nao sao as dos objectos convencionais e funcionais, denunciando-o
como obra de arte. A percepcao necessaria para fruir as duas realidades diferentes
respeitantes aos dois urinois sera evidentemente diferente.
162 Seja a "Fonte" (1917) de Marcel Duchamp (1887-1968), ou a "Fonte, after Duchamp" (1991) de Sherrie
Levine (1947- ).
163 Esta ideia nao significa apenas que determinadas formas esteticas possam influenciar a vida e os modos de
vida dos humanos (ou a natureza), mas tambem que a vida nao e nada mais do que a representacao que cada
um faz dela. cf. WILDE, Oscar - O declinio da mentira. 2 a ed. Lisboa: Vega, 1991. (Passagens; 1). p. 45 e
sgg-
95
2.3 Analogia artistica-mimese
A ideia de comunicacao na arte e frequentemente aliada a outra ideia: a da
reproducao efectiva de uma dada realidade. E comum dizer-se que uma obra figurativa
comunica qualquer coisa e que uma obra abstracta comunica menos. Esta diferenca de
visoes sobre as dualidades da arte especifica-se unica e exclusivamente nas formas de
representacao que elas assumem no campo artistico. O fruidor caracteriza a obra em funcao
do seu estado de finalizacao e efectivamente com uma boa razao de ser. Se a obra
figurativa lhe "comunica" qualquer coisa e porque ela se assemelha a padroes presentes
nas suas vivencias pessoais, o mesmo nao acontecendo com a abstraccao, em que a
semelhanca entre a realidade e a obra so e possivel a partir do dominio da metafora, que
para Lakoff 164 permite a compreensao de uma dada realidade por meio de outra realidade.
Dizer que a arte imita a natureza e dizer que as obras de arte a reproduzem, a
tornam presente a quern as visualiza. Este aspdecto tern por interesse explicar, como as
obras de arte poderao ser consideradas como representacoes de qualquer coisa ou
expressoes de alguem.
A imagem sempre esteve presente na humanidade e desde sempre houve uma
preocupacao com a aproximacao das obras a realidade. Desde tempos imemoriais que o
homem teve como preocupacao manifestar o mundo que o rodeava. As imagens primitivas
foram indubitavelmente as primeiras formas de representacao mimetica de que ha
conhecimento. Quer fossem manifestacoes de angustia, de medo, ou de situacoes do
ambiente circundante, elas demonstravam uma grande sensibilidade. Mas se a imitacao ja
se fazia notar em periodos tao longinquos como a Pre-Historia, foi a seguir a esta, que se
valorizou a questao da imitacao. Um maior destaque a mimese da natureza foi dado
durante a Antiguidade Classica e desde a Renascenca ate ao fim do seculo XIX,
reivindicando os artistas a imitacao tal como ela foi legitimada por Aristoteles e Platao.
Mais tarde, Hegel (1770-1831) mobiliza contra a tese da arte-imitacao duas
objeccoes muito diferentes. A primeira consiste em dizer que e impossivel imitar realmente
a natureza; a segunda e que, se a arte fosse imitacao, ela nao evidenciaria o que representa.
Imitar as aparencias das coisas nao permitiria dar a impressao da coisa imitada. Quando a
164 «The essence of metaphor is understanding and experiencing one kind of thing in terms of another. », cf.
LAKOFF, George; JOHNSON, Mark - Metaphors we live be. Chicago: The University of Chicago Press,
1980. p. 5.
96
arte imita a natureza, ela nao da a impressao da vida e e por isso que e inferior ao que
imita. Entao, a imitagao nao visa repetir a realidade e o espectador nao e um enganado da
ilusao, porque nao esta em causa uma relacao de identidade, mas de semelhanca ou de
analogia. Em suma, dizer que a arte imita a natureza e falso, porque tal e impossivel, se
considerarmos que imitar e reproduzir o que se imita. Com efeito, imitar e apenas
reproduzir as aparencias pelo que o fruidor apenas apreendera essas aparencias que a
analogia da obra representa e nunca a sua realidade. E isto tanto mais quanto maior for o
realismo da analogia.
A actividade de representacao esta aliada a funcao simbolica quer dizer, a forma de
representacao humana que consiste em produzir simbolos, que, convem lembrar, e uma
funcao especificamente humana. Dito de outra forma e citando Michel Denis, «(...) il y a
eu activite de representation lorsqu'un object ou lorsque les elements d'un ensemble
d'objets se trouvent exprimes, traduits, figures, sous la forme d'un nouvel ensemble
d'elements, et qu'une correspondance systematique se trouve realisee entre Pensemble de
depart et Pensemble d'arrivee.» 165 . Esta correspondencia faz intervir dois aspectos: por um
lado, a conservagao das relagoes entre os elementos que fazem o objecto da representacao
e, por outro lado, a transformagao da informagao inicial por um processo de codificagao
que da lugar a uma mudanga de natureza.
Efectivamente, o reconhecimento da analogia/representagao na imagem implica
realismo, mas seria falso concluirmos que todas as semelhangas equivalem ao real. Muitas
imagens oferecem todas as caracteristicas de um realismo de representacao, mas o
conteiido pode ser uma simples e pura proximidade, excluindo-se a referenda do realismo
da situagao a que verdadeiramente a representacao diz respeito. Por exemplo, numa
imagem fotografica puramente figurativa, pela sua enorme carga de representacao, pode
nao haver correspondencia entre o seu verdadeiro conteiido e uma analogia com a
realidade, visto que essa imagem podera estar inserida numa situagao insolita.
Mesmo que verdadeira, a representacao imagetica de um jogador de futebol isolado
no centro de um campo de futebol, levanta muitas diividas. Desde logo, quern observa
podera deduzir a priori que essa imagem, pela sua correspondencia com a realidade, nao
tern nada de especial, pois e uma situagao real, com elementos visuais reconheciveis, que
banalizam a imagem. Temos entao um "realismo de apresentagao" e um "realismo de
165 DENIS, Michel - Image et cognition. 2 a ed. Paris: PUF [Presses Universitaires de France], 1994.
(Psychologie d'Aujourd'hui). p. 21.
97
conteudo" 166 . Devemos supor que a imagem nos restitui com o maximo de detalhes
sensiveis, a cor, a forma, o volume, etc. No entanto, apesar do reconhecimento dos
elementos visuais da imagem, que levam ao reconhecimento da realidade representada,
surge-nos uma situacao insolita: nao por ser um jogador num campo, mas sim por estar
isolado. Ora esta circunstancia pode, da parte do observador, levantar outras questoes,
nomeadamente o porque duma contextualizacao tao invulgar. Podera tratar-se do ultimo
jogador a sair de campo, ou de um spot publicitario, ou de um cartaz politico; mas, mesmo
assim, podera tratar-se de uma imagem fotografica de cariz artistico tendo como conteudo
uma intencao oculta que o artista lhe quis imprimir. Entao, aquela situacao, que
inicialmente nos parecia um jogador num campo de futebol e que remetia para a pratica
desportiva, deixa de ter essa conotacao e passa a constituir-se como outra realidade que,
apesar de desconhecida, incita a uma descoberta. Podemos dizer, como Paulo Filipe
Monteiro, que «(...) as imagens, mesmo visuais, nao sao apenas para ver: sao para usar,
para ir muito alem do que esta na imagem, para serem associadas entre elas.» 167 . A
analogia da imagem (neste caso fotografica) e um substituto do real visivel. Nao somente
da forma, da cor e do volume, ou de outra qualidade do sensivel, mas tambem, e
paralelamente, da funcao que o representado nessa imagem representa no mundo real e no
quotidiano do seu autor.
Ao contrario de Donis Dondis 168 que sustenta a existencia de uma sintaxe para a
imagem visual, pensamos que a imagem contrariamente a linguagem verbal, nao possui
uma sintaxe que possa gerir a combinacao das suas unidades significativas 169 ; mas nao se
trata de uma falta, porque, como nos mostrou Pierre Levy na sua "ideographie
166 Aplicando as palavras que Lewis fez sobre os varios tipos de obras literarias, cf. LEWIS, Clive Staples -
Experience de critique litteraire. Paris: Gallimard, 1965.
167 MONTEIRO, Paulo Filipe - A Realidade das imagens do real. In CONGRESSO DAS CIENCIAS DA
COMUNICACAO, 1, Lisboa. "As ciencias da comunicacao na viragem do seculo". Lisboa: Vega [etc.],
2002. p. 486.
168 Porque a linguagem verbal e um sistema paralelo da "linguagem" visual, Donis Dondis confronta
linguagem e imagem e acha em ambas, elementos que em associacao permitem uma melhor compreensao,
quer se seja conhecedor ou nao. O seu estudo diferencia a linguagem verbal da "linguagem" visual, mas
reconhece nesta ultima alguns fundamentos sintacticos. Para ele e no contexto da alfabetizacao visual, «(...)
sintaxis solo puede significar la disposition ordenada de partes. » e «La alfabetizacao visual nunca podra ser
un sistema logico tan neto como el del lenguaje. (...) Por tanto, su estructura tiene una logica que la
alfabetidad visual es incapaz de alcanzar.». DONDIS, Donis - La sintaxis de la imagen: introduction al
alfabeto visual. Barcelona: Gustavo Gili, 1980. (Comunicacion visual), pp. 25, 33.
169 Para uma aproximacao a este assunto conferir neste trabalho a sec. 3.2 (Alguns exemplos para uma
generalizada (in)convencionalidade), pp. 151-162.
98
dynamique" 170 , se essa sintaxe nao existe e porque dela se nao necessita. O que a
linguagem constroi por meio de proposicoes, substantivos, verbos, etc., a imagem mostra-o
directamente. Nao restam duvidas de que, mesmo se uma fotografia nos parece estranha,
porquanto existirao elementos que, conjugados entre si, nao se coadunam com a nossa
realidade, poderemos no entanto reconhecer e compreender tais elementos
individualmente, poderemos ate tecer comentarios a essas representacoes. Os elementos
significam-se a si proprios e apenas adquirem o sentido de aparencia da realidade quando
se conjugam entre si. «Que as obras de arte, como monadas sem janelas, "representem" o
que elas proprias nao sao, so se pode compreender pelo facto de que a sua dinamica
propria, a sua historicidade imanente enquanto dialectica da natureza e do dominio da
natureza nao e da mesma essentia que a dialectica exterior, mas se lhe assemelha em si,
sem a imitar» 171 . Adorno esclarece-nos de que efectivamente a obra apenas nos remete
para a realidade a que diz respeito, nao pela imitacao (entenda-se aqui imitacao na sua
condicao de duplo), mas antes pelas suas proprias condicoes de dissemelhanca com a
realidade, que se traduz numa verdadeira semelhanca. Os elementos da obra de arte, aqui
considerados como monadas, incontestavelmente apenas representam o que nao sao, mas
indubitavelmente sao considerados como essentials para se atingir um representamen 172 ,
na sua globalidade.
Poderemos nos dizer, parafraseando Pierre Klossowski 173 , que a imagem e
especular e nao especulacao? O facto das obras de arte nao se revelarem inteiramente
podera levar-nos a crer que e impossivel as obras representarem qualquer coisa? Pensamos
que nao, porque, com efeito, as obras representam coisas ou seres, e tambem porque
segundo os argumentos de Hegel, o que se torna impossivel nao e representar, mas ter de o
fazer pela imitacao das aparencias das coisas, visto que nao apreendemos a coisa em si. As
obras que representam coisas podem nao as imitar, nao reproduzir as suas aparencias.
Entendemos este ponto de vista tendo em conta que elas nao reproduzem fielmente as
aparencias objectivas (quase mensuraveis), na medida em que estas sao do dominio da
170 cf. LEVY, Pierre - L'ideographie dynamique: vers une imagination artificielle?. Paris: La
Decouverte, 1991.
171 ADORNO, Theodor - Teoria estetica. Lisboa: Edicoes 70, 1970. (Arte & Comunicacao; 14). p. 16.
172 Na perspectiva Peirciana, cada signo e um "representamen" e algo que esta em alguem por alguma coisa a
qualquer respeito ou capacidade. Em oposicao a triade: referente - significado - significante, propoe
respectivamente o quadrilatero: objecto - interpretante - representamen - fundamento. O "fundamento"
estando a mais em relacao ao classico triangulo e definido como uma ideia, ou uma propriedade do signo e
por isso mesmo e assumido como um outro interpretante.
173 KLOSSOWSKI, Pierre - La ressemblance. Marselha: Andre Dimanche, 1984. p. 105.
99
particularidade individual e na medida em que elas reproduzem a percepcao que temos das
coisas.
As obras, mesmo as mais realistas, nao reproduzem as aparencias das coisas, mas
revelam sob uma forma objectiva a maneira subjectiva que nos temos de representar as
coisas. Adorno 174 diz-nos que as copias da realidade apenas o sao perifericamente, ou seja,
se elas figuram tornam evidente, sob a forma de uma obra, o que nos vemos e como
vemos. Por outras palavras, sera dizer que em arte a representacao das coisas e do dominio,
nao da imitacao, mas sim da expressao da nossa subjectividade. Representar e exprimir e
exprimir e objectivar uma relacao vivida com a coisa representada. De facto, a nossa
percepcao e determinada pelo nosso estado fisico e psicologico, pela cultura a que se
pertence, pelos nossos conhecimentos. Nao vemos simplesmente as coisas: vemo-las
atraves da nossa subjectividade: a da nossa constituicao fisica, sensorial e intelectual.
Por parte de quern a observa, a imagem, e sujeita a um simulacro, diriamos uma
simulacao dela mesma ou da realidade que ela eventualmente representa. Esse simular e a
procura de uma perfeita analogia entre a imagem (realidade representada) e a realidade
presente, por intermedio de um simulador subjectivo. Peraya e Meunier questionam:
«Qu'est ce que comprendre un dessin sinon se mettre en correspondance mimetique
avec les formes percues sur le dessin? (...) On comprendrait mal la perception de
1' image - comme du reste la perception en generale - si on ne voyait dans cette
activite qu'un simple traitement par le systeme visuel et nerveux de 1' information
portee par la lumiere. La perception de l'image engage le corps percevant tout entier,
elle est reprise mimetique des formes dessinees» 175 .
Segundo estes autores, existe, portanto um simulacro, que cada individuo elabora
em funcao do mundo que o rodeia. Assim, a compreensao da obra nao passa apenas pela
interpretacao feita pelo sistema nervoso central devido a excitacao de um orgao sensorial,
produzida pelo meio exterior, mas e tambem a correlacao mimetica com toda a vivencia do
recriador. A fidelidade ao objecto simulado sera submetida a necessidade de definir
rigorosamente o que representa a imagem-objecto, pela maioria daqueles que sao levados a
olha-la. Significa entao saber quais as palavras que serao utilizadas para a simulacao,
descrevendo-a verbalmente.
174 cf. ADORNO, Theodor, - Experiencia e criacao artistica. Lisboa: Edicoes 70, imp. 2003. (Arte &
Comunica^ao; 81). p. 49.
175 PERAYA, Daniel; MEUNIER, Jean-Pierre - Introduction aux theories de la communication: Analyse
semio-pragmatique de la communication mediatique. 2 a ed. Bruxelas: De Boeck, 1993. (Culture &
Communication), p. 120.
100
Porque a nossa percepcao e uma elaboracao subjectiva, apreender qualquer coisa e
formular uma interpretacao pessoal. Assim, a maxima de Paul Klee (1879-1940) de que a
arte nao reproduz o visivel, mas torna visivel significa que reproduzir o visivel seria
representar a realidade visivel, sensivel de forma imitativa, o que nao e possivel. Tornar
visivel e tornar objectiva e sensivel uma coisa que nao pertence ao dominio do sensivel,
mas que e bem real. Tornar visivel e portanto exprimir, sob uma forma sensivel, qualquer
coisa que nao e sensivel.
2.4 A obra como imagem de realidades existenciais
2.4.1 Fotografia - Um princi'pio da imagem absoluta
O seculo XIX foi fertil em invencoes e revolucoes tecnologicas, que mudaram
profundamente nao so a sociedade mas tambem a visao que essa sociedade tinha do
mundo. Do ponto de vista artistico, a fotografia abalou o mundo pictorico por causa da sua
veracidade, sem a passagem pela sensibilidade do fotografo.
A fotografia desenvolvida por varios investigadores, inventores e cientistas, e
oficialmente considerada aparecida em 1839 com o daguerreotipo 176 . Provocaria alguns
anos mais tarde, uma reaccao negativa da pintura academica. A objectividade fotografica
esteve numa corrida contra o modelo pictorico academico. A pintura de historia, para quern
o essencial era antes de mais a reproducao exacta, encontrou na fotografia um auxiliar
ideal, tal como Antoine Wiertz o referiu: «(...) que nao se acredite que a daguerreotipia
mata a arte... quando a daguerreotipia, esta gigantesca crianca, se desenvolver; quando
toda a sua arte e forca se tiver desenvolvido, vira o genio que, de repente, a pega pelos
cornos e diz bem alto: anda ca! agora pertences-me! a partir de agora, trabalharemos
177
juntos.» .
176 A primeira fotografia surge em 1822 pela mao de Joseph Nicephore Niepce (1765-1833), mas apenas nos
chegaram registos de 1826. No entanto, 1939 marca o aparecimento do daguerreotipo [Louis Daguerre
(1789-1851)] e o inicio da era da fotografia.
177 Antoine Wiertz cit. por BENJAMIN, Walter - Sobre arte, tecnica linguagem e politica. Lisboa: Relogio
D'Agua, 1992. (Antropos). pp. 133, 134.
101
O aparecimento da fotografia e, mais tarde, a descoberta da chapa em tricomia, para
fotografia a cores 178 , vem questionar e ampliar a forma de se ver a realidade, contribuindo
para a sua melhor compreensao, na medida em que a fotografia nao e mais do que um
processo de amplificacao da objectivante capacidade do orgao visual humano. E como a
fotografia permite a apreensao de muitas coisas que, sem ela, seria impossivel (por
exemplo os registos de movimento de objectos ou pessoas), os pintores agarraram esta
potencialidade e transpuseram-na para as suas criacoes, ampliando portanto o
conhecimento da realidade. O seu aparecimento desvirtuou em certa medida o
Naturalismo, pois uma nova realidade se afigurava mais surpreendente, sobretudo, porque
jogava com a novidade e o moderno. Compreensivelmente, este aparecimento actuava de
forma muito profunda, nao por ser uma tecnologia (mais uma), mas sim porque ela propria
(tecnologia/fotografia) se aproximava de algo ja preexistente, condicao necessaria para a
sua aceitacao, sobretudo numa cultura que se pode considerar ceptica, devido ao
desconhecimento das vantagens e inconvenientes da novidade. A preexistencia da
figuracao fez da fotografia uma tecnologia por excelencia, isto porque a vivenciacao de
todas as referencias pictoricas que antecederam o aparecimento da fotografia, fez com que
esta nao fosse somente uma mera novidade, mas sim um prolongamento da figuracao, pelo
que o abandono da arte dita figurativa evidenciou-se naturalmente e de forma gradual ate
uma actualidade, que tende a "menosprezar" as formas de arte que se fundam na
representacao figurativa.
Por necessidade, os pintores foram os primeiros a dar o devido valor a fotografia.
Por exemplo, o pintor de batalhas Adolphe Yvon (1817-1893) decide fazer uma
interpretacao da batalha de Solferino 179 (figs. 13, 14), com o Imperador no seu meio. Mas
essa parecia uma ideia impossivel, pois submeter o Imperador a inumeras sessoes de
preparacao da obra seria demasiado ousado e penoso, dai que a solucao estava na
fotografia. Acompanhado do fotografo Auguste Bisson (1814-1876), ele coloca o
imperador na pose desejada e, num optimo cenario de luz, obtem o modelo ideal para o seu
trabalho.
178 Investigacao e invento da tricomia pelos industrials e irmaos Auguste (1862-1954) e Louis Lumiere
(1864-1948), em 1903.
179 A batalha de Solferino teve lugar a 24 de Junho de 1859, entre o exercito franco-sardo de Napoleao III
(1808-1873), contra o exercito austriaco de Francois-Joseph (1830-1916). O conflito tern origem na promessa
feita por Napoleao, ao rei Victor-Emmanuel II (1820-1878) de o ajudar a fazer a unidade da Italia em troca
da Saboia e Nice.
102
Fig. 13 | Adolphe Yvon, Estudo para a batalha
de Solferino: Napoleao III, 1861.
Fig. 14 | Adolphe Yvon, Batalha de Solferino, 1861.
A fotografia adquire, para os pintores, a dimensao de esquisso e possibilitou-lhes
uma visao diferente (mais realista) dos pormenores que pretendiam incluir nas suas obras.
Esta tecnologia oferecia potencialidades que nenhuma outra disponibilizava, sobretudo no
que diz respeito a sua imediatidade sensorial. De facto, a fotografia e a unica manifestacao
de imediatismo do acontecimento iconico. Mesmo que esta seja manipulada para correccao
de defeitos ou para seu aperfeicoamento e, por conseguinte, possa julgar-se diferente do
103
seu original (entenda-se, do real), nunca divergira muito da sua forma inicial. Barthes
comparando-a ao desenho diferencia-os:
«(...) la photographie (dans son etat litteral), en raison de sa nature absolument
analogique, semble bien constituer un message sans code. Cependant l'analyse
structurale de l'image doit ici se specifier, car de toutes les images, seule la
photographie possede le pouvoir de transmettre l'information (litterale) sans la
former a l'aide de signes discontinus et de regies de transformation. II faut done
opposer la photographie, message sans code, au dessin, qui, meme denote, est un
message code. La nature codee du dessin apparait a trois niveaux: d'abord, reproduire
un objet ou une scene par le dessin oblige a un ensemble de transpositions reglees; il
n'existe pas une nature de la copie picturale, et les codes de transposition sont
historiques (notamment en ce qui concerne la perspective) ; ensuite l'operation du
dessin (le codage) oblige tout de suite a un certain partage entre le signifiant et
l'insignifiant: le dessin ne reproduit pas tout, et souvent meme fort peu de choses,
sans cesser cependant d'etre un message fort, alors que la photographie, si elle peut
choisir son sujet, son cadre et son angle, ne peut intervenir a l'interieur de l'objet
(sauf truquage); autrement dit, la denotation du dessin est moins pure que la deno-
tation photographique, car il n'y a jamais de dessin sans style; enfin, comme tous les
codes, le dessin exige un apprentissage (Saussure attribuait une grande importance a
ce fait semiologique). Le codage du message denote a-t-il des consequences sur le
message connote? II est certain que le codage de la lettre prepare et facilite la
connotation, puisqu'il dispose deja un certain discontinu dans l'image: la "facture"
d'un dessin constitue deja une connotation; mais en meme temps, dans la mesure ou
le dessin affiche son codage, le rapport des deux messages se trouve profondement
modifie; ce n'est plus le rapport d'une nature et d'une culture (comme dans le cas de
la photographie), e'est le rapport de deux cultures: la "morale" du dessin n' est pas
celle de la photographie.
Dans la photographie, en effet - du moins au niveau du message litteral, le
rapport des signifies et des signifiants n'est pas de "transformation" mais d'
"enregistrement", et l'absence de code renforce evidemment le mythe du "naturel"
photographique: la scene est la, captee mecaniquement, mais non humainement (le
mecanique est ici gage d'objectivite); les interventions de l'homme sur la
photographie (cadrage, distance, lumiere, flou, file, etc.) appartiennent toutes en effet
au plan de connotation; tout se passe comme s'il y avait au depart (meme utopique)
une photographie brute (frontale et nette), sur laquelle l'homme disposerait, grace a
certaines techniques, les signes issus du code culturel» 180 .
Barthes coloca em confronto a fotografia e o desenho, mas este poderia mesmo ser
substituido por outras expressoes, como a pintura, que nao perderia o sentido das suas
ideias. Esta dualidade e muito interessante, visto que coloca em campos diametralmente
opostos duas categorias de imagens que, pela sua natureza, sao inconfundiveis. No
desenho, expressao que carece de regras para a sua concretizacao, poderao distinguir-se
dois aspectos: o da conotacao e o da denotacao. Este ultimo sera mais ou menos
evidenciado consoante a maior ou menor forca de expressao. No caso do desenho hiper-
realista, verificamos que existe uma aproximacao aquilo que e a fotografia, e por
1 BARTHES, Roland - Rhetorique de l'image. Communications. Paris: Seuil. n° 4, (1964), p. 46.
104
conseguinte a sua aproximacao a realidade aumenta. Os seus signos, somados e agrupados
entre si, formam um todo que permite uma maior denotacao dessa mesma realidade.
Quando o desenho se afasta de uma maior denotacao, assistimos a uma reducao das regras
e criamos situacoes de menor riqueza signica, que tern como consequencia uma menor
aproximacao a realidade, e logicamente, um afastamento do realismo da fotografia, em
favor de uma maior conotacao. A denotacao torna-se inversamente proporcional a
conotacao.
O desenho penetra no interior da realidade, ao passo que a fotografia nao tern essa
permissao. Por isso, o desenho, contrariamente a fotografia e muito forte no seu conteudo.
O desenho, nao reproduzindo todo o visivel, ignora o significado e faz prevalecer o
significante. Contrariamente ao desenho, na fotografia as relacoes do significado e do
significante nao sao de transformacao, mas sim de reproducao e todas as manipulates que
possam ser geradas no seu seio podem ser consideradas como elementos que aceleram e
enriquecem a sua conotacao. Os aperfeicoamentos tecnicos da imagem fotografica sao
apenas dirigidos num sentido: o da sua melhor compreensao.
Em materia de observacao directa, a fotografia ultrapassa, no que diz respeito ao
realismo, aquilo que a pintura podia fazer no fim do seculo XIX e o conflito nao tardou a
nascer entre esta nova tecnologia e a arte academica. De facto, a arte mais prejudicada
com a chegada da fotografia foi precisamente aquela que correspondia a copia da natureza,
sem transformacao, aquela que deveria satisfazer o receptor conformado.
Quando a questao basilar que a fotografia levantou (de ser ou nao uma arte) e re-
equacionada pelos mais conservadores, os fotografos fazem tentativas para modificar essa
situacao. A fotografia arruma a pintura numa perfeita "impossibilidade" 181 de
desenvolvimento. Dai uma das grandes relutancias em afirmar a fotografia como uma
forma de expressao superior, a incluir nas gavetas das belas artes. A fotografia desviou-se,
em determinado momento de um intuito mais pictural, afirmando-se como um meio de
registo de factos 182 , pelo que teve grande utilizacao na imprensa. Mas foi precisamente
esse realismo instalado pela imprensa que afastou opinioes. Entao, se o absolutismo
181 cf. LYOTARD, Jean-Francois - O Inumano - Considerac5es sobre o tempo. Lisboa: Editorial Estampa,
1989. (Margens; 3). p. 123.
182 Alguns dos mestres mais conhecidos, tais como, Jean-Francois Millet (1814-1875), Edouard Manet (1832-
1883), Gustave Courbet (1819-1877) e Eugene Delacroix (1798-1863), declararam-se absolutamente
seduzidos pelas vantagens evidentes da tecnica e militam em seu favor, tendo pictoricamente empreendido
este proposito.
105
bidimensional era a pintura e depois a gravura, havia que desenvolver meios de aproximar
a fotografia dessas formas de expressao. Se a fotografia imitasse a pintura, talvez assim
fosse considerada uma arte maior, donde alguns fotografos terem explorado essa
possibilidade atraves de montagens fotograficas, por meio de diversos negativos e por
encenacoes, tudo baseado num classicismo que convinha a actualidade. Exemplo notorio
desta "apropriacao" do modelo classico por parte da fotografia e a obra "Os dois caminhos
da vida" de Oscar Rejlander (1813-1875) (fig. 15), a quem podemos atribuir uma forte
relacao com as obras de William Hogarth (1697-1764), mormente com "A Orgia", cena III
de "The Rake's Progress" (fig. 16).
Fig. 15 | Oscar Rejlander, Os dois caminhos da vida, 1857.
Fig. 16 | William Hogarth, A orgia, cena III de The rake's progress, c. 1734.
106
Mas esta controversia so se tornou mais evidente por volta de 1890, com o
movimento secessionista 183 , quando este buscava um efeito dinamizador na fotografia,
proximo do Academismo e do Naturalismo, mas afastado de qualquer vinculo cientifico-
tecnologico. Tambem eles desenvolveram pesquisas sobre a imitagao de ideias proximas
do Romantismo. Desta vez, os secessionistas nao obtinham os seus resultados atraves de
imagens multiplas, mas sim dominando os processos de revelagao, a fim de conseguirem
variados efeitos finais. Este movimento, pode dizer-se, contribuiu para o afastamento do
"valor de culto" da fotografia, porque veio permitir uma maior aproximagao do publico a
essas imagens, nomeadamente em exposigoes, dai que segundo Benjamin 184 , o "valor de
exposigao" sobrepoe-se ao "valor de culto". E deste modo que a fotografia comega a tomar
forma enquanto modelo artistico, pois a partir deste momento, ela adquire uma nova
dimensao, passando gradualmente a ocupar um lugar na cena artistica. Deixa de ser uma
mera fixagao imagetica com o objectivo de memorizar uma determinada situagao (o retrato
e.g.), para se expandir para o campo dos objectos artisticos, tornando possivel a discussao
em se redor, cada vez menos depreciativa. A fotografia tencionava ocupar o lugar da
pintura, tudo fazendo para se aproximar dela e em certa medida ultrapassa-la, apoiando-se
no argumento da novidade tecnologica, que concomitantemente se renovava.
Esta afectagao da fotografia a pintura assemelhando-se-lhe, atribui-lhe outras
caracteristicas de representagao. Ja nao se trata de cenas factuais, mas sim de manipulates
factuais, ou seja, existe uma encenagao que dissimula a realidade tal como ela deveria
existir. O fruidor nao reconheceria essa realidade, mas mesmo assim poderia identifica-la e
associa-la com outras proximas. A obra "Os dois caminhos da vida" nao e facilmente
reconhecivel como realidade, estando talvez mais perto da encenagao teatral do que da vida
183 A fotografia precisava de afirmar-se como uma area artistica e necessitava de distinguir-se da mera
imagem de informacao visual. E com este desiderato que Edward Steichen (1879-1973) funda em 1902 (dura
ate 1916) o movimento fotossecessao. Este, descendente do pictoralismo (corrente fotografica que procura
aproximar a fotografia da pintura e "agua-forte", privilegiando a intervencao humana para obter os seus
efeitos), defendia que as fotografias nao deveriam ser obtidas por intermedio de qualquer manipulacao
fotografica, como vinha acontecendo anteriormente no pictoralismo. A intencao dos seguidores deste
movimento era libertar a fotografia da dominacao da pintura.
184 Para Walter Benjamin o "valor de culto" (aquele que promove a distancia entre o fruidor e a obra de arte)
e progressivamente substituldo pelo "valor de exposicao" (ao contrario do "valor de culto", o "valor de
exposicao" aproxima a obra e o fruidor, por meio da sua reprodutibilidade, trata-se por conseguinte de um
"valor de copia") e no caso concreto da reprodutibilidade da fotografia centrou-se um maior interesse desta
para exposicoes, do que propriamente no seu valor particular, cf. BENJAMIN, Walter - A obra de arte na era
da sua reprodutibilidade tecnica. In BENJAMIN, Walter, op. cit., pp. 84-88.
107
real, mas transpoe-nos para outro mundo, o do deleite pessoal, esse sim identificado e
reconhecido por todos nos.
Desde o seu aparecimento, a fotografia andou sempre muito a reboque da pintura e,
quando surge a modernidade, os seus propositos alteram-se e levantam-se novamente,
como seria de esperar, duvidas quanto a ser ou nao avalizada como obra de arte. Ela
acompanhou o desenvolvimento das outras artes, explorando as tres vertentes do seculo
XX (a Abstraccao, o Expressionismo e o Surrealismo), tendo-se raras vezes afastado da
realidade. E precisamente esta expressao realistica da fotografia que interessa questionar,
porque afinal e a fotografia que se encontra mais proxima da realidade. Todas as correntes
referidas tiveram um papel fundamental no curso da historia da fotografia, mas nenhuma
das tres se aproximou de um realismo fiel a correspondente realidade.
A proximidade da fotografia realista, que cria o elo de ligacao entre o espectador e
a fotografia, e originada pela sua permeabilidade. Essa uniao e tolerada pela plenitude de
conhecimentos e vivencia, que o humano possui e que "coloca" em pratica sempre que e
confrontado com a visualizacao de uma imagem. Se se trata de uma imagem realista, esta
situacao e facilitada por virtude de todas as caracteristicas que aquela encerra. A fotografia
de Arko Datta 185 (1969- ), premio World Press Photo 2004 (fig. 17), traduz bem o
sofrimento de uma mulher prostrada ao lado de um morto. Mas, numa analise superficial,
quern garante que esta morto? Quern diz se e homem ou mulher? Quern afirma onde
acontece tal situacao (Tamil Nadu, India)? Sera que esta fotografia e consequencia do
tsunami que devastou a India em 2004? O instantaneo refere-se a India?
1 Fotografo indiano da Agenda Reuters
108
Fig. 17 | Arko Datta (Agenda Reuters), Mulher chora parente morto
no tsunami, India, 2004.
Como e claro, apesar da total clarividencia dos elementos que constituem a obra,
mesmo assim surgirao diividas quanto a mesma, porque desde logo a representacao
fotografica nao corresponde efectivamente a realidade, como sublinha Peraya e Meunier 186 ,
questionando a similitude da imagem, dizendo que o melhor (verdadeiro) signo iconico de
uma dada representacao e a propria realidade. Assim, a fotografia e uma questao de
"graus" 187 onde se vai do mais ao menos ou, segundo Moles, uma especie de "escala de
iconicidade" 188 onde para alem das oposicoes extremas, ha lugar a meios-termos.
Na fotografia de Arko Datta, nao ha diivida de que a figura central e uma mulher e
verifica-se que esta esta prostrada no chao e nao noutra superficie qualquer; portanto, ha
elementos inequivocos na fotografia, mas outros pelo contrario, ja levantam diividas. E o
caso do braco, que nao sabemos se pertence a um homem ou uma mulher.
Voltando a questao da representacao fotografica, Brecht (1898-1956) escreveu:
«(...) cada vez menos, uma simples "reproducao da realidade" diz alguma coisa sobre a
mesma. Uma reproducao da fabrica Krupp ou da AEG quase nada diz sobre estas
instituicoes.» 189 . De modo semelhante, tambem esta fotografia nao revela nada da sua
realidade ou, pelo menos, da sua absoluta realidade. Lyotard elucida bem isto ao afirmar
que a fotografia «Fixa os estados, na sua instabilidade suspendida, isola-os uns dos outros,
186 cf. PERAYA, Daniel; MEUNIER, Jean-Pierre, op. cit., p. 56.
187 ECO, Umberto - Semiologie des messages visuels. Communications. Paris: Seuil. n° 15, (1970), p. 26.
188 cf. MOLES, Abraham; ROHMER, Elisabeth - L'image: communication fonctionnelle. Paris:
Casterman, 1981. (Syntheses Contemporaines).
189 Bertolt Brecht cit. por BENJAMIN, Walter, op. cit., p. 133.
109
nao restitui a sintaxe que os une» 190 . E porque os signos iconicos apresentam as coisas cuja
presenca se impoe fora de qualquer referenda, o primeiro analista da "linguagem"
cinematografica, Christian Metz, sublinha: «Un gros plan de revolver ne signifie pas
"revolver" (unite lexicale purement virtuelle), mais signifie au moin, et sans parler des
connotations, "Void un revolver". II emporte avec lui son actualisation, une sorte de
"voici"» 191 . Tambem a este respeito, refere Alexandre Santos: «(...) a fotografia longe de
ser acesso objectivo ao real, e acesso a uma parte infima deste. E permanencia indidal de
algo que esteve ali, mas que nao da ao espectador mais do que esta informacao» 192 .
Qualquer que seja a fotografia, ela estara no dominio do instante e do isolado e
consequentemente transporta apenas a sua pessoalidade. E a sua pessoalidade sera a
circunstancia de uma temporalidade. Uma teia de aranha podera significar a proximidade
de uma aranha, mas tambem uma referenda de "ha muito tempo" 193 . A imagem tern uma
temporalidade que nao corresponde a do momento real porque, a imagem e
caracteristicamente descontinua. Dai que poderemos falar de varias temporalidades entre
as quais se registam hiatos que quebram a temporalidade da "imagem" real. De resto,
poderiamos constituir uma sequencia de varias imagens (varias temporalidades
descontinuas) referentes a uma determinada cena; poderiamos apresentar 25 ou 30 imagens
desse momento (temporalidade real), para evitar o isolamento proposto pela fotografia,
mas desviarmo-nos-iamos forcosamente do que caracteriza a fotografia e entrariamos
noutro dominio - o do filme. A proposito, Metz sublinha que «(...) la photo est si inapte a
raconter que quand elle veut le faire elle devient cinema. Le roman-photos n'est pas un
derive de la photo mais du cinema. Une photo isolee ne peut rien raconter; bien sur! Mais
pourquoi faut-il que par un etrange corollaire deux photos juxtaposees soient forcees de
raconter quelque chose? Passer d'une image a deux images, c'est passer de l'image au
i 194
langage.» .
No caso da fotografia de Arko Datta, teriamos de criar uma "fotonovela" para
podermos absorver todos os elementos que a compoem. Seria necessaria uma sequencia
190 LYOTARD, Jean-Francois, op. cit., p. 136.
191 METZ, Christian - Le cinema: langue ou langage?. Communications. Paris: Seuil. n° 4, (1964), p. 76.
192 SANTOS, Alexandre - Do cinematografico na arte contemporanea. In ENCONTRO A ARTE
PESQUISA 2003, Brasilia. "A Arte pesquisa". Brasilia: Mestrado em Artes/UnB, 2003. Vol. II, p. 17.
193 Barthes aponta seis processos (tecnicas) de conotacao de uma fotografia (sendo um deles os "Objectos")
que criam associacoes de ideias (teia de aranha = ha muito tempo). Os outros processos de conotacao sao: a
Trucagem, a Pose, a Fotogenia, o Esteticismo e a Sintaxe. A este respeito cf. BARTHES, Roland - O obvio e
o obtuso. Lisboa: Edicoes 70, imp. 1984. (Signos; 42). pp. 17-20.
194 METZ, Christian, op. cit., p. 63.
110
imagetica que nos permitisse compreender em "absoluto" o acontecimento. Desde logo,
seria fundamental acrescentar dados sobre o "onde", o "porque", "o quern", o "quando",
etc.
A foto, tal como se apresenta, e demonstrativa de varias relatividades, consoante a
maior ou menor flutuacao das caracteristicas a que ela diz respeito, porque cada uma delas
representara apenas uma parte para aceder a totalidade da compreensao da obra. Metz
explica-nos isto do seguinte modo: «(...) l'image est comme un mot, la sequence est
comme une phrase, une sequence se construit d'images comme une phrase de mots» 195 .
Tambem Victor Burgin 196 , se refere a imagem fotografica com a designacao de "texto
fotografico", isto porque ela, assim como um texto, e informada por uma diversidade de
codigos.
O maior paradigma da imagem fotografica encontra-se na publicidade e vem
demonstrar que a imagem entendida como convencional perdeu toda a sua forca singular,
tornando-se perfeitamente obsoleta. A imagem publicitaria e entendida pelo publico de
forma facil e transparente pois, com o cariz mercantilista e comercial que carrega - onde a
«(...) esteticidade se subdetermina a pragmaticidade» 197 - tern de ser informativa,
simbolica e produzir efeitos particulares, nao so afectivos, mas tambem cognitivos,
bastando para tal que contenha elementos que sejam um dado adquirido a partida, que
levam a sua denotacao.
A analise da imagetica com tais caracteristicas exige, como Paulo Serra refere:
«(...) um tipo de comunicacao, "directa" e "imediata", que transcreve e cita "resultados e
factos", "exige a certeza" e assenta no (suposto) acordo e compreensao entre o que supoe e
o que recebe a exposicao. Uma linguagem que, como se diria hoje, seja o mais "objectiva"
e "informativa" possivel, de modo a proporcionar uma imagem transparente da
realidade» 198 . Efectivamente, esta relacao da imagem publicitaria, com a realidade
distingue-a notoriamente da imagem artistica, pelas certezas que confere e pela sua
imediatidade signica, completamente ausente na imagetica artistica, devido principalmente
195 METZ, Christian, op. cit., p. 66.
196 cf. BURGIN, Victor - The end of art theory. Londres: Macmillan, 1986. pp. 20-21.
197 BARBOSA, Pedro - Arte, comunicacao & semiotica. Porto: UFP [Universidade Fernando Pessoa],
2002. p. 34.
198 SERRA, Paulo - Comunicacao e transparencia - A comunicacao indirecta. In CONGRESSO DAS
CIENCIAS DA COMUNICACAO, 4, Aveiro. "Repensar os Media: novos contextos da Comunicacao e da
Informacao", [Actas em CD-ROM]. Aveiro: SOPCOM [Associacao Portuguesa de Ciencias da
Comunicacao], 2005. ISBN 972-789-163-2. p. 2032.
Ill
a diferenca entre forma e conteiido. Ao contrario, as informacoes graficas, nos termos de
Metz 199 , sao frases no imperativo. Ora, o processo necessaiio para correctamente concluir a
efectivacao de uma dada circunstancia, seja ela imagem, video, ou multimedia e de facto
conclusivo quanto a sua telia, visto que lhe confere o estatuto de conhecimento publico.
Situando-nos na retorica da imagem de Roland Barthes 200 verificamos que ela
explora esta questao, salientando que e condicao necessaria para a compreensao imediata
do conteiido da imagem esta ser constituida por elementos que sejam facilmente
reconheciveis. Mas, para serem reconheciveis, terao de ser previamente percepcionados,
teremos de contactar com eles e compreende-los. Nao podemos gostar ou desgostar de algo
se nao o tivermos provado. tambem nao podemos compreender uma frase se algumas
palavras nao forem do ambito do nosso conhecimento, tal como nao podemos entender
uma imagem se as varias "imagens" que a compoem nao forem por sua vez
compreendidas.
Acabar com a relatividade da fotografia seria passarmos a compreende-la melhor.
Esta relatividade e sinonimo de ambiguidade, porque «As fotografias nao sao nunca tao
faceis de descodificar quanto podem parecer, e geralmente estao abertas a varias
leituras.» 201 . Peraya e Meunier dizem-nos que «L'image, parce qu'elle est simple
projection subjective, supporte et meme favorise dans certain cas Pambigu'rte» 202 , mas
abrem excepcoes, nao aplicando esta proposicao ao que eles designam como "imagem
referential", ou seja, a fotografia de imprensa ou imagens cientificas, ou ainda nos casos
em que o criador quer significar alguma coisa de concreto e de muito preciso sobre a sua
realidade ou a envolvente. Isto compreende-se em parte, visto que tais imagens sao
produzidas com a intencao de tornar claro. Todavia, como vimos com a fotografia de Arko
Datta, dificilmente poderemos encontrar excepcoes na fotografia artistica que sustentem
esta ideia de "referencialidade" imagetica. Com efeito, apesar da fotografia referida ser
uma imagem de imprensa, logo com uma funcao referential, tern contudo uma grande
presenca estetica. Apesar disto, ela personifica um acontecimento que teve o seu desenrolar
e que a imagem nao fixou.
199 cf. METZ, Christian, op. cit., p. 87.
200 Barthes verifica metodologicamente as suas afirmacoes com o artigo "Rhetorique de l'image", que foi a
primeira analise semiologica de uma imagem figurativa. Apesar de uma imagem publicitaria reveste-se de
grande importancia para a compreensao de uma "linguistica imagetica". cf. BARTHES, Roland - Rhetorique
de l'image. Communications. Paris: Seuil. n° 4, (1964), pp. 40-51.
201 FISKE, John - Introducao ao estudo da comunicacao. 5 a ed. Porto: Asa, 1999. p. 32.
202 PERAYA, Daniel; MEUNIER, Jean-Pierre, op. cit., p. 178.
112
Como e claro, nao podemos questionar a indubitavel diferenca existencial entre
uma fotografia, como aquela a que o exemplo se refere e uma imagem publicitaria, que
parece estar proxima do que Peraya e Meunier pretendem afirmar. Ambas tern uma funcao
a cumprir, que de resto e sensivelmente a mesma, e ambas tiram partido do sentido estetico
para atingir os seus objectivos. No entanto, a primeira, por acentuada forca de expressao
afasta-se da sua telia, distanciando-se pois tambem da imagem publicitaria. Enquanto que,
na imagem publicitaria, fica claro que o seu aspecto formal tern por objectivo a
apresentacao do seu conteudo, na fotografia do exemplo ficara a diivida quanto ao "para
que?", se nos detivermos na sua funcao, ou ao "o que" se procurarmos conhecer o seu
conteudo. As respostas a estas e outras questoes nao poderao ser esclarecidas com
imagens, porque elas sao intrinsecas a obra e pertencem ao dominio do criador da mesma.
A causa da toma fotografica esta consideravelmente aliada ao acontecimento em si, mas a
clara razao para tal decisao fotografica permanecera oculta ate ser evidenciada pelo seu
autor.
A propria relatividade da fotografia comeca nao no conjunto imagetico, mas desde
logo nos elementos que o constituem. O desejo do fotografo de registar apenas o antebraco
do individuo, supostamente morto, esteve em consonancia com a atitude estetica, muito
comum no seculo XX, de tomar a parte pelo todo. Deste modo, prefigura-se uma morte
pela incorporacao da parte fisica de um humano. Portanto, a fotografia nao so esta
dependente dos elementos que lhe estao prdximos (por exemplo, a associacao da mulher e
do braco ou da mulher e da sua expressao) mas tambem das imagens para que esses
elementos - isolados ou em conjunto - nos remetem. A similaridade que cada um de nos
congemina e atribui a cada elemento ou conjunto de elementos remete-nos para realidades
complementares, que ajudam a evidenciar o ponto de partida, que neste caso e a imagem
de Arko Datta. Estamos a falar de outras realidades, que nao sao mais do que imagens.
Assim, as fotografias ou as imagens, de um modo geral, sao complementadas por outras
imagens que intrinsecamente nos pertencem e que sao despoletadas sempre que existe
interrogacao. Essas imagens complementares ajudam a organizar mentalmente o sentido da
imagem absoluta e so nos deparamos com essas imagens elementares, quando nos
inerrogamos sobre a imagem no seu todo. Se nao percebemos a imagem de Arko Datta
iremos tentar entende-la pelas suas unidades mais simples.
113
Como e evidente, apesar da formulacao de novas realidades que contextualizam a
imagem que se apresenta, esta sera sempre do dominio da pessoalidade, pelo que, mesmo
assim, fica por encontrar resposta para muitas perguntas, sendo estas apenas desvendadas
pela mediatizacao da fotografia ou pelo exacto enquadramento cronologico aliado a
mediatizacao do acontecimento pelos mass media porque, como diz Alexandre Santos,
«(...) a fotografia, assim como o cinema, tern, em comum, a necessidade de discursos
complementares» 203 . Deste modo, apesar da fotografia ser encarada como "multi-
segmentada", existem mecanismos que a orientam para uma ordenacao coerente, exterior a
propria fotografia, sendo que esta e uma das suas pretensoes. Deste modo, o resultado
obtido pela mediatizacao imagetica poderemos dizer que e um bom exemplo visual da
"psychologie des foules" 204 ; por outro lado, se a fotografia tern um cariz mais abstracto,
entao ela sai do ambito do conhecido, porque se afasta do universo do fruidor, ficando
apenas limitada a sua imediatidade sensorial. Neste caso existem varias gradacoes de
subjectividade. A obra de David Hockney (1937- ), "Shoes" (fig. 18), esta repleta de
elementos que, de forma fantastica, originam um todo. E criado um puzzle inserido numa
especie de "janela albertiana", onde o espectador e levado a construir uma determinada
realidade. Para alem de elementos de relativa evidencia, tambem existem outros que
apenas indiciam e que, por conseguinte apenas entram no todo imagetico por forca de
alguma coerencia estabelecida. O espectador e levado a recriar um cenario individual
subjectivo e forcado a gesticular a sua imaginacao, de modo a encontrar uma "solucao"
para a obra.
203 SANTOS, Alexandre - Do cinematografico na arte contemporanea. In op. cit., loc. cit.
204 cf. LE BON, Gustave - Psychologie des foules. Paris: PUF [Presses Universitaires de France], 1947.
(Bibliotheque de philosophie contemporaine).
114
Fig. 18 | David Hockney, Shoes, Kyoto, 1983.
Mas este tipo de recriacao deixa de existir, a partir do momento em que
desaparecem quaisquer referencias, que o fruidor possa trabalhar, no sentido de estabelecer
a compreensao da obra. "Trajectoria de ejaculacao", de Andres Serrano (1950- ) (fig. 19),
so e minimamente compreendido, depois de conhecer o titulo, mas, mesmo assim poderao
surgir muitas diividas, visto que nao se trata de uma tematica habitualmente abordada,
sendo antes vista como algo que nao e pensavel, talvez pela imensurabilidade de uma
trajectoria espermica. A simplicidade da imagem e sinonima de invulgaridade. Tal
representacao imagetica nao pertence ao mundo da nossa compreensao, mas antes ao
imaginario individual, sendo que este sera sempre baseado em reconstituicoes imageticas e
nunca projectado com total objectividade, que permita uma identificacao com objectiva
coerencia. Quer isto dizer que essa imagem estara sempre afastada de qualquer idealizacao
convencional.
Fig. 19 | Andres Serrano, Sem Titulo XIV (Trajectoria de
ejaculacao), 1989.
115
Actualmente, a fotografia pode ser considerada como o veiculo pos-moderno por
excelencia, porque baseia-se num conjunto de paradoxos que sao privilegiados na estetica
e no questionamento em torno da funcao da arte e da representacao. Jean Baudrillard 205 ,
fala-nos de um "simulacrum industrial"; para ele, a fotografia nao tern herancas, e
desprovida de passado, mas por isso mesmo e pela forca do novo e da novidade, faz surgir
uma nova geracao de signos. Para ele, a fotografia e tecnica e consequentemente passivel
de ser reproduzida, perdendo toda a singularidade do objecto artistico e passando a
participar num mundo de multiplos visuais. Esta referenda a Baudrillard remete-nos
obrigatoriamente para o ensaio de Walter Benjamin 206 acerca da reprodutibilidade tecnica.
Benjamin eleva a fotografia a elemento transmissor que conduz a democratizacao da arte;
por outro lado, considera que a tecnica da fotografia, apesar de permitir a sua
reprodutibilidade, tambem e um meio produtor de novas significacoes e novos sentidos.
Deste modo, a fotografia perde o estatuto de originalidade e autenticidade estetica
necessarias ao consumo democratico. A representacao fotografica vem permitir ao
observador ter do objecto uma visao renovada, imprimindo-lhe pois, desta forma, uma
nova significacao. Ainda segundo Benjamin, este processo vai permitir a alteracao das
mentalidades sociais, com o objectivo de uma renovacao da experiencia estetica e da
chamada "crise contemporanea".
Mas esta representacao presente na fotografia cultiva-se pela dupla representacao,
ou seja, a representacao propriamente dita e a re-presentacao: a representacao de uma dada
situacao real e a re-presentacao, que e uma re-apresentacao dessa mesma realidade. A
primeira, podera estar mais ligada aos conteiidos, pois e aqui que o autor elabora a sua
interpretacao da realidade codificando-a por intermedio de meios que podem ou nao atingir
eficazmente os seus fins; por sua vez, a re-presentacao nao e mais do que uma estampagem
fisica da situacao em concreto, uma duplicacao da realidade natural e o banal da imagem,
reconhecido quer colectiva 207 , quer individualmente.
205 BAUDRILLARD, Jean - L'Echange symbolique et la mort. Paris: Gallimard, 1976. (Bibliotheque des
sciences humaines). pp. 85-89 [Le simulacre industriel].
206 cf . BENJAMIN, Walter - A obra de arte na era da sua reprodutibilidade tecnica. In BENJAMIN, Walter,
op. cit., pp. 75-113.
207 Mesmo que colectivamente considerada como um somatorio de elementos visuais, todos eles sao
reconheciveis. Nao se trata aqui das suas conjugacoes, mas sim dos seus reconhecimentos enquanto
elementos pertencentes ao universo do observador. Claro esta, que mesmo assim podera haver variacoes
culturais quanto a alguns elementos que poderao dificultar a compreensao do considerado mais banal, e como
se compreende facilmente dificultara a subsequencia do processo artistico que acaba no fruidor.
116
Na imagem fotografica esta presente, uma consciencia de V avoir ete-ld do objecto,
ao contrario de um etre la 2m . A fotografia e mais do que parece e apresenta-se como algo
que e efectivo e que revela a sua existencia. Ela faz prova da sua autenticidade. Ela mostra-
se noutro tempo. O seu espaco de observacao e o de ontem; contudo, a sua presenca, a sua
realidade e de hoje. Barthes fala-nos de uma "irrealidade real", ja que a mensagem
fotografica, tida como sem codigo e por isso rica na sua denotacao, por um lado e "irreal",
visto que nos e apresentado o "aqui", enquanto por outro lado, o "real" e o seu "ter estado
la", e o que permite, no fundo, identificarmos qualquer imagem como algo de fotografico,
e o trompe I'oeil mais perfeito, face ao qual ninguem sai enganado, por virtude do
realmente conhecido e nao do virtualmente conhecido.
Barthes faz questao de se referir a fotografia como sans code, mas esta ideia de
considerar a fotografia como uma representacao imagetica desprovida de um codigo para o
seu entendimento e compreensivel, em virtude daquilo que caracteriza a fotografia, mas de
outro modo poderemos questionar se toda a gratuitidade que a fotografia oferece nao
podera ser sustentada por um codigo assente na percepcao humana. Para Lindekens existe
efectivamente um codigo:
«Nous croyons que I'image photographique-filmique (et les autres types d'images
aussi, d'ailleurs) doit etre tenue pour codee, et meme, pour mieux dire, multicodee.
Dans cette perspective, Facte perceptif est la manifestation d'un decodage;
manifestation dont la nature reste neanmoins cachee, inconsciente, et qui plus est,
camouflee par un principe d'illusion qui preside a la lecture de toute image, et en
vertu duquel l'analogon passe pour le composant directement dominant, sinon
exclusif, et spontanement reconnu, ou du moins identifie par des automatismes
psycho-sociaux qui, en approximation, font aisement office de spontaneite. Plus
precisement, nous entendons ainsi que I'image photographique-filmique doit etre
considered comme codee au niveau de ce que Ton pourrait tenir pour substance et
forme d'un signifiant iconique, sans exclure, nous le soulignons, d'autres codes, et, en
particulier, ceux de l'analogon et de la verbalisation implicite-explicite.» 209 .
Sabemos bem que a obra de arte nao existe para nos antes de a conhecermos. O
conhecimento de toda a realidade - e a fotografia e apenas uma entre muitas - advem da
percepcao que se teve da mesma. Sao processos vivenciais que desenvolvem em nos um
confronto com a realidade, de modo a estabelecer uma determinada iconicidade e que tern
como principal funcao o reconhecimento dessa mesma realidade, o voltar a conhecer,
208 Esta concepgao Barthesiana e uma referenda ao espago-tempo, onde se faz alusao ao local imediato e
temporal anterior. A fotografia e isso mesmo e a imediatidade do espaco, num tempo que ja foi.
209 LINDEKENS, Rene - Essais de semiotique visuelle: le photographique, le filmique, le graphique.
Paris: Klincksieck, 1976. (Semiosis; 1). p. 14.
117
conhecer de outro modo. A mimese fotografica e ilusoria e transformadora. Ela induz-nos
a participar num outro mundo, o da representacao ou, melhor dizendo, da re-apresentacao,
mas sem antes o termos percebido na sua elementaridade. Estaremos entao perante um
novo mundo, sempre que haja qualquer actividade de representacao porque, ao "espelhar-
se" a realidade natural, estamos certamente a desenvolver um mecanismo de
conformidade, em que essa realidade e adulterada, ainda que discretamente. Como nos diz
Michel Denis «Des processus d'abstraction sont a l'oeuvre dans la plupart des activites de
representation, et peut-etre faut-il dire: dans toute activite de representation. Meme le
dessin le plus detaille, meme la photographie realisee avec le grain le plus fin, ne con-
servent pas, et ne restituent done pas, tous les caracteres de l'objet represente» 210 . Ora,
desde o momento em que pretendemos equiparar a representacao a realidade, estamos
forcosamente a manipular as suas caracteristicas intrinsecas e de uma forma globalizante,
toda a obra.
Toda a representacao, por mais realista que possa ser, obedece a uma
descodificacao, precisamente porque ela apenas confere uma verdadeira realidade quando
se desoculta em absoluto. A nossa percepcao passa a ser o factor primordial na traducao
dessa representacao e por conseguinte do entendimento dessa realidade re-apresentada e
parafraseando Lindekens 211 , qualquer imagem esta presa aos modelos culturais impostos
pela sociedade em que esta inserida e portanto, a descodificacao de uma imagem
fotografica faz-se pela descodificacao dos modelos culturais de uma dada sociedade.
Portanto existe uma descodificacao nao do objecto, mas sim das suas disposicoes
culturais. O retrato, elaborado da forma mais realista possivel, somente tera validade de
reconhecimento se existir, por parte de quern o observa, uma tentativa de correspondencia
desse analogon, quer dizer, da identificacao das caracteristicas que compoem essa imagem,
baseada nos principios culturais que regem o sistema onde tudo se desenrola. Nao se esta
aqui a fazer referenda aos elementos basicos da imagem, mas sim ao seu reconhecimento,
apoiado no somatorio desses mesmos elementos que compoem essa imagem. E evidente
que essa trivialidade esta inerente, mas nem sempre alcancavel. Por exemplo, os problemas
fisiologicos sao barreiras para o entendimento das obras. Aos cegos de nascenca pode ser
explicado o significado da palavra "carro", mas, se ele nao percepcionar o objecto "carro",
nao podera nunca formular uma ideia exacta do que e um carro e, nesse sentido, na
210 DENIS, Michel, op. cit., p. 23.
211 LINDEKENS, Rene, op. cit., p. 46.
118
fotografia para cegos, dificilmente ele reconhecera essa realidade estampada, devido a
supressao da sua sensorialidade visual. Entende-se pois, que nestes casos e outros
semelhantes, onde a fisiologia seja um factor determinante, nao havera re-conhecimento
porquanto isso implicaria o conhecimento previo da realidade.
A percepcao leva entao ao conhecimento (Entendimento) da representacao que por
sua vez, permite ao observador uma apreciacao, uma seleccao dos conteudos da imagem e
finalmente uma atribuicao de valor (significacao) 212 . Nao parece de todo correcto
desconsiderar estas passagens no processo, em detrimento de um sans code da imagem
fotografica. O codigo e pois intrinseco a fotografia, sao os signos da imagem que estao no
seu lugar. Como nos diz Lindekens, as imagens fotograficas sao multicodificadas,
sobretudo se as assumirmos como imagens que, pela sua natureza (fotografica), captam
objectivamente toda a realidade com infimo pormenor, conduzindo a obra final a um
repositorio de elementos que caracterizam a realidade.
A maquina, mais do que qualquer expressao humana, desperta toda a realidade
"afotografica" 213 objectivamente, nao fosse a maquina fotografica possuidora de uma
"objectiva" e nao de uma "subjectiva", e e desse modo que a fotografia se enriquece.
Atraves desta objectividade, a fotografia toma o lugar de uma segunda realidade, criando
no fruidor a impressao de ja conhecido. Este aspecto faltara em maior ou menor grau nas
outras artes plasticas, visto que as outras expressoes, podendo denotar com muita
evidencia, nunca traduzirao com a mesma harmonia toda a realidade. A pintura, por
exemplo, sera francamente mais fraca na sua denotacao, em consequencia da captacao da
realidade por parte do artista, que sera bem menos "rica" 214 do que a da maquina
fotografica. Em oposicao, outras formas de expressao terao uma maior riqueza de
conteudo. Nao estara pois tanto em jogo a objectividade fisica, mas sim a sua
212 Doguet, de modo semelhante atribui quatro graus na recepcao da arte, a saber, "faire percevoir", "faire
comprendre", "faire evaluer" e "faire vivre". Cf. DOGUET, Jean-Paul - L'art comme communication -
Pour une re-definition de l'art. Paris: Armand Colin, 2007. p. 153.
213 Termos emprestado a Souriau e adaptado ao contexto. Souriau distingue a realidade "afilmique" (aquela
que existe, independentemente da realidade do filme), a realidade "profilmique" (gravado pela camara),
realidade "filmographique" (o filme como objecto fisico), realidade do ecra (ou "filmophanique"), realidade
"diegetique", realidade do espectador e realidade do criador. cf. SOURIAU, Etienne - La structure de
l'univers filmique et le vocabulaire de la filmologie. Revue internationale de filmologie. Paris. n° 7-8,
(Maio de 1951), pp. 231-240.
214 Rica no sentido da captacao integral da realidade. Esta "riqueza" e discutivel, porque em algumas areas de
saber, outras expressoes sobrepoem-se a fotografia, por exemplo, em arqueologia o desenho e uma forma de
expressao por excelencia. Esta permite registar e evidenciar o objecto de uma forma mais profunda, indo de
encontro a visao particular que o arqueologo tem no momento do objecto - leitura estratigrafica.
119
intrinsecidade; nao o mundo exterior, mas sim o mundo interior; nao um mundo
perceptivel por todos nos, mas sim um mundo de retire
2.4.2 Holografia - Paradigma da imagem absolute
Como verificamos, a fotografia e uma tecnologia de que os artistas se apropriaram e
que se traduz por uma semelhanca bidimensional e plana da realidade. Ainda que ofereca
caracteristicas que traduzam essa realidade, elas correspondem a uma relacao equivoca, se
quisermos, a uma incomunicacao. A holografia, poderemos dizer, e uma amplificacao das
caracteristicas da fotografia, de tal modo que ficam colmatadas as "deficiencias" desta, ao
ponto de criar confusao imagetica. De facto, a tecnologia que melhor traduz a ideia de
totalidade, no que diz respeito a explicitacao dos registos e sem duvida a holografia. Esta
adiciona algo mais a fotografia - a tridimensionalidade e a paralaxe. A holografia, com
todas as caracteristicas da fotografia torna-se mais presente, envolve mais o observador,
faz com que este se interpenetre na obra, de tal modo que fica a fazer parte de um jogo
virtual, onde existe uma grande semelhanca com a realidade retratada. Como nos diz Isabel
Azevedo 215 , ela deixa de representar visualmente o objecto, para passar a conter toda a sua
informacao visual.
Durante todo o seculo XX, a arte "evoluiu" e enveredou por caminhos que
privilegiam a inter actividade. Nao se estranhe, por isso, que alguns modos de
representacao tenham cimentado uma posicao fundamentalmente direccionada para a
participacao do publico. A holografia e uma dessas artes mediaticas que propicia ao
receptor da obra um permanente envolvimento espacial, nao pela duplicacao, mas antes
pela mimesis da informacao visual e espacial da realidade primeira. As representacoes
holograficas evocam a referenda a uma qualquer realidade, por traducao literal e univoca
dela mesma. A holografia tridimensional regista ou "escreve" toda a realidade, porque
capta toda a informacao existente na luz no momento do registo.
215 AZEVEDO, Maria Isabel - A luz como material plastico. Aveiro: Universidade de Aveiro, 2005. Tese
de Doutoramento em Estudos de Arte apresentada ao Departamento de Comunicagao e Arte da Universidade
de Aveiro. p. 101.
120
Ao longo dos anos, a arte foi-se transformando. As mudancas socio-historicas, as
diversas alteracoes do conhecimento e as inovacoes tecnologicas sao factores que
contribuiram para que os modos de percepcao das obras se alterassem. A holografia
artistica e os modos de a entender sao um exemplo dessas modificacoes. As formas de ver
a materia, o tempo e o espaco mudaram simultaneamente com ela. Estas novas mudancas,
sobretudo os novos tratamentos do tempo e espaco, colocam a holografia no topo da
representatividade imagetica. As grandes semelhancas, entre a realidade primeira e a sua
representacao sao fruto de um medium tecnologico que permite uma total correspondencia
entre uma e outra.
A holografia, descoberta em 1948 216 , apenas se desenvolveu plenamente apos a
descoberta do laser. Entao, rapidamente foi testada como uma aplicacao, sendo um novo
medium para uso em criacoes artisticas. Inicialmente, as imagens holograficas eram muito
coladas a realidade do objecto, mas rapidamente se autonomizaram, desenvolvendo varios
tipos de propostas, conforme a sensibilidade de cada artista, tal como acontecia com as
outras tecnologias e materials. Hoje, a holografia adquire uma nova importancia, pelo que
podemos dizer que, com ela, tambem surgiu um novo conceito plastico. De facto, muitos
sao os artistas que experimentaram esta tecnologia e com ela concretizaram um novo
registo da realidade. Por outro lado, convira nao olvidar que o fruidor desempenha um
papel cada vez mais importante nos processos de criacao, colocando questoes sobre o
artista e a natureza da obra. Desvanecem-se esteticas obsoletas, propagando-se, em
contrapartida interfaces tecnologicos, que fazem uso de circunstancias sensorials e extra-
sensoriais, em processos multidiversificados, onde a emocao e as significacoes sao
altamente realcadas.
A realidade e sempre o ponto de partida para qualquer criacao artistica e, na
holografia, esta realidade acaba por ser espelhada na obra. Por esta razao podemos dizer
que a holografia e um registo "total" da realidade. Registo, porque fixa, numa placa
emulsionada, de alta resolucao, as franjas de interferencia resultantes de feixes da mesma
frequencia e coerentes 217 ; e "total", porque o resultado desse registo correspondent a uma
traducao mimetica e plurivoca da realidade que lhe deu origem. E esta "totalidade" que
216 Denis Gabor (1900-1979) foi em 1948, o inventor da holografia, mas esta so foi desenvolvida na decada
de 60, gramas a descoberta do laser.
217 A luz libertada pelo laser e "coerente", ou seja todos os fotoes do mesmo movem-se de forma organizada,
paralelamente e na mesma direccao, e com um linico comprimento de onda, i.e., uma linica cor.
121
propicia ao fruidor um envolvimento constante com a obra. Podera esse registo
consubstanciar-se num processo de comunicacao? Afinal, esse registo e o resultado
diametral e fiel de uma dada realidade e explicita essa realidade convincentemente. Se a
linguagem escrita e oral permite irrefutavelmente a comunicacao, nao menos verdade e o
facto de elas serem equivocas. Ora, dadas as grandes semelhancas que a holografia possui
com a linguagem, visto que tambem ela "fala", tambem carrega uma enorme carga
ambigua, podera parecer paradoxal o facto de simultaneamente a considerarmos equivoca e
inequivoca, mas de outro modo nao seria possivel. Uma coisa e a sua essentia e outra sera
a sua aplicacao contextual e artistica. Considera-se, pois, que a "comunicacao" e
confirmada pela transmissao inequivoca das suas caracteristicas, mas a relacao dessas
caracteristicas entre si e entre estas e o fruidor e inevitavelmente uma relacao equivoca.
Nao podemos esquecer que, nao obstante a holografia ser uma representacao exacta da
realidade, ela nao e essa realidade, o que permite concluir que a delimitacao 218 da sua
representacao olvida algumas caracteristicas, sejam elas flsicas ou meramente de outra
ordem.
O piano da obra expressa-se, nao de forma equivoca, mas antes como uma
duplicacao da realidade, incorporando todas as suas caracteristicas. Para Rosa Oliveira
«(...) olhar para um holograma e como ver um objecto atraves duma janela, de maneira
que a sugestao do espaco pode ser interpretada como se da realidade se tratasse» 219 . Cria-
se, pois, uma mimesis de toda a informacao visual e espacial da realidade primeira, uma
especie de palimpsesto imagetico onde, num determinado suporte, encontraremos uma
sucessao de elementos que narram a objectualidade fisica da realidade/tema, como se de
um texto que existe sobre outro texto se tratasse. Nao se trata, no entanto, de prostrar a
realidade primeira, mas sim de lhe dar outro sentido existential. Caso contrario, estar-se-ia
a criar processos documentais e nao artisticos.
E nesta transliteracao que o efeito de uma possivel comunicacao se perde, porque,
se um ponto na realidade corresponde a um ponto representado, esse mesmo ponto
corresponded a multiplas formas dentro de cada um de nos. Por isso, dentro do efeito
218 O holograma embora fiel e uma representacao parcial da realidade, isto se tomarmos em consideracao,
que para alem da realidade representada existem outras realidades. A realidade fisica circundante, ou a sua
contextualizacao escapam a sua representacao. Pode entao falar-se de uma delimitacao.
219 OLIVEIRA, Rosa Maria - Pintar com luz - Holografia e criacao artistica. Aveiro: Universidade de
Aveiro, 2000. Tese de doutoramento em Design apresentada ao Departamento de Comunicacao e Arte da
Universidade de Aveiro. p. 57.
122
especular, toda a traducao literal da realidade submete-se a novas interpretacoes, auxiliadas
por processos "transartisticos", se quisermos na linguagem de Genette, "transtextuais" 220
(fig. 20). Com efeito, a holografia artistica so existe pela sua artisticidade, quer dizer, pelas
caracteristicas que a tornam obra de arte - uma paraexistencialidade. Neste contexto, a
relacao dos varios elementos inerentes a sua criacao, favorecem a sua interpretacao. A obra
estara portanto sustentada e alicercada por um rol de elementos assessorios, alguns dos
quais lhe sao exteriores e a ajudam a correlacionar-se no contexto em que se encontra. Por
outro lado, sao as suas caracteristicas de amplitude, comprimento e fases de ondas
electromagneticas (a luz) que argumentam em favor de uma mimesis, evidenciando um
complexo jogo de relacoes que, por sua vez, permitem a evidencia de diversos momentos
espaciais. Tal so e possivel porque, de facto, cada ponto do objecto impressiona toda a
placa e cada ponto desta e uma visao de conjunto. A quadrimensionalidade criada e um
prolongamento da realidade primeira. Criam-se varios momentos em que se desenvolvem
quatro dimensoes: o "antes", o "agora" e o "depois". Este, por sua vez, inclui os diversos
pontos de vista, que sucessivamente se vao alterando com a deslocacao do fruidor. Todos
esses momentos se complementam e correlacionam mutuamente.
Transtextualidade artistica
Realidade Primeira
Jl
Realidade Segunda
[ (holograms)
Paraexistencialidade
(pracesso teorico)
})
Hiperexistencialidade
(Processo tecnico - mimesis)
Fig. 20 | Esquema de transtextualidade artistica da holografia.
cf. GENETTE, Gerard - Palimpsestes - La litterature au second degre. Paris: Seuil, 1982. (poetique).
pp. 7-14. cf ainda, MARTINEZ, Elisa - O sistema das exposicSes de arte e seus modos de
transtextualidade. In CONGRESSO BRASILEIRO DE CIENCIAS DA COMUNICAgAO, 30, Santos.
"Mercado e comunicacao na sociedade digital". [Actas em CD-ROM]. Santos: Intercom [Sociedade
Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicacao], 2007. ISBN 978-85-88537-26-6. Tambem
disponivel em versao Postscript em: <URL:http://www. adtevento.com.br/intercom/2007/resumos/R1058-
l.pdf>.
123
Se os cubistas pretendiam a representacao do objecto na sua total dimensao, a
holografia vem concretizar tal desiderato. Trata-se de uma realidade directamente
relacionada com a realidade segunda. Esta relacao (hiperexistencialista) e digamos, a maior
evidencia da holografia 3D, visto que ela abandona a alusao as tradicionais tecnicas
artisticas e passa a ser uma "ilusao", uma vez que corresponde a realidade primeira de
forma absoluta, mas nunca chega a se-lo. Ela "narra" e "fala" sobre a primeira realidade,
sobre os seus conteudos, sobre aquilo a que corresponde. A holografia ja nao se apoia
apenas sobre um medium, mas sobre um processo em constante accao.
Saliente-se ainda, o facto desta sequencia, que vai da realidade primeira ate a obra
de arte, passando pelos varios processos que legitimam a holografia como obra de arte,
apenas ficar completa apos a efectivacao dos seus elementos exteriores (tais como as
referencias a obra) e apos o cumprimento da similitude entre a realidade primeira e a
realidade segunda. No fundo, entre realidade primeira e obra de arte (imagem holografica),
encontra-se a representacao da realidade primeira (holograma), que so sera efectivada
como obra de arte apos a observancia desses factores.
Sao as infimas particulas de emulsao, a amplitude, comprimento e fases de ondas
electromagneticas (a luz) e no registo de microscopicas ondas de interferencia luminosas,
que e formada a nossa racionalidade a realidade segunda e sao estes factores, que permitem
extrair a realidade fisica, para mudar virtualmente de espaco e de tempo, desvendando
literalmente a realidade segunda. E devido aos factores informacionais do holograma que
temos acesso a realidade primeira, jogando com o tempo e o espaco. Ainda que o suporte
seja fisico e facilmente visivel, este desaparece estreitando o laco entre o espaco e a
representacao e entre esta e o fruidor.
Esta realidade virtual criada pela holografia suscita uma interaccao com o tempo e
espaco, permitindo-nos deduzir novas e diferentes concepcoes esteticas, segundo as
diferentes modalidades holograficas, e por conseguinte incrementar novas razoes
taxionomicas. Analisar a holografia sera antes de mais apreender a realidade primeira e
racionaliza-la, criando uma equiparacao biunivoca. Questionar uma realidade sintetica (no
sentido de artificial) e, antes de mais reconhecer a amplitude signica da realidade primeira
e promover a sua especulacao, no sentido do apuramento do seu verdadeiro significado
estetico/holografico. A posicao do fruidor sera claramente orientada por estas relacoes de
124
dicotomia, uma vez que a realidade primeira se desdobra e adquire uma nova extensao que,
embora semelhante, pertence ao dominio da significacao.
A totalidade de informacao, que a representacao holografica oferece traduz-se num
paralelismo conivente com a realidade primeira e logicamente submete-se a pluralidade de
significacoes por partes dos fruidores. Se bem que estas novas concepcoes possam evocar a
referenda a realidade primeira correspondente, existirao contudo diversas interpretacoes da
obra, em virtude do absoluto desconhecimento da realidade primeira, inviabilizando pois a
conotacao desta com uma possivel comunicacao. Portanto, o fruidor apreende, explora e
formula novas significacoes. Note-se que a descricao da realidade primeira levada a cabo
pela holografia e igualmente possivel nas atitudes mais actuais e abstractas, em que a
realidade primeira (o objecto) tern origem nas interferencias de ondas de luz. Porem,
podera nao ser identificavel uma directa relacao entre esta realidade e representacao
holografica. Nestes casos, a traducao linear mantem-se, mas perde-se a informacao que
complementa a realidade primeira e, consequentemente, a fruicao dispersa-se. Amplia-se a
equivocidade, a compreensao distorce-se e a fruicao resulta apenas da transmissao das
caracteristicas fisicas da obra, do puramente visivel. A pluralidade de opinioes aumenta e a
obra enriquece-se.
Estaremos com certeza a evocar momentos de compreensao e de "dialogo" e, entre
a natureza objectiva invariavel e a factualidade espaciovectorial, de uma representacao
tridimensional. Esta tecnica e um registo de imagem virtual identica a realidade, com a
mesma paralaxe existente quando se ve um objecto real, sem haver necessidade de recorrer
a nenhum auxiliar da visao. Questionar uma realidade sintetica sera paralelamente criticar
o que lhe deu origem na sua total dimensao e levar a descobrir a possivel posicao do
fruidor perante um mundo que, nao sendo imaginario, pode ser especulativo de uma
realidade imaginaria, em virtude do absoluto desconhecimento dessa mesma realidade. Na
verdade, a holografia e uma nova realidade que o sujeito fruidor apreende e explora,
formulando novas significacoes, igualmente paralelas a realidade primeira, mas sempre
diferentes desta, so assim se compreendendo a sua artisticidade.
A holografia, enquanto teatro da realidade, e nos dias de hoje o maior paradigma da
imagem absoluta. Na sua acepcao etimologica, ela "escreve tudo", e portanto o registo de
uma infinidade de interferogramas, indo criar uma interaccao, seja num mundo que Simula
a realidade, seja num mundo simbolico ou imaginario. E nesta relacao de dependencia, em
125
que uma realidade descreve a outra, e na multidimensionalidade do espaco e do tempo, que
a obra se enobrece.
2.5 Autotelia da obra de arte
Poderemos nos falar de uma finalidade estetica da arte, em oposicao a uma
finalidade logica da ciencia? Poderemos nos dizer que a arte esta ao servico da
comunicacao e que tern por fim o veicular de algo que o artista pretende transmitir?
Desde a sua origem que a arte se quer "desinteressada" 221 , porque se encontra mais
virada para a criacao do que para a funcao, que e o objectivo da ciencia. A utilidade da
obra de arte, encarada como objecto, nao e o seu primeiro desiderato. Por essa razao, a arte
e desinteressada e, nas palavras de Forest 222 , ela esta em atraso porque ainda nao conseguiu
equiparar-se a ciencia em termos de utilidade. Ninguem espera que uma obra de Picasso
(1881-1973) sirva uma funcao que nao seja dar prazer na sua contemplacao.
Contrariamente, nao ha indicios de que a pintura rupestre tenha tido uma funcao de
embelezamento; antes parece ter tido uma finalidade magico-simbolica. Bern mais tarde, as
construcoes medievais retomam este principio, com o fim de conseguirem a elevacao
moral e espiritual do homem e desse modo se aproximarem de Deus. Evidentemente, para
se conseguir tal desiderato, haveria que formar a populacao e por isso as pinturas e
esculturas passam a ter uma funcao pedagogica, fazendo veicular as mensagens que a
igreja pretendia.
Durante muito tempo, a arte designou o saber-fazer artesanal ou os modos de
producao. Em grego, os termos "poiesis" {noiea)) e "techne" (Ts/vrj) abrangiam
indiferentemente o trabalho dos artistas e dos artesaos. Apesar das diversas utilizacoes da
palavra arte, o termo conota uma actividade humana que visa a criacao de uma certa
221 Segundo Kant, o prazer desinteressado (sem finalidade exterior - utilidade) e o que e comum a todo o
humano e o sentimento destes e um prazer universalmente partilhado, por isso ele nos possa falar de uma
"finalidade sem fim" cf. KANT, Emmanuel - Critique de la faculte de juger. 3 a ed. Paris: Librairie
Philosophique J. Vrin, 1974. (Bibliotheque des Textes Philosophiques), especialmente a primeira parte:
Critique de la faculte de juger esthetique, pp. 49-177.
222 FOREST, Fred - Manifeste pour une esthetique de la communication. In AA. VV. - Esthetique des arts
mediatiques. Sainte-Foy [Quebec]: Universite du Quebec, 1995. Vol. I. p. 37.
126
harmonia e ordem (mesmo que na desordem). E a partir do seculo XVIII que se comeca a
estabelecer a distincao entre a arte do artista (criador original), a qual nao seria
transmissivel por conhecimentos nem passivel de aprendizagem, e o artesao possuidor de
conhecimento tecnico, passivel de ser transmitido de geracao em geracao. E neste
momento que se da a distincao entre "belas artes" e "artes e oficios" e consequentemente
surge uma nova concepcao da arte. A arte define-se entao por um conjunto de praticas
desprovidas de visao tecnica e utilitaria, tendo unicamente por fim a representacao do belo
(um fim em si mesmo), o que se opoe radicalmente ao conceito de "util". Com efeito, no
sentido lato, significa o que tern o seu valor nao em si mesmo e no sentido restrito segundo
Tolstoi 223 refere-se ao que serve a vida, conduzindo o homem a felicidade.
A obra de arte e uma ferramenta social, que se inscreve no contexto socio-politico.
Pelos seus questionamentos, ela e o reflexo nao so das preocupacoes de uma epoca, mas
tambem dos individuos dessa epoca. Trata-se de um meio visivel que interpela o
espectador e desperta a compreensao do homem da sua epoca, porque a arte e um espelho
de cada periodo historico. No entanto, na medida em que a obra assenta numa
pessoalidade, ela carrega toda uma carga signica que se torna unilateral. Por isso, o
entendimento da mesma escapa, por virtude da ausencia de um esquema de traducao da
realidade imposta pelo criador, o que faz com que a arte nao seja uma simples fotocopia
sociologica. Assim, mesmo que a partida possamos associar uma funcao social a obra de
arte, cedo se percebe que ela pode ser assumida pelo artista, aceite pela sociedade, mas
nunca compreendida por esta. E quase como se um objecto de design fosse desenvolvido
para cumprir uma determinada funcao, e na sua posicao pratica, ele se tornasse tao
excessivamente expressivo que inviabilizasse qualquer utilizacao 224 . Deste modo,
estariamos a incluir esse objecto mais no campo da arte do que da producao industrial.
Kant na sua "Critica do gosto" 225 , demonstra-nos que, quando julgamos uma obra
de arte, temos um sentimento de finalizacao dessa obra, fazendo parecer que ela coincide
com um fim que se concretiza. Mas Kant realca que nao somos capazes de definir por
conceitos essa finalizacao. Portanto, ele conclui que o julgamento do belo aplica-se aos
objectos que dao um sentimento de finalidade, de corresponderem a uma intencao clara,
223 TOLSTOI, Leon - Qu'est-ce que l'art?. Paris: PUF [Presses Universitaires de France], D.L. 2006.
(Quadrige). p. 61 e sgg., 197 e sgg.
224 De resto, muitos criadores de design e moda seguem este principio, como forma de assegurarem uma
posigao artistica para os seus trabalhos.
225 cf. KANT, Emmanuel, op. cit.
127
sem que haja uma finalidade evidente na origem do objecto. Compreende-se facilmente
este pensamento se atentarmos que nenhum artista podera com efeito explicar o fim visado
pela sua obra. Se ele o faz, entao esta nao pertence ao dominio artistico. Se o objectivo de
um pintor ou outro artista e suscitar contestacao junto dos fruidores, poderemos avaliar o
sucesso da sua obra, por exemplo, pela quantidade de abaixo-assinados que a contestam.
No entanto, se a obra tiver unicamente como conteudo esta finalidade, entao ela nao passa
de um mero objecto tecnico, cumpre uma funcao de eficacia e logicamente nao tern
qualquer dimensao artistica.
A obra tern portanto uma finalidade indeterminada - uma finalidade sem fim, se
quisermos usar a terminologia adorniana 226 , uma objectividade nao objectivada, ou, na
variante kantiana de Strawson 227 , uma funcao sem funcao. Tambem Theophile Gautier foi
defensor da ideia de "arte pela arte" 228 . Para o movimento da "arte pela arte" esta vive
independente da moral e da politica e recusa tudo o que tenha um cariz sentimental e que
transmita ideias ou morais. O que interessa fazer prevalecer e portanto a beleza.
Talvez nao faca sentido falarmos de uma funcao da arte, mas sera com certeza
necessario precisar se, alem da sua funcao primeira de produzir o belo, ela nao pode, em
segunda instancia, ser util. Podera ela ser dotada de um interesse pratico, nomeadamente de
comunicacao? A arte, sendo autotelica, nao carrega uma funcao comunicacional, mas,
como verificamos, podera intencionalmente fazer veicular uma mensagem que «(...) nao
possui a simples funcao transitiva de conduzir ao sentido: ela possui um valor em si
mesma, uma mensagem-objecto.» 229 . O fruidor da obra de arte, ao apreende-la, fa-lo nao
pela possivel intencao comunicacional do seu criador, mas antes pelo resultado da criacao,
pelo "sentimento de finalizacao". A obra pode nao possuir uma funcao comunicacional,
226 cf. ADORNO, Theodor, op. cit., p. 53.
227 cf. STRAWSON, Peter - Aesthetic appraisal and works of art. In LAMARQUE, Peter; OLSEN, Stein
- Aesthetics and the philosophy of art: the analytic tradition: an anthology. Oxford: Blackwell, 2003.
Texto originalmente publicado em: STRAWSON, Peter - Freedom and Resentment. Londres: Methuen,
1974, pp. 178-188.
228 O precursor do Parnasianismo, Theophile Gautier (1811-1872), opunha-se aos excessos liricos do
Romantismo, defendendo que a arte nao deveria ser util, tendo unicamente como fim a beleza. «I1 n'y a de
vraiment beau que ce qui ne peut servir a rien; tout ce qui est utile est laid, car c'est l'expression de quelque
besoin, et ceux de l'homme sont ignobles et degoutant, comme sa pauvre et infirme nature. - L'endroit le
plus utile d'une maison, ce sont les latrines. » cf. GAUTIER, Theophile - Mademoiselle de Maupin. Paris:
G. Charpentier et E. Fasquelle, 1895. p. 22. Esta formula aparece pela primeira vez em 1818, pela mao de
Victor Cousin (1792-1867), que, com um pensamento espiritualista, postula uma autonomia do belo, «I1 faut
de la religion pour la religion, de la morale pour la morale, de l'art pour l'art», cf. COUSIN, Victor - Du vrai,
du beau & du bien. Paris: Didier et Ce, Libraires-Editeurs, 1869. p. 224.
229 GUIRAUD, Pierre - A semiologia. 4 a ed. Lisboa: Editorial Presenca, 1993. p. 63.
128
mas por vezes incita a agir. Porem, o que promove essa accao nao e a obra em si (porque
escapa a qualquer finalidade), mas sim a sua recepcao. A finalidade da arte sera uma
garantia do receptor e nao da obra, porque esta contem a sua propria justificacao, sendo o
receptor que lhe determina as finalidades praticas das suas multiplas accoes. Sao exemplos,
as sensibilizacoes ecologicas promovidas pela arte, os fins didacticos e terapeuticos, os fins
sociais, etc. Talvez por isso se perceba porque nao pode existir um estado politico sem um
estado cultural. Portanto, a obra e um objecto que nao tern nenhum valor e nenhuma
funcao fora de si mesma, e nao tern outra justificacao para alem da sua propria existencia,
mas pode ter determinacoes praticas. Tal como nos diz Bernardo Pinto de Almeida, ela
«(...) nao serve para nada» 230 e ainda que possa cumprir outras funcoes ela «Nao se esgota
tambem ai, nao se define ai o seu territorio...» 231 . Para Nietzsche ela e «(...) o grande
estimulo da vida» 232 , ajudando no aperfeicoamento humano. Por essa razao, ele nao
considera que deva ser desprovida de finalidade e logicamente nega uma "arte pela arte",
porque a relacao da arte com a vida e inseparavel dos valores que aquela gera. O artista por
intermedio da arte e uma figura actuante e moralizante, nas suas palavras um "genio da
comunicacao" .
*
230 ALMEIDA, Bernardo Pinto - As imagens e as coisas. Porto: Campo das Letras, 2002. p. 61.
idem, ibidem
232 NIETZSCHE, Friedrich - Crepiisculo dos idolos. Lisboa: Edi^oes 70, D.L. 1985. (Textos filosoficos; 3).
p. 85.
233 idem, ibidem, p. 86.
129
CAPITULO
A arte como nao-comunica?ao: problematica geral
L 'art n 'est pas communication parce que celle-ci n 'est qu 'action
Bernard Stiegler
3.1 Uma dificuldade de comunicacao
O desenvolvimento do capitulo que se segue corresponde a primeira parte do titulo
da tese deste trabalho e pretende questional", mas acima de tudo defender uma posicao
contraria a comunicacao na arte. Este topico nao pretende desenvolver-se adentro da
hipotese da dificuldade de concretizacao de uma comunicacao na arte, porque o que e
dificil tambem e concretizavel. Nao e, pois, esse o sentido que se pretende dar a este ponto
do trabalho. Ele pretende, antes, considerar o substantivo dificuldade como um obstaculo
incontornavel; se quisermos, uma impossibilidade de comunicacao.
Parece que o lugar-comum, de encarar a arte como comunicacao, e a discussao em
torno disso, e devido fundamentalmente ao emprego indevido e imoderado, talvez pouco
reflectido, do termo comunicacao.
Para a existencia de uma comunicacao convencional serao necessarias entre outras
coisas, duas pessoas. Em qualquer processo artistico se verifica esta condicao. No entanto,
sera tambem imprescindivel a existencia de transmissao biunivoca "perfeita", para se
concluir um processo de comunicacao. Na perspectiva praxiologica, entende-se por
"perfeita" a ausencia de equivocidade, o verdadeiro colocar em comum. Parece
redundancia, mas a associacao da arte a comunicacao deve-se, em parte, ao facto da arte
ser realizada por humanos com destino a outros humanos. Ora, a comunicacao faz-se
130
inevitavelmente com a presenca de humanos, o que em certa medida aproxima
comunicacao e arte; mas, por outro lado, talvez seja uma convergencia semantica, ou um
conservadorismo inabalavel. Pouco importa. Senao, vejamos: desde quando comunicamos
com um televisor? Desde quando comunicamos com uma orquestra sinfonica? Desde
quando comunicamos com uma pintura, ou com o seu criador (ausente)? E juntamente com
Dirk Baecker podemos ainda questionar:
«Como se pode seriamente designar arte como comunicacao, quando ela trata da
formacao de coisas, do uso de materia e substantia, da experiencia com som,
imagem, cheiro e forma e sua dissipacao, de um interesse em forma e medium, e
sobretudo daquilo que escapa a comunicacao, daquilo que nos seus momentos mais
bem sucedidos so pode ser respondido com o silencio, pois e belo e elevado,
chocante e sublime, desconcertante e sereno? E qual observador pode ter a ideia de
afirmar que, em relacao a arte - como comunicacao - se trata de observacoes,
enquanto a arte justamente se destaca pelo interesse no inobservavel, no invisivel, no
nao registrado e naquilo que se esquiva?» 234 .
Mounin 235 fala-nos de uma nao-comunicacao no teatro, na medida em que, segundo
ele, os actores, que tomam o papel de emissores, e os espectadores, o de receptores, sao
sempre os mesmos a intervir no processo, em que cada um assume apenas a sua posicao,
quer de emissor, quer de receptor, nunca havendo troca de papeis. Por outro lado, a sua
ideia baseia-se tambem no codigo em causa. Para a existencia de comunicacao, os
espectadores deveriam partilhar do mesmo codigo, ou seja, segundo ele, os espectadores
deveriam relacionar-se e responder aos actores por meio de teatro, o que efectivamente nao
acontece. De facto, so ha comunicacao no verdadeiro sentido do termo quando ha simetria
e bidireccionalidade entre os individuos participantes, ainda que Coelho Netto 236 se oponha
a esta ideia, referindo que a indistincao entre palco e plateia no teatro contemporaneo leva
a que actores e espectadores trabalhem em conjunto e portanto deste modo passa a haver
uma troca de papeis entre o emissor e o receptor, existindo igualmente a utilizacao de um
mesmo codigo.
234 BAECKER, Dirk - O enderecamento da arte; trad. Monica Fichtner [Em linha]. [Consult. Set. 2008]. p.
3. Disponivel em
WWW: <URL:http://www. ufrgs.br/setordealemao/projetos_pesquisa/michael_korfmann/teoria_dos_sistemas
_o_enderecamento_da_arte.pdf>. Original publicado em BAECKER, Dirk - Die Adresse der Kunst. In:
FOHRMANN, Jurgen; MULLER, Harro (Hrsg.) - Systemtheorie der literatur. Munchen: Wilhelm Fink
Verlag, 1996. p.82-105.
235 cf. MOUNIN, Georges - Introduction a la semiologie. Paris: Editions de Minuit, 1970. (Le sens
commun). pp. 87-94.
236 COELHO NETTO, J. Teixeira - Semiotica, informacao, comunicacao: diagrama da teoria do
signo. Sao Paulo: Perspectiva, 1989. (Debates; 168). pp. 43-45.
131
Mas a representacao contemporanea que Coelho Netto propoe estara no ambito do
teatro ou, antes, do happening! O espectador pode efectivamente participar nas relacoes de
representacao da obra em causa, mas sera este um receptor que se transforma no emissor,
ou antes um elemento mediador do artista para interagir com o mundo? Podera o teatro e as
restantes artes, como sugere Pedro Barbosa 237 , transformar a "videncia" na "vivencia
estetica"? O codigo do artista nao e um simples codigo, ainda que utilize a linguagem
verbal ou gestual: esta, pelo contrario, repleto de significacoes. Podemos entao mesmo
assim, dizer que estarao ambos na posse de codigos comuns? Esta questao e de pouca
importancia para o Kunst in Kopf 38 , ou Arte Conceptual, que nao atribui a necessidade de
um codigo comum para as mensagens a transmitir, porque a sua existencia na mente do
criador e suficientemente valida, interessando apenas isso - que seja um conhecimento
unilateral.
Esta questao da simetria e do codigo, como e evidente, nao e profundamente
rigorosa, porque aquela nem sempre e atingida - basta que entre ambas as partes os
conhecimentos ou o status social sejam diferentes, para que tambem se produzam
resultados desiguais - apesar disto, ambas as partes podem ser equilibradas. Ainda que um
medico possuia uma linguagem especifica, isso nao limita a relacao que ele possa
estabelecer com o seu doente. A bidireccionalidade, por outro lado, sera uma exigencia
necessaria para se estabelecer um processo de comunicacao, o que de facto nao acontece
com as artes, onde «0 que predomina e a relacao unidireccional, em que o emissor tern a
iniciativa da mensagem, do codigo, do contexto e do contacto, assumindo assim um poder
praticamente absoluto (...)» 239 . Ainda segundo Adriano Duarte Rodrigues e por esta razao
que «(...) muitos autores propoem designar a Comunicacao Social como "informacao",
"mass media", "difusao". Alem da ambiguidade do termo "comunicacao", que exige
dialogo, o termo "social" e um pleonasmo, visto nao existir comunicacao que nao seja
socialmente determinada» 240 . Segundo Maurice Blanchot 241 nao existe retroacao, nem
sequer simetria no processo comunicativo. Para ele, a comunicacao transita algo de
estranho, qualquer coisa que nao tern relacao com nenhuma das partes intervenientes no
237 BARBOSA, Pedro - Arte, comunicacao & semiotka. Porto: UFP [Universidade Fernando Pessoa],
2002. p. 55. cf. ainda a este respeito do mesmo livro "Por um teatro vivencial", pp. 205-216.
238 Arte na cabega.
239 RODRIGUES, Adriano Duarte - A comunicacao social: nocao, historia, linguagem. Lisboa: Vega,
[199-?]. (Ciencias da Linguagem; 15). p. 23.
idem, ibidem
241 cf. BLANCHOT, Maurice - A conversa infinita. Sao Paulo: Editora Escuta, 2001.
132
processo e por isso nao tern qualidade de precisao. Ela nunca diz exactamente o que quer
dizer, mas flutua em torno dessa exactidao.
Um politico, ao proferir um discurso para milhoes de pessoas, nao comunica com
elas, na melhor das hipoteses, transmite-lhes uma mensagem. Tambem muito do ensino
actual assenta numa base informativa em vez de despoletar a comunicacao 242 junto dos
alunos, ainda que Vandevelde 243 nos diga que ensinar tern um sentido muito proximo de
comunicar. As teorias da comunicacao centradas na mensagem desviam-se
inevitavelmente, instaurando um esquema, onde um polo e activo (o emissor), enquanto
que o outro e passivo (o receptor), mesmo se eventualmente o segundo possa inverter a
situacao, o que nao e o caso da televisao e da pintura. Para que haja uma situacao
propriamente dita comunicativa sao necessarias duas instancias activas, caso contrario
estaremos perante uma outra situacao: informacao, difusao, propaganda, etc. Neste sentido
podemos afirmar que os unicos meios de comunicacao dignos desse nome sao o telefone, a
epistola (ainda que efectivamente sendo intermediaries) e eventualmente as ultimas
criacoes da telematica, como a Internet (que no fundo e um desenvolvimento do telefone).
Nao sao certamente estes meios, que por vezes invocamos quando queremos tratar de
comunicacao. O problema talvez resida no fiat lux do seculo XX que nao viu o progresso
da comunicacao, mas antes da difusao em quantidade. Isto nao significa que a troca do
progresso pela sua difusao esteja errado, nao ha aqui lugar para a discussao sobre este
assunto. No entanto, o que nao podera acontecer e a mistura das duas coisas, ou seja, da
informacao que nos chega de diversas formas (televisao, pintura, musica, etc.), com as
relacoes inter-individuais autenticas, sendo de denunciar portanto a perigosa confusao
entre emissao gratuita de uma mensagem e accao real de comunicar, porque senao
tenderemos a considerar qualquer situacao comunicativa em proveito do que Huisman
nomeia de "comunicacao pletorica" 244 (que de comunicacao so tern o nome). Atrevemo-
nos pois a afirmar, que qualquer obra de arte pode ser considerada como uma televisao,
mas ao contrario desta, a arte nao pretende convencer ninguem.
242 O desenvolvimento do estudo da comunicacao sobre os media e as suas repercussoes sobre os alunos
levou a criacao de uma nova area de saber: a comunicacao pedagogica.
243 cf. VANDEVELDE, Louis; EL ST, Vand - Peut-on preciser les objectifs en education?. 2 a ed. Paris:
Fernand Nathan, 1977. (Pedagogie-efficacite: pourquoi? Comment?).
244 «La communication plethorique debouche ainsi sur des phenomenes d'incommunication, sur des faits de
solipsisme qui posent a Phumanite actuelle de nouveaux problemes» cf. HUISMAN, Denis -
L'incommunication: essai sur quelques effets plethoriques abusifs ou pervers de la communication
actuelle. Paris: Librairie Philosophique J. Vrin, 1985. (Problemes & Controverses). Cap. I [La
communication plethorique], pp. 11-34.
133
Para Le Bot, a arte e hostil a "ideologia comunicacional" 245 , porque o seu "efeito"
poe termo a transmissao da mensagem. E a sua objectividade que vai encerrar qualquer
mensagem e no seu dizer, «l'art n'a jamais rien communique a personne. II est le contraire
de toute communication)) 246 . No terreno de Deleuze, a arte e um acto de resistencia 247 ,
porque desobedece, nao pretende transmitir nada e por isso ela nao e comunicacao: «Quel
est le rapport de Poeuvre d'art avec la communication? Aucun. Aucun, Pceuvre d'art n'est
pas un instrument de communication. L'oeuvre d'art n'a rien a faire avec la
communication.)) 248 . Ela desobedece sempre, porque ela nao corresponde nunca a sua
origem, sendo apenas a significacao do seu fruidor. Ela nao e palavra de ordem no sentido
de pretender impor algo, mas apresenta uma determinada informacao que e diluida pela
significacao do fruidor. Neste sentido, a obra de arte e uma contra-informacao, que se
efectiva logo que se torna acto de resistencia. Verifica-se entao que ha uma efectiva
confusao entre o termo comunicacao e informacao: a informacao transmite-se, mas a
comunicacao nao. Alias, de resto, como Beatriz de Medeiros nos diz, uma informacao
«(...) provoca uma reducao de incerteza acerca de um ambiente qualquer, ela e (pretende
ser) uma certeza e portanto nao requer compartilhar. Ela e "comunicacao" em sentido
unico.» 249 , ao passo que «A comunicacao e necessariamente uma via de, no minimo, duas
maos» .
A comunicacao e o "expoente" maximo da utilidade da informacao, que assenta
num processo de interaccao entre dois elementos considerados variaveis, por meio de um
outro elemento fundamental no processo. A comunicacao, sendo transmissao de
245 Para Marc Le Bot, a "ideologia comunicacional" e uma ideologia particular que faz referenda ao contexto
ideologico actual de comunicacao de esta ser apenas transmissao de mensagens, estando contida no conceito
de comunicacao que assenta numa relacao entre dois elementos, sejam eles pessoas ou coisas. cf. LE BOT,
Marc - L'art ne communique rien a personne. In COLOQUIO, 1, Sorbonne. "Art et communication".
Paris: Osiris, 1986. p. 141.
idem, ibidem
247 Exclui-se aqui, a outra forma de ver a arte como resistencia que baseada na formula de Andre Malraux, de
que e a linica coisa que resiste a morte, porque «L'art est la presence dans la vie de ce qui devrait appartenir a
la mort (...) le musee est le lieu du seul monde qui echappe a la mort». Cf. MALRAUX, Andre - La tete
d'obsidienne. Paris: Gallimard, 1974. pp. 174, 231.
248 Conferencia dada na fundacao Femis, Paris, a 17 de Maio de 1987. Conferencia integral em texto in
DELEUZE, Gilles - Qu'est-ce que Facte de creation?. [Em linha]. [S.l]: webdeleuze, 1987. [Consult. 2
Mar. 2005]. Disponivel em
WWW:<URL:http://www.webdeleuze.com/php/texte.php?cle=134&groupe=Conf%E9rences&langue=l>;
conferencia integral em video in http://www.dailymotion.com/video/xx6dr_gilles-deleuze-lacte-de-
creation_events [Consult. 3 Mar. 2005].
249 MEDEIROS, Maria Beatriz de - Performance em telepresenca [Em linha]. [S.l.]: Corpos Informaticos,
[200-?]. [Consult. 7 Abr. 2006].
Disponivel em WWW:<URL:http://www. corpos.org/papers/perfoteleport.html>.
250 idem, ibidem
134
informacao, pressupoe a existencia de um suporte chamado "canal", mas esse "canal"
somente faz sentido se for entendido numa ligacao espaciotemporal, onde entao sao
necessarios mais dois elementos, sendo eles o emissor e o receptor. Qualquer mensagem e
veiculada no sentido de emissor para receptor, sendo o processo inverso inteiramente
valido, mas, neste caso, o receptor transforma-se num emissor. Em Kant nao podemos
reduzir a comunicacao a linearidade convencional e o julgamento estetico e sempre uma
finalidade subjectiva sem fim, ou seja, uma finalidade desinteressada, sem nenhuma
relacao com a razao, mas sim com a imaginacao. Como se trata apenas da percepcao de um
objecto pelo fruidor ele (o objecto) e a sua propria finalidade, o que faz do julgamento
estetico um acto livre de contemplacao e nao de comunicacao.
Verificamos pois que, num processo de comunicacao, se constata sempre a triade
emissor-mensagem-receptor, o que corresponde no processo artistico ao fazedor-obra de
arte-fruidor. Evidentemente que podemos estabelecer uma relacao directa entre estas duas
triades; no entanto, julgamos encontrar alguma pertinencia num aspecto, pelo que convem
fazer uma ressalva. Em nosso entender, a mensagem, num sistema convencional de
comunicacao, (e.g. linguagem verbal), funciona efectivamente como mensagem tout-cour,
mas, no sistema artistico, a obra de arte nunca podera ser entendida como uma mensagem
no sentido de algo que se pretende dar a conhecer e a entender. Este e um assunto que
merece uma atencao mais cuidada, pelo que sera abordado mais adiante (p. 137, § 2).
Convencionalmente, as mensagens circulam atraves de um canal, ou medium 2 ^ 1 ,
que tanto pode ser o ouvido, como a visao, ou ainda, de forma artificial, atraves do cinema,
do livro, da moda, da radio, ou do telefone 252 , etc.
251 A semiologia anglo-saxonica designa por medium cada diferente meio de comunicacao.
252 A mensagem publicitaria em cartazes, prospectos e aniincios e uma das manifestacoes mais desenvolvidas
da "comunicacao" visual moderna. A associacao da linguagem escrita a recursos visuais como o desenho, a
fotografia, graficos e outros, tern possibilitado a criacao de velculos de extraordinaria forca "comunicativa".
Tambem os grandes meios de "comunicacao" de massas, constituem um instrumento de massificacao da
vontade do homem. Sao talvez, o veiculo mais eficaz de informacao, dando ao homem um poder decisorio
que ja se supunha perdido. Por exemplo, o fuzilamento de um vietcong pelo chefe de policia de Saigao,
filmado pela televisao no momento exacto da sua ocorrencia, contribuiu para a condenacao da guerra, na sua
tragica curta duracao de apresentacao, sem legendas, sem dialogo, sem narracao, apenas a imagem,
provavelmente muito mais do que muitas horas de accao de politicos e individualidades que condenavam a
invasao americana e que exigiam a retirada das forcas militares.
135
McLuhan 253 , dividindo os media em hot e cool, elabora uma relagao entre os
elementos informativos e a importancia que esses elementos tern na mensagem. Por outras
palavras, quanto mais rica for uma mensagem em elementos de informagao, maior sera a
possibilidade dessa mensagem se tornar mais evidente; por isso, mais "quente" sera a
mensagem. Uma mensagem sera mais ou menos "quente", consoante tiver mais ou menos
elementos de informagao, que por sua vez permitirao uma menor ou maior decifragao
dessa mensagem. Ainda que se considerem as artes hot, porque normalmente apelam ao
prolongamento de um reduzido numero de sentidos 254 , podemos dentro das suas diversas
categorias estabelecer degraus entre hot e cool para perceber como elas se diferenciam
quanto a informagao que contem. Deste modo a arte minimalista sera bem mais "quente"
(hot) do que o Naturalismo do seculo XIX, bem assim como a 9 a Sinfonia de Beethoven
(1770-1827) sera mais fria (cool) do que 4 '33" de John Cage. Existe aqui uma relagao que
convira referir: e que a quantidade de elementos de informagao sera inversamente
proporcional a decifragao dessa mesma mensagem. A uma maior quantidade de elementos
de informagao, sobretudo se estes pertencerem ao dominio de outros sentidos,
correspondera uma menor compreensao dessa informagao. Reparemos que a um maior
numero de elementos informativos correspondera tambem um maior numero de inter-
relates signicas 255 . Todos compreenderao o significado tout court de "silencio", e logo de
quatro minutos e trinta e tres segundos de "silencio", mas o mesmo nao se passara com a
famosa obra de Ludwig van Beethoven, repleta de elementos de informagao.
253 Sobre os conceitos de hot e cool cf. a entrevista de Gerald Stearn a Marshall McLuhan, in McLUHAN,
Herbert Marshall - Media research technology, art, communication. Amsterdao: OPA [Overseas
Publishers Association], cop. 1997. (Critical voices in art, theory and culture), pp. 45-78 e a obra do mesmo
autor: Os meios de comunicacao como extens5es do homem. Sao Paulo: Cultrix, 1995. pp. 38-50.
254 Convira expressar uma ressalva sobre este assunto. Como e evidente a arte e amplamente concebida, logo
diz respeito, nao so a excitacao de um linico orgao sensorial, mas tambem ao seu conjunto, no entanto,
quantos mais orgaos sensorials forem necessarios para apreender a obra, mais cool esta sera. So assim se
percebe a reducao da arte a poucos sentidos, para generalizar a coerencia da ideia.
Por outro lado podera parecer contraditorio caracterizarmos uma atitude artistica com poucos
elementos informacionais (Minimalismo) de hot, mas na perspectiva mclhuana e perfeitamente
compreensivel, porque por exemplo a radio (som), apesar de possuir menos informacao do que a televisao
(som, imagem, texto), e considerada de hot e isto porque a radio assim como o livro, sao amplamente claros,
difundindo um jogo continuo, no qual nao e necessario fazer qualquer triagem, de procurar, de escolher,
contrariamente a televisao considerada de cool, em que o receptor devera fornecer-lhe qualquer coisa para a
completar. A televisao, apesar dos avancos tecnologicos tem uma qualidade demasiado fraca, obrigando
constantemente o espectador a completar o que falta, Existe uma conjugacao de muitos meios, que nao sao
individualmente claros e consequentemente na sua conjugacao bem menos o sao. Normalmente os meios hot
sao aqueles que fazem apelo a apenas um sentido, como a radio que apenas solicita a audicao.
255 Sobre este assunto cf. infra, sec. 3.3 (Uma objectividade elementar para uma subjectivdade artistica), pp.
162-190.
136
Esta temperatura, segundo McLuhan, esta inteiramente ligada a "participacao" do
receptor, que devera interpretar a mensagem, e fornecer-lhe os elementos de informacao
que nao estao explicitos. Sendo assim, numa mensagem quente, o sentido e fornecido pelo
emissor, ao passo que, numa mensagem fria, o sentido sera dado pelo receptor da
mensagem. Tambem se compreende, entao, que esta alteridade entre quente e frio provoca
uma alteracao na forma como a obra de arte e apreendida. Na arte, a passagem de um
estado a outro induz necessariamente, como Attallah refere, uma transformacao das
subjectividades humanas: «(...) si Ton transforme les facultes et capacites humaines, on
transforme aussi et surtout les subjectivites humaines. On peut meme distinguer des grands
types de subjectivite humaine sur la base des transformations mediatiques, bref, des
subjectivites correspondant aux grandes modalites des medias froids et chauds» 256 .
Voltando a Beethoven, o sentido da sua 9 a Sinfonia {cool) e dado pelos fruidores, enquanto
que o sentido de 4 "33" e dado por John Cage, seu criador, independentemente das
multiplas significacoes que dai possam advir. O que interessa perceber e que o silencio de
John Cage e a constatacao de inausencia de silencio, portanto algo sintetico e com
particularidades muito reduzidas, ao passo que em Beethoven e simplesmente o contrario.
Concretamente, para que se promova uma mensagem num processo de
comunicacao, temos de compreender que, para alem de o emissor e o receptor serem
elementos fulcrais em todo o processo, ha ainda a considerar uma estrutura, sem a qual a
mensagem cai por terra. E essencial que a mensagem se "faca entender", ou por outras
palavras, que deva estar enquadrada num lexico que, por um lado, permita, ao emissor
poder articula-la de forma a poder transmiti-la; e, por outro, que o receptor esteja
contextualizado nesse mundo, para permitir uma facil perceptibilidade e compreensao da
mensagem. Se facilmente entendemos isto para a linguagem verbal, ja mais dificilmente
sera de aceitar para a "linguagem" pictorica ou escultorica, por exemplo. E precisamente
pela dificuldade em reunir estas condicoes que Schapiro no seu manifesto modernista nos
fala de uma arte da nao-comunicacao, referindo que o seu interesse reside precisamente na
sua incompreensao: «Yet it must be said that what makes painting and sculpture so
interesting in our times is their high degree of non-communication. You cannot extract a
message from painting by ordinary means; the usual rules of communication do not hold
256 ATTALLAH, Paul - Theories de la communication: histoire, contexte, pouvoir. Quebec: Tele-
Universite, 1997. (Communication et Societe). p. 285.
137
here, there is no clear code or fixed vocabulary, no certainty of effect in a given time of
257
transmission or exposure. » .
Podemos sintetizar o processo de comunicacao no esquema que se segue:
EMISSOR
CANAL
RECEPTOR
Fig. 21 | Esquema de comunicacao (abreviado)
A fase inicial do processo e o da emissao. O emissor elabora uma mensagem, sob a
forma de um codigo. Temos portanto uma fase de codificacao. Na obra de arte esta fase
existe, ou nao, dependendo da atitude do artista. So ele e responsavel pelas suas
pretensoes 258 . Tomemos o exemplo de Jackson Pollock (1912-1956). Facilmente
verificamos a grande complexidade da sua obra, pela original 259 simplicidade. Pollock
produzia remoinhos ritmicos de modo gestual, imprimindo as formas uma dimensao
pessoal e mais instintiva, apoiando-se mais plenamente no acaso e no acidente. Ele
pretendia que essas formas fossem experimentais e nao analisadas. Dai a sua constante
despreocupacao com a procura de uma linguagem que fornecesse um codigo. Quern via
nao devia procurar explicava Pollock, mas ver passivamente e tentar receber o que as
pinturas tern para oferecer. Qual a finalidade dos seus drippings? Era fundamental que a
actividade criativa e a pura energia fisica do artista se tornasse evidente. Ele pretendia
informar o observador sobre as accoes tanto do seu corpo como do seu espirito. Baseia-se
na rejeicao dos valores tradicionais das classes privilegiadas e promo ve-se de modo a
expressar-se livremente e de forma original. Se o artista nao pretender transmitir nada que
seja convencional, porque haveremos nos de tentar encontrar o que nao existe? Na verdade
a arte de Pollock e uma arte de emocao, mas poderemos nos convencionalmente expressar
257 SCHAPIRO, Meyer - The Liberating Quality of Avant-Garde Art. ARTnews. Nova Iorque: ARTnews. n°
4, (verao de 1957), pp. 36-42. Este artigo foi reeditado com o titulo "Recent Abstract Painting" em: idem,
Modern art: 19th and 20th Centuries - selected papers. Nova Iorque: Georges Braziller, 1978. Vol. II, pp.
217-219.
258 Sobre este assunto cf. infra, sec. 3.7.1 (Criador-Fazedor), pp. 242-245.
259 Pollock influenciou-se no "entornar e salpicar" de Max Ernst (1891-1976) por isso ele nao foi o linico
inventor, quer da tecnica de dripping, quer da arte em movimento {Action Painting), mas como outro
expressionista abstracto de primeiro piano, Willem de Kooning (1904-1997), disse, ele "quebrou o gelo".
138
sentimentos? E saberemos distinguir esses sentimentos de outras coisas diferentemente
padronizadas? 260
De modo diferente, Picasso sempre pretendeu incutir nas suas obras motivos que
nao lhe eram nada alheios. "Imprimiu" motivos e temas que lhe eram proximos com o
intuito de os poder revelar e partilhar com outros. No entanto a operacao de codificacao
pressupoe, desde logo, a traducao da mensagem numa linguagem particular, adaptada ao
canal, o que de certa forma nao e possivel. Com efeito, e pegando novamente em Picasso,
apesar de ele pretender assumir nos seus trabalhos uma determinada postura, que consistia
no transbordar de vivencias pessoais (e colectivas 261 ), apercebemo-nos com facilidade que
essas mesmas expressoes se confundem, ou tornam-se mesmo imperceptiveis a "olho mi",
isto e, sem qualquer previa abordagem analitica a sua obra. Nao ha pois um
reconhecimento de sinais, regras logicas ou convencoes que simultaneamente sao comuns
ao emissor e ao receptor.
A segunda fase trata da transferencia da mensagem para o receptor. Este ao receber
a informacao artistica pode, em virtude dos erros que lhe possam estar inerentes, ter
dificultada a sua plena fruicao: o codigo, por falta de especificidade favorece uma leitura
defeituosa. Esta tambem pode ser favorecida em virtude de intermediaries fisicos ou
humanos que, interpondo-se entre a obra de arte e o receptor, fecham-na a ponto de nao
permitir a sua total visualizacao. E o caso de uma deficiente montagem expositiva, quer em
termos de espaco, quer de iluminacao 262 . Sem diivida que a maior "perturbacao", se assim
a podemos designar e o proprio receptor, na medida em que e ele o avaliador da obra de
arte e por conseguinte e ele que vai determinar o seu "sucesso" ou "insucesso" (em termos
de transmissao de informacao, evidentemente). Essa perturbacao, encarada aqui como o
receptor, desmultiplica-se em outras mais, pois o humano e uma polivalencia de estruturas.
As interaccoes artisticas, ao nivel da confrontacao obra-fruidor estao sujeitas a influencia
de um conjunto de variaveis de caracter manifesto ou latente, que lhes determinam, ou pelo
menos influenciam, a conducao do processo a que poderiamos chamar de "comunicacao".
Varios sao os factores que influenciam determinantemente a fruicao da obra de
arte, complicando a sua fruicao e conduzindo a sua nao-compreensao. Efectivamente, ha
260 Sobre os sentimentos cf. mais adiante sec. 3.6 (Sentimento - Estado afectivo incomunicavel), pp. 237-
242.
26i p^ "Q uern i ca " (1937) e exemplo de uma vivencia colectiva, expressa de forma individual.
262 Vejam-se os desastrosos efeitos na holografia provocados por uma deficiente iluminacao.
139
determinadas variaveis que possibilitam o hermetismo da obra de arte, comprometendo o
processo de transmissao de informacao, que o mesmo sera dizer, dos elementos que
compoem a obra de arte. Algumas dessas variaveis: o tempo, o espaco, o meio fisico
envolvente, o clima relacional entre a obra de arte e o fruidor, os factores historicos da vida
pessoal e social de cada individuo em presenca, as expectativas e os sistemas de
conhecimento que moldam a estrutura cognitiva de cada individuo e determinam o jogo
relacional que esta presente no processo artistico.
Referente ao humano temos a distinguir alguns factores:
- Factores pessoais: o individuo fruidor tern uma carga vivencial que vai moldar o modo
de enfrentar a realidade que o rodeia. A sua visao do mundo e regida por principios e
valores adquiridos no seu passado, e dai se reflecte a sua forma de pensar, de agir e de
sentir. A interpretacao da realidade pelo fruidor esta portanto dependente do nivel de
conhecimento adquirido sobre essa mesma realidade, que sera sempre o visivel, o
claramente identificavel.
- Factores sociais: podem surgir decalages resultantes das diferencas culturais, o que
origina uma incompreensao do apresentado. A obra de arte tern de estar contextualizada
nos padroes culturais da sociedade que a consome, sob pena de originar nos seus
receptores, uma inescrutavel capacidade de entendimento da obra. Evidentemente que este
factor so e determinante numa situacao extrema, onde sao apresentadas grandes diferencas
culturais, ao nivel dos costumes, tradicoes, crencas, dogmas religiosos, etc. Por exemplo, a
arte dos povos primitivos, nomeadamente da Africa Tropical e da Oceania, e baseada em
principios esteticos, totalmente diferentes dos das civilizacoes do mundo ocidental. Para se
poder compreender plenamente este tipo de arte, devemos primeiro estuda-los no seu
contexto cultural e so depois compara-los com outras formas de arte.
- Factores fisiologicos: este factor esta intimamente ligado as dificuldades de apreensao da
obra devido a problemas de ordem fisiologica. Quer isto dizer, que problemas de cariz
fisico ou intelectual poderao causar dificuldades no momento da fruicao. Compreendemos
facilmente que um daltonico, nao distinguindo a totalidade das cores numa determinada
obra, nao a pode compreender na sua totalidade; ou ainda que qualquer humano, na
ausencia da sua capacidade auditiva tera enormes dificuldades em se inteirar de uma
instalacao com producao sonora.
140
- Factores de personalidade: numa obra de arte, seja ela de que dominio for, ha dois
aspectos a serem considerados: a sua objectividade e a sua subjectividade 263 . A
subjectividade e aquilo que se faz da objectividade e as duas nao se poderao aglutinar, pois
dizem respeito a campos totalmente dispares. O sujeito fruidor, nao pode omitir a
objectividade da obra e valorar apenas a sua subjectividade (a sua significacao), porque
esta esta inteiramente dependente da objectividade. A realidade factual e a sua significacao
convem lembrar, so servem um unico sujeito. Dai a enorme singularidade da obra de arte,
sendo que esse sujeito nao podera tomar como definitiva a compreensao da mesma,
porquanto ela e passivel de muitas significacoes. Mas, para alem das referidas
significacoes, a objectualidade, em nosso entender, e o mais relevante na obra de arte, pois
sem ela nao haveria obra e e ela que constitui os factos da mesma, sendo a partir dai que se
institui qualquer teoria ou critica. Nao se faz teoria ou critica das significacoes de uma
obra, mas sim da propria obra 264 .
Estes factores sao decisivos na elaboracao de significacoes; a obra de arte depende
deles.
«(...) o proprio receptor podera modificar a mensagem. Esta ultima alteracao pode
ser feita ao nivel do agarrar a mensagem em fase fisica e abstracta (introducao de
ruidos no sentido da teoria da informacao). Tera tambem todas as hipoteses de
acontecer na fase psicologica do receptor pois nao e muito provavel que este tenha
uma representacao da obra totalmente identica a do emissor. Se, rigorosamente, a
estrutura interna da obra (representacao) pode ser identica nas suas extremidades do
circuito de comunicacao artistica, a sua estrutura externa, ou seja, o conjunto das
associates as quais ela da lugar sera inevitavelmente diferente para o emissor e para
o receptor. Com efeito, esta estrutura poe em jogo o conjunto das representacoes, que
o mesmo e dizer de todo o sistema psicologico de um e outro, sem saber que ai se
encontravam dois sistemas psicologicos identicos» 265 .
E portanto a individualidade que vai definir a obra de arte, tendo presentes todas as
resultantes de um processo vivencial, que deriva, como vimos, do social, da pessoalidade,
personalidade e fisiologia.
Bruno Lussato refere ainda um outro aspecto a ter em conta - a ausencia do
receptor:
«Sabemos que um receptor, no sentido da teoria da informacao, so existe na
condicao de existir tambem receptividade efectiva que e, ela mesma, medida por uma
263 Sobre este assunto cf. infra, sec. 3.3 (Uma objectividade elementar para uma subjectividade artistica), pp.
162-190.
264 Apesar da propria critica e teoria serem do dominio das significacoes atribuidas. Sobre este assunto cf.
infra, sec. 3.5.2 (A critica mediadora de conceitos - Uma hermeneutica inabracavel), pp. 221-229.
265 LUSSATO, Bruno - Informacao, comunicacao e sistemas. Lisboa: Dinalivro, 1991. p. 206.
141
redundancia entre a mensagem emitida e a mensagem recebida. Nao e preciso dizer
que se a mensagem emitida for completamente diferente da mensagem recebida, nao
houve recepcao (coerente) e, por definicao, o receptor da obra esta ausente. Ora, em
nenhum outro campo a nao ser no artistico, esta recepcao e tao ambigua e variavel de
um receptor para outro. Basta, para isso nos persuadirmos, assistir as discussoes dos
peritos sobre a atribuicao de um quadro, a significacao de tal indicacao
imperfeitamente anotada numa partitura ou sobre a autenticidade de uma
interpretacao. O mal-entendido na comunicacao artistica e frequente mas, sera que de
alguma forma ele a compromete a nivel do receptor? Sim e nao ao mesmo tempo.
Sim, porque o receptor nao podera nunca perceber a mensagem artistica tal como ela
foi concebida pelo artista; num dos sentidos o circuito foi interrompido. Nao, porque
a obra de arte surgiu de uma percepcao coerente. Esta coerencia pode jogar a varios
niveis como, segundo Carl Gustav Jung, o simbolico. Por outras palavras diremos
que uma obra de arte e um "molde" com propositos esteticos, alguns dos quais
especificados pelo artista, mas que este molde poderia admitir outros propositos ou
interpretacoes em funcao do referencial especifico do receptor. Existe
necessariamente no momento da codificacao uma perca de informacao, a criacao de
"vazios" na trama da obra, que o receptor devera preencher em funcao da sua propria
informacao psicologica. E assim que encontramos o problema das falsas (re)criacoes
que nao sao exactamente traicoes mas formas parciais ou deformadas de perceber a
obra» 266 .
A ausencia do receptor enunciada por Lussato verifica-se com frequencia e pode ser
entendida como se existisse numa mesma obra uma mensagem para o criador e outra para
o fruidor. No entanto, nao parece que haja a presenca de duas mensagens, mas sim de uma
unica; a mensagem em si e sempre coerente, porque existe e existe num determinado
universo; toda a plasticidade, toda a composicao, textura, referencias cromaticas, etc.
tambem fazem parte integrante da mensagem. A obra de arte carece, destes elementos para
se constituir obra. A mensagem independentemente de ser ou nao entendida sera sempre
aquela que o criador pretendeu veicular, simplesmente aos olhos do fruidor ela adquire um
novo sentido. Assim existe na obra de arte, uma duplicidade que e a significacao (dupla):
uma para o receptor e outra para o emissor e ainda outras para a multiplicidade de
receptores. Essa enorme diversidade de valoracoes tornam a obra de arte objecto de grande
ambiguidade, o que de certa maneira e enriquecedor para ela, isto se nao pretendermos
atribuir a obra uma finalidade comunicativa.
O artista, se concebe, concebe a seu modo, e o receptor, se recria, recria a seu jeito,
e como nos diz Bruno Lussato, nesta dualidade, o receptor nao pode perceber a mensagem
"emitida" pelo emissor. Apoiando-se em Carl Jung, ainda refere que a mensagem nao pode
ser comprometida, por virtude de uma percepcao coerente. Isto e dificil de entender, na
medida em que a percepcao pressupoe uma afectacao de realidades mentais, por apreensao
idem, ibidem, pp. 213-215.
142
directa de uma situacao objectiva (fenomenologia artistica) e logicamente nao parece
plausivel ver uma comunicacao na arte defendida pela percepcao que se tem dela.
A objectividade numa obra de arte existe sempre, sobretudo se considerarmos a sua
globalidade, ou seja, o seu efeito. A obra de arte e pois o efeito, sendo indiferentemente
considerado, como o resultado ou consequencia das componentes ou das causas 267 . Fazer
uma associacao dessa objectividade elementar a uma objectividade simbolica tambem e
possivel, na medida em que tambem o simbolismo e clarividente, mas somente na sua
evidencia, pois o simbolismo impoe, desde logo, uma determinada coerencia de ambas as
partes, de um emissor que o cria e de um receptor que o recria. O simbolo necessita de uma
consensualidade colectiva, para funcionar plenamente como tal, necessita portanto de
ulteriormente transmitir uma uniformizacao da realidade no seu todo, porque o simbolo
esta em lugar de outra realidade, necessita de atingir de forma padronizada todos os
receptores da mensagem, para que estes individualmente, e depois colectivamente, possam
receber a mensagem de forma livre e coerente.
Mas, o simbolico nao podera justificar a comunicacao de uma determinada
mensagem, ate porque no processo de codificacao, como refere Bruno Lussato, ha uma
perda de informacao e a criacao de "vazios". Essas incongruencias reflectidas na obra vao
ser complementadas positivamente pela valoracao e significacao do seu fruidor.
A Arte Pop, que segundo Andy Warhol (1928-1987) era composta por imagens
reconheciveis por todos numa fraccao de segundos, evidencia essa necessidade de
promover a mensagem, de forma a poder ser veiculada sem obstaculos e sem inferencias
negativas a sua compreensao. Nesta perspectiva poderiamos quase concluir que este
movimento se prestaria a desenvolver inequivocamente uma forma de comunicacao. No
267 O objecto artistico resulta habitualmente de dois grupos de causas, sobretudo se suporte e material nao sao
a mesma coisa (a feitura de um boneco de barro, pode pressupor um linico tipo de causas). Tal como os
componentes sao divisiveis em explicitos e implicitos, tambem as causas sao divisiveis em explicitas e
implicitas. Consideramos pois como explicito, segundo as causas teleologicas ou aristotelicas, a causa
formal e causa material. Em rigor, as causas, todas as causas - porque causas - sao por conceito implicitas
(em oposicao ao efeito). No entanto ha causas que se estampam no efeito, no explicito, no observavel, no
mundo sensorial e causas so apreensiveis inteligivelmente. Ou seja ha causas que os sentidos "vem", e causas
so apreensiveis, melhor compreensiveis pela inteligibilidade. Por outras palavras, ha causas que se registam
em "letra" e causas que se "registam" em espirito. A analise de qualquer imagem, ou de qualquer obra e a
descoberta, o mais clarificada possivel das respectivas causas. Quando e o homem - o sujeito - que esta em
analise sao fundamentals as causas motora e final [causa motora = emissor (mais receptor); causa final =
receptor (receptor ultimo)]. Quando e a imagem em analise e em sintese a causa formal que nos deve ocupar,
do sentido restrito ao sentido lato (claro que se pode e deve investigar as proprias causas da forma, encarada
como causa formal).
143
entanto, ha um desvio informativo da forma original, criando consequentemente recriacoes
muito pessoais no receptor a partir de uma fonte que nao e mais uma realidade objectiva,
mas sim uma realidade-outra em que, em jeito de renovacao, o artista pretendeu imprimir
diferenciacoes.
O Minimalismo pode ter apenas uma significacao interna, mas tera com certeza
muitas externas. Menos sera mais. Este e o oposto da Arte Pop, no sentido da negacao do
"lirismo dos objectos" que era uma finalidade do artista Pop. Dificilmente se podera
encontrar um contexto numa obra minimalista, porquanto a reducao e demasiadamente
forte, mas na obra "vive" uma informacao, que nao sera apenas relativa a sua plasticidade,
a sua formacao fisica, mas tambem uma informacao ideologica. Esta sim tera grande
dificuldade em se evidenciar. Com efeito, compreendemos que "Equivalent VIII" (fig. 22),
de Carl Andre (1935- ), nos reporta numa primeira instancia para a sua evidencia, ou seja,
os tijolos em composicao ordenada; mas desconhecemos a sua origem, no que toca a
inspiracao, idealizacao, concepcao, etc., nao se visualizando qualquer referenda a pratica
da canoagem a que o artista vai "beber", nem tao-pouco a sua necessidade premente da
alteracao do espaco do espectador.
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Fig. 22 | Carl Andre, Equivalent VIII, 1966.
Nao consideramos que exista uma razao directamente proporcional entre a
complexidade da obra de arte e a sua mensagem, por assim dizer, ou seja, a reducao da
obra a uma representacao minimalista, nao corresponde uma reducao da respectiva
144
mensagem. A mensagem pode ser igual em plasticidades mais ou menos complexas. Se a
obra existe, seja ela mais ou menos complexa em termos de execucao, tambem a
mensagem existira de igual forma, intrinsecamente a obra. Pelo contrario, a reducao da
obra apenas pode complexificar a eventual possibilidade de transmissao de mensagem,
porque a sua reducao vai eliminando aspectos na denotacao do fruidor e que, por isso
mesmo, suscitam duvidas, deixando-o, num mundo repleto de objectividade, mas
desprovido de sentido (objectivo).
Podemos referir que, se a reducao formal da obra a complexifica, entao vai de
encontro a uma incomunicacao, porque nao estao presente elementos "mais verdadeiros"
do que aqueles que aparentem se-lo e que possam indiciar uma realidade. Podemos, se
calhar neste sentido, falar, tal como Adorno 268 , de uma comunicacao da incomunicacao.
Uma casa representada estara certamente em lugar de uma casa real, ja um tijolo
(parcialidade da casa) podera estar muito longe dessa realidade. O tijolo pode ser a
"comunicacao" (informacao) de um elemento basico e constituinte da casa, mas
efectivamente nao "comunica" (informa) que se trata efectivamente de uma casa. Jean-Paul
Doguet 269 advoga uma comunicacao na arte, defendendo que existe sempre comunicacao
quando a obra provoca no fruidor uma experiencia que produzira seguramente um
determinado efeito. A sua teoria centra-se fundamentalmente na interaccao que se
estabelece entre o fruidor e a obra e explica-se pelas vivencias dos fruidores. No entanto,
quando se trata de obras mais informais fala-nos tambem de uma "comunicacao do
incomunicavel", porque o fruidor deixa de receber indicacoes que remetam para a
realidade.
270
Segundo Paulo Serra, a incomunicacao e a regra geral da comunicacao , isto
.271
porque a luz freudiana a comunicacao, assenta em "falhas", "deslocamentos" e
"traicoes", tanto por parte do emissor, como por parte do receptor da mensagem. Aplicada
na arte seria descuidado direccionar esta ideia tambem para o criador, na medida em que,
ela apenas seria dirigida ao fruidor, ou talvez ainda a propria obra, que de resto (ja nao a
268 cf. ADORNO, Theodor - Teoria estetica. Lisboa: Edicoes 70, 1970. (Arte & Comunicacao; 14). p. 16.
269 DOGUET, Jean-Paul - L'art comme communication - Pour une re-definition de Part. Paris: Armand
Colin, 2007. p. 201.
270 SERRA, Paulo - Comunicacao e transparencia - A comunicacao indirecta. In CONGRESSO DAS
CIENCIAS DA COMUNICACAO, 4, Aveiro. "Repensar os Media: novos contextos da Comunicacao e da
Informacao", [Actas em CD-ROM]. Aveiro: SOPCOM [Associacao Portuguesa de Ciencias da
Comunicacao], 2005. ISBN 972-789-163-2. pp. 2035, 2036.
271 cf. FREUD, Sigmund - Psychopathologie de la vie quotidienne, application de la psychanalyse a
l'interpretation des actes de la vie quotidienne. Paris: Payot, 1975..
145
luz freudiana), assumindo o papel de uma mentira (nao-verdade) sera uma permanente
falha. O criador, na elaboracao da obra nao induz falhas, mas sim outras realidades; logo, a
sua criacao sera sempre entendida como principio fundamental e iniciador do processo
artistico, do qual esta dependente toda a esfera artistica. Deste modo, o criador apenas
falhara se a obra nao for concretizada, ou seja, se ela nao for colocada a disposicao do
fruidor no seu estado pleno de obra de arte, quer isto dizer, num estado de concluido
atribuido pelo criador, com a efectivacao da totalidade das suas causas. Mas se em causa
esta a discussao da obra de arte, enquanto ser ou nao mediadora num processo de
comunicacao, que sentido fara toma-la como inexistente? Poderemos falar de algo que nao
existe? Neste sentido nao e admissivel qualquer falha por parte do criador, devido pura e
simplesmente a impossibilidade de falhas, ou pelo menos esta nao e consideravel, visto que
ele elabora a sua obra nao segundo criterios de comunicacao, mas sim e apenas, seguindo
um percurso de recriacao da realidade, tendo em vista o processo informativo da sua obra.
Nao podemos aqui esquecer que a arte e a unica forma recriadora da realidade, uma
vez que cria novas realidades segundo uma realidade pre-existencial, muito ao contrario da
ciencia que nao recria (leis), visto que a sua realidade ja se encontra na natureza. Ainda que
de forma oculta, o cientista, nas suas funcoes, so tern de a revelar. Deste modo, nao sera
dificil entendermos que a ciencia nao cabera qualquer tipo de subjectividade, na medida
em que assenta numa linguagem fixa e consequentemente comportara signos univocos,
contendo apenas um significado, nao sendo pois encarados como significacao; pelo
contrario, a arte, assentando na subjectividade de opinioes como resultado da variabilidade
de significacoes, implica a luz kierkegaardiana uma "dupla reflexao" 272 : «(...) on a toujour
exige que l'on pense a celui qui recoit la communication et qu'en raison de sa
comprehension eventuelle on fasse attention a la forme de la communication)) 273 .
Reciprocamente, o reconhecimento da subjectividade faz com que a comunicacao se torne
uma obra de arte: «Partout ou Ton reconnait que le subjectif est important, dans la
connaissance que 1' appropriation est par consequent la chose principale, la communication
devient une oeuvre d'art» 274 .
O artista realiza o seu trabalho disponibilizando ao espectador a sua obra, deste
modo desprende-se dela e deixa ao criterio dos fruidores a sua avaliacao. Ao fruidor
272 cf. KIERKEGAARD, Soren - Post-scriptum aux miettes philosophiques. Paris: Gallimard, 1989. p. 48.
2n idem, ibidem, pp. 49, 50.
274 idem, ibidem, p. 51.
146
compete a especulacao, circuntancia que podera fazer surgir muitas falhas, sobretudo
devido a incompreensao. Para aniquilar estas "traicoes" (falhas), seria preciso que, na
interaccao entre o criador e o fruidor, houvesse lugar a um mecanismo, que Maria Joao
Centeno 275 apelida de "autocorreccao". Afinal de contas, o que se pretende e tornar eficaz a
transmissao da "mensagem". Uma "autocorreccao" num processo artistico e dificil de
compreender. Consideremos pois o sujeito ou fazedor da obra de arte e entremos na
simbiose que se estabelece entre o emissor/criador e o receptor/fruidor. O fazedor remete
para um determinado suporte, uma profusao de elementos que, na sua funcao definem a
obra de arte, independentemente de qualquer carga ideologica, pois neste momento nao e
disso que tratamos, mas sim do mais puramente visivel. Certo sera que o fruidor, perante
tal evidencia artistica, denotara significacoes em funcao da sua riqueza vivencial. Neste
processo, que se estabelece de uma forma silenciosa, dificilmente o criador podera
proceder a uma "autocorreccao", visto este desconhecer o seu fruidor, o sen feedback e
consequentemente as suas opinioes. Por isso, muito dificilmente o criador podera julgar o
seu modo de interaccao e tomar qualquer atitude correctiva no sentido de um
melhoramento comunicativo, ficando este na ignorancia da accao expressiva do seu
"parceiro". Portanto, a "percepcao da percepcao" 276 nao existe, porquanto isso pressupoe a
partida um face a face e logo, um entendimento generalizado no processo, que e
inviabilizado por uma das partes que constitui a organica do processo de comunicacao.
Mesmo havendo o habito de confrontacao com a obra de arte, nao temos presente
em nos fruidores, uma atitude que inclua uma cinesica ou uma paralinguagem, desde logo
porque nao se trata de uma linguagem verbal, mas sim plastica, onde nao e possivel a
incorporacao destes auxiliares de comunicacao, ate porque, antes de qualquer processo
fruitivo, devemos entender a arte como um processo de contemplacao 277 , onde surge o
contexto da obra. Mesmo numa criacao que envolve a linguagem, como a performance por
exemplo, a cinesica ou a paralinguagem que lhe podera estar adjacente estara totalmente
codificada e, embora semelhante a linguagem convencional pertencera a um universo
restrito, propriedade do seu criador. Na obra de arte, o contexto sera sempre criado pelo
275 CENTENO, Maria Joao - O conceito de interaccao na obra de Gregory Bateson. In CONGRESSO
DAS CIENCIAS DA COMUNICACAO, 1, Lisboa. "As ciencias da comunicacao na viragem do seculo".
Lisboa: Vega [etc.], 2002. (Comunicacao & Linguagens), p. 1108.
idem, ibidem
277 Semelhante processo se podera encontrar na comunicacao verbal, onde, antes de qualquer accao de
resposta a uma qualquer transmissao, o receptor se situa numa posicao de pura "contemplacao", procedendo
em seguida e de imediato a sua posicao de emissor.
147
fruidor, pelo que os elementos que compoem a obra de arte serao influenciadores desse
mesmo contexto. Existira sempre um contexto, mesmo que ele seja a sua ausencia 278 .
Nesta linha de orientacao, a ausencia de "autocorreccao" remete a arte para um
processo de "insucesso", obviamente se tivermos em conta o seu objectivo inicial, de
veicular uma informacao e de esperanca da recepcao de um parecer formado, igual a
informacao transmitida. Posto isto, facil sera verificar que nao se desvenda uma retroaccao,
nem um consenso: afinal de contas, a obra de arte e o objecto em causa, ela e a
"mensagem" que deveria veicular. Os territorios da individualidade tornam o processo
demasiado hermetico e inviabilizam qualquer forma de "negociacao" entre ambas as partes
- criador e fruidor.
No entanto, tambem na arte, ha uma alternancia de papeis. Por um lado, o criador e
criador de formas e simultaneamente fruidor do seu proprio trabalho. Ele e desde logo o
seu primeiro critico quando recria a sua propria criacao, que nao e nada mais nada menos,
do que uma recriacao da recriacao, entenda-se original recriacao. Por outro lado, o fruidor,
como fruidor que e, tambem recria a seu modo, nao se limitando a mera contemplacao,
jogando plurivocamente todas as suas vivencias e aplicando-as num jogo quase ciclico,
ficando obstruido apenas pelo nao retorno da sua mensagem ao criador. Ele nao penetra
portanto inteiramente no processo convencional de comunicacao, onde ocuparia tambem o
lugar de criador/emissor. Esta ideia e facilmente entendivel no happening, em que o
performer cria uma determinada situacao e o espectador cria (recria) a sua
complementaridade. Neste aspecto faz algum sentido a nocao de "autocorreccao" e
"percepcao da percepcao", porque existe uma relacao muito proxima entre "quern faz" e
"quern deixa fazer". Estabelece-se uma grande proximidade e a distancia que une artista e
publico e diminuta e ambos se poderao "auto-corrigir". O artista orienta o publico e
verifica in loco, o resultado da sua orientacao. Apercebe-se se deve continuar e tern a clara
nocao de quando deve parar.
Exemplo disto e o happening "Ritmo 0" (figs. 23, 24), de Marina Abramovic
(1946- ), que consistia em ficar parada ao lado de uma mesa, na qual estavam alguns
278 A este respeito, veja-se a titulo de exemplo, a atitude do iconoclasta vanguardista Yves Klein, aquando da
sua exposicao (1958) das paredes nuas de uma galeria de Paris, onde rejeitava toda e qualquer convencao
pictorica; ou ainda o caso da galeria fechada de Robert Barry (1936- ), intitulada "Gallery closing", na galeria
Art & Project, Amsterdao de 17 a 31 de Dezembro 1969: «A Minha exposicao na galeria Art & Project em
Amsterdam, em Dezembro de 1969 vai durar duas semanas. Pedi-lhes para trancar a porta e colocar o meu
aviso nela, onde se le: "Para a exposicao a galeria estara fechada"» (traducao livre). In boletim n° 17 da
galeria Art & Project, cit. por MEYER, Ursula - Conceptual art. Nova Iorque: Dutton, 1972. p. 41.
148
objectos de prazer e dor, como um machado, uma arma, tinta, azeite, mel, perfume, num
total de 72. A sua funcao era ficar imovel durante seis horas junto aos espectadores que
tinham total liberdade para utilizar os objectos no seu corpo, seguindo, no entanto, uma
orientacao da artista atraves de um cartaz que informava: "ha 72 objectos sobre a mesa que
podem ser usados em mim conforme desejado. Eu sou o objecto". O seu corpo tinha
adquirido o estatuto de objecto e, como seria de esperar, o seu cabelo foi cortado, a sua
roupa tambem, houve quern tambem lhe cortasse a cara, etc. A sua intervencao so parou
por ter chegado a limites demasiado perigosos para a sua integridade fisica, quando um
"torturador", pegou na pistola carregada e lha apontou.
Figs. 23, 24 | Marina Abramovic, Ritmo 0, 1974.
Nesta situacao ha claramente uma decisao do publico que participa activamente no
seu corpo e ousa nao ter limites para as suas accoes. No entanto, as suas proprias decisoes
sao controladas pela percepcao que a artista tern das intervencoes do publico. Sentimentos
de dor, indiferenca, etc. nao sao ignorados; muito pelo contrario, complementam a
continuidade da intervencao. Do mesmo modo, a artista decide se deseja continuar o seu
papel ou se opta por termina-lo, o que de facto aconteceu numa situacao extrema, que
indiciava ficar fora do seu controlo. Neste caso evidencia-se um tipo de "auto-correccao",
porque tanto artista como publico age numa funcao mutua. O artista quase que atinge a
possibilidade de ser publico, criando uma ciclicidade comunicacional e perfeita, porque
«(...) o verdadeiro designio da comunicacao e dar ao outro a possibilidade de ser ele
proprio» 279 , ou seja, tornar aberto o sistema de comunicacao, de modo a libertar
individualmente cada individuo seria fazer com que um "ele" fosse um "outro", um tipo de
1 SERRA, Paulo, op. cit., p. 2040.
149
comunicacao individual e interior ao proprio, em que cada um pensa por si e age pelo
outro. So deste modo se pode compreender o sentido de por em comum, onde a
intercompreensao 280 deve servir a comunicacao extrapolando desse modo a simples
compreensao. Mas lamentavelmente, este sistema de comunicacao, como refere Paulo
Serra, nao pode cumprir tal desejo. Efectivamente, esta aglutinacao e utopica. Parret, para
ultrapassar o problema que nega uma comunicacao na arte em virtude de serem campos
diametralmente opostos 281 , advoga uma comunicacao estetica, onde introduz o conceito de
«(...) communalite affective ou absolument rien n'est communique^ 282 . Nao se trata de
uma forma dicotomica de pensar o assunto, porque para ele as praticas comunicativas nao
se desvinculam de uma dimensao estetica. Os inevitaveis desacordos produzidos na relacao
entre o criador e o fruidor e entre este e a obra de arte adquirem, para ele a dimensao de
uma comunicacao. E pois uma outra forma de entender a comunicacao, sem que no entanto
nada seja comunicado. Ela sobrevive precisamente apoiada no desentendimento e na
comunhao dos sentidos por meio dos afectos. As varias subjectividades face a obra e os
imprevistos que dai possam advir fazem-se sem referencias a verdades absolutas, abrindo
caminho a perda do senso comum.
Intersubjecfividade
I
Subjectividade entre Receptores
I
E perder o Senso Comum
280 LOPES, Conceicao - Comunicacao humana. Contributos para a busca dos sentidos do Humano.
Projecto direitos humanos em accao. Aveiro: Universidade de Aveiro, 2004. Vol. I, p. 9.
281 A comunicacao vive da interaccao e a arte e unilateral e nunca biunivoca.
282 PARRET, Herman - L'esthetique de la communication: l'au-dela de la pragmatique. Bruxelas: Ousia,
1999. (Ousia; 37). p. 18. De igual modo, o termo comunicabilidade e alterado para o termo "sensus
communis". Parret retoma de Kant [cf. KANT, Emmanuel - Critique de la faculte de juger. 3 a ed.
Paris: Librairie Philosophique J. Vrin, 1974. (Bibliotheque des Textes Philosophiques). pp. 126-129.] o termo
"sensus communis", que significa grosso modo, uma sensibilidade comum a todos, ou uma sentimentalidade
que se comunica. cf. tambem do mesmo livro de Parret, o capitulo 7, "Communiquer par aisthesis", pp. 196-
225.
150
3.2 Alguns exemplos para uma generalizada (in)convencionalidade
Outro aspecto que poderemos colocar em paralelo com a arte e o das
convencionalidades em relacao. Sendo correcto que uma determinada cultura comunica em
funcao de um determinado codigo, tambem nao menos correcto e pensarmos que a obra de
arte nao carrega convencoes que se estabelecem como codigos para uma compreensao a
priori. Um codigo pressupoe uma aceitacao logica dos elementos que o compoem, num
determinado universo (limitado ou nao) e o artista ultrapassa qualquer codigo que possa
existir, criando ele proprio a sua "linguagem" plastica, que assenta no seu codigo
particular, por forma a uma recriacao multivariada da realidade. Assim, como podemos
questionar o que nos leva a fazer a correspondencia entre o grafema "a" e o som que o
descreve 283 , tambem podemos tentar estabelecer correspondencias entre os signos
representados (ou apresentados) nas obras de arte e o que eles realmente possam significar.
Num determinado instante um quadrado podera significar uma casa e noutro momento,
esse mesmo quadrado podera significar uma circunferencia, porque como nos diz Dufrenne
«(...) la langue de l'art n'est pas vraiment une langue: elle ne cesse d'inventer sa propre
syntaxe» 284 . Todas as regras de representacao sao estabelecidas pelo fazedor da obra e so
ele mesmo sabera a sua logica. A normalizacao da obra de arte atraves de uma convencao
parece ser uma pura Utopia, pelo que, nestes termos, a associacao da obra de arte a um
processo comunicativo sera dificil de aceitar.
Para uma melhor compreensao desta ideia, apresenta-se um esquema pratico (fig.
25), baseado numa pintura de um artista bastante mediatico: "Composicao 2", de Piet
Mondrian (1872-1944). Podemos avalia-la em funcao de uma analise semiologica simples,
com a identificacao do significante, do significado e do referente. A abordagem da
significacao remeter-nos-ia para outra questao, que por sua vez implicaria um outro factor
- a fruicao. Por essa razao, prendemo-nos apenas a analise do objecto em si.
283 A esta questao Ferdinand de Saussure chamou o "arbitrario do signo".
284 DUFRENNE, Mikel - "l'art est-il langage?". In Esthetique et philosophic Paris: Klincksieck, 1980. Vol.
I. p. 101. cit. por DOGUET, Jean-Paul, op. cit., p. 46.
151
Referente
(realidade a qual a
denominate faz
referenda)
-► Significado
(sentldo da obra, o
que ela signifies)
Significante
(elementos graficos
da obra)
Fig. 25 | Piet Mondrian, Composicao 2, 1922.
Para este estudo inicial, vamos pegar apenas na obra e procurar as respectivas
correspondencias com o esquema semiologico.
Temos o referente, elemento concreto fisico que e a realidade a qual corresponde a
obra de denominacao "Composicao 2"; temos tambem o significado, que corresponde
efectivamente aquilo que a obra significa, ou que podera significar; por ultimo temos o
significante, que tern a ver com os elementos graficos que compoem a pintura. Neste
ultimo campo podemos dizer que esta obra e um signo, mas por sua vez subdivide-se e
decompoe-se em diversos signos, alguns deles facilmente entendiveis pelo senso comum,
como por exemplo os signos cromaticos e os signos geometricos; outros pelo contrario
necessitam de um conhecimento mais aprofundado, como e o caso dos signos estruturais
da obra.
Menos evidente e o significado da obra, pois a sua intransitividade nao permite o
desvendar daquilo que realmente significa. Muitas serao as significacoes que estarao
presentes nos "leitores", mas o significado dessa obra e so um. Sera muito dificil, a partir
de "Composicao 2" termos conhecimento que ela pertence a um periodo (iniciado em
1921), onde Mondrian revela uma preferencia crescente pela superficie branca da tela,
correspondendo a ausencia da sua pessoa, a um vazio, onde o mundo novo brota do nao-
espaco. Mondrian esperava que, reduzindo os elementos nos seus quadros ao essencial,
eliminando cores mistas e curvas poderia chegar a formulacoes universais desprovidas de
subjectividade. A forca sugestiva do branco da tela vai ganhando cada vez mais terreno no
tema pictorico. Por essa razao, as superficies coloridas de "Composicao 2" sao empurradas
para as margens do quadro, como se de uma centrifugacao se tratasse. Existe uma
152
preocupacao com a diminuicao do movimento, em virtude da existencia no lado esquerdo
de um rectangulo azul, que trava a ilusao do movimento de rotacao. Tambem a vertical que
atravessa a obra, da estabilidade e pretende transmitir grandeza.
Ainda relativamente aos signos de facil leitura, compreendemos tambem que estes
carecem de conhecimento. A cor vermelha, todos a conhecem, mas saber que ela sempre
foi utilizada nas obras para transmitir a ideia de proximidade e outro nivel de
conhecimento. Na verdade, ela pode ser percepcionada como uma cor que revela
aproximacao, mas isso nao e conhecimento, mas sim percepcao, aquilo que vulgarmente
apelidamos de "sentir o objecto". Por conseguinte existe uma tonalidade afectiva, uma
grande proximidade com os "compostos" da obra de arte. Para Jose Pecegueiro 285 , a
percepcao e enriquecida persistentemente com o contacto que temos com os objectos e
alem disso renova-se a cada nova pecepcao com o mesmo objecto. Ja Frances 286 diz-nos
que no primeiro contacto com o objecto (imagem), ha logo uma analise detalhada da
mesma. Voltando a Jose Pecegueiro: sucessivas visualizacoes de um objecto permitem um
enriquecimento tambem ele sucessivo, mas tambem desde o inicio existira uma percepcao
detalhada e diferenciada do objecto em todos os seus niveis 287 . Esta diferenciacao selectiva
da imagem do objecto permitira complementar as futuras e sucessivas visualizacoes da
mesma.
A obra "Composicao 2", de Piet Mondrian e percepcionada de maneiras diversas,
consoante se trata de individuos diferentes. Percepcionamos a sua cor, a sua forma, a
textura 288 , etc. A visualizacao da obra promove o enriquecimento artistico, mas sem dai se
adquirir conhecimento cientifico sobre os dados percepcionados. Na perspectiva de Jose
Pecegueiro podemos dizer que a obra "Composicao 2", depois de visualizada pela primeira
vez constitui-se como uma imagem que, numa segunda observacao vai revivescer em nos,
libertando os residuos que ficam das percepcoes anteriormente experimentadas. Ela vai a
cada momento enriquecer-se mais, pelo adicionar de novas percepcoes: primeiro, pelo
percepcionar individual de cada elemento signico e, posteriormente, pelo percepcionar da
conjugacao dos diversos elementos signicos envolvidos na obra de arte. A percepcao, nao e
285 cf. PECEGUEIRO, Jose - Caderno auxiliar de fdosofia. 2 a ed. Porto: Livraria Athena, 1971. p. 70, 71.
286 cf. FRANCES, Robert, - A Percepcao. Porto: Res Editora, 1997. (Cultura geral). p. 63.
287 Para este assunto cf. a obra DENIS, Michel; VEGA, Manuel de - Modeles mentaux et imagerie mentale.
In EHRLICH, Marie-France; TARDIEU, Hubert; CAVAZA, Marc - Les modeles mentaux. Approche
cognitive des representations. Paris: Masson, 1993. p. 97.
288 Quase ou mesmo imperceptivel nas reproduces fotograficas.
153
suficiente, para se poder compreender o porque da cor vermelha conferir maior
proximidade do que qualquer outra cor. Isso requer a aceitacao da hipotese dessa
proximidade, para logo depois se poder entrar no dominio da busca de conhecimento, na
busca do porque. Apos constatar, pela percepcao, que o vermelho confere proximidade,
somos levados a tentar perceber o seu porque, ou seja, somos levados a enriquecer um
pouco mais a obra, ou pelo menos o nosso conhecimento da mesma.
Fernando Ilharco 289 , referindo-se ao desenvolvimento do conhecimento, explica
que existe sempre um primeiro sentido alusivo a um determinado "texto", seja ele qual for,
mas sempre baseado no contexto pessoal de cada individuo, isto e, nas caracteristicas
fisicas, psicologicas e vivenciais de cada um. O contexto pessoal em que cada individuo
esta inserido vai dar um novo sentido ao "texto", que por sua vez fica enriquecido,
retornando ao individuo (receptor) como um novo contexto. Entao, a obra "Composicao 2"
e uma continuidade de recriacoes, que se enriquecem sucessivamente umas as outras.
A desconstrucao pictorica da obra signica, nos seus elementos slgnicos nao e
exclusiva das obras meramente abstractas; pelo contrario, obras de cariz mais figurativo
terao o mesmo tipo de elementos, mas expostos de forma diferente. Sao signos onde existe
uma maior complementaridade, sendo que um nao vive sem o outro, pelo que existe uma
simbiose signica. Esta simbiose tambem esta presente na arte abstracta, mas de uma forma
mais tenue, permitindo ao fruidor uma maior margem de erro, com prejuizo da sua
compreensao. Numa primeira abordagem, poderemos talvez julgar que essas obras
figurativas sejam compostas por elementos que sao facilmente compreensiveis. Mas sera
que o sao mesmo? Sera que nao dependerao tambem eles de um conhecimento predefinido,
apesar da sua imediatidade? Sera que essa imediatidade signica nao dependera da sua
convencionalizacao? Podemos, a semelhanca da obra de Mondrian, debrucar-nos um
pouco sobre uma obra figurativa. Para tal procurou-se uma obra que fosse paradigmatica
do universo da figuracao e que fosse simbolicamente rica. Para este estudo escolheu-se "Os
Esponsais dos Arnolfini" (fig. 26), de Jan van Eyck (c. 1390-1441), obra emblematica da
pintura gotica do norte da Europa e que retrata o matrimonio de Giovanni Arnolfini e de
289 cf. ILHARCO, Fernando - Newton e Yavlinsky: Uma analise hermeneutica e autopoietica sobre
imprevisibilidade e conhecimento [Em linha]. Lisboa: UCP [Universidade Catolica Portuguesa], 2005.
[Consult. 14 Mar. 2006]. p. 2. Disponivel em
WWW:<URL:http://www.ucp.pt/site/resources/documents/FCH/F%20Ilharco/Newton%20e%20Yavlinsky%
20Sopcom%2041.pdf>.
154
Giovanna Cenami. Esta obra e um somatorio de elementos simbolicos, que tern como
funcao reforcar a tematica central da obra.
Fig. 26 | Jan van Eyck, Os esponsais dos
Arnolfini, 1434.
A realidade/tema sao associados pormenores que nao ajudam propriamente a leitura
da obra, mas permitem o seu enriquecimento. Mas, de que servem esses elementos
adicionais na obra se nao permitirem uma clarificacao do tema em causa? Tais elementos
nao dao a "solucao" da obra, mas obrigam a uma analise detalhada dos mesmos, para dar
forma a sua compreensao. Esta analise e uma tomada de conhecimento, que anteriormente
ainda nao estava adquirido. Uma vela, um cao ou um espelho, por exemplo, sao elementos
que reconhecemos e dos quais temos conhecimento, mas entender o seu porque numa obra
de arte e qual a relacao entre eles e uma questao deveras dificil para quern nao disponha de
um conhecimento aprofundado sobre a obra. Numa primeira abordagem e sem a referenda
ao titulo, dificilmente seriamos levados a crer que esta obra corresponderia a um
casamento, isto porque nao se trata de uma obra que com evidencia traduza uma cena
religiosa, visto que nao temos explicitamente representada a presenca de um sacerdote que
preside a celebracao do casamento 290 , e as figuras nao estao num espaco religioso. Por
290 Apesar de provavelmente o sacerdote estar representado no espelho convexo, a sua diminuta dimensao
torna-o imperceptivel.
155
outro lado, existem algumas referencias ocultas que o autor quis transmitir, mas que, por
excessiva carga simbolica, passam despercebidas (fig. 27).
A uniao sagrada
Urn simbolo tie lideliifeule
Fig. 27 I Correspondencia entre signo e forma.
Para Bernard Toussaint, «A relacao semantica do titulo da obra com a propria obra
e muito importante: o titulo serve de afixacao semantica para o icone» 291 . De facto, o titulo
reforca a ideia semantica da obra, por isso aceitamos que ela trata de um casamento.
TOUSSAINT, Bernard - Introducao a semiologia. 2 a ed. Lisboa: Publica^oes Europa-America, D.L.
1994. (Saber; 159). p. 103.
156
Que significado terao entao os elementos que compoem a obra? Ao mero
espectador, a vela nao passa de uma simples vela, o cao de um simples cao e o espelho nao
traduz outra realidade, para alem do efeito do seu reflexo. No entanto, a vela aqui
representada e simbolica: simboliza o olhar de Deus que tudo ve e a vela matrimonial. O
cao esta neste quadro, como um simbolo de fidelidade e de amor. Por sua vez, o espelho
convexo tern uma moldura esculpida com dez medalhoes incrustados que representam
situacoes da vida de Cristo. Alem disso, reflecte a imagem do artista, funcionando desta
forma como um auto-retrato, e a de outra pessoa, que talvez seja o sacerdote ou a
testemunha oficial da cerimonia. Por cima do espelho, a assinatura em latim de van Eyck,
diz: "Johannes de Eyck fuit hie", que significa: "Jan van Eyck esteve presente".
Continuando a analisar os simbolos, os frutos no parapeito da janela atestam a fertilidade e
a expulsao do paraiso. Os pes descalcos representam simbolicamente o local como um
espaco sagrado que deve ser respeitado. Ao segurar a mao da jovem na sua e ao erguer a
outra mao no gesto que significa assumir um juramento solene, Giovanni Arnolfini
compromete-se com a noiva. De sua parte, ela, colocando a sua mao na dele retribui o
compromisso.
Para a compreensao "absoluta" desta obra em particular e de todas de um modo
geral dever-se-a amplificar o dominio do conhecimento sobre a mesma, ainda que este nao
seja um padrao universal. Por exemplo, como foi referido anteriormente, todos os
elementos simbolicos da obra so serao validos enquanto se tornarem explicitos ao seu
fruidor. Melhor dizendo, so quando o "leitor" da obra conseguir compreender a totalidade
dos elementos simbolicos e que podera aceder a sua "absoluta" compreensao. O fenomeno
da compreensao e o conceito e e o conjunto das caracteristicas necessarias a compreensao
desse conceito. Quanto mais especifico for um conceito, mais requisitos serao necessarios
para a sua compreensao. A passagem do generico ao especifico faz-se pela adicao de mais
caracteristicas. Um cao e tornado como um animal de forma generica, mas, para apurarmos
a sua especificidade teremos de lhe acrescentar outras caracteristicas, tais como, por
exemplo, a cor, a caracteristica do pelo, o tamanho, ate apurarmos a sua forma especifica,
que sera com certeza uma determinada raca de caes. Significa isto, que o conceito cao tern
uma dimensao diferente do conceito "Setter Gordon", ou "Golden Retrivier". Mas o cao da
obra de Jan van Eyck e mais do que um ordinario cao: ele representa o amor e a fidelidade.
Dividimos este simbolo em duas partes: uma e o simbolo "cao", enquanto elemento fisico
157
e vivo do universo dos seres vivos; a outra diz respeito a realidade que o conceito "cao"
ocupa nessa obra, ou seja, a passagem do significante ao significado. Primeiramente
observa-se o simbolo "cao" como um representamen, ate se atingir, posteriormente o
significado desse simbolo. O mesmo se passara com todos os restantes elementos da obra,
que estao carregados de significacoes particulares e que hermetizam a mesma, tornando-a
intransitiva e enigmatica.
Assim podemos dizer que a obra de arte explicita-se e encerra-se simultaneamente,
ou seja, ela e concomitantemente corpo e alma, ou "espirito" utilizando a denominacao
adorniana 292 . O corpo e a sua liicida evidencia, ao passo que a alma e o que se esconde, so
sendo inteligivel por meio de processos apurados de compreensao. Deste modo, o espirito,
alem de ser conteiido, tambem tern como funcao reforcar o corpo ou a forma da obra de
arte. A obra deixa de ser pura e simplesmente "aparicao" para se centrar num composto
que fomenta e evidencia a dialectica artistica. So pelo aparecimento de um e que o outro se
torna mais proeminente e vice-versa, so pelo acto e que o facto se evidencia, mas este facto
e a "facticidade" da obra, mera objectividade, ao passo que o seu conteiido rege-se pelas
leis do obscuro e da imprecisao. O sentido da obra nao tern uma relacao de dependencia
directa com a sua factualidade, porquanto cada uma per se se "auto-sustenta", mas e
evidente que existe uma correlacao (apesar de diferenciada), entre forma e conteiido,
porque, como sublinha Adorno, «(...) o sentido de uma obra de arte e ao mesmo tempo a
essentia que se oculta no factico» 293 . Parece pois que nao podemos pensar a obra de arte
sem o seu conteiido nem sem a sua materialidade; mas tambem nao podemos olvidar o
conteiido da obra justaposto a sua forma, sendo que toda a coerencia artistica seja
reforcada por esta dualidade em conjugacao, ao ponto de criar e dar sentido a mesma.
Outro exemplo tambem figurativo, mas com caracter mais contemporaneo e
conceptual, permite perceber a relacao que existe entre os varios elementos da obra, e a
compreensao "absoluta" da mesma. E o caso da obra de Joseph Kosuth "Uma e tres
cadeiras" ja anteriormente apresentada (v. fig. 10, p. 80). Esta obra ilustra o facto da
representacao fisica nao ser essencial a representacao dos conceitos. Por outras palavras, os
artistas conceptuais nao eram forcados a criar objectos, a menos que os descrevessem
como objectos de pensamento. Assiste-se a uma tautologia em que cada elemento se define
a si proprio.
! cf. ADORNO, Theodor, op. cit., p. 105.
293
idem, ibidem, p. 124.
158
O conjunto e uma tripla representacao de uma mesma coisa, sem que haja uma
repeticao formal. O que e repetido, nao e a cadeira real, ainda muito particular apesar da
sua neutralidade, nem a fotografia, que apenas representa a sua imagem do ponto de vista
do espectador, nem a definicao, que encara todos os casos reportados ao emprego da
palavra "cadeira", mas negligenciando de facto a definicao da cadeira real e da sua
imagem. A definicao aqui apresentada apenas sustenta uma forma generica de "cadeira".
Ela nao se refere a nenhum elemento dessa obra, seja ele a cadeira real ou a imagem dessa
cadeira. A compreensao deste tipo de obra nao pode passar pela compreensao isolada dos
seus elementos constituintes. Nenhum deles define qualquer outro. Assim como a
definicao de cadeira nao define a sua fotografia e a sua realidade, tambem a cadeira real ou
a representacao dessa cadeira nao define qualquer outro elemento. Nos tres casos,
corresponde a um degrau distinto da realidade e do objecto. Todos eles designam pelas
suas associacoes, uma quarta cadeira ideal e invisivel, onde o conceito se encontra
sugerido, bem mais do que definido. De qualquer dos modos consideramos que seja uma
obra completa; diriamos ate que e uma obra quase utopica, preenchendo o mundo da
compreensao, quase na sua totalidade. Estaremos por certo tentados a afirma-la como uma
obra que nao necessita de explicacao e que por conseguinte pode criar uma outra Utopia - a
da comunicacao na arte. Onde falha o objecto, intervem a imagem e, se esta por sua vez
falha, aparece a linguagem. Estabelece-se, deste modo uma "linguagem" artistica
continuada e levada quase ao extremo da compreensao "absoluta".
Se existe uma tendencia actual para uma apresentacao de imiltiplos sentidos, pela
invocacao de novas tecnologias e se essas novas formas de expressao, se pretendem
ampliadoras e renovadoras, pela substituicao de tendencias que se foram tornando
obsoletas, nao poderemos esquecer que este Conceptualismo existe para de algum modo
confrontar estas alteracoes. Ou seja, Kosuth torna explicito o que ate entao era implicito e
fa-lo de um modo justificative; quer isto dizer, contrariando em absoluto qualquer
abstraccionismo, e a pretensao de que a dinamica da obra vive pela sua significacao. Assim
ha uma inibicao da significacao, em virtude do surgimento do significado da obra. Os
varios sentidos da obra perdem-se, encaminhando-se para um unico caminho, o da
consensualidade receptiva. Talvez aqui possamos compreender o que uns referem ser
comunicacao na arte, se considerarmos que ela e «algo como: "comunicacao... sem
159
comunicacao"» 294 , ou seja, uma especie de "comunicacao", que esta continuamente
centrada na informacao e que e feita sem conceitos 295 universais, para alem dos que
definem os elementos basico da obra de arte. Esta, porque e imediata, faz um forte apelo
aos sentidos do fruidor, que e sempre antecedente a qualquer formulacao "comunicacional"
e logicamente sem conceitos universais, pelo que nunca atinge um consenso absoluto. Este
tipo de obras, fortemente aliadas a informacao, quase entram num processo de
comunicacao, mas, embora proximas de um assentimento generalizado, nunca chegam a
te-lo.
Nao se torna facil ao fruidor encontrar relacoes fiaveis entre os elementos que
compoem a obra e a sua verdadeira grandeza real. Por exemplo, a frase "Johannes de eyck
fuit hie" poderia perfeitamente induzir a propria assinatura do artista (apesar de deslocada
da posicao habitual), sobretudo se nao se estiver na posse do codigo linguistico em causa.
Mas esta obra nao encerra segredos que nao tenham sido ja desocultados. Tanto esta como
muitas outras obra sao facilmente reconheciveis, identificadas e relacionadas com a
realidade correspondente, atraves da compreensao dos elementos simbolicos que as
compoem; porem, por vezes, nem sempre tal situacao acontece. Algumas obras possuem
determinados simbolos que se desenquadram do contexto estabelecido e, por essa razao,
hermetizam-na, mesmo ao mais entendido. Evidentemente, na actualidade, esses elementos
sao estudados e consequentemente nao trarao grandes dificuldades ao seu relacionamento
na obra. Mas, por falta de documentacao, ainda hoje escapam aos historiadores alguns
significados; sera entao que, na epoca em que seriam produzidas tais obras, elas seriam
objecto de um facil reconhecimento? Se os "Os Esponsais dos Arnolfini" nao levantam
problemas de analise, ja o mesmo nao se passara com "O retabulo de Merode" (fig. 28) do
Mestre de Flemalle (Robert Campin?) 296 (1406-1444), onde se conjectura sobre alguns
elementos simbolicos presentes na obra. Por exemplo, a vela acabada de apagar nunca
mais apareceu em outras obras, dai nao se conhecer em absoluto o seu verdadeiro
significado.
294 «Algo como: "comunicacao... sem comunicacao"» publicado em LYOTARD, Jean-Francois -O
Inumano - Consideracoes sobre o tempo. Lisboa: Editorial Estampa, 1989. (Margens; 3). p. 113-122
corresponde a comunicacao do mesmo autor no 1° coloquio "Art et communication" na Sorbonne realizado a
14 e 15 de Outubro de 1985. cf. idem, Quelque chose comme: "communication... sans communication".
In COLOQUIO, 1, Sorbonne. "Art et communication". Paris: Osiris, 1986. pp. 10-17.
295 Segundo a formulacao kantiana "comunicacao nao-conceitual".
296 A identidade deste artista nao se encontra devidamente certificada. Tudo leva a crer que Mestre de
Flemalle seja Robert Campin.
160
f f ' T
1 i A
III
Fig. 28 | Mestre de Flemalle (Robert Campin?), O retdbulo de Merode, c.1425-28
Portanto, a respeito desta obra em particular (mas podemos estender o juizo a outras
mais), podemos falar de uma circunscricao da obra de arte; esta e limitada por uma
constante de factores, que o proprio artista coloca em pratica. Ele decide sobre a obra,
assim como o fruidor decide sobre a sua significacao, sem no entanto estas decisoes se
corresponderem uma com a outra. Se foi vontade do artista ou nao de hermetizar a obra,
nao interessara muito, mas convira afirmar que os resultados sao evidentes.
Em certa medida, isto e demonstrativo de que nao so a arte moderna mas tambem a
arte dita academica, aquela que resulta do respeito das regras de representacao impostas,
nao se enquadram num processo de comunicacao, e ate dificilmente num processo de
informacao. Como vimos, "O retabulo de Merode", se nos informa (ou se informou) de
alguma mensagem, tambem nos esconde outras, por meio de um "simbolismo
dissimulado".
Outras representacoes de inevitavel incompreensao nos surgem, por exemplo, no
surrealista avant la lettre Hieronymus Bosch (c. 1450-1516). Ainda hoje, parte do seu
enigmatico "Jardim das Delicias" nao foi descodificado 297 ; tambem as obras renascentistas
por exemplo, deverao exigir do espectador o remexer de vivencias pessoais de modo a
poderem fazer-se compreender. Como Francastel 298 nos sugere, o Renascimento (e
extensivamente outros periodos) comporta um conjunto de irrealidades, na medida em que
este tipo de obras, apesar de muito precisas na sua execucao e muito objectivas nos seus
Apenas o painel esquerdo da obra se encontra perfeitamente identificado, como sendo o Jardim do
Paraiso.
298 cf. FRANCASTEL, Pierre - Peinture et societe: naissance et destruction d'un espace plastique. Paris:
Denoel-Gonthier, 1977. (CEuvres; 1).
161
fundamentos, correspondem a imitacoes de situacoes nao-reais. A propria concepcao da
obra em atelier, onde eram utilizados elementos de composicao, que nao faziam parte do
quotidiano das pessoas, mas antes de necessidades simbolicas, contribui para afastar a obra
de um contexto plenamente explicito. O espectador teria de estar integrado nesse contexto
para que a obra de arte lhe trouxesse uma mensagem. E no fundo «(...) preciso que o
espectador das obras faca um exercicio activo para integrar os elementos das imagens,
estabelecendo uma unidade entre elas a partir do seu espirito e nao da coerencia obra.
Portanto a obra renascentista oferece uma ilusao da realidade.» 299 .
Outro exemplo e o mediatico esquema teologico de decoracao da Capela Sistina de
Miguel Angelo (1475-1564), que apesar de conter elementos que ja fazem parte do
conhecido e que por isso facilitam a relacao de entendimento entre a obra e o fruidor e uma
obra que nao se encontra plenamente estudada, porque existem alguns dos seus elementos
com significados ainda por atribuir.
Se ao mais alto nivel de saber e entendimento nao se possui o conhecimento
"absoluto" para compreender as obras, como e que as poderemos rotular de
comunicativas? Como poderemos entao falar de comunicacao na arte?
3.3 Uma objectividade elementar para uma subjectividade arti'stica
Este tema, "uma objectividade elementar para uma subjectividade artistica", vem de
encontro a angustia que os publicos dos mais diversos estratos culturais sentem quando se
defrontam com uma obra de arte e quando reflectem e atentam na sua aparente
incompreensao. E muito comum ouvir-se expressoes como: "nao entendi o significado do
quadro!", ou "o que e que o artista quer dizer com isto?". Na verdade, a frequencia com
que tais expressoes sao proferidas merece uma atencao especial e um estudo dedicado, que
de resto e uma parte importante deste trabalho.
299 RAPOSO, Maria Tereza - O Conceito de Imitacao na pintura Renascentista e Impressionista.Sao Joao
Del-Rei: Metanoia, UFSJ [Universidade Federal Sao Joao Del-Rei]. [Em linha]. n° 1, (1998/1999), p. 48.
[Consult. 9 Out. 2006]. Disponivel em
WWW:URL:http://www. ufsj.edu.br/portal-repositorio/File/revistalable/numerol/tereza4.pdf >.
162
Se esta e uma questao que merece discussao, significa desde logo que ha uma razao
para tal. Efectivamente esta estreiteza na relacao entre o publico e a obra e demonstrativa
da grande distancia que os separa. Provavelmente a questao central para o entendimento
das causas desta incompreensao prende-se com a pretensao do publico em tentar
forcosamente entender as obras de arte, quando na realidade em muitas situacoes pouco ou
nada ha para entender, para alem da sua pura visibilidade.
A obra de arte nasce de um incessante dialogo de materia e forma. Esta materia
pode tambem ser apelidada, utilizando um conceito mais geral, de material. Este dialogo
nao obedece a nenhuma lei determinada e pode, dependendo da obra em causa, entender-se
como uma estruturacao aleatoria, ou nao, das caracteristicas que a compoem. Portanto,
uma obra de arte define-se a si mesma, segundo um processo que e assinalado pelas
caracteristicas que a compoem. A obra de arte podera portanto ser definida como um
objecto que encerra simbolos; como existencia do visivel; ou ainda ser definida por estas
duas versoes. Os puristas negam a existencia de uma arte simbolica, reduzindo-a a sua nao-
representacao e aceitando-a apenas com o que de mais interior lhe pertence, dai eles
rejeitarem as obras expressionistas abstractas, bem assim como as obras
representacionistas.
Esta concepcao, apesar de redutora, nao deixa de ser relevante neste dominio, pois
associa a obra a um estado de simplicidade, acessivel a todos. Ja Maurice Denis se referia a
pintura como uma elementaridade quando afirmava «E preciso lembrar que um quadro -
antes de ser um quadro de um cavalo de batalha, de uma mulher nua ou de algum episodio
- e essencialmente uma superficie plana coberta de tintas dispostas numa determinada
ordem» 300 . A obra de arte e entao sugerida e por isso apresentada somente naquilo que e
visivel, naquilo que e manifestamente perceptivel, ou seja, as suas caracteristicas
imediatas 301 , como a cor, a textura, a composicao, os materials, etc., aquilo a que
Bourdieu 302 apelidou de "materialidade fenomenal".
O fruidor, procurando insistentemente encontrar a "resposta" da obra, socorre-se
dos seus realismos para conciliar uma representacao, seja ela figurativa ou nao (atitude
mais sentida perante a obra nao figurativa). Estabelece, entao uma relacao, entre o seu
300 Maurice Denis cit. por SILVESTER, David - Sobre arte moderna. Sao Paulo: Cosac Naify, 2006. p.
172.
301 O primeiro contacto com a obra de arte, parte deste imediatismo, sem o qual nao poderemos passar a sua
posterior compreensao.
302 cf. BOURDIEU, Pierre - L'Amour de l'art. Paris: Editions de Minuit, 1968. p. 81.
163
mundo quotidiano e os elementos da obra e posteriormente uma coesao entre todos eles
dando-lhes urn sentido definido, na terminologia de Bernardo Pinto de Almeida 303 , um
"quadro-objecto", referindo haver uma passagem da objectividade para a objectualidade:
objectividade da obra de arte, e objectualidade pela relacao que se estabelece com a
realidade. A oportunidade de conseguir uma compreensao "absoluta" perde-se no
momento dessa relacao, porquanto a esta estara inevitavelmente associada uma deturpacao
da obra, sentida apenas no interior do fruidor, o qual, por antitese, nao sentira os seus erros
na medida em que nao e conhecedor do sentido efectivo da obra. Mas, por outro lado, nao
devemos olvidar que esta perceptibilidade materica, quando manifestamente evidenciada,
pode ser demasiadamente sinoptica, originando por vezes elementos (simbolicos) que se
organizam mutuamente. Todo o simbolo vai entao redesenhar o objecto artistico,
imprimindo-lhe mais caracteristicas, enriquecendo-o, aliando-se a objectualidade da obra,
no sentido, nao de a tornar mais compreensivel, mas sim de suscitar a sua compreensao.
Quer de uma quer de outra forma, a obra de arte sera sempre vista como uma
amostragem da realidade, mas amostragem de algumas propriedades e nao de outras ou de
todas, porque seria utopico pensarmos que a apreensao de todas as caracteristicas ou
propriedades da obra de arte e possivel. Uma obra de arte, sendo o que e (cor, textura,
composicao, mas tambem "coleccao" de simbolos) e sempre um retalho disso mesmo, pois
dificil sera adquirirmos inteligivelmente todas essas propriedades na sua globalidade e de
igual forma em cada humano. Portanto as qualidades ou propriedades que um purista tern
em consideracao relativamente a uma obra purista sao com certeza aquelas que esta exibe,
que exemplifica e demonstra, mas que em conteudo permanecem como amostra. Mas se
exemplificar for simbolizar denotamos que a pintura purista tambem ela simboliza;
vejamos que simbolizar pode significar transpor para determinado espaco uma determinada
convencao, que tanto se pode traduzir plasticamente, como conceptualmente.
Na obra de arte vive sempre uma tentativa de ordenacao material de elementos a
priori distintos. Materia e forma, consciencia e inconsciencia e a ordem que o artista
atribui a estas caracteristicas constroem um sistema de correspondencias aberto e perto da
sua vida. A obra situa-se na fronteira do consciente e do inconsciente, ela procura a
303 cf. ALMEIDA, Bernardo Pinto - Espaco de representacao e lugar do espectador. Braga: Universidade
do Minho, 1992. Tese de Doutoramento em Estetica e Historia da Arte apresentada ao Instituto de Historia e
Ciencias Sociais da Universidade do Minho. p. 216.
164
essentia por detras da aparencia. A vivencia interior que se impoe ao artista forma modelos
interiores, modelos da profundidade das coisas que o invadem e que tocam os seus afectos
particulares. E claro que esta atitude e individualista e muito propria de cada um de nos e
por essa razao completamente intransmissivel. Essa ordenacao tern como principal
objectivo criar uma "resposta" para uma determinada observacao, ou melhor dizendo
conseguir adquirir uma compreensao por meio de associacao plastica de elementos visuais,
e destes com a realidade envolvente e vivencial do sujeito observador/fruidor.
O que se pretende entao com o desenvolvimento deste ponto e explicar que a
aspiracao dos piiblicos em alcancar a compreensao das obras e infundada, e justificar este
pressuposto, como a frente veremos, na ciclicidade, objectividade/subjectividade em que
toda a obra de arte se encontra inserida. Segundo este ponto de vista, a obra apenas pode
ser encarada deste modo. Independentemente do seu conteiido implicito, ela tera
forcosamente um conteiido explicito a que qualquer fruidor tera acesso. O conteiido da
obra de arte podera entao ser explicito ou implicito, nas palavras de Doguet 304
correspondem a dois efeitos: a "producao" e a "provocacao". Ela e explicita, se a
abordarmos quanto a sua visibilidade, ou seja, naquilo que de facto a constitui como obra
fisica. Serao pois todos os seus elementos e atributos quer compositivos quer cromaticos,
de textura, etc. - o mundo da plastica. O explicito e o que permanece "registado", e o
efeito, e a materia primordial dos estudos de composicao. Contrariamente, o implicito e a
materia fundamental da teoria de arte. Os conteiidos implicitos sao aqueles que, estando
contidos na obra da arte, nao sao claramente expressos, mas provocam a recepcao sem
conhecimento de causa; remetem para a intencao do criador em transmitir uma mensagem.
O implicito e o meramente inteligivel: e o visivel nao nos signos, mas entre eles. O
implicito e o dominio das causas aristotelicas, nomeadamente da causa motora e da causa
final 305 - e o mundo dos pensamentos e sentimentos do autor. Por outras palavras, a
composicao encara o efeito enquanto que a teoria da arte liga mentalmente as causas ao
efeito (as causas sao as componentes, os constituintes, os factores).
Do acto ao efeito (acto - facto, ou feito - efeito) corresponde a causa motora, motriz
ou eficiente, que e apenas uma das quatro causas imprescindiveis ao efeito. Para que haja
um efeito no dominio da sensorialidade, e imprescindivel a conjugacao das quatro causas
aristotelicas, porque escrever na agua, escrever no ar, escrever sem giz, ou sem caneta,
304 DOGUET, Jean-Paul, op. at., pp. 33, 34.
Causa motora e causa final, mais a causa formal e material, efectivam a obra de arte.
165
podem ser um facto extraordinariamente importante, relevante ate, mas nao um efeito.
Resumindo, o objecto artistico (na sua globalidade) e o efeito, sendo pois indiferentemente
considerado como o resultado ou consequencia das componentes ou das causas.
Quando alguem contacta com uma obra de arte esta a visualizar nela propria o seu
explicito, uma informacao objectiva. Podemos ate referir que se processa uma transmissao
de informacao, tendo como ponto de partida a obra de arte que atinge o espectador pela
percepcao da mesma. Mas de que especie e a informacao referida? Para Deleuze 306 , a
informacao e um conjunto de palavras de ordem, palavras essas que nos devem fazer crer,
porque sao autoritarias, tal como as declaracoes da policia 307 . Diferentemente de Deleuze
que defende que a obra de arte nao contem nenhuma informacao, achamos que ela e
informacao, porque contem essa carga autoritaria de impor o que expressa. Deleuze nao
esta a ter em conta a frontalidade imagetica e inequivoca da obra, mas sim que ela contem
elementos, que nos devem sensibilizar como se os compreendessemos. Ora, a informacao e
directa e objectiva e consequentemente nao tern por funcao pedir-nos «(...) de nous
comporter comme si nous le croyions» 308 . Nao se trata da informacao implicita na obra, ou
da sua "pseudo" ou protomensagem, mas antes daquilo que lhe e mais obvio e que podera
ser palpavel, por um lado, por qualquer fruidor e, por outro, mensuravel por qualquer
pessoa que esteja na posse de conhecimento aprofundado, que lhe permita relacionar o
palpavel com outras questoes de maior rigor e especificidade.
A arte, poderiamos entao dizer, e um "discurso" enunciativo de uma realidade,
fundamentalmente um "discurso" informativo, na medida em que ela transporta uma
sequencia harmoniosa de elementos esteticos que a caracteriza. Ela descreve-se a si mesma
por meio de um principio tautologico, mas sempre de forma individual. Apesar da obra de
arte ser fundamentalmente visual, ela transfere para o espectador toda a sua carga
informativa e elementar. So assim o sentido do contexto de enunciacao do discurso
informativo sera tornado em consideracao pelos seus receptores. No dizer de Wolfflin 309 , a
obra de arte podera ser vista como um discurso em potencia, ou seja, ela podera discursar
todo o seu conteudo e, na medida em que apenas transmite a sua visibilidade, ela nao se
306 cf. Conferencia dada na fundacao Femis, Paris, a 17 de Maio de 1987. Conferencia integral em texto in
DELEUZE, Gilles, op. cit. Conferencia integral em video in
http://www.dailymotion.com/video/xx6dr_gilles-deleuze-lacte-de-creation_events [Consult. 3 Mar. 2005].
307 O exemplo e de Deleuze.
idem, ibidem
309 cf. WOLFFLIN, Heinrich - Conceptos fundamentales de la historia del arte. 6 a ed. Madrid: Espasa
Calpe, 1976.
166
enquadra num piano discursivo, mas antes pode promover uma nova possibilidade de
discurso. A condicao imagetica da obra e o reflexo do seu eventual conteiido textual. Deste
modo, ela e imanente a um discurso em potencia.
O processo artistico e entao uma triade que assenta na seguinte sequencia:
Criador - Obra de arte - Fruidor
O artista produz a obra, a obra existe e permanece e o publico contacta com ela,
tomando consciencia de que existe pois e presenca do seu criador. E na relacao entre o
publico e a obra, que nasce a problematica do entendimento artistico, ou melhor dizendo,
da compreensao da obra de arte.
Nesta abordagem convira referir que qualquer obra de arte e apenas compreendida
na sua materialidade, naquilo que qualquer observador reconhece estar contido
explicitamente na obra. «Le tableau ne dit rien d'autre que son processus de fabrication, sa
materialite.» 310 . Assim, o que o publico reconhece sao os seus conceitos e
consequentemente, a compreensao da obra de arte passa pela compreensao dos conceitos
que a compoem, isto e, os seus elementos constituintes, sem os quais ela nunca poderia
existir. Reduz-se pois a obra de arte a sua existencialidade fisica, aquilo que
verdadeiramente a caracteriza. Nao podemos deixar de realcar que este raciocinio e apenas
um estudo analitico a obra, para perceber que ela incorpora uma determinada
materialidade; mas paralelamente ela materializa um determinado conteiido, que por sua
vez podera armazenar uma mensagem. Por isso, a reducao da compreensao da obra apenas
a sua materialidade explica-se apenas neste contexto, porque, se a obra fosse apenas a
efectivacao da sua materialidade, nao seria obra de arte, mas antes qualquer outro produto
derivado da ciencia ou da tecnica. Ao faltar o conteiido a obra, ela remete-se para outro
universo que nao o da arte: o universo da funcionalidade, do pratico. «As obras de arte,
enquanto componentes da totalidade que as engloba, nao sao apenas coisas. (...) A obra de
arte plenamente objectivada tornar-se-ia coisa em si absoluta e deixaria de ser obra
artistica» 311 . Essa totalidade reenvia-nos para a nocao de estetica da forma e estetica do
conteiido. Se confrontarmos esta dualidade, verificamos que, independentemente da sua
310 DAMPERAT, Marie-Helene - Supports-surfaces: 1966-1974. Saint-Etienne: Publications de l'Universite
de Saint-Etienne, 2000. p. 70.
311 ADORNO, Theodor, op. cit, pp. 328, 329.
167
importancia miitua, o conteiido adquire uma dimensao diferente, na medida em que este
esta ligado ao valor artistico, que e o fim das obras de arte. Mas o conteiido esta
indissociavel da forma, porque nao se concebe um conteiido sem forma. De facto, so com
este somatorio de forma e conteiido, se completa a obra e, so depois de ultimada esta
exigencia, a obra se coloca disponivel para a recepcao estetica.
As iniimeras carpetes industrials, que saem para o mercado com a finalidade
comercial, poderiam constituir-se como obras de arte. Reparemos que o facto de serem
producoes em serie nao as limita enquanto arte, porque muita arte da actualidade tern como
principio, o da sua multiplicacao (desde logo com o advento da Arte Pop); por outro lado,
o aspecto comercial tambem nao e suficiente para excluir as carpetes do dominio dos
objectos artisticos, porquanto a arte tambem nao se desvincula da sua mercantilizacao.
Entao, o que impede as carpetes de serem obras de arte? Ou se quisermos, usando os
termos de Dufrenne 312 , o que as impede de serem "objectos esteticos" em lugar de
"objectos significantes"? Aqui ressalta com evidencia que apenas o conteiido falta as
carpetes, para estas se constituirem como verdadeiros objectos de arte. Bastaria que as
mesmas fossem utilizadas como materia-prima para a constituicao de uma obra, para que
tivessem as caracteristicas nao de uma carpete como obra de arte, mas sim de uma obra de
arte com carpete, ou de outro modo, tendo como elemento(s) de constituicao a(s)
carpete(s).
Elementarmente considerada, a obra e repleta de conceitos, ou seja, e composta por
unidades minimas e elementares, ou vinculada a um conjunto teorico, reunindo em si uma
ou mais propriedades aplicaveis a realidade. A monossemia do conceito e a estabilidade da
sua definicao fazem parte das caracteristicas da propria obra enquanto unidade minima.
Para perceber esta ideia, reduzimos a obra a um linico conceito e compreendemos que a
isso tambem corresponded uma reducao da sua expressao ou, talvez melhor, da sua
representacao imagetica. Ora, se o conceito prima pela sua monossemia, entao ele apenas
podera ser empregue com um linico significado. Por exemplo, as palavras numa
composicao, bem como qualquer pintura ou escultura, podem conter miiltiplas acepcoes
(significacoes) e serem portanto polissemicas, mas, na sua unidade minima, quer isto dizer,
312 DUFRENNE, Mikel - Phenomenologie de l'experience esthetique. Paris: PUF [Presses Universitaires
de France], 1967. Vol. I [L'object esthetique]. Cap. IV, sec. 4, pp. 161-187.
168
na sua (re)desconstrucao 313 , elas adquirem o caracter de univocidade. Importa realgar que
esta dimensao do conceito encontra-se no quadro de referenda ao qual ele e valido.
Primeiro, um dominio ou uma disciplina e, depois, uma aproximacao teorica particular no
interior desse dominio. Por isso, para uma mesma denominacao - termo - podera haver
tantos conceitos, quantos os varios quadros de referenda, ate porque segundo Deleuze,
«Les concepts, il faut les fabriquer.» 314 e o homem tern a liberdade de o poder fazer. Deste
modo, o conceito de forca nao podera ser definido de igual modo em fisica e em artes
plasticas.
Outra questao que remete a obra ao dominio dos conceitos e o caracter nao
evolutivo destes 315 e a sua estabilidade semantica, que e condicao necessaria para a sua
utilizacao no interior do dominio e do campo teorico. Independentemente da utilizacao e
variedade que os criadores possam dar aos conceitos da obra, eles mantem-se inalterados
na sua essencia. Pelas variacoes possiveis e pelas novas relacoes entre os conceitos, as
obras adquirem novas caracteristicas. No entanto, «Tales relaciones surgen de las proprias
caracteristicas sensibles de los elementos y estas nunca se ven alteradas por el grado de
iconicidad; el rojo sigue siendo rojo en un cuadro de Mondrian lo mismo que en uno de
Velazquez.» 316 .
Voltando a obra de arte e para perceber esta questao em mais pormenor, interessa
saber o que verdadeiramente a constitui. Esta e recheada de elementos e atributos -
chamemos-lhes "aspectos". Entre outros, temos o aspecto cromatico, compositivo,
estrutural e geometrico, etc., que, grosso modo, todos nos empiricamente compreendemos.
Sao estes os elementos que os observadores visualizam nas obras, constituindo a
informacao da obra de arte. Por serem elementos, sao elementares na sua constituicao.
Numa primeira abordagem a qualquer imagem, contrariamente a linguagem verbal, os
elementos da obra (unidades visuais) apresentam necessariamente um caracter discreto, ou
313 Quando uma unidade minima e trabalhada no sentido de vir a adquirir um novo sentido, ela deixa de
figurar a mesma existencia fisica, dai que se opera uma desconstrucao. Quando a obra e reduzida as suas
unidades minimas origina-se uma segunda desconstrucao, porque a complexidade e desmembrada adquirindo
o estatuto de simplificado.
314 Conferencia dada na fundacao Femis, Paris, a 17 de Maio de 1987. Conferencia integral em texto in
DELEUZE, Gilles, op. cit. Conferencia integral em video in
http://www.dailymotion.com/video/xx6dr_gilles-deleuze-lacte-de-creation_events [Consult. 3 Mar. 2005].
315 Contrariamente a nocao (conhecimento elementar que temos de uma coisa), que e por definicao evolutiva,
logo diacronica, um conceito e a ideia (nocao) de uma determinada sociedade num determinado tempo-lugar.
Apesar das variacoes que os conceitos possam sofrer nos diversos tempos-lugares eles mantem um laco
comum numa determinada colectividade.
316 VILLAFANE, Justo - Introduccion a la teoria de la imagen. Madrid: Ediciones Piramide, 2000. p. 178.
169
seja, eles apresentam-se como um continuum visual, em que uns estao dependentes dos
outros e eventualmente escondendo-se mutuamente. Em segunda instancia, surge um
aprofundamento visual que, digamos, tera uma aproximacao a linguagem verbal, visto que,
em termos de processo de identificacao semiotico, a imagem se assemelhara a uma
palavra: conduziremos uma obra de Mondrian para o dominio da geometria e da cor, tal
como a palavra para o dominio das suas unidades minimas - os grafemas.
Sem a existencia de elementos visuais nao podemos falar de obra de arte. Como
contrarias a esta ideia, podemos reportar-nos a determinados tipos de obras aparentemente
ausentes, visto que excluem a existencia de elementos. Mas a obra ausente centra-se
inevitavelmente sobre um conceito, o que ja constitui materialidade. A obra "Le Vide"
(1958), de Yves Klein, pretendia ser o "indefinivel" da arte, ou melhor dizendo, o
imaterial. O facto de dois compradores terem adquirido duas obras denuncia a
materialidade da sua intervencao. Interessa referir, que a sua atitude estava repleta de
elementos e atributos que a remetiam para o dominio de show-off, como e o caso da
presenca de dois cavaleiros da Ordem dos Cavaleiros de Sao Sebastiao; duas japonesas
trajando em quimono; a entrada da galeria encontravam-se dois guardas-republicanos
ostentando uniforme de gala; inclusivamente, o cocktail que foi servido tinha a
particularidade de transformar a urina dos visitantes no seu azul (1KB 317 ); ja para nao
falarmos dos 1500 francos cobrados para o ingresso na exposicao. A sua ideia "Epoca
Pneumatica" centrava-se no "vazio" e nao no "nada", assentando na origem etimologica do
termo "pneumatico", ou seja "pneuma", que significa sopro, respiracao. O vazio seria
entao a imaterialidade, ou por outras palavras, a propria materialidade ainda que ausente.
Outro exemplo mediatico, da inausencia da obra e a famosa peca 4'33" de John
Cage, que pretendeu de facto mostrar que o silencio nao existe. O silencio torna-se
material. Se pretendermos, como Fernando Guimaraes, que a obra ausente seja aquela que
nos invade e que se caracteriza por uma pletorica indefinicao, mas que vulgarmente nao
coloca limites a sua definicao ("tudo pode ser arte"), entao os exemplos de Klein e Cage,
sao puramente "ausente".
«Falar em obra de arte ausente - expressao que acaba por ser equivalente a uma
outra: tudo pode ser arte - parece confrontar-nos com uma contradicao. Mas nao.
Quando se fala em tal ausencia esta-se a pensar nas obras de arte actuais que
perderam o seu proprio sentido ou, melhor, os seus multiplos sentidos. As possi-
317 International Klein Blue. Este azul foi desenvolvido em 1956, por Yves Klein em colaboracao com o
quimico parisiense Edouard Adam.
170
bilidades semanticas das imagens, que aproximam a arte de uma expressao que se
diria metaforica, sao postas entre parentesis, acabam por ser anuladas» 318 .
Os conceitos da obra podem ser isolados individualmente, mas encontram-se,
conjugados entre si, revelando-se num todo e originando complexidades que hermetizam a
sua compreensao. E esta conjugacao de conceitos (informacao objectiva) que implica,
inevitavelmente, diversas variacoes por parte dos fruidores, compondo-se assim a
significacao. O isolamento dos conceitos constitui-se como a parte objectiva da obra de
arte, opondo-se categoricamente a sua conjugacao e forcosamente a sua subjectividade
artistica. A objectividade elementar confere uma compreensao facil das obras de arte,
mesmo que no "limite" a adulteracao e a excessiva forca de expressao da mesma a
transporte para o campo do nao-academico, da nao-tradicao, do nao-canonico, tendo pois
como consequencia a referida destruicao de ideia de comunicacao. A transformacao que se
tern verificado nas artes anula uma possivel ideia de comunicacao, que inicialmente estaria
prevista e desejada na arte academica. Tomemos como exemplo a famosa pintura de
Kasimir Malevich (1878-1935), "Quadrdngulo" vulgarmente apelidado "Quadrado preto
sobre fundo branco" (Fig. 29). Em primeiro lugar e numa analise retiniana, observa-se que
a obra e constituida por dois quadrados 319 , um preto 320 e um branco - pura objectividade. A
sensacao visual de uma pintura, seja ela ou nao abstracta, e igual para todo o humano
fruidor e aqui enquadra-se bem a palavra receptor visto que, numa primeira instancia,
havera que receber retinianamente factores externos - sensacao fisiologica cezanniana 321 .
A recepcao estetica da obra de arte separada da sua compreensao esta intimamente
relacionada com a sua objectividade, aquilo que Bourdieu apelida de "familiaridade" 322 .
Apesar deste a relacionar com a compreensao, no nosso ponto de vista, ela incide
primeiramente numa recepcao, digamos analise retiniana e so posteriormente por
inteleccao relacionada com a historicidade da obra - se adquirida - se torna compreensivel.
318 GUIMARAES, Fernando - Do Modernismo a "morte da arte". Jornal de Letras Artes e Ideias. (3 Out.
2001). p. 20.
319 A forma quadrada vem substituir a forma divina triangular, no entanto nesta obra nao temos exactamente
um quadrado perfeito, na medida em que nao existem nem lados iguais, nem paralelismos das suas faces,
nem sequer angulos rectos, dai o ter designado de "Quadrangulo".
320 Podemos referir que esta obra e um sintetismo cromatico, porque o preto, que adquire a forma da mais
pura objectividade, pode ele mesmo ser considerado uma subjectividade, na medida em que a cor preta e
constituida pelo somatorio das cores primarias.
321 Para Cezanne, a sensacao esta no objecto e nao no ar e o que esta intrinseco ao objecto.
322 cf. BOURDIEU, Pierre - As regras da arte: genese e estrutura do campo literario. Lisboa: Editorial
Presenca, 1996. (Biblioteca do seculo; 3). p. 326.
171
Fig. 29 | Kasimir Malevich, Quadrado
preto sobre fundo branco, 1913.
A analise da obra tende para a compreensao de tudo o que lhe diz respeito.
Evidentemente, esta traducao da obra so e permitida apos a percepcao. Mas afastada desta
objectividade esta a historia que a propria obra encerra e que so a ela e ao seu criador
pertence. A sensacao de cor e forma quadrada consiste, entao, numa expressao
psicofisiologica do contacto directo com o objecto (obra de arte) de que resulta uma
transformacao bioelectrica dos nervos, a partir da qual ha uma projeccao cortical (referente
ao cortex cerebral). Em condicoes normais, todas as pessoas recebem do exterior os
mesmos factores de influencia, o que torna a realidade externa homogenea quanto a sua
visibilidade - um padrao imagetico.
Assim, os elementos preto e branco, bem assim como a forma quadrada estao
padronizados para todo o humano que com eles ja tenha contactado. Para um fruidor
"leigo", uma dada obra possui significado, mas nada lhe significara, e no entanto essa obra
e percepcionada de igual modo tanto para ele como para um fruidor instruido, por isso, o
"leigo" nao conhecendo as gramaticas necessarias ao entendimento da obra e a informacao
contida nesta, nao sendo intelectivamente compreendida nao permite atingir o seu fim
ultimo. Deste modo, a obra de arte pertence ao dominio dos objectos vulgares, passando a
adquirir o titulo de obra de arte apenas quando e colectivamente percepcionada e
descodificada quando nos remete para o juizo de valor, isto e para a significacao. E aqui
que a obra se torna verdadeiramente artistica, porque adquire diversas dimensoes,
consoante as diversas percepcoes individuals. Fomenta-se pois uma expressao pessoal de
elaboracao activa do objecto a partir de indicativos sensorials captados anteriormente.
172
Em "Quadrado preto sobre fundo branco", o fruidor reconhece as cores, as formas,
visto que assentam em conceitos que lhe sao familiares. Ele vera essas duas figuras
geometricas e atribuir-lhes-a uma determinada compreensao pelo que, tratando-se de
figuras puramente elementares e objectivas, a significacao so surgira apos a conjugacao de
varias figuras elementares e objectivas.
Esse perfeito entendimento entre aquilo que e verificado visualmente e o que
realmente e so se torna possivel apos uma interiorizacao vivencial daquilo que sao as
figuras geometricas citadas. Assim, cada fruidor tera primeiramente de ter tornado contacto
sensorial com a figura quadrado (provavelmente desde a infancia), atraves da percepcao
dessa figura, e ter sido sujeito a uma aprendizagem baseada na informacao, nomeadamente
que a essa figura corresponderia a palavra "quadrado" e, que por sua vez, este e um
conceito com um determinado significado - quadrilatero de lados iguais e angulos rectos.
O mesmo acontece com a cor - no nosso caso preto e branco - que, apos todo o processo
vivencial de aquisicao de conhecimento, se torna num factor de caracterizacao da obra em
analise. Portanto, o processo de vivenciacao e criador de conceitos, que se definem pela
sua compreensao e pela sua extensao. Na obra de Malevich, a figura "quadrado" implica,
por um lado, a compreensao de um quadrado, e a extensao de um quadrado preto e de um
quadrado branco.
Todos os elementos da obra de arte sao conceitos, definindo-se entao pela sua
compreensao e pela sua extensao. Pagliaro da uma ideia da amplitude de caracterizacoes
com a comparacao entre o sinal linguistico e a imagem.
«Ha uma diferenca fundamental entre a imagem e o sinal linguistico, representado
pela palavra isolada. A palavra assume em si um significado generico; por exemplo,
o vocabulo "livro" pode aplicar-se a todos os livros que existiram, existem e hao-de
existir, enquanto a imagem apenas pode representar um livro, aquele livro concreto
que os nossos olhos veem, pintado pelo artista (...) ou reproduzido pela maquina
fotografica.» 323 .
Pagliaro demonstra aquilo que e o percurso do generico para o especifico, mais
concretamente da palavra para a imagem. Evidentemente que se tern em causa a palavra
simples, nao adjectivada e a imagem figurativa, aquela que se encontra longe de qualquer
abstraccao. Pagliaro, ao apresentar-nos esta ideia, remete-nos para a imediatidade sensorial
da imagem em oposicao a palavra. No entanto ambas sao frontais, ambas se apresentam ao
323 PAGLIARO, Antonino - A vida do sinal: ensaios sobre a lingua e outros simbolos. 2 a ed. Lisboa: FCG
[Fundagao Calouste Gulbenkian], 1983. p. 265.
173
receptor de igual modo, apesar de uma se poder encontrar com um sentido mais lato e a
outra mais restrito. A imagem de um livro per se excluida de quaisquer referencias
adicionais que possam caracterizar o objecto "livro", resulta de igual modo na latitude da
palavra "livro". Com efeito, qualquer imagem de um livro seja em que formato for, de
modo isolado, compreendera uma extensao universal. No entanto, se essa imagem for
"adjectivada", com o adicionar de mais referencias, entao ai sim obtemos uma maior
especificidade, estabelecendo-se entao uma semelhanca com a palavra escrita "livro".
A palavra "livro", com a extensao "Biblia", aqui sintetizada por "Biblia" (fig. 30) e
semelhante a representacao imagetica de uma biblia (fig. 31). Se a ambas as figuras for
retirado o seu substantivo teremos duas situacoes completamente analogas, ou seja, uma
imagem de um livro que nao se especifica e uma palavra (livro) que de igual modo nao
significa mais do que a evidencia tipografica "livro".
BIBLIA
Fig. 30 | Palavra com extensao Biblia. Fig. 31 | Objecto (livro) com extensao Biblia.
Pagliaro continua referindo-se ao artista, dizendo que «(...) nao interessa agora o
que de seu ele lhe juntou» 324 , pois como e evidente, para ele neste momento de analise, nao
tern qualquer interesse uma abordagem ideologica da obra, mas antes centrar o estudo
naquilo que e imediato numa optica retiniana.
E na compreensao e na conjugacao dos conceitos que podemos justificar a grande
variabilidade de significacoes das obras de arte, porque, individualmente, cada conceito
tern naturalmente uma compreensao aceite universalmente. A obra de arte, caracterizada
por determinados elementos constituintes, e na sua substantia puramente indiscutivel, ou
seja, ninguem discute um substantivo, visto que este e o que e e nao admite variacoes
possiveis. Por outro lado, a caracterizacao da obra de arte passa pela atribuicao de
adjectivos, na medida em que os substantivos carecem de diferenciacoes, para se poder
aferir das qualidades que estao a classificar e arrumar as obras nas devidas "prateleiras" da
arte. Ninguem contraria a definicao de quadrado, porque, do mesmo modo «A
idem, ibidem
174
concordancia sobre o que deve entender-se por branco, ou por preto e universal, precisa e
categorica; a proposigao que afirma nao ser o branco preto, e tida como valida por todos ou
quase todos. » 325 . Estes conceitos estao, por isso, sujeitos a um significado e nao a uma
significacao; e tern uma determinada extensao, que podera ir do generico ao especifico,
sendo que aqui podera haver lugar a flutuacoes de variada ordem. Poderemos estar perante
um "Preto Marfim", um "Preto de Vela", um "Preto de Marte", um "Preto Fumado", entre
outros.
Porem, a obra de Malevich nao existe como sendo um quadrado preto e um
quadrado branco: ela encontra-se "resolvida". Quer isto dizer que se encontra na sua
plenitude maxima de concretizagao, pelo somatorio dos varios elementos que dela fazem
parte. Esta conjugagao de elementos concretizada na obra corresponde a sua
subjectividade. Deste modo, uma obra de arte, seja ela abstracta ou figurativa, e
simultaneamente subjectiva e objectiva e alterna reciprocamente, entre uma objectividade e
uma subjectividade. De facto, e desta alteridade que vive o mundo das artes: figuragao-
abstracgao, objectividade-subjectividade, ausencia-presenga.
Se convocarmos para aqui duas oposigoes evidentes e elementares da historia da
arte - nao propriamente da historia enquanto movimento, mas sim como estilo, ou forma
de pensar artisticamente, concluiremos que eles pertencem a uma dualidade contraditoria:
arte figurativa/arte abstracta. Nao interessa qual ou quais os movimentos que fazem parte
de um e de outro, nem importa realgar nenhum deles em particular: interessa sim
considera-los como dominios onde poderemos encontrar resumos de varios momentos
artisticos. Se os colocarmos em tempos diametralmente opostos, verificamos que a isso
tambem corresponde uma enorme relagao de alteridade. Essa notoria diferenga e
compreendida pela presenga/ausencia de elementos que compoem a obra, partindo de um
mundo plastico mais preenchido, mais recalcado ou redundante, para outro bem mais
sintetico, mais entropico - diriamos, pois, mais estilizado. A passagem de um mundo a
outro, da ausencia a presence, abre caminho para uma objectividade, que apesar de provida
e rica em elementos visuais, torna-se de dificil compreensao (fig. 32).
idem, ibidem, p. 248.
175
Peta sua Elementaridade
Peia conjugagao de elementos visuais ■
Arte Abstracta
■> Arte Figurativa
I
SUBJECTIVIDADE
(AUSENCIA)
+++++++
Informt^ao visual '
o • « - - "
t
>> OBJECTIVIDADE
(PRESENQA)
Fig. 32 | Esquema de dualidades em rela^ao
E uma ideia que se apresenta invulgar e antitetica, mas nao desprovida de sentido,
visto que, sempre que partimos de uma obra mais elementar na sua concepcao para outra
mais elaborada (no que diz respeito a sua figuracao), estamos a sobrepor e a adicionar
elementos para a obtencao dessa figuracao.
Todos nos compreendemos e sabemos o que e a figura geometrica "quadrado",
sabemos inclusivamente desenhar um quadrado e representa-lo num suporte fisico, mas se
lhe forem adicionados outros elementos como um triangulo, rectangulos, circunferencias e
outras formas geometricas, das quais estes sao apenas alguns exemplos, entao ai estaremos
a complexificar a obra, de modo que poderemos chegar a uma situagao representativa de
uma paisagem por exemplo, em que as formas geometricas iniciais seriam apenas o esboco
dessa representacao (fig. 33)
QW
u
Fig. 33 | Adi^ao de elementos.
A conjugacao de muitos elementos na obra afastam-na da sua compreensao. Neste
caso, poderiamos obter uma paisagem. Simultaneamente, esta conjugacao despoleta
176
grandes duvidas, porque outras questoes se levantam, nomeadamente: de que paisagem se
trata? Qual a localidade onde se encontra inserida? A obra de arte, na sua objectividade,
nao esconde a sua logica; no entanto, o que fica por formular e o seu nivel mais profundo,
ou seja, aquele que corresponde ao discurso da obra entenda-se, nao discurso plastico, mas
sim discurso de conteiido, dai que segundo Antonio Quadros Ferreira, «0 discurso
analisado, pela recepcao, e o resultado de uma inferencia que vai do objectivo ao
subjectivo, questionando-se no conteiido e no continente do discurso, a analise de
conteudo» 326 . A obra apresenta-se entao a evidencia com um discurso apreendido quer
sensorialmente, quer intelectivamente; por outro lado ficara por revelar o discurso de
conteiido, que nem sensorialmente nem intelectivamente e capturado porque, a este nivel,
ela nao se esclarece a si propria, contrariamente a objectividade. Esta objectividade ressalta
com evidencia quando alguem observa uma obra de que nao conhece o significado. O que
dai resulta e que «(...) ve ai um simples significante» 327 , ou seja, apenas o objecto fisico,
puro representamen de uma realidade escondida.
O "nao conhecer o significado" corresponde a subjectividade, que por sua vez realca
a objectividade. Assim, «(...) na recepcao, a subjectividade mediatiza a objectividade. » 328 .
Por exemplo, um artista que tencione associar na sua obra um determinado elemento
(objectivo e significante) a um significado, o que obtem? Sera que o significado e apenas o
significante? Em primeira instancia, podemos referir que apenas existe o elemento visual,
ou seja o significante, porque e aquele que e objectivado retinianamente; mas numa analise
mais cuidada podemos perceber que existe efectivamente a dupla significante e
significado, a qual da origem ao signo. Portanto existe a construcao de uma subjectividade
constituida pelo elemento e o seu significado, que se contrai para formar o signo. Sera,
entao, sempre necessario que o fruidor conheca as relacoes que sao intrinsecas ao signo.
Mesmo que a representacao seja do conhecimento absoluto do observador, a sua
objectividade em conjugacao, «(...) nao e dada ao conhecimento de modo pleno e
adequado, e de nenhuma maneira e inquestionavel nas obras» 329 . O que faltara a essa
obra/representacao, sera a sua relacao com o piano que a rodeia, as suas relacoes com
outros elementos que poderao nem sequer estar presentes. Uma obra de arte e uma
326 FERREIRA, Antonio Quadros - Paineis das gares maritimas de Lisboa - Analise e recepcao da
modernidade em Almada Negreiros. Porto: Fundagao Eng. Antonio de Almeida, 1994. p. 227.
327 COELHO NETTO, J. Teixeira, op. cit., p. 23.
328 ADORNO, Theodor, op. cit., p. 297.
idem, ibidem
177
Gestalt 330 , porque ela nao e visualizada como sendo formas, cores, composicao, textura,
etc., que se regem segundo ordens diversas (compositivas, cromaticas, etc.) e que
determinam a imagem da obra de arte como sendo efectivamente uma obra de arte. Pelo
contrario, identificamos uma imagem correspondente a obra de arte, que so e possivel de
ser apreendida sensorialmente porque ela esta ordenada por determinadas ordens, ou seja,
os seus elementos estao arranjados criteriosamente de modo a poderem ser identificados
por cada um de nos.
Resumindo, a obra nao e identificada pelos seus elementos individualmente, mas sim
pelo seu conjunto. Por exemplo, a figura 34 e uma figura geometrica que pode ser
decomposta, num rectangulo e num trapezio, e e vista desse modo como uma figura
geometrica composta. Por outro lado, a figura 35 e vista como dois circulos dispostos
horizontalmente. Ja a figura 36 sera vista como um carro e nunca como o somatorios das
duas figuras anteriores (34 e 35).
Producao de um Gestalt
o o L-e — e-
Fig. 34 Fig. 35 Fig. 36
Note-se, que esta ideia apenas se refere a percepcao da imagem e nao a sua
compreensao, que sera outro assunto. Reflecte no entanto a dualidade da visualizacao,
simultaneamente objectiva e subjectiva, permitindo-nos tambem, como nos sublinha
Escarpit, chegar a uma objectividade por meio da subjectividade, ou se quisermos,
procurar na abstraccao, a figuracao: «Autrement dit, devant une peinture abstraite, l'attitude
"gestaltienne" consiste a identifier des formes significative s, des objets, a les nommer, a les
organiser en scenes ou en sequences, c'est-a-dire a transformer la peinture abstraite en
330 Gestalt e uma palavra alema que significa "forma". A tese central da teoria da Gestalt reporta-se as
relacoes entre as totalidades e as suas partes. Segundo esta teoria, o todo e diferente da soma das partes e
obedece a leis de simetria, simplicidade, etc, que estruturam as relacoes entre as partes de uma totalidade.
Quando nascemos a primeira coisa que vemos e uma Gestalt, um conjunto de elementos que compoe a figura
da nossa mae e que sao imprescindiveis para se perceber a figura mae. Do mesmo modo, uma obra de arte e
outra coisa mais, para alem da soma dos seus elementos basico. O todo e diferente das partes. A teoria da
Gestalt, saida da psicologia experimental tem origem em Max Wertheimer (1880-1943), Wolfgang Kbhler
(1887-1967), Kurt Koffka (1886-1941) e Kurt Lewin (1890-1947). Esta teoria nao deve ser confundida com a
terapia da Gestalt de Fritz Perls (1893-1970), que so superficialmente esta aliada ao gestaltismo. Para um
aprofundamento deste assunto cf. por exemplo KOFFKA, Kurt - Principles of gestalt psychology. Nova
Iorque: Harcourt Brace, 1935.
178
peinture figurative» 331 . Apesar dos elementos basicos serem vistos e considerados na obra
de arte, mentalmente conjugamo-los de modo a encontrar-lhes um significado, por
aproximacao com as nossas vivencias. Dai que a primeira fase de observacao passa
despercebida ao fruidor. E o que acontece com as tecnicas projectivas, nomeadamente com
o teste inventado por Hermann Rorschach (1884-1922), em que as pessoas organizam
mentalmente formas desorganizadas e aleatorias segundo as suas vivencias pessoais, ou
ainda o "coelho-pato" de Joseph Jastrow (1863-1944), que pode ser visto seja como um
pato ou um coelho.
A fotografia e um caso onde esta ideia se verifica com facilidade. Como se
depreende facilmente, a fotografia e rica na sua verosimilhanca. Por isso, constitui-se como
um bom representante da objectividade em conjugacao. Uma imagem fotografica nao
abstracta apresenta um numero incomensuravel de graos de sais de prata 332 , que por sua
vez se agrupam formando determinadas formas, volumes, cores, textura, etc. Entao, a
imagem parte de uma abstraccao para uma figuracao, de uma subjectividade para uma
objectividade (mas simultaneamente de uma objectividade elementar - sais de prata -, para
uma subjectividade - a subjectividade artistica/figuracao subjectiva), que se pode constituir
como iconica, conforme se trata ou nao de uma representacao aceite universalmente.
Todavia, essa iconicidade da imagem, somente sera valida enquanto elemento isolado e
nunca enquanto conjugacao de varios elementos.
O retrato fotografico e a forma mais simples de compreender esta ideia. O retrato,
sobretudo se se referir a uma efigie da sociedade, encontra-se em lugar de outra realidade.
Quer isto dizer que substitui uma realidade existente e que todos conhecem, devido a
padronizacao da figura como icone. Olhando para o "Guerrilheiro Heroico" de Alberto
Korda (1928-2001) (fig. 37) percebemos que a vulgarizacao da imagem a torna popular,
mas se atentarmos no fotograma original (fig. 38), antes de Korda ter efectuado o crop da
imagem, verificamos que se anteve uma outra figura, que de facto podera complicar a sua
331 ESCARPIT, Robert - Theorie generate de l'information et de la communication. Paris:
Hachette, 1976. (Langue, linguistique, communication), p. 88.
332 Um grao de sal de prata adquire na imagem a corporeidade de um ponto, deste modo assemelha-se a
qualquer representacao nao fotografica (e vice versa), porque se por exemplo atentarmos no que e uma
pintura, verificamos que ela pode ser composta por mancha, que por sua vez sao linhas, que possuem uma
infinidade de pontos. O ponto, como refere Villafane "(...) no necesita estar graficamente representado para
que su influencia plastica se haga notar", in VILLAFANE, Justo, op. cit., p. 98. Nao se pretende fazer
referenda as experiencias de Georges Seurat (1859-1891) e Paul Signac (1863-1935), em que seria inevitavel
considera-los como expoentes maximos e paradigmaticos desta situacao de semelhanca, entre a pintura e a
fotografia, mas sim generalizar a comparacao a qualquer situacao de representacao plastica.
179
visualizacao e o seu posterior entendimento, devido ao desconhecimento da
contextualizacao 333 . O adicionar de elementos na obra subjuga-a a uma incompreensao e,
pelo contrario, quando a quantidade de informacoes diminui, a semantica torna-se mais
clara. A fotografia original, podemos dizer, tem uma maior carga retorica, opondo-se
portanto ao "grau zero" 334 , devido a atitude voluntaria de Korda de manipula-la e sintetiza-
la. Uma figura, apenas, reduz significativamente a possibilidade de conjugacao semantica e
nao permite a multiplicacao de novas significacoes. O niimero "1" isolado sera sempre
resumido ao que ele significa, mas a relacao "1+1" trara a possibilidade de alargamento do
significado original do niimero "1".
Fig. 37 | Aberto Korda,
Guerrilheiro heroico, 1960.
Fig. 38 | Fotograma original, 1960.
Se nao tivessemos conhecimento da foto de Che Guevara (1928-1967) tal como foi
mediatizada, nao saberiamos com certeza ir muito para alem do reconhecimento do
retratado. Mas outras questoes poderiam surgir: quern e a figura que se encontra do lado
direito de Che Guevara 335 ? Que relacao existira entre as duas pessoas? Mesmo no
Neste sentido podemos afirmar, que o enquadramento e uma variavel que afecta o receptor no instante da
recepcao/fruicao, ou seja, no momento da "leitura" da obra.
334 Pedro Barbosa atribui a designacao de "grau zero" a referencialidade maxima da imagem. cf. BARBOSA,
Pedro, op. cit., p. 91.
335 A figura encontra-se parcialmente omitida, por virtude do instantaneo fotografico de Korda, mas de modo
nenhum impossibilitaria que essa imagem fosse tomada como produto final e exposta desse modo, ao
contrario da pintura cronologicamente situada antes do seculo XX, onde toda a representacao figurativa
deveria ter uma grande semelhanca com a realidade e onde nao seria permitido a omissao de partes do corpo,
sob pena de ser considerada uma imagem tecnicamente falhada. Nao seria pois concebivel, que Miguel
Angelo (1475-1564) pintasse uma pessoa com uma mao, um pe ou uma cabeca parcialmente cortada. Haveria
que aproximar a imagem da realidade e ser-se o mais fiel possivel. No entanto, no periodo maneirista, alguns
autores abordaram esta intencao de supressao fisica das personagens, mas sempre com um sentido diferente:
criar a ilusao de optica no espectador. Normalmente essas figuras estavam localizadas em primeiro piano e
cortadas, para darem a ilusao de pertencerem ao mundo real e nao a obra, ou seja encarnariam o papel de
observador. Deste modo o espectador sentia-se mais unido a obra [v. a "Madona do Pescoco Alto" (1535-
1540) de Parmigianino (Girolamo Francesco Maria Mazola) (1503-1540)]. Esta atitude viria tambem a ser
180
"produto" final, podemos questionar a fotografia, sobretudo se perguntarmos em que
situacao estava inserido Che Guevara e porque o seu olhar penetrante, em que, ate
"iconicamente", transparece determinacao e sofrimento. Facilmente percebemos que,
apesar de toda a objectividade imagetica em conjugacao, muito fica por dizer, a nao ser
que se explicite antecipadamente o conteiido referente - a mensagem - que dara lugar a
subjectividade. Assim, «A arte e plenamente expressiva quando, atraves dela, e
subjectivamente mediatizado algo de objectivo» 336 .
A descricao da mensagem (conteiido subjectivo) tern por base «(...) um conjunto
de elementos de percepcao extraidos de um reportorio e reunidos numa dada estrutura» 337 .
Nesta definicao, Coelho Netto quase que explica a ciclica dualidade objectividade-
subjectividade. Afinal de contas, pretende-se com este trabalho um estudo da comunicacao
no seio da arte e, portanto, este nao pode ser separado da mensagem, que Coelho Netto
evidencia como dependente de um repertorio e uma estrutura. O repertorio a que se refere
nao e mais do que a objectividade elementar da obra. Por outras palavras e mais
descritivamente, trata-se do universo de elementos que compoem a obra e que existem em
determinados limites. O repertorio das cores e o espectro que resulta da dispersao da luz
visivel (luz solar) e suas possiveis combinacoes; o repertorio de sons sera o universo de
todos os sons audiveis pelo homem nas suas diferentes variabilidades, etc. Mas estas
caracteristicas nao existem isoladamente: elas necessitam de uma determinada estrutura
para cumprirem a sua funcao. E ela que da forma a obra. Neste sentido, ainda que fazendo
parte da objectividade, quase que poderiamos considera-la uma causa subjectiva porque, se
ela nao e a subjectividade, pelo menos contribui para que esta surja. Nao podemos
esquecer que ela formaliza a obra, acabando por "fechar a chave" o seu conteiido. Sem a
estruturacao da obra, esta nao existiria e, seguramente, bem menos sentido faria falarmos
de mensagens na obra de arte.
Embora toda a obra abstracta seja considerada subjectiva, devido a uma ausencia
tematica evidente que permita um reconhecimento da realidade sensorial, essa abstraccao e
notoriamente uma grande objectividade, talvez maior do que a sua subjectividade, na
medida em que a obra e encarada naquilo que a compoe, ou seja, nos seus constituintes
retomada por Edgar Degas (1834-1917), mas com outro espirito (v. "Orquestra da Opera", c. 1870) baseado
fundamentalmente no apoio fotografico.
336 ADORNO, Theodor, op. cit., p. 131.
337 COELHO NETTO, J. Teixeira, op. cit., p. 127.
181
basicos. Em Malevich (fig. 29) teriamos entao dois quadrados, um branco e um preto -
nada mais objective Esta objectividade elementar e conseguida pela trivialidade dos
elementos constituintes da obra, que todos estarao disponiveis para interpretar. Por outro
lado, a obra figurativa e puramente objectiva, devido a sua enorme aproximacao a
realidade. Ela pertence a um mundo plastico mais preenchido, mais recalcado e
redundante. Esta objectividade tornar-se-a gradualmente subjectiva, a medida que se forem
estruturando e conjugando elementos visuais na obra. Ela passara entao, de uma
objectividade elementar (intelectivamente compreendida pelos fruidores) para uma
subjectividade artistica - figuracao subjectiva, quer dizer, de um estado que se caracteriza
por uma enorme presenca de elementos na obra de arte, ate outro que, por excessiva forca
de expressao, a dota de uma grande ausencia, entenda-se, ausencia de contexto. Por um
lado, temos o mundo da simplificacao, o da incompreensao estetica e da compreensao
fisica e objectiva da obra, em consequencia de uma percepcao e de uma aprendizagem
interiorizada; por outro lado, temos o mundo da complexificacao, o da representatividade
subjectiva. Essa representatividade, extremamente explicita e evidente e demasiadamente
fechada. Faltara a relacao dessa obra com o piano que a rodeia e as suas directas relacoes
com os outros elementos da obra, conquanto ate nem estejam presentes nela.
Ainda no exemplo de Malevich, facilmente entenderemos que poderiamos criar na
obra um somatorio de elementos de modo a constitui-la e aproxima-la de uma cada vez
maior subjectividade (fig. 39). A sua objectividade elementar representada na visibilidade
do Quadrado preto sobre fundo branco, poderiam ser adicionadas outras figuras
geometricas, e deste modo saltar para outro patamar - o da subjectividade. Afinal nao sera
o "Quadrado preto sobre fundo branco", uma forma composta derivada da obra
"Composicao suprematista: branco sobre branco", vulgarmente designada "Quadrado
branco sobre fundo branco"?
182
Kaslmii Moievich, "Quodrodo pceto
sabre Fundo Biartoo".
t
Composicoo Oe 20 Doras "Quodrodo treto soore Fundo Bronco"
Objecfividade
I
Subjectividade
Fig. 39 I Complexo objectividade/subjectividade
A figuracao tern o seu principio basico nas suas formas mais simples, pelo que toda
a natureza se reduz a uma geometrizacao basica. A partir desse estado de simplificacao,
surgirao, pelo adicionar ab initio, pelo aperfeicoamento e pela acomodacao, outras formas,
agora sim, mais desenvolvidas tecnicamente. As formas geometricas simples facilmente
serao reconheciveis, mas a conjugagao de varias formas geometricas simples oblitera a
compreensao da obra, nomeadamente quanto ao seu contexto. Todos saberao o significado
de um quadrado preto, mas vinte quadrados pretos terao o mesmo significado? Qual a
relacao entre eles? Visualmente percebemos que o resultado final do somatorio de vinte
obras "Quadrado preto sobre fundo branco" nos remete para outras realidades. Desde
logo, podemos chegar a uma composicao que se aparenta a uma janela ou as grades de uma
prisao, etc. Deste modo, quanto menos informacao a obra contiver, mais facilmente esta
sera reconhecivel. A economia de informacao 338 de Hochberg e McAlister referem-no:
«Quanto menor for a quantidade de informacao empregada em definir uma organizacao,
comparativamente com as outras alternativas, maior e a probabilidade de que a figura seja
338 cf. HOCHBERG, Julian; McALISTER, Edward - A quantitative approach, to figural "goodness".
Journal of experimental psychology. Washington: APA [American Psychological Association]. Vol. 46,
(Nov. 1953), 361-364
183
assim apercebida» 339 . Se caminharmos no sentido da criacao de uma objectividade (forma
objectiva), tendo como ponto de partida a subjectividade (forma subjectiva), caminhamos
para um estado criptico da imagem, na medida em que a miscelanizacao dos elementos
constituintes da obra a sobrecarregara de uma excessiva informacao visual, constituindo-se
pois como uma barreira ao entendimento efectivo da mesma.
Nao e possivel pensar-se na subjectividade sem ter presente a materialidade da obra
e as diversas relacoes entre cada elemento material e objectivo. Toda a obra figurativa sera
pois o repositorio de um numero incalculavel de elementos e atributos, que ao fruidor se
constitui como a informacao visual. Por isso, Noronha da Costa 340 (1942- ), a proposito da
pintura de Gerhard Richter (1932- ), refere que, quando ele desfoca o que pinta, faz perder
informacao. Efectivamente, o que acontece e que, retirando a nitidez a imagem, esta-se a
contribuir para a reducao da informacao visual. Alguns elementos sao simplesmente
eliminados enquanto outros permanecem desconfigurados. Por exemplo, uma imagem
figurativa onde predomine a linha e a cor podera ver-se reduzida apenas a mancha. Por
outro lado, a conjugacao desses elementos da obra, mesmo que harmoniosamente
conseguida, nao permite ao publico fruidor inteirar-se do seu contexto, nao levando, pois, a
sua posterior compreensao.
A visualizacao de uma marinha, paisagem, retrato ou natureza morta so permite o
reconhecimento dos elementos que os constituem, mas a contextualizacao dessa
informacao com total eficiencia e muito reduzida. A identificacao de um retrato como
genero pictorico e sobejamente facilitado 341 , mas o reconhecimento da pessoa retratada
pressupoe, desde logo, o previo conhecimento dessa personagem. Se, na fotografia, Che
Guevara so e reconhecido por forca da mediatizacao de um momento que Alberto Korda
fixou numa imagem (v. fig. 37, p. 180), tambem a "Ultima Ceia" de Leonardo da Vinci
(1452-1519) (Fig. 40) so e percebivel como uma das obras mais paradigmaticas do
Renascimento Pleno Italiano devido a toda a sua geschichte, fruto de uma historie, bem
assim como a canonizacao do tema em causa, enquanto registo de um excerto biblico.
339 Julian Hochberg e Edward McAlister cit. por FRANCES, Robert, op. cit., pp. 78, 79.
340 OLIVEIRA, Emidio - A pintura de Noronha da Costa. Lisboa: IN-CM [Imprensa Nacional-Casa da
Moeda], 1989. p. 69.
341 Por vezes a tarefa de separagao entre generos nao e evidente, por virtude das excessivas forgas de
expressao.
184
Fig. 40 | Leonardo da Vinci, Ultima Ceia, 1495-98.
Cria-se entao a ciclica dualidade objectividade-subjectividade, ou como Donis
Dondis refere, uma simplicidade-complexidade:
«E1 orden contribuye considerablemente a la sintesis visual de la simplicidad, tecnica
visual que impone el caracter directo y simple de la forma elemental, libre de
complicaciones o elaboraciones secundarias. La formulation opuesta es la com-
plejidad, que implica una complication visual debido a la presencia de numerosas
unidades y fuerzas elementales, que dan lugar a un dificil proceso de organization
del significado.» 342 .
Ao adicionar de elementos na obra e a conjugacao dos mesmos corresponded uma
complexificacao, uma inteleccao exterior, que relevara uma forma complexa, a qual
corresponde um significado que permanece oculto. Assim, quanto mais conhecemos a
obra, mais ela nos parece anonima e misteriosa; quanto mais conseguimos identificar o que
a compoe e esmiucar o que dela faz parte, menos conseguimos penetrar na sua verdadeira
alma.
Torna-se evidente que as obras mediaticas, sendo objecto de um estudo
aprofundado e sendo elas largamente divulgadas e difundidas pelo mundo constituir-se-ao
como icones historicos colocados a disposicao dos fruidores. Elas tern pois todas as
condicoes para se circunscreverem num paradigma de compreensao "absoluta", nao so por
todas as analises que lhe foram e sao dedicadas mas tambem por todas as condicoes de
disponibilidade dessas analises oferecidas ao publico. Estas obras ditas mediaticas,
incluem-se na historia e sao representativas de determinados tempos e lugares. Por
entrarem e persistirem na historia, sao consideradas universais 343 , e por essa razao estao em
342 DONDIS, Donis - La sintaxis de la imagen: introduction al alfabeto visual. Barcelona: Gustavo Gili,
1980. (Comunicacion visual), p. 133.
343 Convira notar, que esta universalidade e supostamente muito variavel. Um simbolo aceite numa
determinada cultura, podera ser visto de modo completamente oposto noutra. A universalidade esta entao,
dependente: 1° - do percepcionar sensorialmente o objecto; 2° - da sujeicao a uma aprendizagem cultural.
185
lugar de outro tempo e outro lugar (tempo + lugar = realidade) e a sua visualizacao nao
encerra qualquer dificuldade de entendimento. Se faltarem alguns parametros de analise,
falhara a sua compreensao "absoluta" ; falhara a universalidade solicitada para uma cabal
abrangencia da obra; e falhara aquilo que muitos artistas tern como pretensao - transformar
as suas obras em objectos para veicularem mensagens. E o que acontece com o surgir da
arte moderna, e mais notoriamente a actual, sobretudo aquela que nao tern histaria escrita,
ficando portanto resumida a um estado criptico, na medida em que ainda nao houve lugar a
sua analise e explicitacao. Aos seus "espectadores" estarao velados os codigos e
convencoes impostos pelo criador, que sao absolutamente necessarios para a
descodificacao de signos expressos em elementos visuais. Falhara entao o desiderata de
muitos artistas em pretenderem veicular mensagens atraves das suas obras com um
objectivo comunicacional. Poderemos pois falar de um "fracasso" do processo de
"comunicacao"
Se reduzirmos a obra ao seu aspecto material, aquilo que efectivamente se torna
evidente ao olhar de qualquer observador, como poderemos encaixa-la num processo de
comunicacao? Segundo Eco, os signos esteticos «(...) significam antes de mais (ou
tambem ou alem do mais) a sua especifica organizacao material (...) A obra de arte e um
signo que tambem comunica o modo como e feita.» 344 . A referenda ao aspecto material
tern grande importancia no dominio estetico, pois de facto e a isso que as obras se
resumem: ao seu aspecto material. O que concretamente existe e se torna evidente pelo
aspecto fisico das coisas e incontestavelmente o que se traduz na sua visibilidade e aquilo
que nos excita sensorialmente, atraves da activacao dos nossos sentidos.
Eco refere que a obra de arte tambem comunica o modo como e feita. Poderiamos
acrescentar, dizendo que "comunica" apenas o modo como e feita, ou seja, o seu estado
fisico. No meio disto tudo, utiliza-se a palavra comunicacao de um modo indevido, porque
a obra nao nos comunica, mas sim, apenas nos informa o modo como foi realizada. A obra
informa-nos, entao, de tudo o que a compoe, quer sejam os seus aspectos mais evidentes,
como e o caso dos aspectos cromaticos, o tipo de tintas utilizadas, tecnicas, texturas, etc.,
bem assim como todos os aspectos que se conotam, como sera o caso da composicao 345 . As
Este todo forma aquilo que se podera designar, de interiorizagao vivencial. E a "ideia comum" de uma
determinada sociedade, num determinado tempo-lugar.
344 ECO, Umberto - O signo, 3 a ed. Lisboa: Editorial Presenga, imp. 1985. (Biblioteca de Textos
Universitarios; 45). p. 50.
345 Esta pressupoe uma analise mais cuidada, que esta no ambito da disciplina de estudos de composigao.
186
propriedades de uma cor ou de um som sao mensuraveis, cabendo a ciencia a tarefa de as
analisar. Esta possibilidade de evidencia cientifica e pois demonstrativa de que o elemento
cor e uma objectualidade fisica, passivel por isso de inequivoco rigor. A possibilidade de
uma comunicacao perde-se entao na exclusividade da informacao dos elementos visuais, a
nao ser que consideremos a comunicacao na arte como Dirk Baecker 346 propoe na sua
segunda concepcao do enderecamento da arte, unicamente apoiada na observacao e nao na
transmissao de algo de um emissor para um receptor - uma comunicacao como
observacao.
A imagem artistica pressupoe elementos denotativos, ou seja, aqueles que se
afiguram e que significam conceptualmente, sem recorrer a qualquer ginastica mental na
procura do sentido. Mas tambem tera de haver lugar a uma conotacao, de modo a
amplificar a obra de arte em estudo. Significa isto dizer que na obra existem elementos que
nao se apresentam a "superficie" e que por essa razao nao sao facilmente traduzidos. O
observador tera de desenvolver mecanismos de interaccao mental, no sentido de buscar e
relacionar as formas conotadas com a respectiva realidade externa. Temos uma analise que
vem do interior para o exterior.
Para a compreensao da obra de arte tera de verificar-se o principio de existencia de
um numero minimo de elementos que possibilitem uma primeira abordagem aquilo que e o
seu significado. A obra sera sempre o reflexo de uma primeira analise externa, considerada
talvez superficial. Tomando novamente como exemplo a obra figurativa "Os Esponsais dos
Arnolfini" (v. fig. 26, p. 155), verificamos numa primeira abordagem, que o receptor da
mesma devera estar no pleno conhecimento de diversos conceitos, entre os quais, o de
espelho, vela, cao, chinelos, fruta, etc. Nao se incluem aqui os conceitos cor, geometria,
composicao, perspectiva, etc., visto que os chinelos terao uma determinada cor, uma
determinada forma, etc., por isso compreender o conceito chinelo pressupoe o
conhecimento de outros conceitos basicos, que no fundo sao a origem de qualquer conceito
346 «A primeira concepcao e de que esta se trata, junto a arte, de um sistema funcional da sociedade, logo de
um sistema social que opera no nivel da comunicacao e preenche nesse nivel uma determinada funcao na
sociedade; a segunda concepcao e de que so se pode entao descrever arte como comunicacao, quando esta e
compreendida como observacao, mais precisamente ainda, como observacao de observacoes, como
observacao de segunda ordem; e a terceira concepcao e de que as observacoes do sistema funcional "arte" se
referem a uma bem determinada diferenca, que tambem desempenha um importante papel em outras areas da
sociedade, mas na arte torna-se explicitamente um tema, um problema e um enderecamento de
comunicacao». Cf. BAECKER, Dirk, op. cit., p. 2, 3. Original publicado em idem, Die Adresse der Kunst. In:
FOHRMANN, Jurgen; MULLER, Harro (Hrsg.) - Systemtheorie der literatur. Munchen: Wilhelm Fink
Verlag, 1996. p.82-105.
187
mais complexo. Por exemplo, os signos que se referem a linhas sao desde muito cedo
interiorizados por nos e em cada obra estes tornam-se mais ou menos explicitos, pelo que
os identificamos facilmente. A figura 41 mostra algumas referencias as linhas que
compoem a obra de Jan van Eyck. Podemos observar que, apesar de muito sintetica, a
figura traduz aquilo que implicitamente esta representado nessa obra mas tambem e certo
que podera ser complexificada ate se obter um maior realismo.
Fig. 41 | Algumas referencias a linha
Fig. 42 | Algumas referencias a cor
Estas referencias denotam-se com mais evidencia nas obras de cariz figurativo,
muito embora algumas obras abstractas sejam de uma riqueza extraordinaria no que
respeita a esta questao da linha. Torna-se evidente que a observacao de uma obra nao passa
propriamente pela identificacao deste tipo de componentes ou de outros quaisquer, mas
eles sao parte constituinte da mesma.
De modo semelhante, a figura 42 faz referenda aos signos cromaticos, elementos
esses que, uma vez mais facilmente entendemos e percebemos de modo claro, apesar de
existirem algumas variacoes pessoais no que concerne ao apuramento ou a subjectividade
das cores
347
No aspecto cromatico poderemos encontrar problemas de avaliacao. Dificuldades de ordem fisiologica
impossibilitarao uma boa compreensao da cor. Tambem determinados tipos de gradientes poderao criar
algumas sinergias entre cores, o que dificulta grandemente a sua compreensao. Podemos pois considerar, que
existem filtros de caracter sensorial que estao relacionadas com os sentidos do receptor, nos quais a fisiologia
188
Nao podemos esquecer que a complexidade da "maquina" que nos permite a
avaliacao das cores e que e constituida pelo olho-cerebro e de facto o que tambem nos
distingue biologica e culturalmente. Segundo Pastoureau «A cor e um produto cultural; nao
existe se nao for percebida, isto e, se nao for, nao apenas vista com os olhos, mas tambem e
sobretudo descodificada com o cerebro, a memoria, os conhecimentos, a imaginacao» 348 .
Nesta opiniao, de Pastoureau, e reforcada a ideia de que a cor, para existir tern (por parte
do humano) de possuir determinados requisitos, dentre os quais se destaca a apreensao por
inteligibilidade. Primeiramente da-se a percepcao de uma dada situacao e, so depois, a
formacao da imagem ou da nossa cor, se assim preferirmos. Nao ha cores sem percepcao
anteriormente experimentada; a percepcao provoca, pela sua revivescencia, imagens
correspondentes, mas sempre de modo individual e logicamente de forma subjectiva.
Este tipo de estudo, que realcamos com uma obra figurativa, nao e exclusivo da
figuracao, porquanto qualquer abstraccao estara, tambem ela no mesmo dominio de
analise. Assim, a obra "Composicao 2" 349 (fig. 43), de Piet Mondrian, pode ser realcada
atraves das suas componentes cromaticas (fig. 44) e estruturais (fig. 45). Nesta ultima,
pode-se ainda fazer referenda ao estudo das linhas.
X
I
Fig. 43 | Piet Mondrian, Composigao 2, Fig. 44 | Signos cromaticos
1922.
Fig. 45 | Signos estruturais
do individuo tern um papel muito importante e determinante para a correcta avaliacao das cores. E exemplo
de perturbacao visual, o "daltonismo" e as suas multiplas variacoes, como a "acromatopsia" que impede a
distincao de todas as cores entre si, ou a "discromatopsia" que impede a distincao de varias cores umas das
outras, nomeadamente o vermelho e o verde, ou determinados vermelhos e determinados verdes. De uma
forma ou de outra encontraremos sempre referencias comuns entre os varios observadores, mesmo que este
nao seja universal, culminando pois numa coerencia de opinioes apesar de dispares.
348 PASTOUREAU, Michel - Dicionario das cores do nosso tempo. Simbolica e sociedade. Lisboa:
Editorial Estampa, 1993. (Imprensa universitaria; 101). p. 66.
349 Acerca desta obra cf. o breve estudo semiologico apresentado na p. 151 (§ 2) e sgg.
189
A obra de arte e entao composta por conceitos que compreenderemos em maior ou
menor grau, mas nem so deles vive a obra: numa fase seguinte, a sua compreensao passara
pela correspondencia entre os elementos representados objectivamente na obra e a
realidade subjectiva que se pretendeu evidenciar. Embora os elementos objectivos se
evidenciem na obra podemos afirmar que as objectividades, quando em relagao tornam-se
verdadeiras subjectividades. A este respeito, podemos estabelecer uma dualidade entre
aquilo que pertence aos elementos especificos da obra ou seja, aquilo que e meramente
visivel na obra, e aquilo que nao e mostrado, mas que se induz (ou nao), aquilo que todos
os fruidores aspiram alcangar. Deste modo entroncamos numa separaczao que se
complementa: a objectividade elementar, referindo-se aos elementos estetico-artisticos da
obra, e a objectividade, nao dos elementos mas sim, do conhecimento desses elementos
quer isoladamente, quer em relagao. Porque o conteudo presente na obra nunca e
objectivado, nunca podera ser apreendido sem primeiramente se tomar conhecimento dos
referidos elementos ou, se quisermos, dos conteudos exteriores.
3.3.1 Os elementos da obra como signos da realidade
Como vimos, toda a comunicagao envolve signos e codigos, estes tern por fungao
transmitir ideias atraves de mensagens, criar pois uma directa associagao entre uma dada
realidade (objecto em causa - referente) e a mensagem que se pretende transmitir.
A realidade e um enorme conjunto de imagens que, interagindo entre si, formam
outro mundo que da vida, cor e significado a essa mesma realidade. Qualquer realidade,
qualquer conceito e primeiro que tudo entendido sob a forma de imagem porque, lembra-
nos Denis 350 , qualquer imagem mental e uma forma de representagao. A capacidade
individual de transformagao da realidade em imagens depende muito da aptidao de cada
um de nos em interpretar essa realidade, ou de outro modo, da capacidade de analise e
interpretagao de imagens. A realidade ou o objecto em si e causa do signo e, dada a nossa
350 cf. DENIS, Michel - Image et cognition. 2 a ed. Paris: PUF [Presses Universitaires de France], 1994.
(Psychologie d'Aujourd'hui).
190
capacidade de interpretar imagens, o seu papel como signos depende bastante das nossas
possibilidades interpretativas. Um signo tambem e qualquer coisa que esta em todos nos
pois, se somos criadores de imagens, e se as imagens sao signos, entao somos criadores de
signos. Toda a formulacao imagetica da realidade, seja ela uma obra de arte ou qualquer
outra coisa, cria na mente das pessoas um signo, que diremos equivalente a propria
realidade, pois funciona como um representamen dessa realidade. Portanto, todos nos
produzimos os nossos proprios signos.
Na sequencia deste raciocinio considera-se ainda que todas as obras de arte
resultam da perspectiva de um interprete (entenda-se fruidor), sendo o seu produtor, o
primeiro interprete. A questao artistica refere-se a uma correspondencia construida na
mente de um interprete, e o assunto que interessa interrogar neste momento nao e so o
processo de passagem de uma realidade significativa para a obra de arte mas tambem o
processo que transporta a realidade artistica para os sistemas cognitivos do fruidor. O
interprete e pois fomentador de um mecanismo semiotico - o interpretante - que vai ajudar
a situarmos a complexidade da obra de arte num processo de substituicao de signos. O
signo precisa de ser percebivel pelos nossos sentidos e a realidade a que se refere «(...)
depende do reconhecimento, por parte de quern o usa, de que e um signo. » 351 . Todos os
signos visuais presentes na obra serao portanto reconhecidos e substituidos por outros, que
por sua vez ajudarao na compreensao da mesma. Os signos visuais formulados num todo
ou apenas individualmente tern uma correspondencia externa, que o receptor estabelece.
Individualmente, uma linha traca um contorno, a qual se pode juntar o signo cromatico e
criar um novo signo, que por sua vez se podera juntar a outros e desenvolver uma relacao
de semelhanca com a realidade signica externa.
Os elementos signicos da obra de arte tern uma grande importancia para o
entendimento da mesma. Assim, segundo Villafane 352 , o ponto pode estabilizar a
composicao, produzir tensoes, induzir efeitos dinamicos; a linha tern a capacidade de «(...)
crear vectores de direction que aportan dinamicidad a la imagen», introduz criterios de
economia plastica que «(...) son fundamentals en la composition de la imagen», da
«(...)volumen a los objectos bidimensionales, (...) es un elemento plastico com fuerza
351 FISKE, John - Introdu^ao ao estudo da comunicaf ao. 5 a ed. Porto: Asa, 1999. p. 63.
352 VILLAFANE, Justo, op. cit., pp. 97-137 passim. Este autor divide os elementos da obra ("elementos de
representacao") em espaciais (ponto, linha, piano, cor, textura, forma), temporais (movimento, tensao, ritmo)
e escalares (dimensao, escala, formato, proporcao), cf. pp. 97-163.
191
suficiente para vehicular las caracteristicas estructurales (forma, proportion, etc.)», assim
torna-se num «(...) elemento polivalente»; a textura e «(...) el elemento visual necesario
para la perception espacial, y la vision en profundidad depende ademas de ella en gran
medida (...) colabora en la construction y articulation del espacio porque crea superficies
y planos»; a cor e «(...) un elemento morfologico de la imagen, (...) contribuye a la
creation del espacio plastico de la representation)) articulando «(...) en diversos terminos
en los que estes se organiza», (...) es el elemento idoneo para crear ritmos dentro de la
imagen», possuindo qualidades sinestesicas que se associam a temperatura, sons, etc.; a
forma por sua vez unifica «Estabelece una jerarquia entre las diversas formas
representadas, (...) Articula el espacio en diversos terminos y favorece, en cierta medida,
la construction de la tercera dimension en el plano». Todos estes elementos e outros mais
nao referenciados inter-relacionam-se e trabalham em conjunto para o desvelar dos
conteudos internos da obra. A obra de arte e composta por elementos signicos visuais, que
nada tern de conventional, exceptuando evidentemente a sua condicao fisica, mas sera
precisamente nesta ausencia de convencionalidade signica que os signos elaborados
mentalmente pelo fruidor se vao encaixar, para posteriormente ser compreendida
individualmente e desse modo adopta o indevido sentido de comunicacao na arte.
O interprete ou fruidor elabora pois mentalmente outros signos, os quais relaciona
directamente com aqueles que sao apresentados na obra. Serao signos que surgirao apenas
apos a atribuicao da significacao a obra em causa. Acontece tambem, que se esse interprete
for igualmente um criador, essa obra pode ser interpretada por meio de signos da mesma
semia, ou de outra completamente diferente. E o caso das diversas interpretacoes artisticas
de obras do passado 353 (signos de igual semia), ou as interpretacoes literarias dessas
obras 354 (signos de semia diferente).
Mas num processo que prima por ser essencialmente semiotico, pode o signo ser
um instrumento de comunicacao valido? Considerando uma forma de representacao
extrema, parece de todo interessante tomarmos o exemplo de uma imagem fotografica. Ela
contem todas as caracteristicas de uma qualquer obra de arte, evidentemente com todas as
possiveis variacoes que distinguem uma da outra. No entanto, reside desde logo uma
353 Veja-se a este proposito a famosa obra "Las meninas" de Diego Velazquez (1599-1660) e a serie de
variacoes sobre este tema de Pablo Picasso (1881-1973). Torna-se portanto evidente a sinonimia signica entre
a obra e as suas interpretacoes.
354 Tambem com referenda a obra "Las meninas", se pode encontrar iniimeros textos criticos. Neste caso e
utilizado para a compreensao da obra, signos literarios, portanto de uma semia diferente.
192
grande semelhanca 355 , que podemos considerar de grande validade: ambas sao imagens. O
mesmo sera dizer que possuem semelhantes caracteristicas signicas. A imagem fotografica
dita representativa, enuncia-nos uma realidade, entrando num processo de reproducao
semiotica originado pelo argumento de semelhanca, que e relevante para a sua
compreensao, mas entenda-se compreensao ate um determinado limite, pois a extensao
dessa compreensao pressupoe, o alargamento do seu conhecimento, para alem do
conhecimento dos elementos signicos que a compoem. E necessario proceder a elaboracao
de um iter que permita o seu bom encaminhamento.
Entender a fotografia e assumi-la como uma copia fiel de algo, mesmo que
forcosamente muito diferente da sua origem 356 por virtude da sua excessiva forca de
expressao 357 , e relaciona-la com toda a carga vivencial que nos rodeia. E essa imagem sera
tanto mais abstracta quanto mais se afastar das vivencias de cada um de nos. Esta directa
relacao com as vivencias de cada humano faz da obra de arte, aqui traduzida como
imagem, um objecto imediato; e neste ambito que se geram os interpretes, ou seja, os
fruidores 358 . A este respeito refere-se Maria Luisa Magalhaes:
«(...) o que de facto acontece, principalmente no que diz respeito a imagem
fotografica, e que a mesma imagem "diz" de quern se trata, "diz" qual o seu tema,
ainda que nao tenha o suporte de legendas verbalizadas a "traduzi-las". E este
processo de identificacao que justifica a ultrapassagem da Primariedade como uma
categoria que inclui o icone, para atingir a Terciariedade, ou seja, a categoria da
representacao. Esta categoria so pode ser atingida pela accao de um interprete, um
utente que pode entao ser envolvido num processo semiotico desde que esteja
contextualizado.» 359 .
Entende-se, portanto, que um factor importante para a limpida compreensao da
imagem (contexto visual) sera a contextualizacao do individuo fruidor/interprete que, de
forma mais ou menos substancial, atribuira uma determinada valoracao ao objecto em
355 Charles Peirce estabelecia que o icone podia ser uma fotografia, uma imagem mental, ou uma forma
algebrica e que a linica forma de comunicar uma ideia seria atraves de um icone.
356 A fidelidade da fotografia enquanto elemento signico e puramente erronea, visto que qualquer pessoa tern
todas as propriedades de si proprio, mais do que a sua propria fotografia.
357 Seria como se na pintura, se reproduzisse fielmente uma dada realidade/tema, com todas as
dissemelhancas possiveis e posteriormente se adulterasse essa mesma imagem, ao ponto de leva-la a sua nao-
compreensao.
358 A teoria saussuriana sobre os signos reporta-nos para a composicao do mesmo, simultaneamente
significado e significante. Ele adquire pois duas faces, em que o significado faz parte integrante do signo -
elemento de conteiido; e o significante, atraves da sua associacao ao codigo da linguagem, permite a
significacao do referente - elementos de expressao.
359 MAGALHAES, Maria Luisa - Iconicidade e conhecimento: Peirce no limiar do 3° milenio. In
CONGRESSO DAS CIENCIAS DA COMUNICAgAO, 1, Lisboa. "As ciencias da comunicacao na viragem
do seculo". Lisboa: Vega [etc.], 2002. p. 472.
193
causa, evidentemente condicionado pelas limitacoes impostas pelo seu proprio contexto de
vida:
CONTEXTO DE VIDA
CONTEXTO VISUAL
Assim, o fruidor vai determinar a vida dos signos, pois e este que lhe vai dar
sentido de forma significante e e gracas a ele que os signos sobrevivem pois, pelo seu
metamorfoseamento provocado pelo interprete adquirem multiplas facetas, multiplas
possibilidades de representacao da realidade.
A figura 46 apresenta-nos uma fotografia de imprensa, intitulada "Pieta de
Bentalha 360 que pode ser uma bandeira da dualidade contexto de vida/contexto visual. Tal
como o titulo indica, esta foto reporta-se a historia de forma iconica e indicial de uma
realidade que conhecemos.
Fig. 46 | Hocine Zaourar (Agenda France-Presse), Pieta de
Bentalha, Argelia, 23 de Setembro de 1997.
A fotografia assume uma grande semelhanca com a Pieta, icone religioso (v. figs.
47, 48, p. 195), com a excepcao de existir um sintetismo da representacao iconica, na
medida em que a imagem se refere a uma mae que acaba de perder os seus oito filhos apos
um massacre em Bentalha (Argel), sem fazer qualquer referenda explicita a estes.
Digamos que e uma forma moderna de abordar esta tematica, ou antes, de a associarmos a
esse tema religioso, onde e sobrevalorizado o sofrimento humano.
360 Imagem da autoria do fotografo argelino Hocine Zaourar (1953- ), publicada a 24 de Setembro de 1997,
nas primeiras paginas dos jornais do mundo.
194
Fig. 47 | Miguel Angelo, Pieta, c. 1498.
Fig. 48 | Escola de Roberti, Pieta, c. 1495.
Associacao, porque o fotografo que captou aquele momento nao estaria certamente a
fixar aquela imagem com a vontade de representar uma Pieta, mas, seguramente, apenas a
registar aquele momento de sentida dor para aquela mae. Por outro lado, aquela mae e
aquele sofrimento nao nos sao alheios e desconhecidos - sao icones da actualidade. As
suas vestes indiciam uma determinada cultura (muculmana), o sofrimento e denotado pela
expressao da mae, a solidariedade e evidente pela postura da outra senhora retratada, mas
faltam algumas referencias para preencher completamente o entendimento daquela foto
como, por exemplo, a contextualizacao daquele momento. Evidentemente, esta fotografia
que percorreu mundo foi sobejamente auxiliada por extensas referencias textuais,
integrando-a num universo "transtextual" 361 e por essa razao, torna-a perfeitamente
completa.
Uma obra de arte repleta de elementos signicos so tern significado para o fruidor, se
este entender o codigo, as regras que estao subjacentes a esses elementos que compoem a
A obra de arte podera ter, ou nao, como ponto de partida uma realidade, ou seja, uma alusao ou urn plagio
dessa realidade (intertexto); ela pertencera decerto a um determinado genero, contendo pois propriedades
contratualmente instituidas pela obra, efectivando-a como tal (arquitexto); essa obra estara certamente bem
rodeada de um aparelho que a sustenta e a elucida, como por exemplo, as suas referencias bibliograficas, o
seu titulo, ficha tecnica, etc. (paratexto); tera na sua constituicao, um conjunto de indicacoes metalinguisticas
concernentes a obra citada, e estara relacionada com outras indicacoes que se fundam numa confluencia
tematica (metatexto); sendo tambem formada por um conjunto de mecanismos tipologicos de transferencia,
que permite a obra reportar-se a outras areas, co-relacionando-a vastamente com outras de variados domlnios,
mormente o cientifico (hipertexto). Toda a obra, que esteja incluida neste universo de transtextualidade estara
circunscrita por um paradigma de compreensao "absoluta", na medida em que estara rodeada de todas as
condicoes de analise e consequente compreensao. cf. GENETTE, Gerard - Palimpsestes - La litterature au
second degre. Paris: Seuil, 1982. pp. 7-14. As paginas seguintes sao dedicadas exclusivamente a
hipertextualidade. cf. p. 14 e sgg.
195
obra, pelo, que na ausencia desse codigo, apenas a significacao atribuida prevalece. E se
estivermos na posse do conhecimento de todo o significado signico de uma dada obra?
Tambem aqui se pode referenciar que, na ultimacao do processo artistico, estara sempre
presente a significacao da obra, mesmo que o significado da mesma seja encarado de
forma extremamente evidente, por exemplo, com directa associacao a critica.
Segundo Umberto Eco 362 , existem processos que nao sao possuidores de qualquer
codigo. Seguindo esta proposta, como se processaria na arte, uma eventual comunicacao
ou transmissao de informacao? Neste sentido, Eco refere que, na ausencia de um codigo, o
sistema em causa faz-se segundo um processo de "estimulo-resposta". O estimulo nao esta
em lugar de outra realidade (qualidade atribuida ao signo), mas provoca essa realidade. Os
simbolos nao sao signos, mas apenas estimulos capazes de provocar uma particular
colaboracao imaginativa por parte do destinatario; ou ainda sao signos sem codigo, e por
isso falsos signos, aos quais o emissor pretende dar uma ideia e o destinatario outra
completamente diferente. No entanto, se o emissor estiver plenamente firme de que o
destinatario incorpora um processo de descodificacao, entao, ai sim existe um codigo e
teremos um signo de diversos tipos, que facilitara o processo de transmissao de mensagens
e da sua futura compreensao. Talvez esta descodificacao apenas tenha maior importancia
na compreensao e assimilacao da mensagem em transito, mas, tambem adquire grande
relevo a possibilidade da descodificacao se tornar facilitadora na propagacao da mensagem
em causa. Sabemos que a mensagem, antes de ser descodificada pelo receptor, tern
obrigatoriamente de passar por um processo de transmissao. Ora se a descodificacao do
processo de transmissao for ineficaz, o conteudo informativo fica comprometido 363 .
Tambem Charles Morris 364 , centrando-se em opinioes behavioristas, opinou sobre
este assunto, referindo-se ao signo como qualquer coisa que dirigia o comportamento
humano, mas em relacao a qualquer coisa que naquele momento nao e um estimulo. Por
outras palavras, o signo e um estimulo preparatorio que, na ausencia de um estimulo
verdadeiro, o substitui, provocando os mesmos efeitos. Morris assume, com esta ideia, uma
forte relacao entre o estimulo e o signo.
362 cf. ECO, Umberto, op. cit., p. 22.
363 Reveste-se aqui de grande importancia, todas as perturbacoes e "ruidos", que possam actuar no sentido de
causarem uma deturpacao da mensagem.
364 cf. MORRIS, Charles - Sign, languages and behaviour. Nova Iorque: George Braziller, 1946. p. 89.
196
Ja para Pierre Guiraud, um signo e uma "substantia sensivel" 365 , ou seja, e um
estimulo cuja imagem mental esta directamente associada no nosso esplrito a de um outro
estimulo que ele tern por funcao evocar com vista a uma comunicacao.
Perante a analise de uma obra de arte quatro hipoteses se levantam:
- Primeira hipotese: a obra e despojada de qualquer convencao. Entre os seus
elementos signicos visuais, podem existir determinadas regras de representacao (arte
figurativa), ou ausencia delas [arte abstracta (nao figurativa)] 366 , mas, mesmo existindo
essas regras, so individualmente se reconhece o significado dos elementos signicos, pelo
que, no seu conjunto, estamos perante a impossibilidade de atingir na obra um conteiido
especifico e verdadeiro para todos os receptores.
- Segunda hipotese: o artista estipula previas convencoes para o seu trabalho. Ele
explicita a sua obra, desvendando o seu significado.
- Terceira hipotese: a obra do artista e explicitada por outros com a formacao
especifica necessaria para a compreensao da mesma. A critica tern, pois, um papel deveras
importante na analise e justificacao da arte em geral. Os elementos signicos sao
evidenciados e revelam os conteudos subjacentes a obra de arte.
- Quarta hipotese: A obra de arte instituida e muito apresentada ao publico, os
artistas que entram na historia sao mediatizados e as instituicoes que fazem conhecer as
obras de arte e os artistas, em particular os dirigentes dos museus de arte e centros
culturais, promovem-nos insistentemente, tendo isso como consequencia a apresentacao
repetida dos mesmos artistas e das mesmas obras, mesmo que em espacos geograficamente
distantes. Tal situacao leva a que a reincidencia de elementos signicos visuais numa
determinada obra possa conduzir a identificacao do seu significado. Se determinados
elementos signicos aparecem numa obra, e tendo eles ja sido apresentados previamente em
outras, entao ela entra num estado de "vulgaridade", quer dizer, num estado de
identificacao facil por convencao slgnica vivencial pre-estabelecida. Neste caso, esses
elementos na obra de arte funcionam como indicios, ligando-os pois ao significado da
obra, atraves de uma experiencia precedente. «Se a relacao entre o objecto estetico e a sua
significacao pode ser fornecida como uma evidencia imediata e implicita, a medida,
365 cf. GUIRAUD, Pierre - A semiologia. 4 a ed. Lisboa: Editorial Presenga, 1993. p. 27.
366 Esta nao pressupoe de forma alguma a inexistencia de regras, mas sao apenas consideradas, como regras
de estruturacao da obra, quer compositivas, quer cromaticas, etc., ao contrario da arte figurativa, que para
alem de todas estas contem entre os seus elementos, parcerias de complementaridade.
197
contudo que essa evidencia e reconhecida e aceite, o signo e retomado, repetido e o seu
valor convenciona-se» 367 . Esta reincidencia referida pode tornar os signos ostensivos,
porque se nos apresentam numa sequencia que cria uma determinada convencionalidade.
Nao tern pois necessidade dos elementos (referente) a que se refere o signo, para completar
ou para ajudar na compreensao da obra. Podem portanto numa obra, existir determinados
elementos que, sendo a base do trabalho, a explicitam de forma correcta e conveniente,
sem equivocos, embora esses elementos sejam elaborados atraves de uma
convencionalidade.
Para Eco 368 verifica-se um crescendo evolutivo relativamente a constituicao de uma
convencao 369 . Comeca-se por reconhecer e aceitar as caracteristicas de uma forma quase
universal, no sentido de se poder participar nas "etapas" seguintes, ate se atingir uma
consensualidade, de modo que essas caracteristicas posteriormente farao parte da aceitacao
da obra enquanto objecto artistico. A convencionalidade tern um caracter estatistico porque
esta intimamente relacionada com o numero de individuos que pertencem a um grupo e
que reconhecem a obra como tal. O signo sera tanto mais codificado quanto mais a
convencao for extensiva e exacta. E o caso dos signos aplicados as ciencias modernas,
onde existe uma monossemia declarada. E quanto mais for convencionado e por isso
codificado, tambem a sua descodificacao sera mais facil. Teoricamente a cada significado
corresponde um unico significante e e este postulado que estabelece um bom processo de
comunicacao. Pelo contrario, existem situacoes, sendo a arte um exemplo categorico, onde
um significante se associa a varios significados e por conseguinte, onde existe uma baixa
convencao signica e onde a conotacao se opoe a denotacao, pela ligacao de valores
subjectivos aos signos.
E na arte dita figurativa, que encontramos elementos signicos ou associates de
elementos, que sao facilmente identificaveis por um publico, que nao tern necessariamente
de ser especializado. Mas o que sera identificado? Sem duvida o que e tido como elemento
signico, pois somente este foi interiorizado para se constituir como tal. De outro modo, na
arte abstracta nao encontramos nenhuma convencao, nenhuma relacao directa com
padronizacoes, com excepcao dos elementos que constituem a obra, ou seja, verifica-se a
idem, ibidem, p. 42.
368 cf. ECO, Umberto, op. cit., p. 56, 57.
369 As convengoes permanecem com um elevado grau de relatividade, sobretudo no que diz respeito a relacao
entre o significante e o significado. Estabelece-se portanto o limite entre as "logicas" e as "poeticas".
198
reducao da obra a sua existencia fisica saussuriana 370 , a sua visibilidade. Esta visibilidade e
entendida por Pierre Guiraud como um "codigo tecnico" . Segundo ele:
«(...) os codigos tecnicos significam um sistema de relacoes objectivas, reais,
observaveis e verificaveis (ou supostas como tais), ao passo que os codigos esteticos
criam representacoes imaginarias que tomam o valor de signos quando se apresentam
como um duplo do mundo criado: a mensagem estetica e correspondente do Surreal,
do Invisivel, do Inefavel, ou de uma realidade que os signos tecnicos nao sao ou nao
foram ate aqui capazes de exprimir; isto e, de observar, de verificar, a que nao foram
capazes de atribuir um signo logico e unanimemente aceite. O sentido logico esta
inteiramente codificado, encerrado e virtualmente contido num codigo, embora a
representacao estetica nao esteja senao parcialmente codificada e instaure um campo
de relacoes mais ou menos abertas a livre interpretacao do receptor.» 371 .
Se os codigos tecnicos tem como principal funcao significar uma experiencia
racional, os codigos esteticos ou poeticos criam um universo imaginario e de fantasia.
Para o vulgo, a obra "Quadrado preto sobre fundo branco" (v. fig. 29, p. 172) tem
uma convencao: a de que existe naquela obra um quadrado preto e outro branco. Estes
elementos convencionados segundo determinados parametros, adquiridos vivencialmente
sao o codigo tecnico. Talvez por isto, Pierre Guiraud afirme que «(...) as artes nao-
figurativas (e logo insignificativas) representam uma experiencia afectiva descodificada e
insocializada. Sao artes realistas» 372 . Na verdade, podemos considerar a arte nao
figurativa 373 como descodificada, precisamente pela ausencia de um codigo estabelecido -
codigo intelectivo -, mas tambem pela presenca de um codigo vivencial - codigo afectivo
-, existente em todos os elementos que constituem a obra. Dai Guiraud afirmar que se
tratam de "artes realistas". Realistas porque a sua reducao a abstraccao por intermedio das
suas elementaridades e objectivada (no sentido comum, mais realista portanto) e porque e
numa relacao afectiva com as coisas que a arte se enriquece. O fruidor enriquece a sua
significacao pela arte, na medida em que tambem a sua relacao afectiva com o que o rodeia
se enaltece.
370 Os signos que constituem as obras de arte decompoem-se por Saussure em "significante" e "significado",
ou seja, na sua materalidade (existencia fisica), e no seu conceito mental respectivamente. A elaboracao
mental de uma realidade externa e a "significacao".
371 GUIRAUD, Pierre, op. cit., pp. 42, 43. Para Guiraud: «A mensagem apresenta pois dois niveis de
significacao: um sentido tecnico fundamentado num dos codigos; um sentido poetico que e fornecido pelo
receptor a partir de sistemas de interpretacao implicitos e mais ou menos socializadas pelo uso» {idem,
ibidem, p. 42). Este sentido poetico, a medida que vai entrando numa consensualidade vai tambem
adquirindo o estatuo de codigo tecnico, quer isto dizer, que quanto mais o signo poetico se for
convencionando, mais ele fara parte dos codigos tecnicos.
idem, ibidem, p. 23.
373 Quando nos referimos a pintura nao-figurativa, devemos entender que ela merece este nome ao nivel do
seu significado; ao contrario, falar-se de pintura abstracta tem pouco sentido, porque toda a pintura e
concreta, ainda assim usamos frequentemente esta nomenclatura.
199
Mas o que extrapolam estes elementos no seu conjunto? Torna-se dificil
"adivinhar" o que podera estar por baixo de qualquer conteudo fisico existente numa obra
de arte como a de Malevich por exemplo. Evidentemente existe um desinteresse pela
expressao emotiva e espiritual, ao inves de um maior entusiasmo pelas relacoes formais e
perceptiveis entre as formas geometricas mais simples 374 . E o aparecimento da construcao
em desfavor da expressao. Mas sera isto facilmente visivel? Parece que dificilmente se
tornara evidente a um publico que nao tenha tornado conhecimento nem esteja
contextualizado com o Suprematismo russo. Pode-se proferir qualquer esclarecimento
relativamente a esta obra, mas a explicacao das suas causas somente acontece porque esta
impregnada de mediatismo, porque esta por isso, desde logo, previamente explicada.
Podemos pois considerar que essa explicacao previa se assume aqui como uma convencao,
pois a historia e os criticos assim o consideraram, justificando-a da forma como a
conhecemos. Resumindo, podemos estabelecer uma oposicao entre o que e tornado visivel
na obra de arte, ou seja, os codigos tecnicos, que serao portanto todos os codigos
explicitos, resultando estes de uma convencao estabelecida pelos participantes de uma dada
sociedade, e as interpretacoes individuals e logicamente implicitas, nas quais a significacao
resulta de uma hermeneutica do fruidor. Sera, pois, uma oposicao entre uma experiencia
objectiva e logica 375 , onde cada individuo age racional e intelectualmente segundo uma
percepcao objectiva do mundo exterior, e uma experiencia totalmente subjectiva ligada
inteiramente a afectividade do participante em causa, com o objecto.
Se, como se disse no inicio, a funcao do signo e comunicar ideias, se as obras de
arte sao constituidas por elementos signicos e se a estes devem estar associados
determinados codigos que nao se tornam evidentes, tornando-se dificil o processo de
veiculacao da mensagem contida na obra, entao, talvez devamos reconsiderar se existem
efectivamente signos na obra de arte. Segundo Guiraud 376 , as artes poderiam ser excluidas
do domlnio da semiologia, porque nesta encontramos signos convencionais e socializados.
O signo estetico perde entao eficacia no seio de uma sociedade exigente e habituada a
374 Outro exemplo se reveste de extrema importancia e o caso do Neoplasticismo ou De Stijl, que tambem a
semelhanca do Suprematismo utilizava como elementos de base, uma superficie plana e as tres cores
primarias, com um pouco de preto e branco. Este tipo de trabalhos valeu-lhes o cunho de "arte pura". Convira
realcar, que os signos por conceito nao tern a eloquencia materica, ao passo que os registos (gestuais,
compositivos, matericos) sao encaraveis na sua materialidade.
375 Estabelece-se a separacao entre o signo estetico e o signo logico, sendo que o signo estetico e muito
menos convencionado, codificado e logo socializado que os signos logicos.
cf. idem, ibidem, p. 64.
200
convencoes e a padroes sociais, impostos de forma natural ou forcada. O signo estetico
perde eficacia se comparado ao signo logico. O signo logico tern uma funcao a cumprir ao
passo que o signo estetico, nao tendo uma funcao especifica, define-se a si mesmo, o que
de uma forma colectiva transforma a obra de arte numa autotelia exclusiva desse dominio.
3.4 A intransitividade como barreira a transparencia da obra de arte
Imaginando um vidro de janela absolutamente limpo, no dominio da visibilidade
desse vidro, so existe o conceito e nenhuma sensorialidade, visto que esta estara sempre
para alem do vidro. Por isso, esse vidro permite em absoluto a transitividade do nosso
olhar, permite-nos ver totalmente para alem de si proprio. Transitividade e transparencia,
ou intransitividade e opacidade estao intimamente ligados. A opacidade total, em oposicao
ao vidro totalmente limpo, evidencia-nos o corpo opaco no seu todo. O corpo opaco e o
visivel ou tornado visivel, e a presentatividade (em oposicao a discursividade). O
desconhecido, o opaco e primeiramente visivel, nao o visivel do que se esconde, mas sim
aquele que se evidencia sem necessidade de qualquer esforco exterior, alcancavel pela
experiencia estetica, em que todos os valores de apreensao sao alcancaveis no momento da
sensacao, nao necessitando pois de qualquer raciocinio, e muito menos corresponded a um
mero elo, na caminhada logica para o conhecimento da obra. Tal como Diana Crane
sublinha, «Meaning is not transparent; analysis of text may reveal hidden, underlying
meanings» 377 . A citacao aqui tratada refere-se ao produto texto, mas este e apenas um
exemplo, visto que a sua obra se fixa nos produtos culturais de um modo geral. No entanto,
sendo o texto uma forma de expressao que tambem e transversal aos caminhos das artes
visuais e sendo tambem uma expressao que em tudo se assemelha as artes plasticas, visto
que tambem ele (texto) padece de um maior ou menor grau de compreensao, em funcao da
sua maior ou menor intransitividade, faz todo o sentido reflectir e estabelecer analogias
com estas.
377 CRANE, Diana - The production of culture - Media and the urban arts. Newbury Park, [California]:
Sage Publications, 1992. p. 78.
201
Que os significados das obras nao sao transitivos compreendemos facilmente. Dai
que, pela ocultacao dos mesmos, a obra se encerra num estado criptico de incompreensao.
Em certo sentido, podemos dizer que a obra de arte, alem de nao ser transparente, e sempre
opaca porque, se para compreendermos esta situacao nos remetermos a sua transitividade,
facilmente percebemos que, no dominio da transmissao de uma mensagem artistica, tendo
como suporte a propria obra, a sua concepcao funciona como um filtro em que qualquer
referenda a mensagem desaparece. Esta e tambem uma das questoes que a distingue dos
dominios da tecnologia e das ciencias. Com efeito, o telefone permite transmitir as
palavras traduzidas em voz, impondo-lhe determinadas caracteristicas, como tristeza, furia,
etc. Dal que possamos considerar a linha telefonica transitiva, porque nao modifica a
mensagem que e objecto da comunicacao, o mesmo nao sucedendo com as artes plasticas,
porque os meios utilizados na sua concepcao deixam o seu registo, o seu traco particular.
Podemos entao afirmar que a possivel mensagem a ser transmitida toma um pouco a forma
do meio utilizado para a sua concretizacao.
A obra pode evidenciar-se e tornar-se perfeitamente clara, transitiva portanto, mas
ao inves ser simultaneamente intransitiva ou enigmatica, nas palavras de Adorno: «Todas
as obras de arte, e a arte em geral, sao enigmas; isso desde sempre irritou a teoria da arte. O
facto de as obras de arte dizerem alguma coisa e no mesmo instante a ocultarem coloca o
caracter enigmatico sob o aspecto da linguagem.» 378 . Se forem convenientemente
reflectidas poderao revelar o que inicialmente se encontrava escondido (opaco). Olhando
para o infinito, encontramos uma barreira que e a opacidade de um vidro, que em razao da
nossa vontade se pode tornar mais limpo caso se proceda a sua "limpeza" e ai sim
revelaremos toda a realidade que se encontra para alem do mesmo. Ora, assim como a
realidade exterior esta subordinada a maior ou menor limpeza de um vidro, tambem o
significado da obra de arte esta subjugada a uma visibilidade, dependente da maior ou
menor barreira imposta entre a obra e o fruidor. Por exemplo, a palavra "mae"
discursivamente considerada requer o resto da frase; esteticamente "mae" pode querer
dizer o infinito, porque e admissivel uma poesia constituida por uma so palavra. A palavra
mae, no dominio da fonetica, se encarada esteticamente, dependera da sua musicalidade. A
musicalidade de "mae" e a ultrapassagem de um mero conceito; E na imagem que
encontramos a palavra mae e por isso, graficamente a palavra "mae" pode surgir em
378 ADORNO, Theodor, op. cit., p. 16.
202
infinitas imagens. Mas, em torno da palavra "mae" como mero conceito, aparecem outras
razoes de existencia dessa palavra - sao as suas significances.
A plurivocidade, em oposicao a univocidade que caracteriza os conceitos (e
portanto a experiencia cientifica) diz-nos que, na experiencia estetica, tudo e relevante,
tudo e significante; logo, muitas sao as leituras possiveis, tanto mais que, na experiencia
estetica, sensorialidade, fisiologia e psique sao consideraveis. "Mae" encarada como
conceito e apenas "mae"; "mae" encarada em imagem pode ser bem mais do que um mero
conceito.
Entao, podemos observar que a obra de arte existe numa dualidade de transitividade
e intransitividade. Podemos ve-la, por um lado, como totalmente evidenciavel no que
respeita a sua objectividade, aquilo que ela representa e, deste modo, tambem se revelam
os meios para essa clarividencia, como sejam os processos mediaticos em torno dela, ou
uma literacia esclarecedora; por outro lado, ela encontrar-se-a num estado nao revelador
das suas caracteristicas intrinsecas, daquelas que sao necessarias a compreensao "absoluta"
da obra. Esta situagao tambem tornara evidente as suas causas, que podem ir desde um
exaltado estado de amusia ate uma exacerbagao extrema na distingao conteudo-forma.
Como e evidente, um elemento que se caracterize como transitivo pode simultaneamente
ser encarado como intransitivo. Por vezes, a amalgama numa mesma obra de signos,
palavras, imagens... ou de formas que cremos reconhecer a primeira vista e que se
escondem assim que as tentamos analisar contribui para a intransitividade da obra. Esta
simultaneidade esta presente em muitas formas de arte, estando desde logo, toda a arte
simbolica recheada de exemplos. E uma forma metaforica de apresentar uma caracteristica
ou ideia, sob o pretexto de uma objectividade. Como refere Recanati, e uma especie de
aspas que camuflam e dissimulam o que verdadeiramente se pretende objectivar: «(...)
quand on met un mot entre guillemets, c'est precisement un signal qu'on ne se sert pas du
mot pour representer quelque chose, mais qu'on le presente, qu'on le montre, qu'on
l'exhibe, pour, ensuite, en dire quelque chose» 379 .
Assim, todos os elementos da obra e a obra de um modo geral devem ser encarados
nesta simultaneidade, de intransitividade (opacidade) e transitividade (transparencia). Eles
designam uma realidade, mas ao mesmo tempo sao coisas, que podem ser designados por
outros meios e de outros modos. Por exemplo:
379 RECANATI, Francois - La transparence et l'enonciation pour introduire a la pragmatique. Paris:
Seuil, 1979. (L'ordre philosophique). p. 67.
203
escadas ^ esCCL
daS
Como imagem, ou seja, esteticamente, a palavra "escadas" fornece uma grande
variabilidade de significacoes, diferentemente do unico conceito que extraimos do mero
significado. Mas metaforicamente, tambem podemos atribuir outros sentidos a palavra
"escada": Ela pode muito bem pretender significar ceu, ou qualquer outro conceito:
escadas = ceu
O mesmo sucede com os elementos que compoem a obra de arte, que tambem
funcionam como signos; ou seja, nao utilizamos um determinado elemento ou atributo por
aquilo que significa, mas antes por aquilo que pode significar. Por vezes, podem mesmo
considerar-se oximoros, por reunirem no mesmo conceito palavras de sentidos opostos ou
contraditorios.
As obras de arte significam os seus conteudos e mostram as suas formas. Por
exemplo, o elemento compositivo que normalmente esta implicito na obra carrega consigo
um significado logico. A palavra composicao tern notoriamente duas acepcoes: na acepcao
lata, composicao e igual a imagem. Sao os registos encarados na sua carga materica,
gestual, figurativa, compositiva e na sua maior polivalencia. Estudar uma imagem artistica
e estudar os registos num determinado suporte, e estudar os registos na sua total
polivalencia. No sentido restrito, composicao e igual apenas a eloquencia compositiva dos
registos. No sentido restrito, a composicao da obra "Martirio de S. Sebastiao" (fig. 49) e
um triangulo, muito proprio dos temas religiosos, e simultaneamente simetrico,
normalmente adaptado aos temas solenes e hieraticos. Ou seja, a restricao da composicao
passa pela restricao da analise dos seus componentes (elementos), sejam eles cores, linhas,
pontos, estrutura, etc. Teremos entao respectivamente cores, linhas, pontos e estruturas em
composicao, todos eles isoladamente ou em grupo constituidos de um modo oculto na
obra. A obra fecha-se na sua restricao, abrindo-se na sua total latitude. Esconde a sua
estrutura compositiva, deixando apenas antever o efeito dessa estrutura.
204
Fig. 49 | Antonio Pollaiuolo (1432-
1498), Martirio de S. Sebastido, 1475.
De um modo geral, estudar uma imagem e estudar a sua perenidade, na medida em
que a obra e registo. Significa que ela e a repeticao ("re") do gesto, o gesto congelado. E
como se de uma constante e infinita repeticao do gesto se tratasse, ou seja e o gesto tornado
perene.
Toda a compreensao da obra depende da transitividade da mesma. E esta contraria a
intransitividade.
3.5 Compreensao da obra - Conditio fundamental da comunicacao
Como se podera comunicar sem compreender?
Este ponto reflecte uma continuidade do estudo da arte no seu aspecto
comunicacional. Ele centra-se na averiguacao de que a obra de arte nao assenta em
principios universais de compreensao e logicamente, inviabiliza qualquer principio de
comunicacao no seu seio. Em qualquer acto de comunicacao, a compreensao sera o factor
mais relevante, evidentemente aliado a outros que lhe sao subjacentes e interiores, como a
codificacao, por exemplo. Para Bernardo Pinto de Almeida «(...) vivemos no estado algo
205
ambulatorio, vagamente hipnotico, de um ver sem ver, isto e, sem compreender o que
trabalha por dentro a propria imagem, sem o integrar quer visualmente, quer fisicamente,
quer psicologicamente, quer, ate, simbolicamente» 380 , portanto importa evidenciar que a
compreensao "absoluta" da obra de arte e uma Utopia e que, so atingindo essa
compreensao, se poderia estabelecer uma valida relacao entre arte e comunicacao.
Compreender a obra de arte, para talvez ela ser incluida num processo de comunicacao, e
atribuir-lhe um determinado significado. Ora um significado e algo de significacao
univoca; por isso, atribuir um determinado significado a uma obra de arte e atribuir-lhe
uma determinada compreensao por conceito.
A compreensao da obra de arte passa pela relacao, quer dos elementos da obra na
propria obra, quer pela relacao da obra com outras que tenham sido "vividas"
anteriormente, ou seja, a partir de imagens de obras anteriores. O prazer estetico "puro"
sera entao, neste sentido, uma consequencia da compreensao da obra. E de notar que nos
referimos ao prazer estetico "puro" e nao ao simples prazer estetico que todo o humano
possui, em virtude de ser uma das suas caracteristicas, e que esta presente em quase todas
as actividades, mesmo nas nao artisticas. O prazer estetico "puro" sera inevitavelmente um
privilegio dos que tern a possibilidade de ter acesso as condicoes essenciais para o sentir,
tal como Bourdieu sugere, o olhar "puro" da obra «(...) acha-se associado a condicoes de
aprendizagem inteiramente particulares, como a frequencia precoce dos museus e a
exposicao prolongada ao ensino escolar e sobretudo a skhole como tempo livre, com toda a
distancia perante as imposicoes e as urgencias da necessidade, que este ultimo supoe» 381 .
Sao condicoes fundamentals para atingir o prazer estetico "puro", uma educacao 382 ,
seja ela escolar, familiar, social ou uma "incorporacao consolidada" 383 , pela interseccao de
todas elas, mas nao so, pois como Teixeira Lopes nos afirma, «(...) o alargamento do
acesso as obras nao se faz, exclusivamente (embora tambem passe por ai), pela mera
aprendizagem de um conjunto de regras e canones, elucidativos da maneira "correcta" de
380 ALMEIDA, Bernardo Pinto - As imagens e as coisas. Porto: Campo das Letras, 2002. p. 257.
381 BOURDIEU, Pierre, op. cit., p. 327.
382 Contrariamente aos "codigos de pequena difusao", os "codigos de grande difusao", nao necessitam de
aprendizagem para serem plenamente percebidos, "Sao simples, exercem uma atracgao imediata e nao
exigem uma "educagao" para serem compreendidos". cf. FISKE, John, op. cit., pp. 99-108.
383 cf. PINTO, Jose Madureira - Para uma analise socio-etnografica da relacao com as obras culturais. In
ENCONTRO DO OBSERVATORIO DAS ACTIVIDADES CULTURAIS, Instituto de Ciencias Sociais da
Universidade de Lisboa. "Piiblicos da Cultura". Lisboa: OAC [Observatorio das Actividades Culturais],
2004. p. 21.
206
as ler» 384 . Cabe pois tambem ao receptor uma abertura no «(...) horizonte do mundo onde
a obra se situa (...) ao cabo de uma aplicacao rigorosa das formas e de uma exercitacao fiel
das regras (o receptor) acaba por adquirir uma tal familiaridade com o seu mundo proprio
que sabe tirar partido das suas margens e jogar assim adequadamente com as excepgoes
(...) E por isso que a experiencia e fundadora de evidencias, abole a estranheza perante a
obra original, naturalizando-a» 385 . Estas duas condigoes permitirao ao fruidor desenvolver
capacidades que o ajudarao a integrar-se numa perfeita reuniao com a obra de arte, capazes
de perceber melhor o "monde exprime" 386 a que Dufrenne se refere: relagoes com os temas
e valores, estilos, realidades expressas, etc. Ainda assim, cada humano sentira a obra de
arte de um modo muito diferente, seja ele fruidor ou criador. A fruigao desencadeada pela
percepgao sensorial, fruto de uma aprendizagem imediata, valorizando mais o aspecto
emocional e ainda, segundo Bourdieu, a oposigao ao que chama "deleite" 387 . Esta forma de
"frente a frente" resulta de um verdadeiro contraste com a "fruigao", uma vez que so o
podera alcangar quern detenha a capacidade/privilegio de entendimento das obras, nas
palavras de Danto, quern consiga uma verdadeira "interpretagao profunda" 388 .
Ja nao sao os codigos do senso comum que sao convocados, na tentativa de
alcangar a compreensao "absoluta", mas sim a formagao especifica do individuo, a sua
instrugao. Anne-Marie Gourdon 389 manifesta-se com relutancia em aceitar tal ideia.
Segundo ela, a quantificagao de algo inquantificavel e algo utopico. Independentemente
das varias opinioes, qualquer instruczao providenciara uma nova reflexao sobre a obra. Esta
sera obtida por outros meios - os da literacia cultural.
A ideia de Bourdieu pode sair reforgada se atentarmos, como Miranda Santos 390 nos
demonstra, na possibilidade de cada humano ser um repositorio de imagens que advem da
vivencia historica, que integra necessariamente a instrugao, a familia, a sociedade, a
384 LOPES, Joao Teixeira - A boa maneira de ser publico [Em linha]. [S.l.]: BOCC [Biblioteca on-line de
ciencias da comunicagao], [200-?]. p. 7. [Consult. 30 Dez. 2005]. Disponivel em
WWW:<URL:http://bocc.ubi.pt/pag/lopes-jt-publico.pdf>.
385 Adriano Duarte Rodigues cit. por LOPES, Joao Teixeira, op. cit., p. 7.
386 cf. DUFRENNE, Mikel, op. cit., p. 240 e sgg.
387 cf. BOURDIEU, Pierre - Elements d'une theorie sociologique de la perception artistique. Revue
Internationale des Sciences Sociales. Paris: Editions Eres; UNESCO. Vol. XX, n° 4, (1968), p. 645.
388 DANTO, Arthur - L'assujettissement philosophique de l'art. Paris: Seuil, cop. 1993. (Poetique). Cap.
Ill, pp. 72-96.
389 cf. GOURDON, Anne-Marie - Le public du theatre et sa perception. Theatre/Public. Paris: Theatre de
Gennevilliers. n° 55, (1984). p. 9.
390 cf. SANTOS, Alvaro Miranda - Enigma Indecif ravel?. Revista Psychologica. Coimbra: FPCEUC
[Faculdade de Psicologia e de Ciencias da Educacao da Universidade de Coimbra]. n° 22, (1999), p. 117.
207
caracterizacao pessoal, enfim, inumeras variaveis que "moldam" o individuo sempre no
sentido do seu enriquecimento, independentemente do destino que o seu "portador" lhes
der. Trata-se entao de imagens de outras realidades que sao indissociaveis em si, tal como
Platao 391 havia referido existirem substantias verdadeiras e em que as realidades sao
imagens dessas realidades verdadeiras , ou seja das ideias.
A compreensao muitas das vezes, passa pela descoberta de algo novo. Baseado na
aplicacao de vivencias passadas, o fruidor recria a obra de arte, atingindo uma nova
significacao. Por vezes, a hermetizacao da obra e destruida e esta torna-se clara quando
surge uma revivencia do passado no presente, com associacoes de conhecimentos
adquiridos. O que ate entao se encontrava opaco torna-se perfeitamente clarificado. E a
sensorialidade que leva ao perceber, a compreensao e que por sua vez (e)leva a devolucao,
ou seja, faz com que o humano seja activo agindo significativamente por meio das suas
significacoes, devolvendo a sua propria compreensao da obra. Esta no entanto e apenas
uma significacao e nunca uma resolucao efectiva. Outros criterios seriam precisos para que
a significacao fosse extensiva a compreensao "absoluta" da obra, como a existencia de
codigos universais (pura Utopia) e a previa explicacao da obra por parte do seu criador,
para eliminar qualquer equivocidade.
Reparemos num exemplo: um individuo que vivencialmente conheca todos os
oceanos podera formular uma ideia mais vasta de oceano atribuindo-lhe caracteristicas
espetificas individuals. No entanto, alguem que nunca tenha percepcionado um oceano,
nao tera a mesma possibilidade de imaginacao, nomeadamente quanto a sua quantificacao
imaginativa, em virtude da sua reduzida disponibilidade imagetica. Por outro lado, alguem
que nunca tenha percepcionado um oceano, mas que tenha adquirido o seu conhecimento
por meios paralelos informativos, formulara um processo imaginativo de grande
criatividade. Embora o conhecimento seja partial, ele abre varias possibilidades de
conjugacao das suas imagens, sem nunca atingir um conhecimento absoluto.
Traduzindo sinteticamente em esquema esta ideia, temos:
391 cf. PLATAO - Timee; Critias. Paris: Les Belles Lettres, 1985. Tomo X, (Universites de France) e idem,
A repiiblica. 9 a ed. Lisboa: FCG [Fundacao Calouste Gulbenkian], 2001.
208
Mais Imogens = Mais Imaginacao
1 1
Mais Informagao = Mais Significagao
(cognitivo) (afectivo)
Criatividade
Fig. 50 | Processo de formacao da criatividade
Qualquer realidade e conteiido, ou seja, imagens, e se essa realidade se refere a
individualidade, entao estamos perante o humano possuidor de conteiidos vivenciais. De
facto, os conteiidos sao informacao, que advem do repositorio de imagens individuais, e
significacao, que se reporta a atribuicao de valor dos conteiidos informativos. Esta relacao
entre os conteiidos informativos e de valoracao afecta indubitavelmente a actividade
imaginativa que lhe e consequente, dirlamos ate proporcional. Ninguem podera contestar
que um velejador tenha mais imagens do mar do que alguem que apenas o conheca
superficialmente; logo, tera uma actividade imaginativa mais repleta. Deste modo, como
Frances 392 muito bem refere, formam-se "diferencas sociais", resultado de diferentes
situacoes de aprendizagem. Ainda assim e de modo complementar, Gauthier e Richer 393
sugerem que as formas de compreensao das imagens estao sempre dependentes do nivel
socio-cultural.
Por outro lado, convira correlacionar dois aspectos muito importantes: a
informacao, que assenta numa base cognitiva, e a significacao 394 , que visando
complementar a cognicao e puramente afectiva (v. supra, fig. 50). Esta ultima
(significacao), por se tratar de uma valoracao, distingue o humano dos animais que
cumprem o seu programa genetico. A descoberta da obra de arte, por anaiise da sua
informacao evidencia o aspecto cognitivo que se desenrola em tres niveis de actividade
(neuro-fisiologico automatico, sensitivo, intelectivo) (fig. 51), ao contrario do aspecto
afectivo que consiste numa outra descoberta, relativa a atribuicao de valor ou significacao.
Para se conhecer uma obra de arte, teremos de a conhecer como expressao a todos os
392 cf. FRANCES, Robert, op. cit., p. 138
393 cf. GAUTHIER, Yvon; RICHER, Simon - L'activite symbolique et l'apprentissage scolaire en milieux
favorise et defavorise. Montreal: Presses de l'Universite de Montreal, 1977.
394 cf. infra, sec. 3.7.3.4 (Realidade relativa - Atribuicao de significacao), pp. 262-266.
209
niveis de actividade do humano. Todos nos contactamos com a obra num nivel sensitivo.
Quer isto dizer que somos sujeitos a uma determinada sensacao, por exemplo, de cor. Esta,
por sua vez, e percepcionada e trabalhada individualmente, originando uma emocao e um
sentimento. Por outro lado, ao nivel intelectivo sabemos que a percepcao facilita o pensar
sobre a cor e porque somos seres culturais, temos a capacidade de contactar e descobrir,
atribuindo valor ou significacao. Dai tomarmos uma decisao. No nivel intelectivo nada se
consegue sem o sensorial e o sensorial nada consegue sem o neuromuscular. Por exemplo,
as criancas tern o nivel neuromuscular e sensorial, mas necessitam de desenvolvimento a
nivel intelectivo. Isto justifica a razao por que nao produzem arte.
REFERENCIAIS
ASPECTO
COGNITIVO
ASPECTO
AFECTIVO
ASPECTOS COGNITIVO
E AFECTIVO
NIVEIS DE
ACTIVIDADE
NfVEL NEURO-
FISIOLOGICO
Actividade
reflexa
Actividade
instintiva
1
F M ..
A A M
N G
T I g
A N R
S A ,
1 ? A
A A A
O
NIVEL SENSITIVO
Sensagao
Emogao
Percepgao
Sentimento
NIVEL INTELECTIVO
Pensamento
Decisao
Intelecgao
Iniciativa
CAPACIDADES
Fig. 51 | Ac^ao como concretiza^ao de potencialidades humanas.
A obra de arte nao se nos impoe; dai que cada humano orienta a suas decisoes pela
individualidade subjectiva. Nenhum humano contacta com a obra de arte apenas ao nivel
da sensacao ou da emocao, que sao passageiras, mas sim tendo em conta o seu conteudo
historico pessoal e tambem, se for caso disso, procurando referencias externas a obra. Por
isso, ela e analisada para alem dos dados sensorials.
Na compreensao estetica, o ponto mais importante para a abordagem desta questao
e a necessidade de conhecimento no processo de recepcao estetica. Ha de facto
primeiramente uma percepcao da obra, que sera primaria, ou seja da ordem da
sensorialidade, portanto sem vontade cognitiva e que segundo Idalina Conde «(...) conduz
a recepcao pela reflexividade» 395 , sendo que depois vira a necessidade de conhecimento da
335 CONDE, Idalina - Desentendimento revisitado. In ENCONTRO DO OBSERVATORIO DAS
ACTIVIDADES CULTURAIS, Instituto de Ciencias Sociais da Universidade de Lisboa. "Piiblicos da
Cultura". Lisboa: OAC [Observatorio das Actividades Culturais], 2004. p. 186.
210
obra e a «(...) decomponibilidade analitica (e valorativa) desses impactos» 396 , fazendo em
expoente maximo aparecer os historiadores e os criticos. Se o conteudo da obra nao se
clarificar, o espectador que ambiciona uma "resposta" completa para seu prazer, pode fazer
apelo a esta massa critica. Dirigir-se-a, portanto, em direccao a historia da arte, bem antes
de se ligar a teoria ou sociologia da arte. As circunstancias exteriores a obra sao colocadas
num patamar ultimo 397 . A obra de arte nao e um objecto colocado a vista dos espectadores,
mas antes uma fonte de analise e de apreciacao. A obra de arte provoca um impacto na
retina e nao no cerebro, porque ela e visualmente apreendida, mas nao compreendida. Por
essa razao, da visao (percepcao) a compreensao (cognicao), a perspectiva actual na qual
esta colocada a obra de arte nao permite facilmente essa passagem.
Ora, a analise da obra de arte e a tomada da informacao que constitui a obra, ou
seja, tudo o que a compoe (elementos constituintes: composicao, cor, geometria textura,
etc.) e que cada fruidor recebe sensorialmente numa atitude "passiva". Digamos que essa
informacao existe mesmo sem o fruidor, mas perante uma actividade de analise, a
sensorialidade, leva ao relacionamento dos conhecimentos adquiridos com essa realidade
que se apresenta ao fruidor. E pois, uma analise da informacao, seguida de uma apreciacao,
a que se seguira uma seleccao da informacao, completamente activa, visto que acarreta
"responsabilidade". E nesta fase que podemos encaixar a extensao dos conceitos que
sensorialmente foram adquirido e formulamos a escolha ou a hierarquizacao dos
respectivos valores atribuidos aos elementos da obra de arte, por exemplo, quando
decidimos sobre a variabilidade de uma dada cor. Note-se que, quanto mais especifico for
um conceito impresso numa tela, mais requisites serao necessarios para a compreensao
desse conceito. Por exemplo, so entenderemos o conceito De Stijl se conhecermos o
conceito geometria e linhas e cores puras. Mas apenas isto nao define o movimento. Por
essa razao, teremos de lhe atribuir outras caracteristicas, que o mesmo sera dizer, outros
conceitos.
idem, ibidem
397 Podemos dividir as exigencias do fruidor por varios patamares e enquadra-los na piramide de Abraham
Maslow (1908-1970). Hierarquizar as necessidades do fruidor e uma forma de perceber, que existem
prioridades, que poderao ser ate classificadas por criterios individuals. Se Maslow estabelece hierarquias
entre o humano e o que ele ambiciona, em que a arte com certeza ocuparia o topo da piramide, satistazendo a
motivacao de auto-estima (e primum vivere deinde filosofare), entao de um modo mais especifico podemos
criar uma sub-piramide dessas diferentes necessidades, sendo que a arte se subdividiria em outras
necessidades, tais como a percepcao (na base) e a sua inteleccao (no topo).
211
Assim, a compreensao das obras de arte nao e possivel apenas pela parcialidade:
temos de estar na posse de todas as "parcialidades" para entender a sua integralidade. Os
conceitos harmonia, clareza e ordem vem reforcar o conceito global De Stijl e terao de ser
percebidos pelos fruidores que contemplem obras dessa natureza. Grosso modo, uma
pintura De Stijl e rigorosamente igual a uma pintura renascentista; no seu sentido lato,
ambas sao uma pintura, porque ambas possuem caracteristicas comuns. Mas o que as
diferencia e a implementacao de conceitos referentes aos elementos que as constituem e a
distincao e feita pela diferenciada expressao entre uma e outra. E nesta extensao 398 do
generico ao especifico que avaliamos e taxinomicamente caracterizamos uma determinada
obra, fazendo-a pertencer a este ou aqueloutro grupo artistico.
A aquisicao de conhecimento por meios paralelos informativos e instrucao e e ela
que estrutura mentalmente a imaginacao do individuo. E ela que, por razao de principios,
promove a criatividade, que tern por base a personalidade. Neste caso, podemos afirmar
que existe uma percepcao estruturada, ou se quisermos, uma leitura estruturada. Leitura
subentende que a realidade nos apresenta, em permanencia, signos e formas fechadas que
devemos descodificar; e estruturada 399 , porque essa leitura efectua-se segundo alguns
criterios, algumas constantes, ou regras, que e necessario conhecer para optimizar a
transmissao de informacao. A figura 52 sera facilmente relacionada com uma casa, ao
passo que a figura 53 nao tera uma relacao concreta estabelecida, em virtude da sua
dispersao aleatoria. A maioria das pessoas designa essas figuras mediante a relacao entre
os diversos elementos, ou a sua interpretacao possivel, e nao pela estrita descricao dos
elementos que a compoem.
Fig. 52 | Conjugagao de elementos
Fig. 53 | Dispersao aleatoria de elementos
O conceito com a extensao maxima e a "coisa" (ser).
399 A percepcao e uma estrutura dinamica, que permite "arrumar" o espago de acordo com determinadas
importancias (graus) estruturais e criterios orientadores. A nossa percepcao tenta igualar os dados recolhidos
sensorialmente aos objectos do nosso conhecimento, como e o caso do visionamento de figuras ou formas
conhecidas, em nuvens, casca de arvores, paredes em ruinas, etc.
212
Poderemos a este respeito referir que a compreensao estetica e detentora de uma
posicao imaginativa individual caracterizada pelas percepcoes de cada humano per se e
indirectamente de outra posicao colectiva. O humano criador desenvolve uma intimidade
com a sua criacao, independentemente da sua relacao com o "espaco" envolvente. Mas nao
lhe e perfeitamente alheio o meio que o rodeia (apesar de poder funcionar isoladamente, ja
que cria sozinho), porque ele nao deixa de estar inserido num complexo sistema colectivo.
Ora este colectivo, em forma de comunidade ou sociedade, coloca a disposicao do criador
uma serie de condicoes que o tornam cada vez mais dependente daquele, fazendo-o
pertencer-lhe. Nao deve ser pois so considerada a relacao do criador com a sociedade como
vinda de dentro (do artista) para fora (a sociedade). Existe entao um factor exterior que se
oferece e se disponibiliza a induzir o modo de criacao. Os utensilios, os materials e as
condicoes de criacao (tempo e lugar) que sao oferecidas ao individuo criador, sao alguns
exemplos das "ofertas" do colectivo.
Por outro lado, nao podemos esquecer que o artista cria para ele, mas tambem para
o publico, o que faz dele um produtor social. A sociedade ira compreender a obra de forma
muito complexa por um lado e de modo muito diversificado por outro. Porque a obra e
destinada a publicos muito distintos, dos quais podemos referir o estetico, politico,
religioso, economico, etc., ela assume papeis muito diferentes e mais ou menos complexos,
dependendo do fim a que se destina, quer se trate de um museu, uma galeria, uma igreja,
etc. A arte como produto social e promotora de sociedades, ou melhor dizendo, ela e
estratificadora de classes sociais. Compreenderemos melhor este aspecto se atentarmos,
nao na oferta publica de arte porque esta e igual para todos (de um modo geral), mas sim
nas vontades publicas em participar activamente em programas artisticos. Este aspecto
gerenciador de sociedades vem um pouco na sequencia do anteriormente referenciado
prazer estetico "puro" (v. supra, p. 206, § 1). O acesso a arte dependera portanto, uma vez
mais, da previa sociabilizacao no dominio artistico, activando no humano toda a sua
cognitividade e afectividade.
Nao podemos esquecer que e ponto assente o aspecto economico ser uma barreira
ao prazer estetico "puro", logo a sua compreensao. Esta barreira nao depende
necessariamente das entradas em museus e instituicoes culturais, ou concertos, ou ainda
pecas teatrais, mas pode muito bem depender do intermediario das obras, como por
exemplo os livros, que facilitam a aprendizagem da arte.
213
O objecto artistico, sendo um produto social, e indissociavel dos publicos,
independentemente do destinatario, seja ele um publico objectivado, ou um publico em
potencia e, de outro modo, a criacao artistica constitui uma actividade social, na medida
em que acontece como interaccao. Esta interaccao acontece gracas a informacao
disponibilizada e gracas a significacao como conteudo; ou seja, quando se cria uma obra de
arte, o artista esta a agir 400 na criacao dessa obra e a interagir com a comunidade.
Evidentemente que esta interaccao social nao e espontanea. Ha pois lugar para todas as
etapas, desde a criacao ate a exposicao da obra e sua consequente visualizacao, digamos
interaccao. E pois um processo muito organizado.
Para a verdadeira compreensao da obra de arte, o sujeito fruidor tera de desenvolver
a capacidade de a recriar significando. Esta capacidade dota-o de extensas possibilidades
de "leitura" transformando-o num "leitor" activo, isto e, em alguem que tera co-
responsabilidade na obra, porque se encontra na posse de determinados conhecimentos que
lhe permitem frui-la na sua plenitude, diferentemente daqueles a quern a compreensao
escapa, submetendo-se a uma "obediencia" cega e absoluta (fruidor passivo).
A percepcao da obra tern na sua correcta "literalidade perceptiva" 401 , o principio
para a sua compreensao. Ja o significar existira sempre, independentemente de se possuir
conhecimentos artisticos ou nao, porquanto aquele estara presente em qualquer um de nos,
mesmo nos mais entendidos - aos quais nao devem ser apenas imputados os
conhecimentos tecnicos. Mas a significacao mais valida sera aquela que, associada aos
maiores conhecimentos da obra em causa, traduza uma maior aproximacao a realidade
introduzida pelo seu criador.
400 Ao contrario do vulgarmente implementado, o artista, como humano que e, nao reage, dai que tambem
nao seja estimulado, mas antes motivado. O humano ao contrario do animal nao cumpre o seu programa
genetico.
401 Termo emprestado a Christian Metz, cf. METZ, Christian - Le cinema: langue ou langage?.
Communications. Paris: Seuil. n° 4, (1964), p. 81.
214
3.5.1 Sociedade "conhecedora" versus Sociedade "leiga"
Em muitos periodos, a arte serviu para ilustrar um determinado momento ou
fenomeno historico. Muitas obras eram encomendadas com esse fim para marcar
historicamente uma determinada localidade. Destinavam-se, portanto, a uma populacao
muito restrita, "sociedade fechada", onde «(...) cada obra de arte tinha o seu lugar, a sua
funcao e legitimacao e era apreciada pelo seu fechamento» 402 . Para a populacao residente
nessa localidade ou arredores - Sociedade "conhecedora" -, essa obra traduzir-se-ia em
duas coisas: por um lado, numa narrativa historica que todos reconhecem, na medida em
que foram chamados a atencao para ela; por outro lado, e reconhecida a beleza da obra,
forma contraida da harmonia cromatica, compositiva, geometrica, etc. Mas e quern nao
conhecesse o "historial" da obra - Sociedade "leiga"? Bern, a esse respeito importara dizer
que a fruicao fica limitada a identificacao dos seus elementos constituintes (fig. 54).
Diremos entao que havera, uma reducao de cinquenta por cento na identificacao e analise
da obra. Processa-se uma analise apenas superficial, em virtude do desconhecimento
intrinseco da obra.
SOCIEDADE
"CONHECEDORA"
Identificacao de
factos historic os
+
Identificacao dos
elementos da obra
dearte
SOCIEDADE
"LEIGA"
Identificacao dos
elementos da obra
dearte
Fig. 54 | Sociedade "conhecedora" vs Sociedade "leiga"
ADORNO, Theodor, op. cit., p. 180.
215
Podemos referir que o reconhecimento da obra por parte do espectador constitui a
compreensao das conviccoes de uma determinada sociedade, mas tambem o
reconhecimento do talento da execucao da obra. O espectador demonstra contentamento 403
pela mestria do artista, que se espelha no reconhecimento da conjugacao dos seus
elementos constituintes, ou mais concretamente na sua complexa harmonia. Uma dada
sociedade distingue, portanto, diferentes tipos de fruidores que, no dizer de Fernando
Furtado 404 , se agrupam em "consumidor activo" e "passivo", e reforcada por Melo e Castro
que nos diz, que a obra de arte «(...) requer, pois, uma mudanca de atitude do seu fruidor,
de passiva para activa. Assim, estabelece-se uma troca de energia entre obra e fruidor,
sendo o tipo dessa energia dependente do principio estrutural em que a obra assenta e da
porta da percepcao que ela e capaz de impressionar» 405 . Esta radical mudanca na atitude do
espectador esta, segundo Melo e Castro, dependente da obra de arte, mais concretamente,
da forma como ela se afigura ao fruidor. A arte vanguardista podera, numa primeira
instancia, ter um papel facilitado quanto a este respeito, devido a estupefaccao que ela
possa criar, reintegrando o fruidor no seu verdadeiro papel, mas tambem podera ser o
reverso da moeda, visto que o exagero da sua apresentacao podera inibir o fruidor ao ponto
de este considerar a obra totalmente incapaz de representar um quadro imagetico valido e
congruente ao qual deva dedicar toda a sua atencao.
O fruidor activo nao sossega e e intransigente para com a oferta cultural: «(...) de
qualquer forma, o consumidor ativo afasta-se do "consumo" para aproximar-se da
"consumacao"» 406 . Ele define criteriosamente porque sabe e, atento a realidade que o
circunda, classifica-a de modo plausivel, encontrando-lhe os devidos significados aos quais
associa a necessaria significacao. Pelo contrario, o "consumidor passivo", «(...) adapta-se
com perfeicao ao sentido dicionarizado de sua denominacao» 407 e ainda, segundo o autor,
403 Obviamente que a manifestacao de contentamento sera sempre relativa, visto que em tempos e lugares
diferentes aquirem tambem formas diferentes. Nao se pretende portanto comparar estados de contentamento,
no entanto, o que interessa verificar e que sempre que ha contentamento seja ele em que tempo ou lugar for,
ele existe por virtude de determinadas caracterlsticas da obra, como sejam a mestria do artista.
404 cf. FURTADO, Fernando - Estetica e comunicacao de massa: uma introducao. Revista de
Biblioteconomia & Comunicacao. Porto Alegre: UFRGS [Universidade Federal do Rio Grande do Sul].
Vol. VI, (1994), p. 137.
405 MELO e CASTRO, Ernesto - A Proposicao 2.01, Poesia Experimental. Lisboa: Ulisseia, 1965. (Poesia
e Ensaio). Extraido de Poesia experimental. In Diciopedia 2005 [CD - ROM]. Porto: Porto Editora, 2004.
ISBN: 972-0-65257
406 FURTADO, Fernando, op. cit, loc. cit.
407 idem, ibidem
216
adquire o papel de "galinha domestica da tecnologia" 408 porque se sente incapaz de
perceber a diferenca entre a imagem e a propria realidade objectiva, ou nas suas palavras
entrever que «(...) o irreal da imagem significa criatividade para o real» 409 . O consumidor
passivo encontra-se pois num estado de ocio, a quern «(...) interessa mais a sensacao do
que as manifestacoes discursivas, mais a emocao do que a racionalidade formal que
reconstitui o sentido explicito da obra» 410 .
Segundo Veronica Mansilla e Howard Gardner 411 podem, estabelecer-se quatro
niveis de compreensao, a saber, o "ingenuo", o "principiante", o "aprendiz" e o
"especialista" e de acordo com a analise simplificada da compreensao critica a obra de arte
de Panofsky 412 , podemos dicotomicamente estabelecer dois grupos. O primeiro, aqueles
que alcancam o "significado intrinseco ou conteudo" e constitui o mundo dos valores
simbolicos, sendo necessario uma interpretacao iconologica para a compreensao "absoluta"
das obras. Ao segundo grupo, pertencem aqueles que atingem o "significado primario ou
natural" (significado formal) e diz respeito aos que sao capazes de identificar as formas
puras (linha, cor, representacoes de pessoas, animais, etc.). Trata-se de uma analise onde a
recepcao e efectuada em funcao de um estabelecimento comparativo com a realidade
social. Apesar da arte moderna se desligar em parte da representacao do quotidiano, este
grupo tenta reduzir os seus equivocos e ambivalencias a partir da realidade que conhece,
mas de algum modo com absoluta razao 413 . Existem grandes semelhancas entre o que e
objecto artistico e realidade social. Por um lado, a realidade do artista, aquela que ele
produz; por outro, a realidade do espectador, a que ele deseja que corresponda a realidade
introduzida pelo criador. Esta analise comparativa pode ser sinonimo de iliteracia, e desse
idem, ibidem, p. 138.
idem, ibidem
410 LOPES, Joao Teixeira, op. cit., p. 5.
411 cf. estudo destes autores in WISKE, Martha Stones - La ensenanza para la comprension: vinculacion
entre la investigation y la practica. Barcelona: Paidos, 1999. (Redes en education), pp. 246-256.
412 Panofsky distingue um terceiro estrato de interpretacao designado "significado secundaria ou
conventional", no entanto referenciamos aqueles que estao nos extremos da interpretacao. cf. PANOFSKY,
Erwin - O significado nas artes visuais. V ed. Lisboa: Editorial Presenca, 1989. (Dimensoes/Serie Especial;
14). pp. 31-47.
413 Por exemplo, Daniel Spoerri (1930- ) torna-se cozinheiro; Mireille Orlan (1947- ) dirige uma operacao a
sua cara como um cirurgiao estetico, Cai Guo Qiang (1957- ) explora a pirotecnia como se festivals de fogos
de artificio se tratasse, Joana Vasconcelos (1971- ) reproduz pecas tradicionais de ouro vianense com talheres
de plastico ou candelabros com acessorios diversos, Majida Khattari (1966- ) faz vestidos burca, remetendo
para as burcas muculmanas, etc.
217
modo, por falta de conhecimentos o "leigo" torna-se passivo, mantendo-se no seu estado
de "nao-publico" 414 .
A representacao abstracta pode justificar a pretensao do acesso ao conhecimento,
porque a ausencia de uma familiarizacao formal, retira toda a natureza de interpretacao ou
de definicao. A abstraccao, rompendo com todos os Academismos do figurativo,
assemelha-se a uma nova realidade, estranha a todos. A inacessibilidade de tais obras
provem da ausencia de uma objectividade revelada e a explicacao por meio de um codigo
esta contida na obra e nunca na sua perspectiva criadora. Nao devemos pois responsabilizar
o artista pela compreensao ou nao-compreensao da obra, mas sim o resultado do acto
criador, quer isto dizer a obra em si, independentemente da vontade do seu criador.
A atitude de fruicao leiga, comparada a de "um boi a olhar para um palacio", e
entao perfeitamente compreensivel, por virtude de uma deficiente ligacao das causas ao
efeito, ou do efeito as causas. Nao podemos esquecer que a obra de arte e o resumo da
concretizacao, da pratica, do executar... e um mundo exterior, e a imagem real que se
mostra. Assim, essa pratica e sempre do dominio concreto. E esta concretizacao que esta
ao alcance de todos. Mas existe o outro lado da obra, aquele que corresponde a sua teoria,
ao seu implicito, o seu estado latente. Existe, como nos diz Peraya e Meunier 415 , um "duplo
estatuto", onde esse implicito reforca o seu lado externo (explicito).
Contrariamente a pratica, a teoria generaliza, entra no abstracto, entra no dominio
da lei. Entrar no campo da teorizacao da obra de arte para promover a sua compreensao
sera o mesmo que ligar o implicito ao explicito, ou vice-versa. Por exemplo, na arte
representativa (dita figurativa), procurar a causa formal e procurar o motivo, a
realidade/tema representada, o objecto representado ou copiado porque, neste tipo de
imagens, a forma procura aproximar-se da causa formal (modelo) 416 , orientando e
determinando a forma. Pelo contrario, na imagem abstracta, a procura nao acaba num
objecto, prolonga-se em busca das causas de configuracao, procurando-se a ideia.
Resumindo, a pratica cria concretizacoes, a teoria cria (elabora) leis.
414 cf. MONFORT, Silvia in MONTASSIER, Gerard - Le fait culturel. Paris: Fayard, D.L. 1980. p. 98.
415 cf. PERAYA, Daniel, MEUNIER, Jean-Pierre - Vers une semiotique cognitive [Em linha]. [S.I.: s.n.],
[199-?]. [Consult. 28 Dez. 2004]. Disponivel em
WWW:<URL:http://tecfa.unige.ch/tecfa/teaching/riatl40/0203/edito.pdf>.
416 Nao se confunda causa formal com forma; a causa formal pode ser o ovo acabado de sair da galinha,
sendo a forma, tao somente uma forma oval; uma causa formal pode ser uma mulher com um filho adulto no
seu regaco, sendo a forma o mero triangulo. A causa formal transforma-se em forma.
218
Portanto, para que as sociedades entendam a obra de arte e necessario que
compreendam as suas causas e razoes. Mas em rigor ha acentuadas diferencas entre causa e
razao. Etimologicamente, causa e todo e qualquer facto e tudo o que ocasiona, enquanto
que razao e a causa racional, e a causa consciente. So o homem tern razao e, de resto, so
quando e o consciente a funcionar 417 . Ate aqui consideramos a razao diferente da causa no
acto em si. Coisa distinta seria a analise, a teorizacao, o encontrar-se a logica desse acto.
Neste caso, todas as causas sao razoes, porque sao racionalizadas. Se escorregarmos numa
casca de banana, escorregamos por uma causa, nao por uma razao. Mas racionalizar a
causa desse acto de escorregar e torna-la razao. A causa tern um caracter geral e diz
respeito ao proprio facto - e nao, portanto, analise desse facto. Pelo contrario, a razao,
acima de tudo, liga-se a analise, a justificacao - embora os factos racionais, causa e razao,
possam tendencialmente confundir-se (tendencialmente, porque a racionalidade pura talvez
nao exista). Por isso, a dificuldade em enquadrar a arte num acto de comunicacao, prende-
se pela incapacidade que os publicos tern em adquirir a compreensao "absoluta" da obra,
por outras palavras, pela dificuldade em teorizar sobre a mesma, ou seja, no encontrar das
suas causas, leis, ou razoes; mas tambem, porque se relacionamos a arte com a
comunicacao - a arte, ela mesma, nao necessariamente a critica da arte ou a historia da arte
- isso pressupoe a exigencia de dois sujeitos activos, duas acepcoes e portanto duas
"causalidades". Mas as causas do emissor nao coincidem com as causas de receptor, ou
418
vice-versa .
A fruicao no seu mais alto grau 419 implica a estesia, sendo necessario um bom
funcionamento psicofisiologico. Por outras palavras, e necessaria a sensacao. Mas esta so
atinge a plenitude se tambem houver lugar a teorizacao pessoal, incluindo a propria visao
da ligacao das causas ao efeito e nao somente a compreensao do efeito. Habitualmente
teorizar e mais do que fruir, mas tambem menos do que fazer. Ao teorizar faltaria o fazer,
ou seja, a ligacao real das causas ao efeito no mundo exterior. Isto considerando as
diferencas dos conceitos enquanto tal. No entanto (inclusive por conceito actual), o fazer
estetico, ou seja a arte, pressupoe o acompanhamento da contemplacao, da teorizacao. De
417 Como sabemos, o acto humano pode ser inconsciente, subconsciente, ou consciente. Em rigor, so o acto
consciente interessa.
418 O critico de arte ou o historiador da arte analisa, interpreta esta dualidade que o proprio conceito arte
implica.
419 Poderiamos estabelecer varios patamares de fruigao, num crescente evolutivo, em que incluiriamos todo o
ser humano e que caracterizamos aqui como: por um lado "leigo" e por outro "conhecedor".
219
resto, se a teorizacao nao fosse necessaria ao conceito arte, nao ocuparia espaco nas escolas
de arte.
E certo, que a clarificacao total da obra de arte, no sentido da participacao de um
jogo que permita a livre circulacao de conceitos, so e possivel se o fruidor da mesma for
um participante, com total dependencia das regras da obra em causa, nao so as que
orientam teoricamente a obra, mas tambem as que subjazem a uma pragmatica
fundamental. Para entendermos esta ideia lembremos que o que distingue o objecto
artistico do objecto industrial e que no objecto artistico, o sujeito e o autor nao apenas da
execucao, que o mesmo sera dizer de um agir no exterior, mas tambem autor - e
fundamentalmente autor - da concepcao, de um agir, pois, no mundo interior. Facilmente
entendemos as estreitas relacoes entre teoria e concepcao, ou vice-versa. Se a teoria e
importante para o entendimento, para a clarificacao, para a "explicacao" dos objectos
artisticos, tambem e mais importante no acompanhar, no fazer 420 , na propria concepcao, na
idealizacao dos proprios objectos. A compreensao da obra nao se remete apenas a sua
teorizacao, mas sim e tambem a sua construcao, a sua conjugacao, a sua intrinseca
concepcao.
A analise de uma obra e feita primeiramente de uma forma espontanea, e so depois
de uma forma mais analitica, mas esta analise mais aprofundada dependera do grau de
conhecimento do analisador. Por conseguinte, alguem que esteja despido de
conhecimentos artisticos, muito dificilmente podera tecer uma critica a obra de forma
coerente. A correcta analise da obra depende, portanto, de conhecimentos adquiridos
anteriormente. Esta evidencia nao se expande a um rigor absoluto, visto que a analise da
obra, mesmo que por ignorancia, e feita integralmente e num todo; e em certa medida
numa determinada coerencia (pessoal). So depois se prossegue para a compreensao mais
aprofundada, e aqui surgem duas alternativas: a primeira, que tern como sujeito o
entendido em arte e consequentemente profere um discurso plastico que cerca toda obra -
sociedade "conhecedora"; a segunda, onde encontramos o vulgo, que apesar de nao
dominar os conhecimentos da arte, ou da obra em causa (seja ela de que ambito for), sabe
diferenciar os elementos da obra, reduzindo-a a isso mesmo - sociedade "leiga". Este
ultimo sujeito, fortemente ligado a sua sensibilidade e ao espontaneo, mais facilmente sera
levado pelas "convencoes" ditadas a obra. Por isto, o senso comum, na ausencia de
420 No fazer, as causas, os factores, os elementos sao implicados, ou melhor aplicados, na teoria sao
explicados.
220
conhecimentos, supera essa lacuna com o auxilio das convencoes e do que e
padronizadamente dito.
Mas pouco importa que o fruidor seja "leigo" ou "conhecedor". O interesse da obra
reside na percepcao e nao no seu conhecimento. A compreensao significa a possibilidade
de imitacao: para se perceber determinados conteudos, o espectador tera de formular
imagens que se aproximem da percepcao da obra e consequentemente estabelecer uma
analogia, fazendo corresponder o seu conhecimento a obra em causa. Estamos entao,
perante um reconhecimento, que implica inevitavelmente um conhecimento previo do
sentido das percepcoes. Ora, o que persiste em todos os espectadores "leigos" ou
"conhecedores", e a sensacao que e comum a todos; e a posterior percepcao que existira
sempre, ainda que possa ser diferente para todos. De um modo geral e parafraseando
Schapiro 421 , o gozo da arte esta numa mente aberta e no habito da apreciacao as formas e
ideias.
3.5.2 A critica mediadora de conceitos - Uma hermeneutica inabracavel
Codigos diferentes contribuem para uma dificuldade de comunicacao verbal entre
duas pessoas. A superacao de tal situacao podera estar numa terceira pessoa que,
interposta, cria um elo de ligacao contextual entre ambos os intervenientes. A critica de
arte funciona, de igual modo, como um elo de ligacao entre o criador e o fruidor. Ao
publico "leigo" ela revela (ou pelo menos tenta revelar) um outro sentido da obra, para
alem do significado que ele lhe atribui, complementando e renovando a sua significacao;
por outro lado, ela torna-se util ao publico conhecedor, porque permite uma ampliacao do
conhecimento da obra e ajuda-o a entender melhor os seus significados internos. Mas sera
a critica de arte uma panaceia na qual todos os fruidores, independentemente dos seus
conhecimentos, se devam apoiar? Sera que, ora elucidando, ora hermetizando, ela atinge os
421 SCHAPIRO, Meyer - The Liberating Quality of Avant-Garde Art. ARTnews. Nova Iorque: ARTnews. n°
4, (verao de 1957), pp. 36-42. Este artigo foi reeditado com o titulo "Recent Abstract Painting" em: idem,
Modern art: 19th and 20th Centuries - selected papers. Nova Iorque: Georges Braziller, 1978. Vol. II, pp.
217-219.
221
seus objectivos? Ajudara ela a concretizar um processo de comunicacao? Estas sao
algumas questoes que naturalmente fazem parte do universo da critica, sobre o qual toda a
arte existe.
Correntemente assume-se que a "critica de arte" e uma acepcao moderna, nascida
com Denis Diderot (1713-1784). Tera sido este o primeiro a descrever as obras suas
contemporaneas, presentes nos saloes parisienses. Subsequentemente, e como
consequencia destas descricoes promovidas por Diderot, surge a arte da interpretacao que
comeca a vulgarizar-se e a ser fundamental, nomeadamente na criacao de novos "ismos" e
sobretudo na mercantilizacao das obras. A critica de arte era o marketing de hoje, pois
comecava a surgir de forma exaustiva em diversos jornais.
Apesar de se atribuir a Diderot a instauracao da critica, presume-se que ela ja
existisse anteriormente. A critica como interpretacao das obras de arte deve ter estado
muito presente no passado, sobretudo se atentarmos no facto de, em alguns momentos, as
obras serem muito narrativas e logicamente, apesar de nao necessitarem propriamente de
uma explicacao (como no caso das obras religiosas), esta estar-lhes-ia directamente
associada, como se de uma banda desenhada se tratasse, onde as legendas complementam a
figuracao. Por exemplo, o nome "natureza morta" tern a sua origem numa replica
metaforica de Andre Felibien 422 (1619-1695) que, no seculo XVII, descreveu este genero
de uma forma evidenciadamente negativa.
O critico possui um determinado conhecimento da obra de arte, que e pessoal, ou
seja, tern a sua propria nocao da obra. Ele formula uma ideia que sendo subjectiva, e um
"conceito" individual, podendo pois contrariar o conceito correspondente a obra e,
especialmente, a correspondente definicao. Em relacao a ideia e pertinente falar-se em
subjectividade, porque nem todos os criticos tern a mesma ideia de uma mesma obra. No
dominio das ideias, a subjectividade prevalece e e suficiente. O que o critico se propoe
fazer e assumir-se como instaurador de conceitos, da obra em particular ou da arte em
geral. Ele pretende instalar conceitos, ou seja, ideias de uma determinada sociedade, de
uma determinada colectividade, a ideia de um determinado tempo-lugar. Nesta sequencia,
os conceitos introduzidos pelo critico relativamente a uma obra ou atitude sao variaveis, na
medida das variacoes da respectiva colectividade. O conceito de arte, por exemplo, e hoje
completamente diferente do conceito de arte do seculo XX a.C. ou do ano 1300 d.C. De
422 FELIBIEN, Andre - Entretiens sur les vies et sur les ouvrages des plus excellents peintres anciens et
modernes. Paris: Les Belles lettres, 1987.
222
resto, o conceito actual de arte contraria mesmo a sua origem etimologica. Talvez por isso
seja tao dificil encontrar-se um consenso para a definicao de arte: sera ate complicado
aliar-mos a arte a qualquer definicao, para tal esta teria de ter um conceito universal, valido
para todos os tempos e todos os lugares.
Do mesmo modo, qualquer obra de arte nao podera ser definida inequivocamente
em todos os lugares e todos os tempos. A historia da arte evidencia isso com grande
clareza. O que forcosamente acontece e uma adaptacao do passado ao presente, sempre
com total respeito pelas ideias e regras de entao. Este respeito apenas sera possivel se
existir documentacao que afirme as atitudes ou as obras num sentido fixo e na actualidade
apenas nos resta respeita-las. Se atentarmos, por exemplo, nos objectos pre-historicos, nao
sera dificil entendermos o porque de alguma celeuma em torno da questao de considerar
esses objectos como obras de arte. O critico pode entao atribuir-lhes um determinado
conceito, mas nunca uma definicao 423 . A critica da arte deveria permitir a plena realizacao
da compreensao da obra ou da experiencia estetica, porque o critico de arte surge como
uma especie de accao dupla: ele e o observador de um objecto e ao mesmo tempo,
participa para a efectivacao desse objecto.
A arte e, logicamente, a reuniao de uma obra e do seu criador e ainda do seu
publico, seja ele especializado ou nao. Podemos dizer que a critica nao abre um caminho
para a arte: pelo contrario, restringe a sua apreensao, talvez por isso Petersen tenha referido
que «A critica e a sogra da arte» 424 . Impossibilitando uma comunicacao, ela reserva-a a
uma esfera muito restrita, tornando-a desta forma elitista. A critica tern forte influencia na
visibilidade artistica contemporanea, pois e ela que orienta e encaminha a arte, desenhando
os seus designios. Ha pois uma orientacao do gosto, no sentido da propria transformacao
da arte, naquilo que podera ser considerado o mais favoravel no momento.
«0 facto de, na situacao actual da cultura, a critica ser necessaria a producao e
afirmacao da arte, legitima a hipotese de uma especie de caracter inacabado
ou, pelo menos, de uma comunicabilidade nao-imediata da obra de arte: a
critica desempenharia assim uma funcao mediadora, lancaria uma ponte sobre
o vazio que se tern vindo a criar entre os artistas e o publico, ou seja entre os
produtores e os fruidores dos valores artisticos. Esta mediacao seria, pois,
tanto mais necessaria quanto se pretende que a arte seja acessivel a toda a
423
A definicao e o conceito cientifico, ou seja das ciencias exactas. Por isso o critico para lhe atribuir uma
definicao teria de cingir-se unicamente ao seu aspecto fisico (estudos de composicao), visto que este nao e
passivel de variacao, no entanto, aquele nao se fixa apenas nessa analise.
424 Robert Petersen cit. por VEIGA, Jose - Cita^Ses para criticos. Cascais: Editorial Lio, D.L.1993.
(citacoes). p. 35.
223
sociedade, uma grande parte da qual ve ainda fechado o acesso a fruicao e ao
consumo dos produtos da cultura, e, especialmente da arte: a critica ofereceria
assim uma interpretacao "justa" ou ate mesmo cientifica das obras de arte, a
qual seria valida para todos, sem distincao de classes. Mas, se a funcao da
critica fosse principalmente explicativa e divulgadora, nao se explicaria a sua
afirmacao como ciencia ou, noutros casos, como "genero literario", o seu
recurso a argumentacoes abstrusas - e, na sua maioria, menos acesslveis do
que o texto figurativo ao qual se referem - o seu valer-se de uma "linguagem
especial" na qual abundam nomenclaturas especializadas e, para a maior parte
do publico, hermeticas» 425 .
Na actualidade artistica, encontramos uma deformacao, do que era tido como
tradicao. E pois uma arte de oposicoes, de revelacoes e de contrastes, demasiadamente
hermetica, como faz notar Argan, comparativamente ao passado historico. Notemos entao
como esta alteracao influencia a propria critica e vejamos como ela, subjazendo a sua
"materia-prima", explicita os seus objectivos, as suas consideracoes perante a sociedade
artistica.
A extrapolacao cultural e artistica leva a necessidade da critica. E na critica que a
sociedade vai procurar explicates e e nestas que procura solucoes para determinados
problemas que a rodeiam. Mas nem sempre a critica consegue atingir os seus objectivos,
ou pelo menos e em certa medida, ela e uma atitude frustrada, porquanto pretende assumir-
se como um reflexo imediato das obras de arte, mas acaba por resultar, numa acentuada
distorcao, consequencia de uma excessiva expressividade da sua actividade, tal como
Argan refere, o que leva a sua tao dificil compreensao por parte do comum fruidor e ao seu
entendimento apenas por um publico especifico e especializado.
Esta associacao da critica a arte contemporanea forma uma dupla que, por
indissociavel quer tecnica quer formalmente, tornam a arte uma forma de expressao com
enormes barreiras no dominio da sua compreensao. «Existe um lugar-comum, nem sempre
longe da verdade, embora retoricamente anti-intelectual, segundo o qual a critica de arte e
feita numa linguagem eterea e incompreensivel. Mais: conscientemente incompreensivel,
so para dar prestigio a discursos sem conteudo e que cinicamente tentam criar uma "aura"
intelectual para o critico e uma "aura" criativa para o artista.» 426 . Por um lado, a critica
exacerbada imprime um rigor inatingivel por parte do comum fruidor; por outro, a obra em
425 ARGAN, Giulio Carlo - Arte e critica de arte. Lisboa: Editorial Estampa, 1988. (Imprensa Universitaria;
66). p. 128.
426 CALABRESE, Omar - Como se le uma obra de arte. Lisboa: Edi^oes 70, imp. 1997. (Arte &
Comunicagao; 64). p. 13.
224
si mesma e dotada de grande invulgaridade artistica, fruto da inovacao e originalidade,
aliada a conquista dos novos meios de concepcao. Afinal e esta alteracao na esfera artistica
- a crise da arte - que faz surgir a necessidade da critica.
Sera necessario referirmo-nos a Gadamer que, na sua "Arte de Compreender" 427 ,
postula uma incompreensibilidade da obra de arte, ou ainda uma inexplicabilidade.
Parafraseando-o, diremos que a obra representa um desafio a nossa compreensao, pura e
simplesmente porque ela escapa a qualquer explicacao e porque oferece barreiras a quern
queira critica-la e dela tirar conceitos. A inefabilidade apontada por Gadamer faz todo o
sentido, porque muitas obras escapam ao conhecimento racional, o que as eleva a um
estado de transcendencia. O aspecto sensivel do humano esta reflectido na obra, mas sera
necessario proceder a uma analise cuidada do mesmo para que esta surja correcta e
coerente. E preciso, segundo Bourdieu, um «(...) esforco no sentido de devolver vida aos
autores e ao seu meio ambiente» 428 , por meio de analises que «(...) se fixam como fim a
reconstrucao de uma realidade social susceptivel de ser apreendida no visivel, no sensivel
e no concreto da existencia quotidiana» 429 . Pode-se portanto afirmar, que o critico nao
promove uma transmissao de informacao, que se ajuste a efectiva realidade artistica.
O objecto da critica e de uma grande complexidade, porque ele nao e apenas o lado
materializavel da atitude artistica: e tambem o lado filosofico e pressupoe, como elemento
basilar do conceito, um sujeito (que se desdobra em criador e fruidor) e um objecto,
contextualizavel num dado momento. Aquilo que a critica analisa nao e a resolucao da
poetica da obra 430 , mas reconhece e afirma-lhe a actualidade, quer dizer, as grandes
apresentacoes da cultura contemporanea. Ela propoe verificar de que forma essa
contemporaneidade cultural se insere num periodo historico e como consegue sobreviver a
uma cada vez mais exigente sociedade.
O critico insere-se, pois, no grupo dos artistas, de maneira a integrar essa esfera
cultural, onde ele proprio cria decisoes, ratifica e orienta de forma esclarecedora a
intelectualidade plastica da sociedade artistica, permitindo a esta levar ate ao maximo o seu
427 cf. GADAMER, Hans-Georg - l'Art de comprendre. Paris: Aubier-Montaigne, D.L. 1991. Vol. 2 [Ecrit
II: hermeneutique et champ de l'experience humaine], (Bibliotheque philosophique). p. 17.
428 BOURDIEU, Pierre - As regras da arte: genese e estrutura do campo literario. Lisboa: Editorial
Presenca, 1996. (Biblioteca do seculo; 3). p. 16.
idem, ibidem
430 Que nao tern caracter normativo, senao teriamos a considerar nao uma critica da arte, mas sim uma teoria
da arte. A critica da arte, nao e so a descricao de fenomenos, mas o seu fundamento, partindo do efeito,
procurando as causas que originaram esse efeito; sendo uma "actividade" a "posteriori" ela e
fundamentalmente uma "actividade" axiologica.
225
nivel intelectual. Vejamos o caso do critico Guillaume Apollinaire (1880-1918): sendo ele
o porta-estandarte dos cubistas e dos fauves, chegou ao ponto de anunciar e prever o
surrealismo, que mais tarde foi apoiado pelos literatos Andre Breton (1896-1966), Louis
Aragon (1897-1982) e Jean Cocteau (1889-1963). Houve da parte de Apollinaire uma
tentativa de situar, de contextualizar e de orientar determinadas vicissitudes da conjuntura
de entao. Tambem Filippo Marinetti (1876-1944), na sua polemica literaria influenciou
decisivamente os "manifestos tecnicos" dos escultores, pintores e arquitectos futuristas,
tornando-se desta forma uma figura decisiva no impulsionamento e no convencimento
social desta atitude. Mais tarde tambem Francis Ponge (1899-1988), Jean Paulhan (1884-
1968) e Raymond Queneau (1903-1976), se decidiram a construir e a apoiar as correntes
informalistas francesas. Estes sao alguns exemplos, de como a critica acesa, sempre ligada
a arte desempenhou um papel vital, para a sua prossecucao, sem o qual a arte nao
sobreviveria na actualidade, devido a imposicao do exigente rigor social. E evidente que a
propria critica desempenha tambem um papel menos bom. E sabido que ela nao se dissocia
de um aspecto mercantilista, e por esse motivo, incentiva e abre-se ao consumo, fazendo
prever o esgotamento da arte e a sua rapida substituicao para novos modelos artisticos 431 .
Neste sentido, a democratizacao da arte advogada por Joseph Beuys (1921-1986), a
consequente pluralidade de artistas e a fabricacao de "ismos" e considerada por alguns
como uma cortina de fumo para a mediocridade. De facto, a diversidade de tendencias
dificulta a explicitacao, de uma leitura clara e esquematica das obras. Horst Janson
referindo-se a grande diversidade de movimentos do seculo XX, diz: «Sao tantos, na
verdade, que ninguem lhe sabe a conta certa. Esses "ismos" podem ser um obstaculo serio
a compreensao: fazem-nos sentir que so poderemos esperar compreender a arte do nosso
tempo desde que mergulhemos num torvelinho de doutrinas esotericas.» 432 . A
multiplicacao de estilos artisticos no decorrer do seculo XX, sobretudo em pintura, bem
como a divisao dos estilos ou movimentos, que se tornou nublada devido as sinergias que
se estabeleceram entre as diversas areas, teve como efeito a reducao do tempo, entre a
criacao e a teorizacao desses estilos. Os teoricos, que sao os criticos, foram cada vez mais
longe para chegar a fonte e deste modo, tomam a posicao de um descobridor reforcada pelo
amplificador poder de mediatizacao.
431 Daqui podemos realgar que a critica e criadora de modas
432 JANSON, Horst - Historia da arte. 6 a ed. Lisboa: FCG [Fundacao Calouste Gulbenkian], 1998. p. 666.
226
Esta mediatizacao, considerada "mensageira", fazendo a funcao do critico, tern uma
objectividade atenuada visto que nao chega ao fundo da questao, antes possibilita ao critico
uma maior acessibilidade a obra. Permite-lhe uma maior proximidade com o mundo
artistico e portanto, por via das consequencias, a possibilidade de "amizade" com os meios
de mediatizacao e um desvio que podemos considerar proficuo. Entretanto, o
conhecimento do meio da arte e necessario ao critico, afim de obter o maior numero de
elementos, que lhe permitam julgar uma obra ou um artista com relativa objectividade e
coerencia.
Esta complexidade artistica, surgida fundamentalmente a partir da segunda metade
do seculo XX, desenvolve na opiniao piiblica uma onda de incompreensao. Esta
dificuldade de entendimento faz do publico um critico contestatario. O repudio de algumas
formas de expressao por parte de muitos publicos e uma verdadeira critica. Antes de existir
uma massa especializada na critica de arte, existira com certeza uma outra massa, tambem
critica, fruto de uma ausente preocupacao especifica no dominio artistico. Uma inexistente
"escola" direccionada para o contacto efectivo com a obra de arte e a causa de algumas
"atrocidades" cometidas a cultura. A ignorancia do publico, apesar de nao se enquadrar no
universo da verdade artistica, nao deixa de ter o seu peso na caracterizacao, nao da arte em
si, mas sim da sua imagem no exterior. Considerados uma maioria no limbo dos fruidores
de arte, sao eles, tambem, que afirmam e negam a arte, considerando-a ou nao. Como
Adorno nos diz, «(...) o caracter enigmatico da arte torna-se neles (os homens incultos)
flagrante ate a sua total negacao, transformando-se, sem saber, em critica extrema da arte e,
enquanto comportamento defeituoso, em suporte da sua verdade. E impossivel explicar a
broncos o que e arte; nao poderiam introduzir na sua experiencia viva a compreensao
intelectual» 433 . Seria logicamente impossivel que, por auto-recriacao, o "inculto" se
inteirasse da "compreensao intelectual" para atingir o verdadeiro valor da obra. Deste
modo, ele sera sempre inculto, visto que este devera antecipar a sua formacao a experiencia
estetica, pois, sem aquela ele demonstrara sempre a sua total e absoluta ausencia
intelectiva. Portanto, ante a obra, seja qual for o seu estatuto, o fruidor sera sempre critico,
por um lado, critico de leis e por outro, critico austero, destituido de qualquer autoridade,
dai que nos surjam inumeras questoes, tais como "o que e isto?", "eu tambem fazia isto!".
433 ADORNO, Theodor, op. cit., p. 141.
227
Outra questao de nao menor interesse e que vem reforcar a ideia de que a critica
nao explicita claramente e validamente as obras de arte e a opiniao dos autores das obras.
Muitos sao os artistas que lamentam a actividade critica, isto porque consideram que nao
vai de encontro aos seus trabalhos:
«(...) os "artistas", com mais ou menos fleuma, sempre consideraram os "criticos"
como iniiteis tagarelas, como "empatas", em resumo, como seres profundamente
improdutivos: "a critica e facil mas a arte e dificil", dizia-se! Alem disso, os criticos
criaram certamente uma especie de "complexo de culpa" e assumiram muitas vezes a
funcao de censores implacaveis, e a sua linica preocupacao era obterem cada vez
mais importancia social, cada vez mais poder, ate chegarem a decidir, perempto-
riamente, nas academias das belas-artes, do valor de tal ou tal artista plastico» 434 .
Alguns artistas fundamentam as suas opinioes na impossibilidade de se poder
estabelecer uma traducao valida das obras de arte. A expressividade plastica nao pode
entao, neste sentido, ser sujeita a qualquer verbalizacao. Sobre este assunto, Juliao
Sarmento (1948- ) afirma, discordando, que lhe irrita «(...) a traducao de conceitos e a
verbalizacao de coisas que nao devem ser verbalizadas» 435 . Tambem a este proposito e
replicando a Wolf Vostell, Agundez 436 afirma que a critica e inutil e por isso nao favorece
o artista, nem socorre o fruidor da sua incompreensao. Ele exalta as artes plasticas, em
detrimento da palavra. A existencia de uma descricao da obra torna-a mais extensiva faz
com que ela se prolongue, para um dominio que nao e o seu, gerando inclusivamente perda
de autoria. Por vezes, surgem inclusivamente grandes divergencias, nao so de ordem
tecnica, mas tambem pessoal. Se a maior parte dos comentarios se limitam a uma descricao
iconografica da obra, o cuidado de forjar o gosto do publico e frequentemente manifestado.
Cor politica, conviccoes pessoais das criticas, afinidades ou rivalidades entre eles e os
artistas dao origem a numerosos comentarios com um torn polemico. Aqui comecam as
grandes celeumas criadas no seio da massa critica, entre os criticos, os artistas e os
publicos; e entre o artista e o seu publico.
Se Vostell nao prescinde de uma explicacao da obra, para converter as suas
mensagens em algo de facil acesso pelo comum dos fruidores, e porque estes nao lhe tern o
acesso facilitado. E porque o artista tern a clara nocao de que as suas obras nao se
evidenciam superficialmente que logicamente, muitos se obrigam a formular sistemas
434 TOUSSAINT, Bernard, op. cit., p. 99.
435 Entrevista de Vanessa Rato a Juliao Sarmento [artista plastico], aquando da exposigao colectiva Arte de
Portugal, no Kunst Museum em Bona [Alemanha], in "Publico". (27 Mar. 1999). p. 30.
436 AGUNDEZ GARCIA, Jose Antonio - 10 Happenings de Wolf Vostell. l a ed. Merida [etc.]: Editora
Regional de Extermadura [etc.], 1999. p. 82.
228
paralelos que permitam a sua traducao. Esta deveria estar a cargo de "especialistas de
comunicacao" ("artistas" da comunicacao?) que, mesmo ajudados pelos artistas, nunca
conseguem penetrar profundamente no seu significado.
3.5.3 Assessores de compreensao
A arte nao e independente do que a rodeia. Se a critica e o factor humano que a
caracteriza, outros elementos surgem e se interpoem. Com especial papel de orientacao,
por vezes critica, por vezes pedagogica, estao inumeros produtos culturais, com tiragens
cada vez mais alargadas: periodicos especializados, revistas de arte, jornais culturais, guias
para acompanhamento das exposicoes, catalogos das mostras, livros de artista, manifestos,
enfim, uma infinidade de artigos que sao disponibilizados ao publico, para lhe permitir
uma melhor adequacao no seu confronto com a obra de arte.
A recepcao estetica tern uma estreita ligacao com os elementos assessorios pois,
nao fazendo estes parte da formacao base do individuo ajudam-no a aproveitar da melhor
maneira a sua percepcao das obras de arte. Mas estes elementos nao fazem sentido se nao
houver lugar a um esforco do publico em os perceber e em os associar as obras de arte,
para lhes procurar o verdadeiro fundamento. Agundez, centrado na obra de Vostell, reforca
precisamente este assunto, referindo que:
«E1 publico debe tener una actitud abierta ante el arte contemporaneo, un arte
intelectualizado que necesita de estudio y aprendizaje. Por ello, nunca faltara en una
exposition de Vostell, un catalogo o texto que presenta al artista, la trayectoria de su
obra y la enunciation de las diferentes invenciones e intenciones... Unicamente se
espera que el espectador que va a dichas exposiciones tenga el tiempo suficiente y la
voluntad o proposito de realizar el ejercicio mental necesario como para aproximarse
a la obra de arte.» 437 .
Correntemente, a ideia de incompreensao da arte contemporanea so e colmatada por
estes elementos externos a obra, de entre os quais tambem se podem destacar os guias de
museus ou galerias. Estes tern um papel fundamental nao so na contextualizacao historica
das obras mas tambem na veiculacao das suas mensagens. Um guia e alguem que
437 idem, ibidem, p. 81.
229
previamente se inteirou das relacoes existenciais da obra e do artista, num panorama
historico, num dado momento e num determinado lugar. Um guia, bem mais do que o
critico, torna a obra acessivel ao publico, pela sua linguagem clara e explicita. A sua
linguagem assenta numa forma univoca de compreensao. Havendo, um elemento que serve
de ponte entre o artista e o publico, tambem concomitantemente existira, um melhor
entendimento da obra de arte, se quisermos, uma verdadeira transmissao de informacao.
Mas nao nos esquecamos que se trata de uma situacao de dependencia, apenas se
verificando em situacoes pontuais e extraordinarias, visto que nem sempre temos acesso a
um guia.
E se «0 museu comunica que a arte permanece incomunicavel e todavia presente,
acessivel, ao alcance de todos, e no entanto distante» 438 e porque por um lado, a obra se
apresenta frontalmente equidistante de qualquer realidade aparente, mas, por outro, torna-
se cada vez mais acessivel a medida que alguns assessores de compreensao a remetem para
a vulgarizacao quotidiana. E assim, que alguns titulos das obras podem reforcar a ideia
central imposta pelo seu criador, levando-a ao publico de um modo mais transitivo,
efectivando a possibilidade de uma correcta transmissao da informacao conteudal. Mas
nem sempre acontece deste modo.
Se em periodos mais remotos as legendas tinham importancia, no seculo XX e na
actualidade, nao perderam sentido, antes pelo contrario reforcaram a sua funcao. Veja-se,
por exemplo, a importancia das legendas no cinema mudo, que criam contexto 439 e cuja
ausencia faria persistir a ambiguidade dos filmes. Esta parceria que se estabelece entre a
legenda e o filme e propiciadora de uma clarificacao. Segundo Peraya 440 , a palavra procura
acomodar perceptivamente a imagem. A cada sequencia de filme era atribuida uma
legenda, um pouco como, na pintura, os "louboks" 441 russos que tinham a particularidade
de serem acompanhados de um texto escrito, ou ainda os ex-votos 442 que, embora nao
438 ALMEIDA, Bernardo Pinto, op. cit., p. 63.
439 cf. METZ, Christian, op. cit., p. 69.
440 PERAYA, Daniel; MEUNIER, Jean-Pierre - Introduction aux theories de la communication: Analyse
semio-pragmatique de la communication mediatique. 2 a ed. Bruxelas: De Boeck, 1993. (Culture &
Communication), p. 18.
441 Os "loubok" sao imagens seculares (com inicio no seculo XVII), onde se reflectem os gostos esteticos da
populacao, as nocoes do bem e do mal, o seu criterio moral e as suas normas eticas. Eram realizadas em
iluminuras, litogravuras, xilogravuras, relevos, bordados, tapecarias. Os "louboks" trouxeram inspiracao na
definicao da avant-garde russa, do mesmo modo como a arte africana influenciou a revolucao cubista.
442 Os ex-votos tambem pertencem ao dominio popular, visto que a sua idealizacao nao continha qualquer
caracter artistico. A propria concepcao do ex-voto podia ser feita pela pessoa que pedia o voto e nao
necessariamente por alguem especializado.
230
esclarecessem acerca do conteudo da imagem, eram por vezes legendados com as mencoes
dos milagres concedidos e dos beneficiados. A legenda referia-se a um periodo narrativo,
ja que nao podia simultaneamente acompanhar a totalidade das imagens. Uma sequencia
ou pluralidade de imagens e accoes tinha apenas uma legenda, aquela que poderia
caracterizar todo um dado momento filmico. As legendas eram, portanto, ancoras
narrativas e temporais. Mas os filmes continuaram sempre a ser legendados porque, com a
chegada do cinema sonoro, o som, substituindo as legendas, era por sua vez encarado
como legenda.
Os titulos que acompanham as obras, referindo-se objectivamente a uma realidade e
correspondendo a uma relacao directa com a obra, funcionam como uma triplicacao da
realidade primeira (realidade natural / realidade representada / realidade explicada), uma
especie de "faire-valoir" 443 da imagem, aquilo a que Barthes 444 chamou "ancrage" e
"relais", porque eles servirao apenas para concretizar a imagem, tornando-a redundante.
Acompanhando a obra, tern como intencao fundamenta-la e afirma-la como verdadeira.
Sao a prova da sua existencia, no mundo a que se referem. Se a obra e formalmente
explicita, entao o titulo torna-a redundante (ou nao, dependendo da vontade criadora); se,
por outro lado, a obra pertence ao dominio da abstraccao, o titulo sera uma tentativa para a
sua clarificacao reflectira pois, o interesse escondido do artista.
Para alguns artistas, o titulo faz parte integrante da obra; dado antes ou depois de
terminada, como um nome que esta associado a um individuo, aquando do seu nascimento
e permanece de forma intima para o resto da sua vida. O titulo nomeia as obras, dando-lhe
uma dimensao que o fruidor tern em conta, usando-o nas suas pesquisas de relacao (com a
obra). Ele funciona como uma chave que, juntamente com a percepcao e reflexao, ajuda a
decifrar a obra - uma chave da compreensao. Sem a indicacao do titulo, "Adao e Eva
(banidos do Jardim)" (fig. 55), a obra de Damien Hirst (1965- ) dificilmente seria associada
as figuras bfblicas e mesmo quando esta e destrincada por alguns, o titulo apenas vem
idem, ibidem, p. 24.
444 "Ancrage" e "relais" sao funcoes da mensagem linguistica que podem ser utilizadas nas imagens para lhes
darem sentido. A "ancrage" aparece mais frequentemente na imagem fixa, ao passo que a funcao de "relais",
rara na imagem fixa (Esta pode aparecer em desenhos humoristicos e bandas desenhadas) surge no cinema,
com o objectivo de prolongar o sentido da accao visual. No entanto, ambas as funcoes podem encontrar-se na
mesma imagem. cf. BARTHES, Roland - Rhetorique de l'image. Communications. Paris: Seuil. n° 4,
(1964), pp. 43-45. A este respeito cf. tambem do mesmo autor: O obvio e o obtuso. Lisboa: Edicoes 70, imp.
1984. (Signos; 42). pp. 21, 22.
231
445
redundar a obra. O titulo e uma especie de "suplemento cognitivo" para o fruidor
,,446
Usando as palavras de Paulo Silveira, da a "ler e ver o artista" - diriamos antes, ver
duplamente o artista.
Fig. 55 | Damien Hirst, Adao & Eva (banidos do Jardim), 2000.
Mas outra situacao podera surgir, quando o titulo estiver descontextualizado do
ambito da obra. Alguns artistas, mormente os abstractos, jogam com os titulos, sem que
estes tenham uma verdadeira relacao com o conteiido da obra. Eles deixam
voluntariamente ao fruidor a livre interpretacao do que veem, permitindo que cada um
deles desenvolva as suas proprias sensacoes perante a obra. Esta relacao inexacta sera
considerada assim apenas pelo espectador da obra, que vera no titulo uma segunda forma
de equivocidade. Na medida em que o criador, intencionalmente acrescenta um titulo
equidistante da tematica da obra, fa-lo por vontade propria e, neste sentido, este desiderato
complementa-a. Nao podemos esquecer que as palavras (prototipo do digital), ao contrario
das imagens (analogicas), sao arbitrarias, ou seja, nao possuem nenhuma semelhanca
"natural" com o que representam, dai que a melhor forma destas se aproximarem da obra e
significarem sucintamente o seu conteiido. Mas, quando confrontamos obra e titulo, se tal
exigencia nao for satisfeita, levantar-nos-a indignidade e espanto.
Os titulos normalmente incluem algumas referencias que ajudam a fixar os temas,
mas por vezes existe um conflito evidente entre aqueles e estes. Surgem em alguns
' cf. DENIS, Michel, op. cit., p. 106.
SILVEIRA, Paulo - Arte, comunicacao e o territorio intermedial do livro de artista. In ENCONTRO
NACIONAL DA ANPAP, 13, Brasilia. "Arte em pesquisa: especificidades". Brasilia: Pos-graduacao em
Arte da Universidade de Brasilia, 2004. Vol. I, p. 252.
232
trabalhos, dos quais a referenda a Joan Miro (1893-1983) e apenas um exemplo, titulos
que dao uma grande enfase a narrativa da obra, mas a sua execucao, ou a sua existencia
fisica, ou melhor ainda a sua expressao, aparece completamente a margem do tema.
Tomemos o exemplo da obra intitulada "Uma gota de orvalho que cai da asa de uma ave
acorda Rosalia adormecida a sombra de uma teia de aranha" (fig. 56), de Joan Miro.
Verificamos que nao existe uma evidente associacao entre o titulo e o seu presumivel
conteiido. Seria antes previsivel que a obra fosse mais figurativa, em virtude do caracter
muito narrativo do titulo. Nao existe sequer uma semelhanca directa entre o que pretende
ser o conteiido da obra e a sua expressao. Neste caso, o titulo descreve o que a obra nao
consegue fazer em imagem.
*2
4
%>-^.Y
Fig. 56 | Joan Miro, Uma gota de orvalho que cai da asa
de uma ave acorda Rosalia adormecida a sombra de
uma teia de aranha, 1939.
Se os titulos das obras se podem constituir como um auxiliar para o seu
entendimento, entao poderao funcionar como legendas, que tentam dar uma indicacao, por
mais breve que seja, no sentido de criar uma antecipacao daquilo que realmente a obra
possa significar. Segundo Roland Barthes, as palavras respondem a uma questao: «(...) la
parole repond, d'une facon plus ou moins directe, plus ou moins partielles, a la questions:
qu'est ce que c'est? Elle aide a identifier purement et simplement les elements de la scene
et la scene elle-meme: il s'agit d'une description denotee de l'image (description souvent
partielle)» 447 . Efectivamente, a palavra e a exteriorizacao de conceitos enquanto que a
figuracao e a representacao do respectivo conceito. No entanto, esta breve apresentacao da
obra, correspondendo sempre a realidade que o artista pretendeu igualar, nem sempre se
BARTHES, Roland - Rhetorique de l'image. Communications. Paris: Seuil. n° 4, (1964), p. 44.
233
caracteriza como algo que clarifica e evidencia de forma inequivoca. Isto deve-se
essencialmente a elevada hermetizacao por parte do artista, porque nem sempre este
pretende ser o mais aberto possivel, mediatizando a obra de forma euforica.
A obra de Marcel Duchamp, "L.H.O.O.Q." (fig. 57), e a demonstracao de que nao
existe uma directa semelhanca entre aquilo que e o titulo da obra e o que realmente ela e.
No entanto, o seu autor, atribuindo-lhe intencionalmente um titulo esta a estabelecer uma
relacao de conformidade entre este e a obra. Nao ha portanto entre criador e obra nenhum
problema de avaliacao, visto se tratar de uma intima dualidade, mas o que importa realcar e
a relacao desses titulos com o fruidor. Ai sim, o problema surge. Seremos talvez tentados a
dizer que tambem os titulos sao obras de arte. O que se pretende transmitir com esta ideia e
que tambem os titulos (alguns) necessitam de uma apresentacao. No caso da obra
"L.H.O.O.Q.", o titulo corresponde a "Elle a chaud au cul". Este, em forma de charada,
nao sera facilmente "desvendado", a menos que seja descodificado ao fruidor, que o devera
entender como tal para que possa fazer alguns esforcos no sentido da sua clarificacao.
Fig. 57 | Marcel Duchamp, L.H.O.O.Q, 1919.
A mensagem lingulstica dos titulos, ou de outras referencias textuais, orienta as
mensagens simbolicas das obras. Orienta, nao a identificacao da obra, mas sim a
interpretacao da mesma que, subentende-se, seja multipla. Esta orientacao nao e de modo
234
nenhum, no sentido de complexificar a compreensao da obra, mas sim de tentar clarificar o
seu sentido. Se houver uma complexificacao, serao os fruidores os autores disso, pela
simples razao de que estes sao sempre o elemento variavel. Apesar das referencias textuais
dos titulos nao serem sempre muito acessiveis, sao pelo menos representativas de uma
dada informacao, que esta directamente relacionada com a obra, mesmo que nao permita o
seu desvendar. Funcionam como elementos metalinguisticos que procuram a elucidacao da
obra.
Existem tambem alguns autores que acompanham as suas criacoes artisticas de uma
prosa que delas e inseparavel. A obra funcionara apenas nesse conjunto. O celebre
cachimbo de Rene Magritte (fig. 58) e exemplo disso: o titulo joga com a obra. A este
respeito, Magritte refere: «Les titres des tableaux ne sont pas des explications et les
tableaux ne sont pas des illustrations des titres. La relation entre le titre et le tableaux est
poetique» 448 . Assim como as representacoes nao sao o representado, tambem os titulos nao
o sao. Nestes casos os titulos sao inclusivamente a negacao, nao so do objecto
representado, mas tambem da sua representacao. Temos pois uma dualidade que subsiste
antiteticamente: por um lado, uma afirmacao, fruto da representacao e por outro, uma
negacao, consequencia da firme vontade do autor em evidenciar a descricao ilusoria da
representacao. Mas o titulo nao contraria a obra, ele apenas o afirma de outro modo.
Fig. 58 | Rene Magritte, A traiqao das imagens - Ceci
n'estpas unepipe, 1929.
448 MAGRITTE, Rene - Les mots et les images: choix d'ecrits. Bruxelas: Labor, 1994. (Espace Nord; 98).
p. 80.
235
Outra situacao de desentendimento tambem se evidencia quando a designacao "sem
titulo" aparece junto das obras: "Sem titulo" e a indicacao de "nada", ou seja significara
que aquela obra nao se pretendeu fazer corresponder qualquer titulo, qualquer conceito que
a relacione com o mundo exterior. Sera pois a antitese da mesma. Existira com certeza
muitas razoes de ordem pessoal para este procedimento, mas talvez a principal esteja
relacionada com a projeccao que a obra tern junto do publico. O "sem titulo" possibilita ao
fruidor tecer consideracoes pessoais sem qualquer influencia extrerna. Por este processo
abre-se um caminho para a liberdade de interpretacao. Deixa-se ao fruidor a possibilidade,
perante a obra que visualiza, de lhe atribuir o seu proprio titulo, sem criar qualquer tipo de
condicionamento, tal como nos afirma um artista em entrevista a Idalina Conde: «Pois um
titulo nao e importante. Ou pode nao ser o mais importante. Quer dizer, e importante de
algum modo... Mas quando eu ponho "sem titulo", nao imponho a quern ve as minhas
obras, nenhum sentido. Elas tern mais liberdade para as entenderem como quiserem, de as
sentirem, percebe? O titulo pode impor coisas e nao dizer nada.» 449 .
De igual modo, alguns artistas nao dao importancia ao titulo, que se torna apenas
um habito pratico. Assim bastara um simples numero e a obra "veste-se" de um breve "sem
titulo". Esta situacao nao e regra e a comprova-lo estao alguns artistas que atribuem
numeros as suas obras com significados logicos. Fernando Lanhas (1923- ) atribui um
misto de numeros e letras, por exemplo "034-61" [que significa "obra a oleo (O), numero
34 (034) de 1961 (61)]".
Podemos concluir, dizendo que se alguns assessores podem ajudar na comprensao
da obra, outros pelo contrario pouco trarao de novo para alem da simples confusao mental.
A veiculacao da mensagem contida na obra sera possivel, se tais ofertas de mediatizacao se
mostrarem eficazes e se o publico estiver aberto para participar activamente na investida da
recriacao e interpretacao da obra. Portanto, se tudo o que rodeia e procura dar um sentido
coerente a obra e importante, nao menos sera o factor humano indispensavel para concluir
todo o processo artistico.
449 Depoimento de um pintor realizado aquando da IV edicao da Bienal de Vila Nova de Cerveira, extraido de
CONDE, Idalina - O sentido do desentendimento - Nas bienais de Cerveira: arte, artistas e publico.
Sociologia - Problemas e praticas. Lisboa: Publicacoes Europa- America. n° 2, (Mai. 1987). p. 64.
236
3.6 Sentimento - Estado afectivo incomunicavel
Vulgarmente, falar-se de arte e associar esta a um estado afectivo, ou seja, e ver a
obra de arte como fonte de sentimentos. Por um lado, o criador "desenha" o seu produto
pelo conhecimento resultante da experiencia vivida, imprimindo-lhe caracteristicas que
resultam de determinado(s) sentimento(s); por outro, o fruidor apreende a obra,
considerando uma significacao, fruto indubitavelmente de uma representacao mental da
mesma. Esta apreensao busca, no limiar do conhecimento e da experienciagao, uma
interpretagao sentimental, inconclusiva do ponto de vista da realidade artistica e
"comunicacional" da obra de arte. O sentir do criador nao correspondent, portanto, ao
sentir do fruidor, do mesmo modo que o sentir deste sera variavelmente diferente do sentir
de todos os seus semelhantes.
Uma das consequencias da arte do seculo passado e do presente foi sem diivida a
vontade dos artistas em substituirem a emogao pelo discurso. A obra adquire entao, nao
uma simples significacao, fruto da sua contemplagao e apreciagao, mas sim uma
significacao da significacao , resultado da valoragao do seu discurso, da sua explicagao.
Ela associa-se ao discurso da filosofia, da critica ou da teoria da arte e deixa de vigorar o
indizivel, que permanecia nas obras de "contexto universal". O veicular de um discurso
arrasta inevitavelmente consigo, emogoes e sentimentos, e por isso pode-se dizer que sao a
voz nao do seu autor, mas do seu intercepto. Esses sentimentos provocados no fruidor
serao resultado da sua significagao a obra, o que reitera a ideia de que a arte e significacao,
mas no sentido em que ela e um simbolo de uma emogao ou sentimento.
Tambem e comum dizer-se que uma dada obra expressa os sentimentos do seu
autor e que esses sentimentos sao estes ou aqueloutros, e que eles se caracterizam desse
modo porque se desvendam na sua recepgao, como se de palavras se tratasse. Esta e pelo
menos a opiniao convicta da teoria classica da expressao (Expressivismo) defendida por
Tolstoi 450 , que denuncia a comunicagao de sentimentos no fenomeno estetico. O artista,
sendo humano, e obviamente uma fonte de emogoes e sentimentos. A obra por sua vez,
esta repleta de simbolos, elementos visuais, etc., que transportam em si determinados
sentimentos camuflados sob pressupostos esteticos. O que atinge o fruidor sao formas
450 cf. TOLSTOI, Leon - Qu'est-ce que l'art?. Paris: PUF [Presses Universitaires de France], D.L. 2006.
(Quadrige).
237
hermeticas, que de sentimentos tern pouco e apenas algumas convencoes poderao torna-los
evidentes. Todo o resto, ainda que passivel de fomentar um sentimento sera uma
exploracao unicamente pessoal. As obras sao muito sociais e os artistas vao de encontro ao
publico: dar que convencionam-nas ao ponto de as tornarem "sentimentalmente
universais". O "Fuzilamento do 3 de Maio de 1808" (fig. 59), de Francisco Goya (1746-
1828), e uma obra que, mesmo nao se conhecendo o seu contexto, expressa grande
sofrimento humano e despoleta em nos (talvez) entre outros possrveis sentimentos, tristeza,
aflicao, magoa, pena. Ela esta repleta de elementos que nos indiciam uma tal
caracterizacao, tais como o desespero avassalador evidente dos condenados, a posicao do
pelotao de fuzilamento que confere brutalidade, a suplica ou entrega do homem ajoelhado
prestes a ser fuzilado a queima roupa e que se assemelha a um Cristo na eminencia da
crucificacao.
Fig. 59 | Francisco Goya, O fuzilamento do 3 de Maio de
1808, 1814
Trata-se de referencias que pertencem ao domrnio da universalidade e conotam
sentimentos. Para Peter Kivy 451 (teoria cognitivista da expressao) essas referencias
corresponderao a propriedades expressivas da obra, ja para Langer 452 (Teoria da
representacao iconica), a arte nao denota nada, muito menos sentimentos, conotando
apenas as emocoes de que e simbolo. Por isso, os sentimentos conotam qualidades, uma
451 cf a este respeito, KIVY, Peter - Introduction to a philosophy of music. Oxford: Oxford University
Press, 2002.
452 cf. LANGER, Susanne - Problems of art. Nova Iorque: Charles Scribner's Sons, 1957.
238
vez que estas sao inseparaveis da sua forma artistica. «Music sounds as feelings. And
likewise, in good painting, sculpture, or building, balanced shapes and colors, lines and
masses look as emotions, vital tensions and their resolutions feel» 453 . A conotacao torna a
arte um simbolo do sentimento, porque este e conteiido na forma. O conteiido e entao
expresso pela sua forma artistica. A caracterizacao do "Fuzilamento do 3 de Maio de
1808" ira portanto conotar sentimentos, cuja representacao e simbolica.
Seguramente, Goya tera estado sentimentalmente motivado na criacao desta obra e
neste caso poderemos dizer que, ela faz passar sentimentos tambem eles universais. Podera
no entanto haver discrepancias relativamente ao que eram os sentimentos do artista e o que
cada fruidor sente. O sentimento de compaixao poderia ter invadido Goya no momento da
criacao desta obra e o fruidor da mesma sentir raiva, aquando da sua contemplacao. Nao se
pode pois generalizar o pressuposto atras referido e ir de encontro a um absoluto
universalismo, uma vez que as diferencas humanas sao grandes. Poderao existir pessoas as
quais a referida obra nao traga uma referenda sentimental negativa, induzindo pelo
contrario, sentimentos opostos. Bastara nao se conhecer o contexto da obra, ou julgar que
se trata de um acontecimento nao veridico, para imediatamente ela sugerir apenas um
sentimento de neutralidade, ou indiferenca (no minimo). Por exemplo, se alguem entender
a obra com um sentido totalmente inverso, pensando que ela poderia eventualmente
representar o fuzilamento de assassinos de criancas, entao um sentimento de
contentamento nao sera descabido e perfeitamente aceitavel aos olhos de algumas pessoas.
Podemos pois dizer que o contexto e definidor de sentimentos, sendo este realcado, por
Aires Almeida 454 , como o principal factor para a aquisicao do caracter emocional, em
detrimento da forma e conteiido.
O andamento final da Sinfonia n° 41 em Do Maior, "Jupiter", de Mozart 455 (1756-
1791), e paradigmatico das incongruencias que poderao existir entre o sentimento do autor
no acto de criacao e o sentimento que a sua obra possa causar. Apesar da sua criacao ter
estado envolta em infelicidade 456 , dela transparece uma enorme alegria. Uma vez mais,
portanto, nao se podera generalizar visto que cada humano, e neste caso criador, podera
idem, ibidem, p. 26.
454 ALMEIDA, Aires - O valor cognitivo da arte. Lisboa: Faculdade de Letras, 2005. Tese de Mestrado em
Filosofia da Linguagem e da Consciencia apresentada a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. p.
61.
455 O exemplo e de Aires Almeida, cf. idem, ibidem, p. 83.
456 Um ano antes da criacao da Sinfonia n° 41, morria o pai de Mozart (1756-1791) e sua "noiva" Maria
Antonieta (1755-1793) esperava a morte numa cela da Conciergerie.
239
desmultiplicar-se em variadas formas de criacao, independentemente do seu estado
sentimental.
Assim como a arte nao e conhecimento comunicavel, porque apenas a sua historia e
conhecimento e logicamente passivel de se transmitir de geracao em geracao, tambem o
sentimento nao e transmissivel. Este nao se ve nao se ouve, nem se cheira: encontra-se na
obra in absentia, adquirindo corporeidade por meios fisicos que transferem para o receptor
da obra determinadas formas de sentir, de agir, em numero inquantificavel. Associar-se a
ideia de comunicacao na arte, a transmissao de sentimentos, pensamos, e uma dupla
incorreccao, visto que nenhum sentimento e passivel de ser transmitido. Este e pessoal e
intransmissivel. O que a uns faz rir, a outros pode fazer chorar. Comunicacao e sentimento
(ou emocao) sao duas questoes perfeitamente antiteticos. Lyotard, reflectindo sobre isto,
refere: «No conflito existente a volta da palavra comunicacao, entende-se que a obra, ou
pelo menos tudo o que e visto como obra, induz um sentimento - antes de induzir uma
inteligencia - sentimento este que e comunicavel universalmente e, por princlpio, de forma
constitutiva e portanto imediata.» 457 . Lyotard, advogando uma comunicabilidade do
sentimento, vem reforcar a ideia de todos aqueles que se sentem incapazes de compreender
obras de arte e que fundamentam as suas incompreensoes na transmissibilidade de
sentimentos, que como ele refere, e realizado de uma forma constitutiva e imediata. Quer
isto dizer que a regra e valida para a globalidade dos humanos e sem haver lugar a
possibilidade de qualquer variacao do sentimento individual. Como diria Deleuze e
Guattari, a arte sao "perceptos" e "afectos" e por isso «(...) o artista e exibidor de afectos,
inventor de afectos, criador de afectos, em relacao com os perceptos ou as visoes que nos
da» 458 . Pegando nesta premissa e indo de encontro a Lyotard, tambem Beatriz de
Medeiros 459 refere que a arte, sendo comunicacao, e comunicacao de afectos.
Tentar perceber a obra tendo como elementos de analise os sentimentos do autor e
uma atitude infrutlfera, porque eles nao sao uma base fixa e invariavel de estudo. Assim, se
a arte tambem e afectos, emocoes e sentimentos, e se segundo Guiraud, estes sao uma
incapacidade de compreensao, porquanto havera sentimentos que nao sao passiveis de
explicacao, entao nao faz sentido algum o artista falar do seu trabalho, explicar a sua arte e
457 LYOTARD, Jean-Frangois, op. cit., p. 114.
458 DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix - O que e a filosofia. Lisboa: Editorial Presenga, 1992.
(Biblioteca de textos universitarios; 128). p. 155.
459 MEDEIROS, Maria Beatriz de, op. cit.
240
consequentemente fomentar um processo de comunicacao. Referindo-se a esta ideia,
explica:
«Com efeito, compreender e sentir, o espirito e a alma, constituem os dois polos da
nossa experiencia e correspondem a modos de apreensao nao so opostos como
inversamente proporcionais, ao ponto de se poder definir a emogdo como uma
incapacidade de compreensao: o amor, a dor, a surpresa, o medo, etc., inibem a
inteligencia que nao compreende o que se passa; o artista, o poeta, sao incapazes de
explicar a sua arte, tal como nos nao somos capazes de explicar por que razao nos
comove o gesto de um corpo, uma frase sem sentido, um reflexo na agua.» 460 .
A arte nao devera pois ser explicada por meio de sentimentos, porquanto estes nao
assentam numa universalidade que possa ser veiculada entre fruidores.
Matravers 461 (teoria da evocacao) sustenta a ideia de que e possivel caracterizarmos
a arte como alegre ou triste, porque sao os fruidores que induzem esses sentimentos e nao a
arte. Se a arte tern existencialidade fixa, todas as alteracoes emocionais deverao estar
portanto, nao nela propria e no seu conteudo, mas sim no que de mais variavel existe - o
humano. Tambem o nominalista Nelson Goodman 462 (Teoria da exemplificacao
metaforica) e da opiniao de que os sentimentos do artista nao sao expressos pelas obras de
arte. Afirmar-se frequentemente, que a arte possui a faculdade de comunicar sentimentos e
emocoes, e por conseguinte considera-la linguagem, e de uma grande inexactidao.
Langer 463 sustenta que, mesmo se existe uma relacao de conotacao entre a obra e as formas
da vida afectiva, esta conotacao nao e fixa ou permanente e pode variar segundo o receptor
da obra. Dado que uma das caracteristicas da linguagem e que os conceitos que se
representam sejam fixos, nao poderemos entao considerar a arte como uma linguagem de
sentimentos, passivel de transportar formas afectivas do criador.
Poder-se-a falar de emocao e sentimentos, mas nunca com o intuito de definir um
certo estado na optica do artista, fazendo-o corresponder ao que e sentido pelo fruidor, ate
porque, como nos diz Damasio, «Os sentimentos (...) sao necessariamente invisiveis para
o publico, tal como e o caso com todas as outras imagens mentais, escondidas de quern
460 GUIRAUD, Pierre, op. cit., p. 16.
461 cf. MATRAVERS, Derek - Art and emotion. Oxfrod: Oxford University Press, 1998. Tambem Aaron
Ridley e seguidor da teoria da evocacao, no entanto, ao contrario de Matravers, ele considera que as emocoes
sao a expressao das condicoes afectivas do fruidor, quando este contacta empaticamente com a obra - uma
especie de "eu" na obra.
462 GOODMAN, Nelson - Languages of art: an approach to a theory of symbols. Indianapolis: Hackett,
1976.
463 cf. LANGER, Susanne, op. cit.
241
quer que seja excepto do seu devido proprietaries 464 . Nao temos duvidas de que «Art is the
creation of form expressive of human feeling» 465 e que esta e uma forma de expressao
(actividade) exclusivamente humana que, suscitando em nos sentimentos, nos ajuda a
reflectir. O contacto com a arte enriquece nao so o individuo mas tambem a vida de toda a
sociedade.
3.7 Perspectiva analitica e relacional dos elementos do processo artfstico
3.7.1 Criador arti'stico
A criacao e um termo ao qual correspondem dois sentidos diferentes. De um ponto
de vista teologico, a criacao, segundo o excerto biblico Genesis, e encarada como um acto
absoluto, criacao ex nihilo, que faz sair do nada todo o universo. Deus criou a partir do
nada, mantendo-se exterior e transcendente a sua criacao, sem sequer manter contacto com
nenhuma materia. De outro ponto de vista, a criacao e vista como uma relatividade,
provindo sempre de uma forma pre-existente da natureza. No fundo estamos a falar de
manifestacoes ou representacoes em lugar da divina criacao. A semelhanca entre as duas e
que surge qualquer coisa: uma do nada, a outra a partir de uma realidade. Destas duas
interpretacoes da criacao, so a segunda pode ser adoptada pelo artista. Ele nao comeca do
nada, ele nao olha de longe o seu objecto, como fez Deus com o universo. Tambem, do
mesmo modo, nao lhe basta ter uma ideia para que a sua obra surja como se de magia se
tratasse. Ele da forma a materia que pre-existe a sua accao de criar: esculpe a pedra, talha a
madeira, organiza sons, etc. Portanto, afiguram-se aqui tres realidades: a realidade da
natureza, que lhe servira de modelo para a sua obra; a realidade da materia, que
"enformada" pelo artista dara forma ao seu trabalho e que esta conforme a ideia que ele
sustenta; e finalmente, a realidade que lhe esta interiormente fixada, aquela que no fundo
sera o "duplo" da realidade primeira. Todas elas tern um padrao definido.
464 DAMASIO, Antonio - Ao encontro de Espinosa - As emocoes sociais e a neurologia do sentir. Lisboa:
Publicagoes Europa-America, 2004. (Forum da Ciencia; 58). p. 44.
465 LANGER, Susanne - Feeling and form: a theory of art developed from philosophy in a new key.
Nova Iorque: Charles Scribner's Sons, 1953. p. 60.
242
A natureza e invariavel, sendo que o artista nao pode adultera-la para a sua criacao.
Este tera, no seu entender, que investigar outras realidades que melhor se adequam as suas
intencoes plasticas. Por outro lado, tambem a materia e invariavel na sua natureza,
podendo no entanto por vontade expressa do artista, desenvolverem-se iniciativas que
possibilitem uma melhor adequacao da materia a obra, como e o caso, por exemplo, da
pelicula forcada em fotografia. Quanto ao que mentalmente o artista elabora, ai sim pode
haver uma enorme flutuacao. Ele tern a liberdade de poder, seguindo os criterios da
natureza que lhe e oferecida e da materia que por ele e escolhida, transformar, destruir,
refazer, anular, de modo a que a sua obra seja uma criacao original vivenciada, sempre
fruto da sua imaginacao (fantasia). A representacao, por consequencia, convoca no acto
criativo, a integralidade da vida interior do artista: a sua identidade, a sua cultura, a sua
historia individual, as suas intuicoes misticas, o seu estado critico, aspiracoes, etc.
Uma obra corresponde a um artista (humano), quer dizer, a uma historia individual,
a um principio de criacao com uma "linguagem" que lhe e propria.
O artista nao esta apenas interessado na representacao do que e visto: ele pretende
sobretudo dar forma, "tornar visivel" (segundo Paul Klee) o seu encontro com o humano; e
tambem dar conta do fenomeno da chegada do fruidor. Portanto, o que este procura e o
sentimento da presenca do humano atraves das formas e das suas intrinsecas relacoes,
«(...) c'est unir ce qui est exterieur a ce qui est interieur, c'est rever ce qui est mais aussi
rendre reel ce qui est reverie» 466 . Assim, o criador, na elaboracao da sua obra, transporta a
imagem do que efectivamente ele mais gosta, mesmo que em oposicao a uma generalizada
opiniao publica. Esta sua escolha, nada tern a ver com a realidade retratada, mas e antes a
sua opiniao selectiva, relativamente a um dado acontecimento. Ele funcionara pois como
um elo da corrente que, em resistencia, une uma fonte, ou uma realidade, aos humanos que
se encontram em oposicao a essa realidade.
O artista vive o processo de criacao individualmente (ou colectivamente, no caso da
obra colectiva), com o objectivo de proporcionar ao publico, pela mediacao da sua obra,
vive-la subjectivamente num universo mais vasto. A obra, que e a representacao dessa
ligacao, incorpora elementos e factores, que estao ajustados a realidade segundo o ponto de
vista do criador, mas tambem a historiografia artistica. So assim se compreendem as
' QUITAUD, Gerald - Le voyage vers l'oeuvre. Toulouse: Eres, 1993. (Psycho. Clinique). p. 35.
243
diversas variacoes de interpretacao de uma determinada tematica - a obra de arte adquire
tantas formas quantos os criadores em presenca.
Ainda que a obra esteja limitada fundamentalmente a vontade criadora dos artistas
com as necessarias variacoes possiveis, tambem podera em algumas circunstancias
pessoais, evidenciar uma preocupacao social, na medida em que a sua obra tera um reflexo
que sera avalizado por uma massa critica que lhe e exterior, mas que dela depende. Assim,
o publico constitui-se como um outro factor de motivacao do artista e que forcosamente se
reflecte na obra. Mas esta nao e uma preocupacao continuada, nem mesmo vinculativa,
porque, dependendo das varias tematicas, tambem essa inquietacao sera maior, ou menor,
ou ate mesmo ausente.
A obra nao tende mais a ser a proposicao global de outrora, ela nao e mais uma
efectivacao objectiva da realidade, de modo que uma conformidade, que era
essencialmente contestada (quando era) ao nivel da tecnica, passou a ser substituida por
outra mais preocupante, que e o rigor da relacao obra - realidade. Esta preocupacao so faz
sentido, pensando-se no fruidor da obra, ou seja, nos seus publicos avaliadores. O artista
deixa a sua obra "ao portador", ficando um pouco a sorte e ao cuidado do espectador. Este,
vivenciando-a, experimenta um jogo de aproximacao, em que e chamado nao somente a
participar mas tambem a valida-la. Esta sera pois uma das tarefas do receptor da obra de
arte: fazer parte do universo critico, por meio da inclusao do seu juizo de valor ao
somatorio das varias apreciacoes a obra em causa. Nao se trata aqui de referenciar as
opressoes politicas a que alguns artistas se sujeitaram e outros ainda se sujeitam, porque
esse e um factor limite do assunto em causa, mas podemos tomar o exemplo, do Realismo
Socialista (1930-1960), que na sua origem e uma politica de estado para a estetica e
influenciou os processos de criacao com vista a um objectivo que nao era propriamente o
dos artistas. Compreende-se que havia uma obrigacao instituida a qual o artista nao podia
fugir, mas esta situacao era uma imposicao demasiadamente assumida e digamos que os
avaliadores da obra nao eram propriamente os "consumidores finais" como seria de
esperar, mas antes os mediadores entre estes e o artista. Ora, em qualquer situacao
semelhante, o publico esta tambem ele limitado e por isso nao lhe cabe a ele decidir sobre a
obra.
Numa situacao perfeitamente normal de estado de direito democratico baseado na
soberania popular e no pluralismo de expressao, e ao publico que cabe decidir sobre a obra
244
artistica. E e neste aspecto que alguns artistas se sentem constrangidos, de tal modo que
tendem a desenvolver o seu trabalho sob condicionamentos sociais e fortes criticas [e.g.
etico-religiosos - Andres Serrano 467 ; bioeticos - Eduardo Kac 468 ; ambientais - Eduardo
Chillida 469 (1924-2002)], encaminhando-o para outras direccoes, que nao as inicialmente
previstas. A comunicacao perde-se na ignorancia da sociedade as obras. O
desentendimento entre artista e publico provocado pela incompreensao das obras e entao
revelador, por um lado, da equivocidade da informacao artistica enunciada, e por outro, da
plurivocidade de compreensoes a obra em causa.
E porque a percepcao do mundo e subjectiva e as suas condicoes mudam
continuamente, a eficacia do processo artistico reinventa-se sem limites, sem nunca atingir
a comunicacao a que muitos artistas e fruidores aspiram. O processo e forcosamente
inseparavel do contexto social de recepcao da obra, que lhe fornece as ferramentas e a
materia das suas linguagens. Este processo de atencao aos publicos leva a que o acto de
criacao baseado na experienciacao e na pesquisa despolete no artista uma constante
redefinicao da sua identidade e do seu lugar na sociedade. O artista adquire uma nova
imagem pessoal, desta feita, mais ajustada a realidade receptora. Este questionamento
problematiza a nocao de obra de arte, agindo consequentemente na modificacao dos limites
da pratica, e cria um impacto, tanto na producao da obra como na sua recepcao pelo
publico.
3.7.2 Codificacao / Descodificacao
Na obra de arte, cada elemento de informacao tern de ser transformado num codigo
para poder transpor a barreira e a distancia que separa o criador do espectador. Mas podera
isto em arte ser possivel? Poderemos nos encontrar na arte elementos que compoem a obra
e que assentam em codigos pre-definidos com fim a uma comunicacao? Pela forca da
figuracao podemos descobrir elementos reconheclveis e atribuir-lhes uma dimensao
467 "Piss Christ", 1987.
468 « GFp Bunny " ; 2000.
469 Projecto "Montanha Tindaya", em Fuerteventura (Canarias).
245
canonica, mas nao e por forca da arte que essa dimensao surge, mas sim como vimos
anteriormente, pelo somatorio de vivencias individuals resultante de uma aprendizagem
continua.
Nao e evidente na arte uma padronizacao aceitavel por todos, mas sim uma
aceitacao global de estilos e atitudes artisticas. Dai compreendermos, por exemplo, que
Toulouse Lautrec (1864-1901), enquanto artista grafico, se centrou numa forma de
expressao que seria conveniente a todos, quer dizer, utilizou formas a que ninguem poderia
ser indiferente, quer na comunidade artistica, quer no publico em geral 470 .
Na arte, qualquer imagem-padrao so funciona eficazmente, se estabelecermos um
processo de identificacao. Ou seja, tera de haver uma comparacao entre uma imagem dada
e outra ja pre-existente. O fruidor que recebe uma informacao artistica, tera de reconhecer
o sinal que estara explicito e compreender o seu significado, ou seja, o que se encontra
implicito. Embora de um modo geral, o facamos inconscientemente, porque nos
comparamos o que vemos com aquilo que ja temos arquivado nos centros da memoria do
nosso cerebro. Esta comparacao pode trazer de novo a mente tudo aquilo que no passado,
esteve associado a uma determinada imagem. Entendemos um sinal, apenas se ja
conhecemos o codigo em que ele se baseia. Isto explica em parte porque e que o humano
leva tanto tempo para atingir a maturidade. Com efeito ele tern de fixar na memoria um
numero vastissimo de informacoes codificadas, muitas das quais de caracter visual.
O que podera explicar o "colocar em comum" dos paineis "A industria de
Detroit" 471 (fig. 60), de Diego Rivera (1886-1957), pelas pessoas em geral, como sendo um
mecanismo de producao em serie do automovel e por um publico especifico (os proprios
operarios), como a producao do automovel Ford V-81 E o que podera explicar a
compreensao dos paineis de Rivera por uns e a absoluta ignorancia por outros? A este
respeito importa verificar que nao so os elementos que se encontram diametralmente
opostos na linha do processo de comunicacao sao caracteristicas fundamentals de qualquer
acto comunicativo, tambem outro elemento se revela essencial a tramitacao positiva da
470 Alias a sua obra centra-se essencialmente no publico e espectadores de saloes de baile, cabarets, cafes, e
concertos.
471 Os paineis "A industria de Detroit" de Diego Rivera realizados nos Estados Unidos da America,
representam a epopeia da industria e da maquina e tinham como funcao atrair o entusiasmo dos
trabalhadores, que se encontrava diminuido devido a crise economica mundial que se tinha instalado na
decada de trinta (a grande depressao como tambem e chamada teve inicio em 1929, prolongou-se durante a
decada de trinta e apenas terminando com o despontar da Segunda Guerra Mundial). Isso so teve real sucesso
devido ao previo conhecimento que os trabalhadores tinham do que constava naquelas pinturas.
246
mensagem: referimo-nos ao codigo que subjaz a mesma. J a aqui enunciamos, ainda que
"pela rama", a questao do codigo, mas considera-se como veremos adiante, que a nocao de
codigo aplicada as artes ainda e passivel de muita discussao.
Fig. 60 | Diego Rivera, A industria de Detroit (Ford) " on "O
Homem e a maquina, 1932-1933.
O que sera entao um codigo e do que trata a codificacao? Os codigos estao
presentes desde o mais complexo ao mais simples sistema social, desde a concepcao de leis
ate ao choro de um recem-nascido. Mas, para se considerar a existencia de um codigo,
Fiske estabelece-lhes algumas caracteristicas basicas, de entre as quais se destaca que
«(...) todos os codigos dependem de um acordo entre os seus utentes e de uma experiencia
cultural comum. Codigos e cultura inter-relacionam-se dinamicamente» 472 . Esta e uma
definicao um pouco generica, que nao especifica com pontualidade, ou pelo menos nao
apresenta rigor na sua aplicabilidade a outras situacoes, para alem da simples
convencionalidade comunicativa, Guiraud mais rigoroso na definicao apresenta o cuidado
de fazer uma ressalvar, dizendo: «A codificacao e um acordo entre os utilizadores do
signo, que reconhecem a relacao entre o significante e o significado e que a respeitam no
emprego do signo. Ora esta convencao pode ser mais ou menos lata e mais ou menos
precisa.» .
Evidentemente, so faz sentido existir um codigo, por um lado, se houver um meio
que possibilite a sua codificacao e por outro, que alguem esteja na disponibilidade de poder
FISKE, John, op. cit., p. 92.
; GUIRAUD, Pierre, op. cit., p. 29.
247
proceder a descodificagao; por outras palavras, que a descodificagao se aproxime da
codificagao. Um codigo e algo que carece sempre do factor humano, quer para a sua
concepcao, quer para a sua posterior decifracao. Portanto, Fiske esta correcto quando se
refere ao comum acordo entre os "utentes", porque como ele proprio diz: «Se nao houver
um codigo comum aos interlocutores, nao podera haver uma mensagem expressa e
compreendida; quando muito havera veleidade de mensagem, devaneio. Se nao houver
contacto, tao-pouco podera haver contexto e vice-versa» 474 . O receptor, dispondo do
mesmo codigo pode reconhecer a expressao e procurar, na sua gramatica ou lista mental, o
sentido que mais lhe podera corresponder. Deste modo, o sentido da mensagem, ou da
ideia pode ser transmitido do comunicador para o receptor.
Mas sera que uma experiencia cultural comum e factor de criagao de codigos?
Como se referiu anteriormente, esta defini^ao parece um pouco limitativa, na medida em
que nao contempla em perfeita harmonia as artes. As artes sao dependentes do factor
humano evidentemente, mas sera que a relagao humana em torno de uma determinada
cultura comum permite estabelecer um codigo ordinario? Criticos e artistas plasticos
pertencem ao mesmo mundo, dominam a mesma "linguagem", mas nem sempre existe
uma verdadeira relagao entre a obra e a sua explanagao teorica e isto porque, se existe um
pseudocodigo na obra de arte, este nao chega, segundo a definigao de Fiske, a ser um
verdadeiro codigo por nao colocar em comum o sentido do seu verdadeiro significado.
Podemos entao assumir a ideia de que a arte e despida de codigos - uma arte sem codigos
- porque, se estes sao convencionados bilateralmente, como na arte isso nao acontece, e-se
levado a crer que na arte nao existem codigos. Isto vem reforgar a ideia da inexistencia de
comunicagao na arte porque, se a arte nao tern codigos, tambem e verdade que os codigos
nao sao a comunicagao e, nao menos verdade e o facto deles serem uma parte fundamental
para o estabelecimento de um acto de comunicagao. Entao, se eles nao sao a comunicagao,
eles fazem a comunicagao.
Pela dedugao logica do raciocinio apresentado, conclui-se que existem tres aspectos
a considerar: o primeiro prende-se com a obra de arte, que e elaborada segundo parametros
definidos pelo artista. O segundo aspecto a considerar e a codificagao. Esta e definida uma
vez mais pelo artista e torna-se um processo autonomo, que nao acrescenta informagao a
obra de arte: muito pelo contrario, subtrai o que de mais evidente poderia nela existir. Ao
474 RODRIGUES, Adriano Duarte, op. cit., p. 24.
248
contrario da linguagem, onde a codificacao tern por objectivo o "colocar em comum", na
arte a codificagao sera sempre um factor de hermetizacao. A codificacao apenas existe para
o seu autor, sempre que ela pretende atingir o fruidor nunca o consegue por forca da
incapacidade de descodificacao deste. Portanto, a codificacao na arte quando existe
significa uma transformacao da obra, unicamente no sentido da individualidade criadora. O
terceiro aspecto a ter em conta e a comunicacao, que no fundo tern implicita a existencia
do receptor e que se inter-relaciona com os outros dois aspectos. A validade da
comunicacao sera confirmada, caso o receptor adquira a logica de construgao de ideias do
criador. Sera pois necessario, que este desenvolva mecanismos de entendimento, nao so do
artista, mas tambem da construgao sintactica da obra e do que ela reflecte em termos de
equiparagao a realidade.
Efectivamente, algo existe em comum entre artista e fruidor - a propria obra
traduzida na sua materialidade flsica - e e em torno desta existencia que tudo acontece e
que surgem as imensas diividas sobre as pragmaticas artisticas e suas recepczoes esteticas.
A variabilidade da recepgao dependera pois do tipo de codigo que cada um utiliza. A
analise semiotico-informacional de Eco e Fabbri 475 explica esta situagao com a
multiplicidade de codigos em uso. Artista e publico diferenciam-se nao so pelas suas
fungoes sociais, mas tambem pela relagao que cada um deles estabelece com a obra de arte.
A multiplicidade de codigos acontece, por virtude da ambiguidade e incompletude
destes, dai que eles nao permitem nunca construir um codigo unico suficientemente capaz
de poder ser disponibilizado ao receptor. Por isso as frases sao ricas em sentido linguistico
e portanto elas nao dao que uma indicagao ambigua e sempre incompleta do sentido
desejado pelo emissor. Sera preferivel adoptar a nogao de "ecra" de Noronha da Costa 476 ,
para justificar a mediagao entre a obra de arte e o espectador. Para ele, o "ecra" seria a
codificacao da obra de arte enquanto realidade existencial de si propria. O artista introduz
na obra o seu codigo, nao deixando esta, portanto, de ser algo pessoal, perfeitamente
identificavel para ele. O que passara para o exterior sera seguramente a intencionalidade
expressa na sua visibilidade fisica e incompreendida por terceiros, exteriores e estranhos a
obra. Estaremos na presence de um codigo analogico, que se encontra duplamente
475 Sobre este modelo cf. supra, sec. 1.3.3.3 (Modelo semiotico-informacional de Umberto Eco e Paolo
Fabbri), pp. 56, 57 e 1.4.2 (Perspectiva artistica), p. 70 (§ 1).
476 cf.. AA. VV. Catalogo da exposicao Noronha da Costa revisitado, 1965-1983 realizada no Centro
Cultural de Belem, de 7 de Novembro de 2003 a 19 de Fevereiro de 2004. Lisboa: ASA [etc.], 2003. pp. 27-
44, passim.
249
codificado, um codigo que vive do anonimato. Assim, nao podemos falar da existencia de
codigos nas artes, a nao ser que consideremos o codigo como um sistema que permite
associar um sentido, a uma expressao (qualquer coisa externa que possibilite uma
agregacao). Dito de outro modo, que permita associar a uma mensagem, um sinal externo,
independentemente deste ser traduzido ou nao por qualquer receptor.
O problema que se apresenta e decerto devido ao modo como o codigo e formado
para ser compreendido. Eco 477 refere, a proposito do codigo binario, que o problema reside
na sintaxe interna do sistema e nunca naquilo a que as sequencias expressas possam
corresponder. Porem, na obra de arte interessara mais a exteriorizacao desse codigo, quer
dizer, a sua revelacao por meio da relacao com a realidade, do que propriamente a relacao
que internamente se constroi. Ao publico interessara bem mais encontrar o sentido da obra
pela descodificacao da realidade implicita do que desvendar os processos que levaram a
codificacao, ou mesmo de que forma se constituiu essa codificacao. Em certa medida, isto
significa que «(...) melhorando a codificacao, aumenta a exactidao semantica» 478 . Uma
obra cubista sera tanto mais compreendida como tal, quanto mais caracteristicas desse
movimento contiver e quanto mais perfeitas forem as propriedades especificas do mesmo.
Por isso, os cubistas de salon 479 nao sofreram as criticas a que os defensores do verdadeiro
Cubismo se sujeitaram. Na sua origem, as caracteristicas do Cubismo nao eram
redundantes e por isso seria dificil compreende-lo.
Mas a adicao de caracteristicas na obra, que possibilite uma leitura clara e eficaz da
mesma, permitindo a sua categorizacao, so e possivel se o artista mobilizar caracteristicas
dessa categoria e lhes estabelecer uma directa relacao com a realidade. O artista, ao
seleccionar uma tematica da realidade, vai disseca-la, agarrando todas as suas
especificidades. Nesta sua pesquisa, a realidade apresenta-se-lhe codificada e, por esta
razao, ele tera de a entender e estabelecer um processo de descodificacao para que se torne
477 Cit. por WOLF, Mauro - Teorias da comunica^ao. Lisboa: Editorial Presenca, 1995. (Textos de apoio;
21). p. 103.
478 FISKE, John, op. cit., p. 20.
479 Paralelamente ao Cubismo de Picasso e Braque, outros artistas [Albert Gleizes (1881-1953), Fernand
Leger (1881-1955), Robert Delaunay (1885-1941), Henry Fauconnier (1881-1946) e Jean Metzinger (1883-
1956)] desenvolviam trabalhos, que embora com algumas semelhancas possuiam caracteristicas que os
remetiam para uma acentuada figuracao. Este conjunto de artistas funda em 1910, aquele que foi o primeiro
grupo cubista e que passou a designar-se por "Cubismo de Salon" . As obras destes cubistas eram mais
figurativas, tinham uma maior racionalizacao, uma maior preocupacao com a forma, a cor, a tonalidade, era
um tipo de Cubismo que estava bem longe do Cubismo de Picasso e Braque.
250
mais clara. Talvez seja esta a razao que leva muitos artistas a renunciarem a possibilidade
de trabalhar sobre uma tematica imposta.
Ao imprimir um processo de entendimento da realidade, o artista transforma-a em
obra de arte. Ha portanto uma mudanca da codificacao estabelecida. Essa realidade adquire
uma nova imagem, sob a capa de uma nova codificacao, mais sofisticada. Acentuada pela
responsabilidade do artista, sera sempre uma codificacao pessoal evidentemente, por isso
relativa a ele proprio. A mensagem que o artista pretende entao incluir na obra nao sera
ordinaria, porque a significacao que este lhe atribui nao depende unicamente do codigo,
mas tambem da interpretacao da sua vontade e do contexto em que ele se insere.
Talvez o exemplo mais notorio disto seja Marcel Duchamp, que transformou os
niveis de codificacao dos objectos, tanto na concepcao como na sua elaboracao e
construcao. Ele alterou os tipos de articulacao significante-significado. Assim, os objectos
de uso comum transformados em arte so pela simples escolha do artista adquirem novos
codigos e novos sentidos. Outro exemplo e a obra "2130 Pages-Miroirs" (1980-1995) (figs.
61, 62), do artista canadiano Rober Racine (1956- ) que constitui um gigantesco trabalho
de codificacao de milhares de paginas do dicionario "Le Petit Robert", em que foram
recortadas palavras, deixando aparecer um espelho que reflecte a imagem do observador. A
isto junta-se a sua codificacao, trabalhada, seguindo um codigo muito preciso e
transformando o dicionario numa obra visual, literaria e musical.
zzr.z , ' '""\'T ™zfz-5T-&£££
is *ySw2S3B3Et
Fig. 61 Robert Racine, Page-Miroir:
debouchement/marche - 452 - hiver/debraille,
1986.
___ |[debule]. v. intr. HH
da-, et bottle), Tomber de haut en ba
boule. Par ext. Descendre comme en r<
Vescalier. — (Glioses) « Les ordures
metallique » (Queneau).
"~^iIII~^TIZIIMi [debu bnag]
l9fl .-. ;..ad c b u bn rn d] . n. m. '£1™"""™
Action de deboulonner* (1° et 2°); et
Io nne.
/^ T ~~^ T H [debubne]. v.
Fig. 62 | Robert Racine, pormenor de uma pagina
da obra: Page-Miroir: debouchement/marche -
452 - hiver/debraille, 1986.
251
Estas referencias sao demonstrativas de que o conteiido manifesto das obras de arte
encerra um conteiido latente que assenta num codigo, o que forcosamente inviabiliza a
ideia de comunicacao na arte. Pode-se dizer que, para o estabelecimento de uma
comunicacao na arte teremos de esperar por um novo Champ ollion 480 , para descobrir uma
nova "Pedra de Roseta" que permita uma descodificacao das formas de expressao que a
arte alberga. So por um processo semelhante, utopico com certeza, e que se admitiria uma
possivel comunicacao (verdadeira transmissao de informacao compreendida).
As situacoes atras enunciadas sao o oposto daquelas que tern como principal funcao
estabelecer uma perfeita correspondencia signica entre o emissor e o receptor. E o caso de
algumas informacoes que nao dependem da interpretacao de uma vontade, mas que sao de
igual modo codificadas no signo. Veja-se o caso da sinaletica que exprime visualmente a
identidade de uma marca ou de uma instituicao, e que esta estreitamente codificada, ja que
a associacao entre o significante e o significado e "rigida", porque nao deixa nenhuma
margem a variacao, ao jogo da intencionalidade e ao contexto. E claro que esta "rigidez" e
justamente necessaria para preencher a sua funcao expressiva visual, cumprindo a sua
funcao. Repare-se que assim como a sinaletica - que foi apenas um exemplo - permanece
identica no tempo, tambem a "rigidez" da sua expressao corresponde a essa permanencia.
Daqui tambem se compreende que a arte nao pertence a este grupo: ela nao apresenta a
"rigidez" publicitaria por diacronicamente nao se fixar numa padronizacao. Vejam-se as
contestacoes a modernidade de Edouard Manet (1832-1883), que vieram provar que a arte
ainda nao estava preparada para assumir tal responsabilidade. Hoje ninguem contesta essa
modernidade, nem tao-pouco a discute, a menos que o seja por razoes de ordem de
investigacao teorico-historica.
480 Jean-Francois Champollion (1790-1832).
252
3.7.3 Fruidor
3.7.3.1 Fruidor /Receptor- Recepcao estetica
«Podemos, sem correr grandes riscos dizer, que uma obra de arte, enquanto tal, nao
existe senao em funcao da contemplacao. Por outras palavras diremos que se nao ha para
uma obra outro receptor que o proprio criador, a funcao artistica da obra nao esta completa,
exactamente como um carro sem rodas nao preenche a sua funcao de meio de
transporte.» 481 . Esta ideia parece ser consensual, criando uma situacao de interdependencia
na triade artistica. A estetica da recepcao jaussiana (escola de Constance) tambem nao
concebe a obra sem a participacao activa daqueles a quern se destina, os quais sao seus
"produtores", «(...) imitant ou reinterpretant, de facon polemique, une oeuvre
antecedante» 482 e onde cada elemento do processo artistico esta sujeito a condicionamentos
impostos pelos outros. E tambem aqui que se da a passagem da recepcao passiva para a
activa, onde a pura sensorialidade ou a simples visualizacao da lugar a analise cuidada e
interpretativa da obra. O artista trabalha em funcao dos seus objectivos, que sao reflexo da
sociedade, na qual se inclui ele e todos os fruidores em potencia, e a analise destes por sua
vez dependera do resultado do trabalho daquele.
So e possivel falarmos de valor estetico, tendo presente a fruicao. A presenca do
fruidor e fundamental para completar o processo artistico. Por esta razao, ele e um
elemento participativo, mas apenas relativamente a valoracao da obra, porque afinal o
fruidor nao participa no seu acto de criacao, como acontece por exemplo na comunicacao
verbal, em que o receptor da dicas ao emissor para facilitar a comunicacao. Digamos que
da parte do receptor existe um adivinhar da mensagem, que o ajuda a completa-la, antes
mesmo do emissor o fazer. De igual modo, uma arte sem publico anularia a possibilidade
de esta poder ser trabalhada visual e mentalmente e toda a sua coerencia se perderia. Ela so
tern validade quando destinada a contemplacao. Obviamente que quando o fruidor e
chamado a intervir na criacao da obra, ele acaba por ser simultaneamente criador e fruidor.
No entanto, esta criacao sera uma recriacao daquilo que lhe e proposto pelo artista e nunca
uma criacao original. O fruidor contacta com algo que ja existe (a obra de arte) e segue os
481 LUSSATO, Bruno, op. cit., p. 206.
JAUSS, Hans Robert - Pour une esthetique de la reception. Paris: Gallimard, 1978. p. 13.
253
pressupostos estabelecidos pelo artista e somente a partir dai fomenta uma expressao
pessoal interventiva. Portanto o fruidor que participa simultaneamente na criacao da obra,
nao deixa nunca de ser um fruidor para se centrar unicamente na criacao, porque como diz
Anabela Lopes, «0 facto de alguns gestos simples produzirem alteracoes nao e, em si,
gerador de um artista» 483 . Mas, com a sua fruicao original, acaba por ser um verdadeiro
criador - criador de significacoes e do mesmo modo como todos os criadores sao
diferentes, tambem todos os fruidores sao diferenciados na sua apreciacao, dai que se possa
falar de subjectividade entre fruidores (intersubjectividade).
A recepcao da obra de arte pela sua imediatidade sensorial pode ser mediatizada e,
por isso, muito perto da especulacao conceptual, ou seja, dos conceitos. Ela coloca em
jogo, posicoes intelectuais, afectivas, bem como tambem sociais. Se a recepcao e orientada
pela educacao sensivel e valores culturais, tanto uma como outra estao dependentes da
sociedade. A tendencia estetica relaciona as incomensuraveis dimensoes subjectivas, que
sao fruto da historia individual, estrutura da personalidade e determinismos sociais. Ela
remete os objectos artisticos para a sensibilidade do fruidor, altera a nossa percepcao das
coisas e por isso edifica os nossos gostos afectivos. Cada receptor, no confronto com a
obra de arte, faz uso da sua propria experiencia, sensibilidade e cultura e para tal nao
necessita apenas de uma aproximacao a obra e ao artista, mas tambem uma aproximacao
mais generalista e global a historia da arte (dos conceitos) e das suas formas, atraves da
"evolucao" das problematicas artisticas passadas e contemporaneas. O receptor precisa de
compreender, para empreender uma postura de receptor "perfeito". Existe uma historia da
arte que favorece o conhecimento artistico. E um dominio autonomo que foi criado e
desenvolvido em consonancia com as vontades crlticas da experiencia estetica. Esta
historia de acontecimentos artisticos e idealizada em virtude da necessidade da obra de arte
ser continuamente prolongada no tempo. Tal faz-se atraves de um processo de canonizacao
conducente a formacao de um universo de obras, que se perpetuam no tempo, devido a
propagacao e especulacao, quer individual quer colectiva.
Este processo vai permitir a existencia do fruidor "prevenido", quer dizer,
sobejamente informado do seu meio circundante. Refira-se, que esta aparente projeccao da
483 LOPES, Anabela de Sousa - O papel da tecnica na recepcao estetica. In CONGRESSO DAS
CIENCIAS DA COMUNICACAO, 1, Lisboa. "As ciencias da comunicacao na viragem do seculo". Lisboa:
Vega [etc.], 2002. (Comunicacao & Linguagens), p. 219.
254
realidade que o envolve apenas podera condicionar o fruidor se este tiver desenvolvido
interesses individuals ou colectivos (caso se trate de instituicoes), no sentido de nao
ofuscar e limitar o eco em si de novas realidades. E porque, na contemplacao, nenhum
fruidor «(...) pode estar certo de que aquilo que lhe e dado a ver ou de que aquilo que ve e
tudo que ha para ver, nao so porque os seus limites estao constantemente sujeitos a
transformacoes, alargamentos ou retraimentos, mas tambem porque nunca estamos certos
da correcta identificacao das suas fronteiras» 484 , e necessario que ele esteja aberto a
recepcao estetica e que nao assente no ocio da compreensao, para tentar contrariar as
incomensuraveis significacoes possiveis e enveredar por um caminho que se aproxime o
mais possivel da realidade representada.
Parafraseando Levi-Strauss 485 , diremos que a canonizacao arras referida, esta
dependente de regras que devem ser conhecidas para facilitar o dominio da obra de arte.
Essas regras sao codigos organizados pela articulacao de signos vinculados ao modelo da
comunicacao linguistica. Elas estao relacionadas tanto com o signo da obra que deve ser
interpretado, como com o orgao sensorial que o recebe e com com o sujeito que o "le".
Existem convencionalidades para as mais diversas areas, nomeadamente para a ciencia, a
saiide, a politica, a religiao, etc. Convira no entanto ressalvar que nao se referem a um
assentimento generalizado, pois nao se pretende dizer que somos todos consensuais com as
ideias de uma determinada faccao politica, nem tao-pouco com as crencas religiosas.
Efectivamente, se nao pertencemos ao mesmo universo politico, religioso, etc., e
porque compreendemos conclusivamente o que eles significam. Compreendemos que
devemos seguir este e nao aqueloutro caminho. De igual modo, a ciencia nao nos oferece
os codigos binarios nem todas as suas leis, mas antes o produto final originado por esses
sistemas de regras e nao precisamos de ter conhecimento dessas mesmas regras para os
poder fruir. Pelo contrario, a arte apenas disponibiliza um produto nao utilitario, que
necessita de regras para a sua total apreensao. Verifica-se entao que as "nao-artes" 486 nao
dependem do(s) seu(s) criador(es), no sentido explicito de revelacao da sua criacao, porque
o principio logico de constituicao das suas obras e a univocidade pratica das suas criacoes.
Deste modo nao havera publicos especificos para os seus produtos, pois eles tern como
484 RODRIGUES, Adriano Duarte - Comunica^ao e cultura. A experiencia cultural na era da
informacao. Lisboa: Editorial Presenga, 1994. (Biblioteca de Textos Universitarios; 134). pp. 90, 91.
485 Cf. CHARBONNIER, Georges - Entretiens avec Claude Levi-Strauss. Paris: Librairie Plon
Rene/Julliard, D.L. 1969. (10|18; 441). p. 184.
486 Termos que aqui se aplica para determinar todos os sistemas nao artisticos.
255
pretensao uma disponibilizacao universal dos mesmos. Ja o mesmo nao acontecera com as
artes, como Diana Crane refere, em que «Specific audiences may interpret cultural
products in an entirely different way from what was intended by the creators of the
material)) 487 . Os diferentes publicos terao, cada um deles, um poder especifico de traduzir
(a seu modo) as obras de arte. Dai que a diferenciacao receptiva das mesmas, se note
claramente quando em causa se encontram publicos mais diferenciados.
Jacques Leenhardt 488 , tambem a respeito da recepcao estetica, diz-nos que esta esta
dependente da complexificacao da mensagem cultural, definindo-a como a maior ou menor
separacao verificada entre a obra e um codigo comum. Esta ideia e perfeitamente
compreensivel no virar do seculo XIX para o XX, no momento em que se da inicio a uma
nova dimensao artistica. A distancia que separava o Academismo da modernidade era
enorme, nao temporalmente, mas antes conceptualmente. As ideias subjacentes as
revolucoes artisticas afastaram-se da realidade quotidiana da figuracao, criando um fosso
entre o que efectivamente seria desejavel transmitir e o que factualmente era transmitido. A
ausencia de conhecimento especifico para permitir uma boa abordagem das artes, facilita o
aumento do fosso entre criador e espectador. E se considerarmos a possibilidade de
interaccao directa entre criador e fruidor, dificilmente se conseguira conduzir a obra a uma
unica definicao. Independentemente da sua compreensao (por traducao livre do criador), a
analise pessoal ilimitada da realidade a que corresponde e a interaccao com a sua
representacao nao delimitam fronteiras, mas promovem a sinergia de pensamento.
3.7.3.2 Vivencia^ao - Experienciacao do fruidor
«(...) le nombre des lectures d'une meme lexie (d'une meme image) est variable
selon les individus (...) Cependant la variation des lectures n'est pas anarchique, elle
depend des differents savoirs investis dans l'image (savoirs pratique, national,
culture!, esthetique) et ces savoirs peuvent se classer, rejoindre une typologie; tout se
passe comme si l'image se donnait a lire a plusieurs hommes et ces hommes peuvent
»8 '
CRANE, Diana, op. cit., loc. cit.
488 cf. LEENHARDT, Jacques - Recepcao da obra de arte. In DUFRENNE, Mikel - A estetica e as ciencias
da arte. Amadora: Bertrand, 1982. (Ciencias Sociais e Humanas; 27). Vol. II, p. 78.
256
tres bien coexister en un seul individu: une mime lexie mobilise des lexiques
differents.» .
E as razoes de ordem interior do individuo que Barthes atribui as variacoes nas
"leituras" de uma imagem. Utopicamente, ele cria um humano que, perante uma imagem
seria capaz de estabelecer uma correcta correspondencia com a realidade. Esta e uma
quimera inatingivel evidentemente, mas nao deixa de ter interesse neste estudo na medida
em que nos permite compreender de forma sintetica que a unica possibilidade de
atingirmos a compreensao "absoluta" de uma obra seria efectivamente pela aglomeracao
de um numero infinito de humanos, ou seja, de um numero incomensuravel de
significacoes, de modo a criar um individuo "perfeito" para cumprir esta finalidade.
As significacoes nao sao a revelacao do significado da obra, mas contribuem para
uma aproximacao pessoal a esse significado. Por isso, quanto maior for a quantidade de
significacoes, maior sera a probabilidade de se atingir a compreensao. Podemos apontar,
como causas para as varias leituras de uma imagem, a pluralidade de signos que estao
internamente assimilados dentro de nos, alguns dos quais podem por vezes estar ausentes.
Ao nivel de cada humano temos entao uma pluralidade e uma coexistencia de lexias. O
numero e a identidade destas lexias formam o idiolecto 490 . Deste modo, a imagem e
constituida por uma serie de signos retirados de uma variabilidade de lexicos. E o
individuo que relativiza a imagem com a sua formacao individual; e a sua visao interna das
coisas que caracteriza a realidade imagetica. As vivencias interiores do individuo sao a
muleta para novas vivencias no seu relacionamento com o mundo envolvente, nem que
este seja apenas uma pintura: «(...) le spectateur d'images - de peintures, dessins, photos,
cinema, etc. - que nous sommes tous, se voit constamment confirme dans les sentiments
d' omnipotence qu'il a herites de son enfance» 491 . Verifica-se uma criacao vivencial da
realidade por recriacao dos seus aspectos interiorizados. Se quisermos, utilizando o termo
de Monica Tavares, existe uma "Transcriacao" 492 .
Sempre que surge a necessidade de analise de uma determinada obra floresce no
individuo, aquilo a que poderemos chamar conteudos vivenciais adquiridos, de modo a
489 BARTHES, Roland, op. cit., p. 48.
490 cf. idem, Elements de semiologie. Communications. Paris: Seuil. n° 4, (1964), p. 96.
491 PERAYA, Daniel; MEUNIER, Jean-Pierre, op. cit., p. 143.
492 TAVARES, Monica - As raizes poeticas da arte: aberta a recepcao. In ENCONTRO NACIONAL DA
ANPAP, 13, Brasilia. "Arte em pesquisa: especificidades". Brasilia: Pos-graduacao em Arte da Universidade
de Brasilia, 2004. Vol. I, p. 228.
257
que, no seu todo, eles possam ajudar a formar uma constatacao individual da realidade e
consequentemente estejam na genese da formacao de novos conteiidos vivenciais. Os
conteiidos vivenciais adquiridos sao fomentadores de caracteristicas na realidade. So
porque existem as vivencias pessoais e que somos capazes de criar e recriar; so desse modo
conseguimos descobrir as caracteristicas dos objectos artisticos que os definem como tal.
Evidentemente apoiadas pela apreensao sensorial das diversas realidades, as vivencias
pessoais sao profusamente catalizadoras de novas identidades. A cor, entendida como um
elemento presente nas obras de arte e acima de tudo possuidora de caracteristicas. Desde
logo, qual a cor, se tern ou nao brilho, se possui gradacao, etc. Estas caracteristicas que
estao sempre presentes nos elementos em estudo propoem-se a descoberta de outras mais.
Esta actividade de sucessivas aquisicoes de informacao, que Paul Zumthor designa
comunicacao, serve para «(...) tentar mudar aquele a quern se dirige; receber uma
comunicacao e necessariamente sofrer uma transformacao» 493 .
Estas caracteristicas enunciadas poderao nao ser do conhecimento comum, mas
apenas serem vivenciadas por apreensao sensorial no momento do seu primeiro contacto
sensorial. Umas seguindo-se a outras vao-se completando e complementarizando a fim de
formarem um todo, e, ao serem utilizadas, ou melhor dizendo, ao serem chamadas no
humano, aparecem para ajudar na analise das obras. Este processo de formacao de
vivencias no humano, baseado na imagem e ciclico e e imprescindivel para,
primeiramente, suscitar um enriquecimento pessoal e, em segundo piano e como
consequencia, para preparar o humano para um melhor entendimento das obras de arte.
Dependendo do tipo de obra, o fruidor ira chamar a si mais ou menos vivencias. A
obra "estatica" resume-se a sua simples singularidade, podendo apelar a uma plurivocidade
de vivencias, mas geralmente em niimero reduzido. Pelo contrario, uma obra que prima
pela imprevisibilidade e espontaneidade, como e o caso da performance e happening (em
que o metamorfoseamento e o mote para a renovacao vivencial de cada humano), renova-
se a cada instante e, de igual modo a cada momento, o fruidor a vive de forma diferente.
Porque novas caracteristicas da obra aparecem, outras novas vivencias sao despoletadas.
Uma modificacao fisica da obra desenvolve novas experiencias afectivas e propoe novas
interpretacoes do sensivel. Compreende-se pois que os criticos e historiadores, entre
outros, sao, em contraposicao ao "leigo", os que mais exaustivamente exploram as obras e
493 ZUMTHOR, Paul - Performance, recepcao, leitura, Sao Paulo: Educ, 2000. p. 61.
258
por conseguinte sao aqueles que mais dela podem falar. O repositorio das suas experiencias
afectivas vao alargar novos territorios pessoais e tern por finalidade uma funcao
unificadora, so desse modo se compreende a construcao da historia da arte. No dizer de
Bourdieu 494 , a obra de arte existe apenas porque existem estetas, mas apenas na medida em
que este se tenha apropriado de uma determinada vivencia "historica", quer de si proprio,
quer da obra de arte e da sua relacao com esta. Quer isto dizer que cabera ao humano
"conhecedor" inventar e instituir as regras da compreensao estetica, atribuir-lhe sentido e
valor.
A arte, sendo uma realidade metafisica 495 , promove entao uma estruturacao de
novas vivencias para o humano. Visto que ela circunda o fruidor, tambem o influenciara
por intermedio das imagens que este extraira, consciente ou inconscientemente. Como
refere Pedro Cabrita Reis (1956- ), as obras de arte podem ser projectadas na realidade que
nos envolve. De igual modo, a realidade que nos rodeia e transportada para as obras de
arte: no caso do criador, na sua criacao; no caso do fruidor, na sua fruicao.
«Um dos meus anseios mais profundos e que apos verem uma coisa minha, as
pessoas identifiquem a realidade atraves dos meus trabalhos. Isto e, veem a escada, o
Posto de Observagao, veem a Catedral, e depois, ao passarem por um predio em
construcao numa colina, nao poderao jamais desligar-se do que viram. (...) depois de
ver a catedral, "eu", ao ver a construcao de um predio na rua, recordo de novo a
catedral que vi no museu. Esse ciclo de identidade esta em desenvolvimento, isto e,
as pessoas veem no predio do lado a percepcao de uma vida diferida que
presenciaram no museu, e isso, nesse aspecto, nao e provocador, e antes quase
serenador, nivelador das experiencias. » 496 .
Esta reciprocidade de vivencias despoleta no fruidor nao so a recriacao da obra
segundo os moldes estabelecidos pelas suas experiencias pessoais, como tambem o
enriquece para as futuras confrontacoes com a realidade. E nas mais diversas convivencias
com a realidade (artistica ou nao) que as vivencias se expandem e sao elas que subjectivam
a obra, alargando consequentemente o campo da significacao.
494 cf. BOURDIEU, Pierre, op. cit., p. 328.
495 A arte e uma realidade metafisica, as artes sao diversidade conceptual e a obra de arte e sensorial.
496 Entrevista de Jose Sousa Machado e Pedro Teixeira Neves a Pedro Cabrita Reis [artista plastico] -
Realidades utopicas. In "Arte Iberica". Lisboa: Edicoes Arrabida, n° 30, (Fev. de 2000), p. 71.
259
3.7.3.3 Imaginagao (re)criadora
A arte e uma consequencia do poder da imaginacao que foi adquirida pelo homem.
Ao longo dos anos este foi desenvolvendo mais capacidades de criacao, seja pelo
desenvolvimento das suas capacidades em consequencia da "evolucao" humana, seja, bem
mais tarde, devido as subsequentes inovacoes tecnologicas. A descoberta do ferro permitiu
gravacoes em pedra que ainda hoje perduram, a tinta a oleo veio renovar o conceito
pictorico em virtude das novas possibilidades tecnicas que permitiu, a fotografia
possibilitou uma nova visao da realidade ate entao impossivel, a holografia veio
desvincular a realidade de quaisquer equivocos, etc. Os avancos tecnologicos e a sua
interaccao com a arte vieram pois dar uma nova dimensao imaginativa, favorecendo novas
possibilidades de criacao. Estas transformacoes nao so afectam a criacao do artista mas
tambem o confronto da sua producao com o fruidor. Relacionando este tema com a
comunicacao, parece ter fundamental importancia precisamente a relacao da obra com o
seu espectador, porque e no poder da imaginacao que se ve uma dissociacao da arte
relativamene a comunicacao.
Para Aristoteles, nao seria pensavel a imaginacao sem que as percepcoes fossem
ordenadas para um unico fim, sendo elas reproduzidas na ausencia dos objectos. No fundo
como ele proprio diz, trata-se de uma "sensacao falsa" 497 , um movimento que e produzido
pela sensacao activa. Apenas a verdadeira percepcao e sensacao alimenta a imaginacao. A
imaginacao acaba portanto por ser uma faculdade intermediaria entre a percepcao
(sensacao) e o fim a que ela se destina - a criacao/recriacao. A imaginacao trata portanto
da reproducao de percepcoes recebidas dando origem a imagens. Estas, assim formadas,
sao simples copias do original, ainda que, para Bachelard 498 , elas ultrapassem a realidade e
se mostrem virtualmente. Para este, a imaginacao e a faculdade que o humano tern de dar
uma nova forma as imagens: «(...) elle est surtout la faculte de nous liberer des images
premieres, de changer les images.» 499 .
497 cf. ARISTOTELES - De Fame. 2 a ed. Paris: Les Belles Lettres, 1995. (Universites de France), pp. 74-79.
498 cf. BACHELARD, Gaston - L'eau et les reves: essai sur l'imagination de la matiere. Paris: Jose Corti,
1992. (Le livre de poche). pp. 23, 24.
499 idem, L'Air et les songes: essai sur l'imagination du mouvement. Paris: Jose Corti, 1998. (Le livre de
poche). p. 5.
260
Seja para o criador seja para o fruidor, a imagem produzida pela imaginacao tera
sempre uma realidade, na medida em que ela assenta na semelhanca de uma representacao.
Existe entao uma dualidade entre um estado homologo, que e a re-apresentacao de uma
dada realidade, e uma irrealidade, ou seja, uma virtualidade criadora de outros espacos
mentais. So desse modo se compreende a imaginacao como criadora da arte, porquanto
esta tambem usufrui das mesmas caracteristicas de homologia e irrealidade. Ela deixa de
ser uma faculdade objectiva e passa a ser o seu produto. Ela impoe-se quase como
evidencia e presenca, ideia traduzida na maxima de Breton: «L'imaginaire est ce qui tend a
devenir reel» 500 . Portanto:
IMAGINAQAO = IMAGEM
As imagens (do latim imago) sao a fonte da imaginacao. Sao elas que iniciam o
processo de desenvolvimento da realidade pessoal. A imaginacao, estando sediada nas
imagens, pode recriar outros mundos, que por sua vez enriquecem o reportorio das
imagens. Varias imagens suscitam a imaginacao, mas, por sua vez, esta promove outras
imagens, que ciclicamente se conjugam com o universo pessoal (das imagens) trazendo
uma maior riqueza para o humano. Deste modo ele cria e recria as suas aspiracoes, quer
estes sejam conscientes ou mais do dominio dos sonhos.
A imaginacao sera o reconhecimento de uma dada realidade, tendendo a procurar
outras nao conhecidas. Se se trata de um reconhecimento, entao estamos na posse de um
conhecimento que se tornou redundante, ou seja, estamos a tomar contacto com um
conhecimento que ja se tinha adquirido anteriormente - e conhecer de novo. O fruidor
promovera entao um reconhecimento de uma dada realidade, sendo a obra de arte
intermediaria no processo. Esse reconhecimento e obra da imaginacao, que sera analisada
como uma faculdade de apresentacao 501 , enquanto que o seu entendimento leva a formacao
dos conceitos. A imaginacao que o fruidor tera face a uma dada obra sera sempre pessoal e
traduzir-se-a em realidades que poderao ser diametralmente opostas a ideia do seu criador,
isto porque a imaginacao joga livremente e nao se encaixa em qualquer lei de
500 cf. BRETON, Andre - Clair de terre. Precede de Mont de piete, Suivi de Le revolver a cheveux
blancs et de L'air de l'eau. Paris: Gallimard, D.L. 1976. p. 100.
501 cf. KANT, Emmanuel - Anthropologic du point de vue pragmatique. Paris: Librairie Philosophique J.
Vrin, 1970. (Bibliotheque des Textes Philosophiques). p. 47.
261
entendimento. Ela nao nos informa da sua criacao, porque para Kant 502 esta escondida nas
profundezas do espirito humano, ou segundo Blaise Pascal 503 e entendida como Mestre de
erros e de falsidade.
Nao basta que o fruidor esteja na posse do conhecimento da obra para que se possa
dizer que existe comunicacao. A imaginacao nao se rege por qualquer regra geral, nem
sequer e transmissivel de criador para fruidor. Por isso, mesmo que este conheca as
caracteristicas da obra de arte e saiba conduzi-la mentalmente para o seu significado, este
sera adulterado, visto que lhe e adicionada uma funcao combinatoria de novos conjuntos de
imagens, consequencia de uma funcao de representacao do passado (conjunto de vivencias)
sob a forma concreta de imagens. Podemos dizer, apropriando-nos do pensamento de
Baudelaire 504 (1821-1867), que se trata de uma natureza que nao e mais do que um
dicionario, onde os milhares de entradas nao constituirao um texto, mas ajudarao a sua
criacao. Analisar-se a Mona Lisa de Leonardo da Vinci, obra amplamente divulgada e
conhecida, e compreende-la na sua quase totalidade, mas tambem estende-la a um universo
pessoal de imaginacao, onde se concluira acerca da sua enigmatica existencia. Qualquer
exemplo abstracto sera ainda mais paradigmatico desta ideia, uma vez que a
ininteligibilidade de qualquer obra abstracta aumenta substancialmente o poder da
imaginacao. No fundo trata-se de preencher o hiato da compreensao, com a faculdade de
inventar (fantasiar) ou conceber mentalmente.
3.7.3.4 Realidade relativa - Atribui^ao de significant)
Um dicionario nao e uma obra de arte. Significa isto dizer, que a arte nao deve
significar, mas antes ser passivel de significacao e, se um dicionario nao e uma obra de arte
502 cf. idem, Critica da razao pura. 4 a ed. Lisboa: FCG [Fundacao Calouste Gulbenkian], 1997. (textos
classicos). pp. 149-157.
503 cf. PASCAL, Blaise - Pensees. Bruxelas: Didier, 1969. (Les classiques de la civilisation francaise). p. 58.
504 A famosa frase "la nature n'est qu'un dictionnaie" tern origem em Eugene Delacroix, que a repetia com
frequencia, no entanto e Charles Baudelaire que a publica na "Revue Francaise". cf. BAUDELAIRE, Charles
- Salon de 1859 [Em linha]. [S.l.]: baudelaire.litteratura.com. [Consult. 23 Fev. 2005]. Cap. IV [Le
gouvernement de l'imagination], p. 14. Disponivel em
WWW:URL:http://baudelaire.litteratura.com/?rub=oeuvre&srub=cri&id=4&s=>.
262
e porque nao existem dicionarios de significances. Nao seria possivel entender a arte de
outro modo que nao fosse pela "accao da sua significacao individual". Accao, porque so o
humano age e so ele toma decisoes e actua desse modo, em conformidade com a
informacao que recebe. E essa informacao, disponibilizada de modo igual a todos os
fruidores, que e o ponto de partida para a variabilidade artistica, seja ela criacao ou fruicao.
A natureza ou a realidade em si e um aglomerado de incomensuraveis informacoes
que nos atingem, seja de forma voluntaria, seja inconscientemente, devido ao
bombardeamento incontrolavel, por vezes indesejado, de imagens, de uma forma ou de
outra ajudam-nos nas decisoes, visto que fazem parte das nossas vivencias pessoais. E esta
coleccao de imagens/informacao que e a base ou, se quisermos, o conjunto dos nossos
argumentos, para decidirmos sobre qualquer assunto. O acto de criacao, neste aspecto, e
muito semelhante ao da fruicao. Se um cria, e por virtude das suas decisoes; se outro frui,
e porque atribui ad libitum uma determinada significacao a informacao criada pelo artista.
A diferenca existencial em todo este processo reside precisamente nas substanciais
diferencas da tomada de informacao (analise) entre criador e fruidor. O artista cria a
informacao para que o fruidor possa apreciar e atribuir significacao em conformidade com
as suas vivencias pessoais. E portanto um processo complexo em que actuam, nao so os
factores externos (informacao) mas tambem aqueles que sao reconditos a cada um de nos
(vivencias). Miranda Santos, a este proposito, diz-nos: «Claramente, a accao deriva da
apreciacao e nao da informacao. A informacao e comum a todos, em principio. A
apreciacao e propria de cada um. A informacao e o ponto de partida, sem ela nada
acontece. A apreciacao e o ponto de chegada, diferenciando os sujeitos concretos. Ambas
sao indispensaveis para a expressao de alguem» 505 . Esta diferenciacao apontada por
Miranda Santos, enuncia este topico porque, de facto, em funcao das diferencas de
significacao, a realidade torna-se relativa.
A realidade artistica, porque depende da fruicao, nao e unica e logicamente adquire
multiplas dimensoes em funcao da variabilidade de expressoes. Como se podera entender
uma arte comunicavel num piano onde cada humano se expressa diferenciadamente?
Como podera o artista comunicar algo quando em causa estao substanciais diferencas de
vivencias e imagens entre ele e o fruidor?
505 SANTOS, Alvaro Miranda, op. cit., p. 119.
263
A obra de arte nunca tera uma significacao monossemica 506 porque, para os
diversos fruidores, ela nao corresponded apenas a um sentido. Assim, ela estara mais no
ambito da significacao polissemica, ou em casos mais extremos como a arte abstracta, no
dominio da significacao pansemica 507 , porque a relacao entre o significante e o significado
nao se encontra estabelecida por parte do receptor. Seria necessario que o criador e o
fruidor partilhassem das mesmas intencoes de pensamento sob determinados factores, tal
como afirma Stecker: «A painting will represent X if the painter intends to represent X;
intends to do this via the audience's recognitional abilities, relevant conventions, or
permissible contextually supported extensions of the conventions; and if the audience can
recognize X through these factors» 508 . Na dificuldade de aproximacao a esses factores, a
obra apenas sobrevivera pela sua significacao, ficando perdido o seu significado. Nao
sendo a arte significado, mas sim significacao, dificilmente podera ser passivel de
comunicacao. Comunicam-se significados, mas nunca significacoes, ate porque a
significacao consiste em fazer a conexao entre um signo percebido de qualquer maneira e
o conhecimento que o humano possui desse signo. Uma maca azul e encarada de uma
forma significante, ao passo que uma maca vermelha sera frontalmente encarada no seu
mero significado. Porque a maca azul nao existe, apenas podera ser concebida em imagem
grafica ou mental. Havera lugar a uma operacao, na qual o significante se ligara a uma
ideia, dando lugar a significacao. No fundo e considerarmos que existem elementos que
sao a informacao que desperta o aspecto cognitivo e que sao ulteriormente considerados e
valorizados, apelando ao aspecto afectivo para promover a significacao.
Logicamente que o conhecimento que se possa ter de um determinado signo varia
individual e indefinidamente, em funcao das imagens que sao apreendidas e dos
posteriores reajustes a essas realidades. Esses reajustes sao a tentativa do fruidor encontrar
a verdadeira compreensao da obra. Se outras imagens surgirem apos uma significacao,
elas so virao enriquecer a apreciacao e ajudarao a formular uma nova significacao. Toda a
valoracao sera medida por conceitos definidos anteriormente e, como todos os conceitos
nos surgem em imagem havera um somatorio de imagens - tantas mais quantas mais
506 Pelo contrario, o significado da obra e monossemico, por essa razao podemos generalizar dizendo que
qualquer obra de arte e monossemica, na medida em que ela encerra um significado e nao significacoes.
Estas sao multivariadas e externas a obra, pelo que nao se encontram no dominio da unicidade.
507 cf. CLOUTIER, Jean - A era do emerec ou a comunicacao audio-scripto-visual na hora dos self-
media. 2 a ed. Lisboa: Instituto de Tecnologia Educativa, 1975. p. 92.
508 STECKER, Robert - Aesthetics and the philosophy of art: an introduction. Oxford: Rowman &
Littlefield Publishers, 2005. p. 133.
264
forem as significacoes da primeira apreciacao a imagem inicial. Esta atribuicao de valor,
sendo sustentada pelas varias imagens que a precedem permite singularmente uma
atribuicao congruente da realidade em causa. Deste modo, uma obra de arte pode ser
echange 509 por referencias de significado (dissemblable), mas tambem pode ser
comparada com outras obras (similairef 10 . E neste jogo de semelhancas e dissemelhancas
que cada um de nos retira de cada obra as suas propriedades particulares, ampliando pois o
seu universo de significacoes, em virtude das diversas ambiguidades.
Toda a imagem tern um caracter subjectivo, entre outras razoes porque fomenta em
cada um de nos novidade. Mas sendo a imagem algo que e invariavel, o que sustenta essa
subjectividade so pode ser o elemento humano. De facto, facilmente entendemos que, se o
humano e o elemento variavel no processo de analise de uma imagem, entao tambem
compreendemos que e ele que, pelas suas razoes pessoais de vivencia, oblitera uma
uniformidade no significado das imagens e, pelo contrario promove uma plurivocidade
imagetica, enriquecendo-a justamente por essa razao, imputando-lhe um "silencio". Deste
modo:
«(...) o que mantem a obra viva depois de feita e justamente esse momenta de
silencio que faz com que cada um esteja ali e se aproprie daquilo, que questione a
obra, ou ate, inclusivamente, que assuma a rejeicao de nao se deixar entrar, e que
considere essa distancia uma distancia que ha inevitavelmente entre as pessoas; o
que pode ser visto ate como sintoma de incapacidade de uma relacao, ao contrario
do que seria suposto numa obra de arte, que e chamar as pessoas. » 511 .
Como afirma Cabrita Reis, e atraves desta pluralidade de significacoes, ou antes
deste silencio que reina entre os varios afastamentos e aproximacoes que a obra e
proporcionada na sua plenitude. Outro sentido nao seria possivel. A significacao e
portanto o elemento que preenche a comprensao da obra de arte. Ela junta-se a
descodificacao dos elementos simbolicos, de narracao e a contextualizacao em que se
insere a obra de arte. A compreensao da obra de arte renova-se entao constantemente, nao
existindo uma "definicao" unica para ela e muito menos a existencia de dogmas.
Desde a idealizacao ate ao acto de fruicao, podemos dizer que se desenvolvem
varias etapas de formulacao e reformulacao, daquilo que sera ou e a obra de arte. O artista
imagina mentalmente a sua obra, esboca-a, imputando-lhe transformacoes, e lanca-se na
509 A expressao e de Roland Barthes.
510 cf. BARTHES, Roland, op. cit., p. 113.
511 Entrevista de Jose Sousa Machado e Pedro Teixeira Neves a Pedro Cabrita Reis [artista plastico] -
Realidades utopicas. In "Arte Iberica". Lisboa: Edigoes Arrabida, n° 30, (Fev. de 2000), p. 70.
265
sua criacao, acabando por criar variacoes que nao correspondem integralmente a sua ideia
inicial. As sucessivas imagens que ele tern da sua obra incitam a reformulacao, ate estar
concluida e disponibilizada ao publico para fruicao. Daqui em diante, o fruidor apreende,
em determinado momento e circunstancia, a obra do artista e por sua vez imprime-lhe a sua
significacao, que sera diferente do artista e de todos os restantes fruidores. A obra de arte
transcende a vontade do seu criador e pretende dizer qualquer coisa de novo em cada
epoca. As significacoes serao entao representacao do imaginario, num determinado espaco
e tempo. Tal como Andre Rangel nos diz:
«Existe o Requiem de Mozart tal e qual ele o idealizou. Existe outro Requiem de
Mozart escrito pela primeira vez no papel e o Requiem que o Mozart dirigiu pela
primeira vez e ja um terceiro Requiem de Mozart. Nenhum deles e igual e nenhum
deles e o Requiem de Mozart. Requiem de Mozart existe de forma diferente dentro
de cada ouvinte, dentro de cada espectador. Num concerto em que se ouve o
Requiem de Mozart cada um dos espectadores esta a ouvir uma miisica diferente,
512
esta a ouvir a sua imagem.» .
3.7.4 Retroaccao
O acto de comunicar implica necessariamente um processo. Se considerarmos o
modelo sintetico de comunicacao verbal, verificamos que alguem elabora uma mensagem e
por meio do aparelho fonador, a codifica. Por sua vez, outra pessoa recebe-a e, por
intermedio do seu aparelho de audicao, ela esta apta a ser descodificada e
consequentemente reelaborada. Essa reelaboracao da origem a uma nova apreciacao que
por seu turno, e codificada e remetida ao receptor (inicialmente emissor), que por sua vez a
descodifica e a reelabora. A comunicacao e portanto uma interaccao social, na medida em
que ela e sempre presenca e co-presenca. A interaccao acontece gracas a informacao como
ponto de partida e gracas a significacao como conteudo (ponto de chegada). O artista, ao
criar uma obra de arte, disponibiliza-a ao fruidor, que por sua vez a interpretara a seu
512 Entrevista de Francisco Cardoso Lima a Andre Rangel [Artista/Professor], Arte, ciencia e tecnologia,
Porto, 23 Abr. 2005. [Consult. 21 Out. 2005]. Disponivel em
WWW: <URL:http://www. clinik.net/ua/act/ andre_rangel.pdf >.
266
modo. Nas situacoes mais vulgares, o fruidor nao conhece o artista e logicamente nao
interage com este. Nao se podera portanto falar de retroaccao e simultaneamente de
interaccao (pelo menos directa). A distancia entre criador e fruidor e demasiadamente
extensa para que este possa expor as suas significacoes e por isso a intransitividade sai
reforcada. O que o artista nos pretende "dizer" e uma coisa, o que o fruidor aspira a "ler" e
outra e ainda o que este consegue perceber e ja outra coisa.
Em rarissimas situacoes existe contacto proximo entre artista e fruidor, mormente
em inaugurates e visitas guiadas pelos artistas, onde ambos podem interagir com vista a
troca de ideias. Nesta situacao podem ser explanados os pontos de vista acerca da
realizacao da obra, o mote de trabalho, mas tambem questoes sobre o lugar que ocupa o
fruidor no contexto da obra, fundamentalmente questoes ligadas a sua interpretacao. E
neste momento, que podera haver lugar a "correccoes", se quisermos reajustes, que
ajudarao a melhorar o entendimento da obra e em certa medida retirar diividas, mas
eventualmente levantar outras, acabando a obra por se encerrar num jogo interminavel de
perguntas e respostas. Nao seria pensavel de outro modo visto que de varios humanos em
interaccao se trata. Este tipo de trocas entre o criador e quern a frui acontece, tendo por
base a obra de arte, mas esta nao e o veiculo dessas trocas, pois considera imprescindivel a
existencia de uma proximidade entre os dois humanos e sempre assente na condicao de
existencia de uma linguagem comum.
Se de forma particular podera existir uma retroaccao artistica, quase como se
tratasse de uma linguagem verbal, tambem colectivamente algo similar podera acontecer,
ainda que com menos sucesso, visto que e efectuada em diferido. Existem meios externos
que tern como principal funcao, expor (duplamente) a obra, tentando inseri-la no contexto
em que foi produzida. Em boa verdade, este procedimento de divulgacao realizado pelos
media e amplamente vulgarizado. Quando uma obra e exposta publicamente, ela sera
primeiramente explicada, para depois ser contestada ou aplaudida. Em face destas
respostas podera o artista vir a "dialogar", no sentido de expor as suas conviccoes
(explicitacoes) e evidenciar elementos da obra que estariam inicialmente ocultos. As obras
mediaticas passam por este processo, no qual a intervencao do criador e fundamental para
lhes dar continuidade junto da significacao colectiva.
267
Existiu feedback quando Richard Serra (1939- ) argumentou em favor da sua obra
piiblica "Tided Arc 513 , Joao Cesar Monteiro (1939-2003) acerca da sua "Branca de
Neve" 514 , ou ainda Luis Bunuel (1900-1983) com a sua "Viridiana" 515 (fig. 63). Estes sao
alguns dos muitos casos que, pela negativa, exemplificam uma possivel retroaccao entre
criador e fruidor. Existira entao uma universalidade da retroaccao para todas as obras? Se
todas elas forem mediatizadas, sim. Caso contrario, apenas farao parte de um contexto
artistico ordinario, onde a relacao artista - fruidor sera quebrada pela distancia que os
separa. Esta sera, sem diivida a maior evidencia artistica: o artista cria e o espectador frui
sem interpor nenhuma critica, directamente ao criador. Trata-se de um esquema que
permanece indefinidamente aberto.
Fig. 63 | Still do filme Viridiana de Luis Bunuel, 1961.
A ideia da impossibilidade de retroaccao na arte tambem e realcada pela morte
fisica do artista, que inviabiliza qualquer feedback. Esta e compreensivelmente a unica
situacao em que o autor da obra nao participa em nenhuma relacao socio-artistica. Hoje
fala-se da "morte do autor" 516 , nao no sentido da sua morte fisica, mas sim como
dificuldade de atribuir ao artista o papel de verdadeiro criador, porquanto nem sempre ele e
o unico fazedor/interveniente da obra. Algumas obras dissociam-se do seu criador, sendo
513 Obra site specific instalada na Federal Plaza de nova Iorque em 1981 e que veio a ser retirada em 1989,
apos forte contestacao piiblica.
514 Filme realizado no ano 2000, baseado na obra de Robert Walser (1878-1956): "Branca de Neve" e que
gerou polemica devido ao facto de nao apresentar imagens em quase toda a sua duracao.
515 Em Espanha, a Viridiana (1961), de Luis Bunuel foi um caso de grande contestacao estetica, em que a
imagem dos mendigos recolhidos pela freira em torno de um banquete lembra sem pudor, a Ultima Ceia de
Cristo.
516 cf. BARTHES, Roland - A morte do autor. In BARTHES, Roland - O rumor da lingua. Lisboa: Edicoes
70, 1987. pp. 49-53. cf. tambem a este respeito, FOUCAULT, Michel - O que e um autor?. Lisboa:
Vega, 1992. (Passagens; 6).
268
que hoje muita critica, seja ela hedonista, formalista ou instrumentalista, ja nem faz
referenda ao autor centrando-se unicamente na obra. Este sera um principio que faz crer
que a arte se encontra cada vez mais desvinculada do seu criador e, por isso, pouco
interesse tera saber se existe ou nao retroaccao, ate porque a questao nao tera propriamente
uma resposta se atentarmos na plurivocidade de criadores que possam gravitar em torno da
obra. E, neste caso, o feedback recai sobre o proprio fruidor que e simultaneamente criador.
*
* *
269
CAPITULO IV
Analise do processo diacronico-historico da arte
E claro que a arte jet nao e avaliada em relagao ao belo, a natureza,
ou aos conteiidos morais, mas relativamente a propria arte, a
prossecugao e ao desenvolvimento da sua historia.
Giulio Carlo Argan
4.1 Introdugao
Este capitulo e uma ponte para a inteleccao deste estudo, na medida em que se
centra numa leitura esquematica da historia da arte. Ha uma diferenca a ser notada: e
preciso marcar a distancia entre a arte do passado, a arte do presente e a arte do future Esta
diferenca muito evidente e comprovada pela historia da arte tern por base um factor com
uma dimensao tambem ela variavel. Referimo-nos concretamente a sociedade que circunda
o mundo das artes: Sao as formas institucionais, quer artisticas ou nao; sao os meios
teoricos e conceptuais disponibilizados em cada epoca que irao medir e classificar
S17
taxionomicamente as artes .
Segundo este ponto de vista, vemo-nos forcados a dizer que nao existe sociedade
sem arte 518 , qualquer que seja o sentido que queira atribuir-se a esta palavra. Na arte
ocidental, testemunhamos um permanente trabalho de definicao, de delimitacao, de
517 Exemplo claro desta demarcacao e a etiqueta de "recusados", com a qual se apresentaram no salon de
1863 alguns pintores, cuja modernidade foi depois reconhecida.
518 Como diz Marcel Mauss em Manuel d'Ethnographie. Paris: Payot, 1947. Cap. V. (consagrado aos
fenomenos esteticos), o essencial para o etnografo e tracar um retrato individual, definir completamente a
imagem da arte na sociedade em estudo, com os seus caracteres proprios, nao prejudicando nunca, quaisquer
formas que ela possa assumir. Segundo Mauss, um objecto de arte e por definicao, um objecto definido como
tal por um determinado grupo.
270
partilha, de classificagao, de redistribuigao das actividades ditas artisticas, como
explicitamente o demonstram, na era do Quattrocento, as discussoes sobre o estatuto das
artes. Hoje nao menos se age dessa forma, com um sentido diferente, evidentemente, mas
sempre com uma forte preocupagao estetica. A matriz dadaista demonstrou que so o que
um grupo humano deseja pode ter o cunho de arte. E essa demonstragao assumiu-se de
uma forma ainda mais radical quando os dadaistas referem que pertence a arte qualquer
objecto, qualquer fenomeno, qualquer actividade ou produgao, qualquer manifestagao que
esse grupo possa ser levado a aceitar como tal.
E necessaria uma visao diacronica da historia da arte para percebermos a sua
"evoluczao" e considera-la no ambito do estudo da comunicagao, com o intuito de perceber
que ela se tern afastado cada vez mais deste conceito. Se num dado momento historico
poderemos associar a arte a uma possivel "comunicagao", o mesmo ja nao acontece logo
que se tornam evidentes as grandes modificagoes por que tern passado.
Thomas Kuhn (1922-1996), no seu livro "A estrutura das revolugoes cientificas" 519 ,
demonstrou que os modelos acabam por rapidamente cair em desuso, e nas artes isso e bem
notorio. Por isso, este capitulo aborda os varios estados por que tern passado a arte, com as
respectivas mudangas. Divide-se em duas partes: A primeira ("A arte ate ao seculo XX",
cf. infra, sec. 4.2, pp. 273-301) aborda a obra de arte ate ao periodo impressionista. E neste
periodo que se observa a constancia de pragmaticas e paradigmas, que fundam a arte num
espago categorico e caracterizavel por consequentes regras de representagao, sendo as
academias a demonstragao da vontade de perpetuar uma arte "para todos". Estas sao
promotoras de uma "descrigao" artistica e fundamentam a possibilidade de uma
"comunicagao" na arte. A arte academica e considerada como um discurso, mas tambem
como uma ideologia. Ora essa ideologia era a visao de um mundo saido de um
determinado grupo, que experimentava fazer dele um facto coerente.
A segunda parte ("O seculo XX e a viragem do milenio causadores de uma nova
arte", cf. infra, sec. 4.3, pp. 302-372) explora os novos caminhos da arte, saidos do
Impressionismo (1874-1886) e projectados ate aos dias de hoje, com as mais recentes
descobertas artisticas. E nesta parte o lugar indicado para reflectir sobre alguns
movimentos artisticos, aqueles que se afastam das concepgoes originarias dos ideais gregos
e renascentistas, entre outros, e que por isso alicergam a ideia de uma "nao-comunicagao".
519 KUHN, Samuel Thomas - The structure of scientific revolutions. 3 a ed. Chicago [etc.]: The University
Chicago Press, 1996.
271
Esta tese associa a ideia de nao-comunicacao ao desenvolvimento de
acontecimentos artisticos, que traduzem pragmaticas e teorias. E esta dualidade (pratica-
teoria) que, ao longo dos seculos, foi criando paradigmas que a sociedade soube respeitar.
A ideia de nao-comunicacao surge, por assim dizer, de uma forma gradual na historia da
arte. Poder-se-ia aceitar a ideia de "comunicacao" relativamente a alguns periodos, que
preenchiam determinados criterios, nomeadamente uma aproximacao da imagem ao texto.
As obras eram fundamentalmente direccionadas para a narracao e por conseguinte
cumpriam a sua funcao atraves de algumas caracteristicas que as pessoas estavam
preparadas para receber. Os canones universais ditados pelas academias abriam a arte ao
publico, ao mesmo tempo que o encaminhavam para os seus ditames - religiosos, regios,
aristocraticos, etc.
Independentemente desta posicao da arte, a ideia de comunicacao permanece turva.
Pelas razoes apontadas nos topicos anteriores, uma comunicacao em arte e dificilmente
sustentavel, preferindo-se antes a ideia de transmissao de informacao, mas sempre
informacao fisica e objectual orientada pela sensacao e percepcao. E esta ideia ganha cada
vez mais forca a medida que nos aproximamos da contemporaneidade do seculo XXI. De
facto, considerando os varios periodos artisticos, apercebemo-nos de que a arte se
descaracteriza quer na sua pragmatica quer na sua funcao. Desde logo, a objectividade, que
se torna mais evidente, simplifica a sua visibilidade, mas atinge um elevado grau de
incompreensao. Encontramos o incongruente, a plurivocidade, o non-sens e o afastamento
da representacao mimetica da realidade que negam a representacao ilusoria da mesma, pela
quebra de padroes aceites universalmente. A procura de uma conformidade entre a forma e
o conteudo correspondente teve o seu fim. A pedra que chutamos, a cadeira do escritorio, o
transeunte, o corpo, o espaco, o tempo, a materialidade do imaterial, todos estes itens sao
realidades/temas que preenchem o directorio das artes do nosso seculo e, por conseguinte,
entrando na historia da arte despoletam a variabilidade de significacoes porque, de facto, a
actualidade artistica pressupoe uma expressao, isenta de qualquer referenda objectiva,
coerente e comunicacional.
Se atribuimos a arte contemporanea o expoente maximo de decadencia do seu
processo diacronico-historico, no sentido de promover uma estetica da nao-comunicacao,
entao isso significa que a arte anterior a este periodo nao e decadente. Por outras palavras,
querera dizer que e possuidora de caracteristicas e condicoes que lhe conferem o estatuto
272
de uma arte "de todos". Existiram portanto determinadas condicoes favoraveis a
divulgacao das mensagens implicitas nas obras. Porem, a organizacao harmoniosa de
canones, que existia no periodo anterior ao Modernismo, deixou de existir e
consequentemente afastou-se a ideia de transmissao de mensagens. Apesar disso, a ideia de
decadencia na arte tambem torna claro que ela nao se encontra nesse estado, mas antes que
vai "evoluindo" para ele. Vemos entao a decadencia como vicissitude.
Este capitulo suscita uma tomada de consciencia da "evolucao" historica da arte e
faz perceber que esta nao mudou da noite para o dia. Trata-se de um desenvolvimento
lento, em dado momento impercebivel aos olhos do humano. Pretende-se
fundamentalmente evidenciar, como Francastel o demonstra na sua obra "Peinture et
societe" 520 , que se constroi uma gramatica que organiza o funcionamento das artes, para
depois se assistir a sua destruicao.
E portanto neste contexto que este capitulo se abre e e atraves dele que se reforca a
ideia central desta tese, sempre firmada na analise dos processos de compreensao
considerados fundamentals a qualquer acto comunicacional.
4.2 A arte ate ao Sec ulo XX
Varios foram os momentos em que a arte se consubstanciou no contexto nao de
uma "arte pela arte", mas sim de uma arte que estivesse incluida num processo social e que
representasse um ideal de entendimento entre os varios grupos. Ela seria entao aceite como
um elo de ligacao e elemento unificador. A religiao teve um papel importante, como
tambem a aristocracia e as mais altas classes sociais, sobretudo o alto clero que tinha como
pretensao a educacao para os seus ideais biblicos.
Mas como tais intentos foram conseguidos? De que forma se concretizou a arte,
para que os seus criadores conseguissem adoptar este principio artistico, com a conviccao
de que prestariam uma funcao social? Varias foram as formas de cruzamento de ideias e
conviccoes que introduziram na historia da arte um registo de pluralidade. No entanto, ate
520 cf. FRANCASTEL, Pierre - Peinture et societe: naissance et destruction d'un espace plastique. Paris:
Denoel-Gonthier, 1977. (CEuvres; 1).
273
ao seculo XX, podemos referir que existe uma linha de continuidade. Pode parecer
antitetica tal afirmacao, mas, com efeito uma constante se verificou ate esse periodo: a
figuracao. Nao interessa aqui discutir qual a latitude deste conceito, pois isso levar-nos-ia a
outros caminhos, nao desejados de momento. E evidente que a figuracao tambem esteve e
esta presente no seculo XX e XXI, mas com outras intencoes. Dado todas as manifestacoes
que se incluem nos compendios da historia da arte ate ao seculo XX serem totalmente
dedicadas a representacao figurativa, isso leva-nos a crer que as razoes que estiveram na
origem dessa situacao poderao ser resumidas a uma so, apesar das diferentes formas de
representacao. Tanto a igreja como a aristocracia, como inclusivamente a burguesia eram
unanimes na sua afirmacao artistica, apesar das diversas ramificacoes tematicas. O
objectivo de facilitar a compreensao das obras deveria estar a cargo do criador que,
submetido a determinadas "ordens", cumpria o seu papel de arauto. Esta proximidade entre
artista e espectador e sinonimo de "comunicacao":
«Em tempos mais remotos, (...) nao teria ocorrido aos homens a ideia de que a arte
fosse - na maior parte dos casos - outra coisa que nao uma forma de comunicacao.
As obras de arte tinham entao um certo niimero de finalidades bem definidas.
Servindo para embelezar os templos, santuarios, igrejas, elas comunicavam
simultaneamente conhecimentos de ordem religiosa ao povo analfabeto. Grandes
homens encomendavam retratos, que ficariam como testemunhos visiveis a
enriquecer a habitacao familiar e a recordar aos vindouros a sua linhagem. Cidades e
mecenas particulares adquiriam quadros e esculturas com o intuito de firmarem o
proprio prestigio. Com excepcao desta ultima funcao, poucas sao hoje as obras de
arte realizadas por identicos motivos. A obra da maior parte dos artistas modernos
faz apelo a - ou seja, comunica directamente com... - um publico muito
limitado.» 521 .
E mais aceitavel considerar que exista um processo de "comunicacao" em "tempos
mais remotos" do que, por exemplo, na actualidade artistica, ate porque o objectivo da arte
era precisamente o de informar sobre algo. Mas, nao parece sustentavel a ideia de
comunicacao, porque qualquer pessoa que estivesse no extremo do processo artistico, ou
seja, na posicao de espectador deveria estar na posse das convencoes estabelecidas pela
sociedade artistica. Dai haver uma diferenciacao entre o espectador "leigo" e o espectador
"conhecedor" 522 . Este ultimo ocuparia a cadeira do deleite, acedendo a compreensao
"absoluta". Afinal, a limitacao apontada na citacao contraria em parte a sua ideia principal
de comunicacao.
521 BARRY, Gerald [et al.] - O mundo do homem. Lisboa: Publicacoes Europa-America, 1969. Vol. VII
[Os meios de expressao]. p. 98.
522 Sobre este assunto cf. supra, sec. 3.5.1 (Sociedade "conhecedora" vs Sociedade "leiga"), pp. 215-221.
274
Mas porque e que qualquer pessoa deveria identificar facilmente o significado da
"Ultima Ceia", de Leonardo da Vinci? A resposta parece estar nas convencoes esteticas,
canonicas e simbolicas que se instalaram, e que normalmente deixaram de vigorar na
contemporaneidade. Elas surgem, por convencao unanime numa determinada sociedade
ou cultura, tal como Diana Crane refere: «Meaning is socially constructed on the basis of
negotiations and conflicts between different social classes and subcultures within social
classes.» 523 . Isso explica, porque e que as obras anteriores ao seculo XX estao muito
proximas de estabelecer uma perfeita relacao na dualidade criador-fruidor, ou seja,
sujeitam o espectador a uma maior imediatidade, encurtando a diferenca que o separa do
criador. Por exemplo, as alegorias so serao de facil identificacao para quern tenha
apreendido as convencoes que elas encerram; dai, a grande diferenca relativamente a arte
contemporanea, cujas convencoes por vezes so o proprio artista conhece. E claro que a
critica, que tenta estabelecer um estudo aprofundado da obra do artista, consegue ter uma
visao mais aproximada, mas mesmo assim muito pessoal 524 .
Frutiger 525 , a este respeito, refere que na actualidade ja nao se recorre a alegoria
baseada na antiguidade classica como pratica comum, mas que estamos a construir novos
modelos para as geracoes vindouras. Isto significa que a contemporaneidade nao se
compadece com qualquer tipo de alegoria. Esta fora do intento actual tal pressuposto, ate
porque a correspondencia entre a obra e a natureza sobrenatural, tal como ela era definida,
obrigaria tambem a que ela fosse sobrenatural, como sempre foi considerada durante a
Idade Media.
As representacoes alegoricas estavam muito proximas da sua funcao, tentando
cumprir um objectivo: transmitir informacao. Eco 526 , na sua "Arte e beleza na estetica
medieval", alia a comunicacao a alegoria. Nao podemos esquecer que a alegoria encerra
secretismos que so o deixam de ser apos apreensao cognitiva. Mas nao e totalmente
descabida tal ideia, visto que muitos aspectos signicos e simbolicos estavam ja vastamente
difundidos o que possibilitava a sua compreensao; a propria transposicao da realidade para
a representacao, ou seja, a colocacao em obra de elementos que todos reconheciam, mas a
523 CRANE, Diana - The production of culture - Media and the urban arts. Newbury Park, [California]:
Sage Publications, 1992. p. 78.
524 Sobre este assunto cf. supra, sec. 3.5.2 (A critica mediadora de conceitos - Uma hermeneutica
inabracavel), pp. 221-229.
525 FRUTIGER, Adrian - Signos, simbolos, marcas, senales. 8 a ed. Barcelona: Gustavo Gili, 2002. p. 174.
526 ECO, Umberto - Arte e beleza na estetica medieval. Lisboa: Editorial Presenca, 1989. pp. 88-90.
275
que ninguem daria a devida atencao na sua propria natureza, e incorporada nas obras
alegoricas e ajuda a complementa-las, enriquecendo-as. Deste modo, esses elementos
adquirem outros significados e passam a pertencer a outra realidade. E uma especie de
Realismo, que reflecte um momento, uma situacao, ou uma determinada coisa.
4.2.1 Existencia de canones num Academismo considerado
O intento social ou a pressao no artista para uma representacao, e a convencao a
que o artista se teria de sujeitar para concretizar o seu trabalho, so se compreende porque
existiam processos para atingir tais fins, processos que ele deveria valorizar, sob pena de
nao ultimar os propositos impostos. O Academismo e pois o elemento central do qual o
artista nao se deve desviar; pelo contrario, deve seguir rigorosamente as suas regras, para
plenamente conseguir os seus objectivos. Podemos deste modo referir que e o
Academismo que sustenta toda a arte ate, grosso modo, a revolucao impressionista e que e
ela que esta associada a ideia clara de mensagem ("comunicacao").
O Academismo, antes de mais, nao existiria sem a instituicao que o representa: a
academia. A palavra academia provem dos jardins de Atenas - Academos - onde Platao se
reunia com os seus discipulos e onde eram transmitidas as pesquisas feitas nos varios
dominios. O "Dictionnaire portatif des Beaux-Art" de 1752 refere-se a Academia deste
modo:
«C'etait dans la ville d'Athenes un lieu decore d' architecture, ou les Scavant & les
Gens de Lettres s'assemblaient. Ce mot vient de ce qu'un certain Academus donna sa
Maison de plaisance a des Philosophes pour y etudier. On appelle encore aujourd'hui
Academie une ou plusieurs Salles ou des personnes qui font profession des Arts
liberaux, ou qui s'appliquent aux Sciences, viennent a certain jours de la semaine
pour se communiquer les decouvertes & les recherches qu'ils ont faites, chacun dans
leur genre» 527 .
O Academismo tera sido associado a nocao de belo. Mas nao se trata do belo no
sentido platonico, nem de "belas coisas" aristotelicas. Entretanto, o desenvolvimento da
arte durante o periodo renascentista torna a pintura (por exemplo) mais acessivel, mais
527 AVOCAT, M. L. - Dictionnaire portatif des beaux-arts. Paris: Veuve Estienne & Fils, 1752. p. 3.
276
humana, o que em parte da origem a nomeacao do seculo XVI como o seculo do
Humanismo. Isto abriu caminho para a tertulia e para outras sabias consideracoes sobre o
simbolismo, desta ou daquela cor, deste ou daquele gesto. A isto podemos adicionar a
influencia helenistica de Platao e Aristoteles, cujos principios continuam a ser ensinados
durante seculos. Por consequencia, a arte e a filosofia do belo sao impregnados sobretudo
pelos dialogos platonicos. A beleza grega e a referenda absoluta para o ensino das formas
da escultura e da composicao na pintura. A arte nao possuia uma base teorica que lhe
permitisse emancipar-se da Grecia antiga. Ao contrario, isto favorece uma teoria estetica
proxima do realismo de Platao. A imitacao da natureza correspondia ao humanismo do
seculo XVI. De facto, para ser mestre e possuidor da natureza, segundo Descartes (1596-
1650), a copia perfeita da natureza parecia ser a unica via possivel.
Mas, por outro lado, essa proximidade desejada com a natureza cria um sentido
ambiguo. Ja desde a Antiguidade que a cor e o desenho cumprem uma funcao de decoracao
ou ornamentacao, portanto de falsidade; mas por outro lado eles pretendem dar
credibilidade a obra, imprimindo-lhe mais vida 528 . Mas estas duas ideias antagonicas
tinham como unica finalidade, ainda que opostas, proclamar a imitacao da natureza. So
deste modo o espectador ficaria indignado com tamanha beleza, pelo facto das
representacoes pertencerem aos seus dominios de conhecimento. A arte insistia no facto de
ter por incumbencia ser uma imitacao directa da realidade. O que melhor explicita um
conhecimento do que um exemplo desse conhecimento? Esta era a ideia central a ter em
conta. Produzir realidades que exprimissem a realidade conhecida. Quern nao conhecia a
sua realidade circundante? Parece que a resposta se encontra na propria pergunta e neste
sentido somos tentados a afirmar que a arte era a realidade circundante tal como ela se
apresentava. So assim fazia sentido a inclusao na obra de elementos e atributos que
ajudavam a "comunicar" a sua tematica central. Se tomarmos o exemplo da cor,
verificamos que a sua mesclagem 529 tinha por objectivo ampliar a paleta cromatica e
estender a propria obra ao universo da ilusio.
528 Na Poetica de Aristoteles, este considera indubitavel a prioridade do desenho sobre as cores. Na sua obra,
Aristoteles compara o "mito" ao desenho, e os "caracteres" as cores, cf. ARISTOTELES - Poetica. trad, de
Eudoro de Sousa. 4 a ed. Lisboa: Edicoes IN-CM [Imprensa Nacional-Casa da moeda], D.L. 1994 (Estudos
gerais/Serie Universitaria. Classicos de filosofia). p. Ill (1450 b).
529 A mistura das cores podia ser feita pela conjugacao de varias tintas ou pigmentos, ou ainda pela aplicacao
de velaturas sobre uma tinta opaca. Esta ultima foi muito utilizada no Egipto e na Grecia classica.
277
A paleta ao longo dos tempos veio gradualmente a ser dilatada. Durante algum
tempo pensou-se que a gama de cores greco-romana era limitada a quatro cores (branco,
preto, amarelo e roxo); no entanto, ela estende-se a outras mais, mesmo assim muito
reduzida comparativamente a outros momentos historicos que lhe sucederam. O estudo
cientifico das cores era uma grande preocupacao, sendo um processo que estava em
expansao. Por isso, a cor adquire uma enorme importancia na obra, nao so como elemento
plastico, mas tambem como referenda simbolica. O artista, se pretendia representar
alguem de elevado estrato social, sabia que deveria utilizar a cor purpura. Por isso, durante
muito tempo esta foi considerada uma cor que representava a elevacao social e utiliza-la
em outras pessoas seria o mesmo que reduzir o poder dessas pessoas ou do estado e por
conseguinte conspirar contra elas.
A dimensao religiosa da producao artistica, ate ao seculo XVII, foi preponderante.
Como a realidade medieval era uma representacao do pensamento de Deus, o simbolismo
era apenas religioso. Ate as cores eram canonizadas: a violencia era sugerida por meio de
vermelho, a calma (divino) pelo azul, o amarelo e preto significavam dor e penitencia, e o
branco conotava a pureza e a virgindade. A cor era um continuum entre Deus e o Homem.
De qualquer das formas, o uso canonizado das cores pode ser anunciador de um
Academismo avant la lettre. Por outro lado, este desejo de promover uma arte
"humanista", cheia de "acessibilidades", levou a que, em algumas circunstancias, a arte
perdesse o "humanismo". Muitas obras religiosas possuem pouco de humanidade, e
mesmo a natureza parece irreal, devido a forte vontade artistica de atingir a divindade em
cada elemento da obra.
No periodo medieval a cor apoia-se essencialmente na simplicidade e na
imediatidade sensorial. A paleta assenta essencialmente nas cores elementares e um santo
sera mais santo quanto mais cores ele possuir. A propria literatura medieval e altamente
descritiva quanto ao uso da cor (o ceu azul, a noite preta, etc.) e mantem uma grande
afinidade com os pintores, no que respeita a narracao/descricao exaustiva das suas obras.
As cores nem sempre estiveram apenas ligadas ao simbolismo religioso, historico
ou mitologico, mas eram portadoras de valor economico, ja que algumas cores utilizadas
pelos criadores tinham valores muito elevados. No Quattrocento, o ouro, a prata e o azul-
278
ultramarino eram as cores mais caras 530 e, logicamente, os pintores ficaram submetidos a
condicionantes impostas pelos compradores que lhes faziam encomendas directas e deste
modo pre-determinavam a paleta das obras. Em certa medida, a obra, alem de ser
institucional ou familiar, tambem era encarada como uma compensacao pelo seu valor de
producao. Dai que muitas obras eram tabeladas em funcao da quantidade de tinta gasta, e
das horas de trabalho necessarias a sua execucao (para alem da maior ou menor
genialidade do artista).
Nao podemos descartar a funcao que o "objecto pintura" tinha neste periodo. Alem
de retratar determinadas individualidades ou representar cenas historicas ou biblicas,
tambem lhe estava associado um desejo de ostentacao e exclusividade. A arte academica,
por exclusiva que era, pertencia a um grupo de elite. O espirito analitico necessario para a
plena compreensao da obra de arte oficial pressupunha aspirantes a elite. A acessibilidade a
obra, na sua dimensao analitica, so poderia ser atingida por um publico conhecedor da
estetica em vigor. A reproducao para a elite seria entao, a unica finalidade da arte oficial.
Para o "leigo", a obra nao era acessivel e a aprendizagem permitia-lhe ter um melhor
aprofundamento analitico. Mas, mesmo depois de cumprida a exigencia da aprendizagem,
era preciso que o individuo aderisse a essa aquisicao de conhecimentos e os aceitasse. Tal
facto tornar-se-a mais tarde dificil, por exemplo, se atentarmos no Impressionismo,
relativamente ao qual imperava a duvida quanto a sua novidade.
A classe media bem como a pequena burguesia foram os primeiros a imitar o estilo
da "alta sociedade". Esta ideia entra um pouco em conflito com o intento da arte sacra,
visto que esta pretendia ser unicamente esclarecedora das suas ideias e evangelizadora. A
estetica religiosa servia um ensino, uma mensagem que utilizava o dogma para fins
politicos. Alias foi precisamente a importancia dada as imagens que, no seculo XII, afastou
cisterciences e beneditinos 531 .
A religiao foi o principal motor da sociedade na Idade Media e no Renascimento. A
pintura estava ligada a perfeitas gramaticas de representacao, constituindo-se como
530 Algumas cores adquiriram valores comerciais muito elevados, em consequencia dos seus altos custos de
producao, que muitas das vezes era mantido em segredo; e devido as suas optimas caracteristicas de
durabilidade.
531 Sao Bernardo de Claraval (1090-1153), Hugo de Fouilloi (entre 1096 e 1111- ca. 1172) e Alexandre
Neckman (ca. 1150- ca. 1200) (Ordem de Cister) opuseram-se as opulencias das decoracoes das igrejas e
preocupados com o facto de as pessoas admirarem mais o belo, que venerarem o sagrado argumentam, que
estas distraiam a atencao dos fieis, afastavam-nos da concentracao da moralidade e estavam em contradicao
com a indigencia do povo; deveria pois fazer-se uma depuracao desta ostentacao de riqueza, para se
conseguir uma maior pureza perante a fe religiosa.
279
modelos de narracao, que permitiam textualizar um determinado acontecimento. A pintura,
mas de um modo geral a arte, sobretudo a arte sacra, tinha a funcao dos actuais livros, ou
seja, a de explicar, ensinar. Poucos sabiam ler 532 e a igreja estava profundamente
interessada em evangelizar o maior numero de pessoas, pelo que, desta forma, elas podiam
"ler" as mensagens religiosas olhando para as obras, visto que estas eram de facil
compreensao. A representacao espacial, as atitudes corporais das personagens, as relacoes
hierarquica de personagens 533 , a "decoracao" do espaco com elementos simbolicos, as
"medidas exactas" 534 do homem, o respeito pela divina proportione (escrito em 1498 e
publicado em 1509) 535 , entre outras, formam canones que caracterizam a pintura de forma
a ser entendivel pela maior parte das pessoas.
Nao podemos tambem esquecer que, neste periodo, a proliferacao das ideias era
feita com recurso a copia. A ausencia de meios de reproducao levava os escritores e os
artistas a copiarem as obras de outros autores, sem que isso levantasse o problema da
autoria. Este facto, associado a diminuta quantidade de obras em circulacao, promoveu a
arte e considerou-se a melhor forma para divulgar os ideais. As obras encontravam-se
exaustivamente repetidas com pequenas nuances de pessoalidade e isso foi determinante
para que o publico as pudesse compreender.
Podemos encontrar em diversos temas alegoricos as mesmas regras de
representacao. A seguir, indicam-se algumas representacoes do tema religioso
"Anunciacao" (figs. 64, 65, 66, 67). Em lugares distintos, determinadas cenas eram
apresentadas de igual modo, seguindo criterios impostos, quer pela biblia, mitologia ou
simplesmente pela historia.
532 Ler, ate ao fim do seculo XV, era um privilegio de pouquissimos "doutos" e a transmissao da informacao
era o comentario, ou seja a oralidade.
533 Na pintura medieval existiam convencoes de representacao, que legislavam o tamanho das personagens,
em funcao proporcional da sua importancia.
534 O homem, por ter sido criado a imagem e semelhanca de Deus possuia medidas exactas, contrariamente a
mulher que nao tinha "medidas perfeitas" e aos animais, que eram desproporcionados. cf. CENNINI,
Cennino - Traite de la peinture. Paris: Mottez, 1858. p. 56.
535 Apos a "divisao em extremo" e "racio medio" de Euclides (360-295 a.C), Fra Luca Pacioli (1445-1514?),
em 1509 publica a sua "divina proportione", onde estabelece que esta tinha correspondencia com a
Santissima Trindade, ou seja, assim como ha uma mesma substancia em tres pessoas, tambem uma mesma
proporcao se encontrara entre tres termos e de maneira nenhuma entre mais ou menos. Mais tarde, com
Leonardo da Vinci aparece a designacao de "numero aureo" e no seculo XIX o vulgarissimo conceito de
"racio dourado" e "numero de ouro".
280
Fig. 64 | Masolino da Panicale (1383-1433),
Anunciacao, c. 1425/30.
Fig. 65 | Simone Martini (1284-1344), A virgem da
Anunciacao, 1333.
Fig. 66 | Mestre de Flemalle (Robert Campin?),
Anunciacao, c. 1425-28.
Fig. 67 | Fra Filippo Lippi (1406-1469), Anunciacao,
c. 1448-50.
Podemos ver que em todas elas existem varias referencias comuns. Em todas, a
composicao das personagens e feita de modo muito semelhante, isto porque o objectivo
dos seus autores era o facil reconhecimento do assunto em causa. Para possibilitar uma
facil "comunicacao", a "leitura" destas obras e simples e directa, nao se recorrendo sequer
a personificacoes, como em algumas alegorias, das quais a obra "Venus, Cupido, loucura e
tempo", de Agnolo Bronzino (1502-1572) e exemplo (fig. 68). Nesta, o garotinho
sorridente esta em lugar do "prazer"; uma jovem de verde representa a "astucia"; uma
velha arrepelando os cabelos, representa o "chime"; tambem o "tempo" e a "verdade" se
281
fazem representar por um homem e uma mulher respectivamente. Esta alegoria, como de
resto todas de um modo geral, consubstancia um processo obscuro e complicado, que nao
esclarece a sua mensagem.
Fig. 68 | Agnolo Bronzino, Venus, Cupido, loucura
e tempo, c. 1546.
Este tipo de obras, ao contrario das de cariz religioso, nao pretende contar uma
historia, mas despertar a curiosidade e provocar o publico, sobretudo o mais esclarecido e
culto 536 . Talvez por isso possamos dizer, a semelhanca de Frutiger 537 , que a alegoria e uma
"evidencia abstracta", porque representa algo incognitamente. Por outro lado, aliar a
alegoria a abstraccao faz todo o sentido, sobretudo se compreendermos que toda a
objectividade representada nao existe na sua exclusividade de representacao, mas sim
dependente da sua relacao com outra realidade. Por exemplo, um cordeiro nao e um
cordeiro, mas funciona como simbolo do sacrificio de Cristo. Assim, o papel simbolico e
utilizado para dissimular determinados factos, como se de uma elevada forca de expressao
se tratasse.
Voltando as diversas anunciacoes, verifica-se que, em algumas delas, ja ha uma
clara inclusao do espaco na obra, como complemento a compreensao. A arte da Idade
Alias, a obra de Agnolo Bronzino, foi destinada a um grupo de pessoas de elevada classe social. Foi
pintada para o Grao-duque da Toscana (1541-1587) e depois oferecido a Francisco I (1494-1547), rei da
Franca.
537 FRUTIGER, Adrian, op. cit., loc. cit.
282
Media, apesar de assentar essencialmente em representacoes seculares de temas religiosos,
com padroes reconheciveis ao comum dos mortais, nao oferecia uma espacialidade
proxima da realidade, que alias os pintores da Antiguidade nunca tinham resolvido, mas
baseava-se antes numa composicao que seguia tracos geometricos pianos. Essa
espacialidade, somente apareceu no periodo Gotico, com a obra "Anunciacao da morte da
Virgem" (fig. 69), de Duccio di Buoninsegna (1255-1319). Esta obra trouxe algo mais a
pintura, adicionou-lhe a possibilidade do humano enriquecer a sua capacidade de
reconhecimento pela transmissao da informacao espacial. Enquadrando os elementos
constantes na obra existiria entao um outro, que de certo modo organizaria a forma
pictorica do quadro. O espaco arquitectonico comeca a ser valorizado, deixando de existir
a ambiguidade para o espectador de uma caracteristica essencial da obra, que e a sua
organizacao espacial.
As obras deixam de ser confundidas com espacos externos, ou palcos, para serem
expressas em termos de proporcao, em virtude da perspectiva adicionada. As personagens
sao dispostas no espaco com recurso a perspectivas que indiciam profundidade, e deixam
de ser figuras planas para serem representadas sob pontos de vista, que dao a ideia de
diferentes direccoes. Deste modo contribuem, no seu conjunto, para um maior rigor e uma
maior riqueza ilusionistica. Podemos dizer que a construcao perspectivista que agora
surgia, coloca-se do lado do fruidor de modo a ajuda-lo a melhor perceber as obras,
porquanto estas passam a pertencer a uma dimensao mais proxima da sua realidade.
Podemos considera-la uma "convencao cultural" 538 , que explicita melhor a imagem da
realidade e apoia a ideia de "comunicacao".
538 pjTRAYA, Daniel; MEUNIER, Jean-Pierre - Introduction aux theories de la communication: Analyse
semio-pragmatique de la communication mediatique. 2 a ed. Bruxelas: De Boeck, 1993. (Culture &
Communication), p. 152.
283
Fig. 69 | Duccio di Buoninsegna, Anunciaqao da morte
da Virgem, c. 1308-11.
Neste sentido podemos dizer que a pintura gotica veio fortalecer a compreensao
das obras. As regras da reducao pela distancia sao complementadas por esta nova visao do
espaco, que por sua vez arrasta outras modificacoes como, por exemplo, a luz que comeca
a ser vista sob um ponto de vista matematico, estabelecendo-se hierarquias mensuraveis no
espaco, por relacao com o modo como qualquer objecto fisico e visto. A luz e a cor das
obras adquirem novas dimensoes e sao tratadas como qualquer outra realidade susceptivel
de modificacao como, por exemplo, a forma. Tal abordagem a forma tridimensional do
espaco arquitectural e complementada pelas futuras realizacoes tecnicas e cientificas dos
florentinos Filippo Brunelleschi 539 (1377-1446) e Leon Battista Alberti (1404-1472),
influenciando autores como Masaccio [Tomasso de Giovanni di Simone Guidi (1401-
1428)], Miguel Angelo e Leonardo da Vinci.
Outro suplemento ao alargamento do espaco, e tendo tambem como funcao
conferir um maior rigor ilusionista a obra e consequentemente maior poder
"comunicativo", e a veduta que abrindo uma janela (ficticia ou nao) numa das superficies
do "cubo albertiano", ou seja, da composicao do espaco interior, permite uma visao
exterior da natureza pormenorizada e a consequente extensao do espaco. Criando
profundidade, tambem afirma veracidade. O problema do fechamento do espaco e
resolvido pela "janela albertiana", atraves da qual o observador e levado a complementar a
sua compreensao da obra, pela transferencia de outras informacoes exteriores ao piano
convencional, que deste modo permitem aceder ao conhecimento da mesma.
539 A partir da consrugao da cupula da catedral de Santa Maria del Fiori (Florenca, Italia). A este respeito
consultar FRANCASTEL, Pierre, op. cit., pp. 349-353.
284
Mas estes novos conhecimentos vem unicamente reforcar os ideais academistas. O
artista, que e a primeira pessoa directamente responsavel pelo Academismo, faz uma
escolha deliberada de abstinencia da inovacao artistica, limitando-se a copiar e imitar os
genios preocupando-se em oferecer obras que nao suscitassem qualquer tipo de debate. A
epoca academica conhece aquilo que Doguet apelida "circulacao estacionaria dos valores
esteticos" 540 , onde os valores propostos pelos artistas sao os mesmos esperados pelos
fruidores e reciprocamente. As regras academicas de representacao postulam o primado do
desenho, da copia dos modelos antigos. Elas publicam uma arte, exaltando o realismo e a
beleza; elas propoem o formulario, permitindo realiza-las. Ao nivel do estilo, o
Academismo engendra o estereotipo, a copia dos desenhos, o gosto das grandes coisas que
caracterizam a arte pompier^ 41 . Efectivamente, mesmo que a antiguidade tenha sido, sem
sombra de duvida, a base da pintura do seculo XVIII e do seculo XIX, o academismo foi
imitacao, mas simultaneamente uma critica ao simbolismo dos modelos antigos.
Entretanto, a visao do artista pouco importava e este deveria destrui-la. Falta
portanto a forca simbolica, proxima do modelo religioso, onde se deveriam inspirar os
artistas. Por outro lado, o desenho acabado nao foi a unica exigencia tecnica requerida pelo
canone academico, porque o debate provocado pela chegada dos romanticos dava uma
outra autoridade e exigia a implementacao dum outro tipo de desenho. Foi a "luta" entre o
esquisso profetizado pela escola romantica em oposicao contra o "acabado", ao perfeito,
que representava a obra academica. A escolastica academica compromete o ensino, porque
inscreve-se num sistema congelado que nao consegue enunciar as regras da arte. Este
congelamento evoca a "morte" do artista, ou do aprendiz de artista, por causa da
incapacidade do discente compreender a integracao da originalidade na obra. As academias
nao tinham a possibilidade de operar mudancas, que eram constantes, acentuando o
imobilismo cada vez mais flagrante das instituicoes. Surge entao uma forte oposicao, que
vem reforcar a vontade de emancipacao. Com efeito, o artista, na tentativa de procurar uma
originalidade, um espaco no qual a sua arte se pudesse exprimir, luta sozinho, contra um
540 O autor propoe uma outra situacao contraria a esta - "circulagao aberta dos valores esteticos" -, e que diz
respeito por um lado a maior abertura a inovacao que algumas formas artisticas apresentam e por outro, a
uma consequencia desta que e a incoerencia entre o proposto pelo artista e o que os fruidores esperam dele.
Cf. DOGUET, Jean-Paul - L'art comme communication - Pour une re-definition de Part. Paris: Armand
Colin, 2007. p. 177.
541 A palavra "Pompier" (bombeiro) aparece em 1888 e era utilizada pejorativamente, para classificar a arte
academica. Ela referia-se a toda a pintura figurativa da figura humana, que primava pela execucao cuidada e
rigorosa.
285
ambiente que ele considera hostil. Esta dissensao permitiu em primeiro lugar, a aparicao de
correntes verdadeiramente opostas, de que o mais celebre exemplo e o movimento
impressionista.
Podemos situar no seculo XIX o periodo em que se demarcou a insurgencia de
alguma massa artistica e critica, no sentido de contrariar a vontade de continuar a
promover a tradicao, pelo rebuscar do passado. Nao foram apenas os pintores e escultores,
que se revoltaram contra o Academismo imposto: tiveram o forte apoio de alguns
escritores, ajuda que se revelou incontornavel na prossecucao dos seus ideais.
Enquanto uma critica defendia uma arte subordinada a valores morais e didacticos,
alguns escritores apoiavam a figura rebelde do artista que lutava pela originalidade. Com a
filosofia do "Sturm und Drang" 542 do Seculo XVIII, os criterios de referenda ficam mais
actuais, radicalmente diferentes e mesmo opostos. Este movimento pre-romantico
propunha um retorno a natureza, a rejeicao de tudo o que pudesse impor limites e
recusando, em primeiro lugar, regras constrangedoras de representacao, que apenas
tratavam a inspiracao. Por outras palavras, para esta corrente, a regra seria o artista nao
seguir nenhuma regra, com excepcao da sua propria natureza. O artista devia deixar guiar-
se, nao pela razao que lhe dita as regras, ou leis estabelecidas, mas pela sua sensibilidade
pessoal, o seu instinto criador e as suas emocoes (de que se tinha demarcado desde o
Renascimento Pleno), o que trouxe uma lufada de ar fresco e desenvolveu nos artistas
deste periodo uma preocupacao constante com a afectividade do espectador e as suas
emocoes, em suma, com a recepcao da obra. Um outro elemento e introduzido: a
originalidade que provem da personalidade, ou da criacao. Esta deve exprimir
obrigatoriamente uma forma sincera e inedita de inovacao. Esta parcialidade de artistas que
prefiguravam a contradicao academica insurgia-se portanto contra as regras classicas de
representacao, empreendendo a conquista da liberdade no seu sentido pleno. A firme
vontade quase sistematica de rejeitar os antigos criterios toma a forma de uma rebeliao,
uma especie de "crise de juventude".
Os escritores, por sua vez, debatiam-se contra a incompreensao das obras de arte,
fazendo surgir, assim, a primeira finalidade da critica - uma hermeneutica da arte. Por
542 "Sturm und Drang" (tempestade e calor ou tempestade e paixao) e o titulo de uma peca de Friedrich
Klinger (1752-1831) escrita cerca de 1770 e de um movimento literario em oposicao a filosofia das luzes,
pregando uma reaccao as regras classicas de representacao, para ser livre na criacao. Neste sentido, o "Sturm
und Drang" pode ser considerado como um precursor da modernidade que vira.
286
outro lado, o escritor levantou o veu daquilo que estava na iminencia de surgir - a arte
moderna - e foi um meio eficaz para a difusao, tanto dos propositos dos artistas, como das
suas praticas, designadamente dos seus metodos de trabalho e dos seiis objectivos. Era
finalmente o momento de dar inicio a uma nova era, na qual o papel do artista era crucial
para o desenvolvimento harmonioso do humano. Bourdieu, a este proposito, refere:
«Os pintores oferecem aos escritores, (...), o modelo do artista puro que por outro
lado tentam inventar e impor; e a pintura pura, livre da obrigacao de servir alguma
coisa ou, muito simplesmente, de significar, que opoem a tradicao academica,
contribui para materializar a possibilidade de uma arte "pura". A critica artistica, que
ocupa um tao grande lugar na actividade dos escritores, e sem diivida ensejo para
estes de descobrirem a verdade da sua pratica e do seu projecto artistico. O que esta
em jogo, com efeito, nao e apenas uma redefinicao das funcoes da actividade
artistica; nem sequer a revolucao mental que se toma necessaria para se pensarem
todas as experiencias excluidas da ordem academica, "emocao", "impressao", "luz",
"originalidade", "espontaneidade", e para se proceder a revisao dos termos mais
familiares do lexico tradicional da critica de arte, "efeito", "esboco", "retrato",
"paisagem". Trata-se de criar as condicoes de uma crenca nova, capaz de dar um
sentido a arte de viver neste mundo as avessas que e o universo artistico.» 543 .
A critica, sendo essencialmente cultivada pelos escritores, via nos artistas uma
grande divergencia quanto aos seus trabalhos. Os escritores, apesar de todas as suas
libertacoes do Academismo, estavam ainda muito aliados a ideia de "mensagem". Em certa
medida, isso iria dificultar o seu trabalho, visto que os artistas desprezavam qualquer
imposicao academica. Ainda assim, a vontade dos artistas em libertar a pintura de uma
funcao social, destinada a encomendas e relacionada com um didactismo, foi muito
apoiada pelos criticos, nao fossem estes o prolongamento das vontades artisticas. Assim,
Emile Zola (1840-1902) confronta Pierre Proudhon (1809-1865) quando este atribui ao
Realismo de Gustave Courbet (1819-1877) um caracter meramente didactico:
«(...) vous avez l'ecriture, vous avez la parole, vous pouvez dire tout ce que vous
voulez, et vous allez vous adresser a Part des lignes et des couleurs pour enseigner et
instruire. Eh! par pitie, rappelez-vous que nous ne sommes pas tout raison. Si vous
etes pratique, laissez au philosophe le droit de nous donner des lecons, laissez au
peintre le droit de nous donner des emotions. Je ne croit pas que vous deviez exiger
de l'artiste qu'il enseigne, et, en tout cas, je nie formellement Paction d'un tableau
sur les moeurs de la foule.» 544 .
Nao so Zola achava que a arte nada queria dizer, nada queria ensinar, como tambem
os proprios artistas se encostavam a esta ideia. Isto levantou um enorme problema: e que
543 BOURDIEU, Pierre - As regras da arte: genese e estrutura do campo literario. Lisboa: Editorial
Presenga, 1996. (Biblioteca do seculo; 3). p. 162.
544 ZOLA, Emile - Mes Haines. In Emile Zola - CEuvres completes. MITTERAND, Henri, ed. Paris: Cercle
du Livre Precieux, imp. 1968. Tomo X, p. 42.
287
esta vontade de inefabilidade alicercou a comunhao entre artistas de que a "palavra" das
suas obras lhes estaria inteiramente consagrada, sendo que apenas estes estariam na total
condicao de a afirmar. Nao caberia ao fruidor compreende-las, mas sim vive-las. Na
pratica, isto veio a revelar dissensoes entre as criticas de escritores, e os artistas criticados.
Estes ultimos adulteravam e sugeriam melhorias, acrescentando complementarmente
informacoes que escapavam a critica. A critica mostrava-se infuncional e revelou a
plurivocidade da arte. Consequentemente fechou o absolutismo academico e emancipou a
subjectividade 545 , possibilitando ao humano a recriacao da obra sem condicionalismos
complementares e pre-definidos.
4.2.2 As ideias pre-concebidas de beleza
A ideia de belo presente durante toda a historia da arte ate ao seculo XX, mais
concretamente ate Duchamp, explica as razoes do Academismo e as regras de
representacao. O belo e uma ideia geral transportada para um conjunto de canones, regras
prescritivas ou caracteristicas, que permitem reconhecer produtos naturais ou humanos
como belos. Deste modo, a beleza e encarada como o que pode suscitar um sentimento
estetico: ser sensivel a beleza e manifestar uma emocao particular que, se for sensivel,
comportara certamente tambem uma dimensao intelectual e levara a uma atitude reflexiva.
A maxima "os gostos e as cores nao se discutem" nao faria entao sentido num universo
onde a universalidade nao se discute, nao por o belo nao ser um conceito e logicamente
nao se definir, mas porque a arte era essencialmente uma afirmacao pratica e nao teorica,
mormente ligada aos ditames impostos, que deveria coincidir com os atributos do ser e da
divindade, com o valor, com o bom, o bem e o verdadeiro.
A partir do seculo XVIII considera-se que a arte e a criacao de coisas belas. Este
aforismo parece contrariar a afirmacao de uma sensibilidade partilhada, com respeito pela
beleza. Contudo, quando se afirma que uma coisa e bela, estamos a exigir dos outros esse
mesmo sentimento, procurando entao fazer valer universalmente esse ponto de vista. A
' cf. BOURDIEU, Pierre, op. cit., p. 164.
288
teoria kantiana sobre o juizo do gosto esclarece este assunto. Kant estabelece uma
aproximacao entre o que e particular e o universal. Para ele, o particular funde-se no
universal: "Le beau est ce qui est represents sans concept comme objet d'une satisfaction
universelle." 546 . Esta universalidade sera um senso comum estetico, em que o belo nao e
uma qualidade propria da obra de arte, mas esta no julgamento que o fruidor possa fazer
desta. A capacidade de transformacao do particular em universal, segundo Valerio
Rohden 547 , advem da possibilidade que cada um de nos tera de atribuir aos outros a
capacidade que se encontra em nos de comunicar os conhecimentos.
Todos os conceitos que nao sao mais do que a objectividade estao vinculados a
subjectividade que e do dominio das significacoes e da intuicao. O sentimento estetico
aparece, com efeito, como susceptivel de produzir um acordo entre as pessoas. O belo pode
entao ser objecto de uma satisfacao universal. Podemos assim perguntar se essa satisfacao
e a finalidade ultima de todas as obras, ou se ela nao e apenas um fim intermediario. Por
outras palavras, levar-se-ia ao publico uma mensagem, por meio de um somatorio de
condicoes, a que chamamos o belo. Segundo este ultimo ponto de vista, poderiamos
associar a ideia de belo a de comunicacao, muito embora isso possa levantar alguma
incongruencia com este trabalho, na medida em que suporia uma contradicao, ja que na
actualidade artistica a ideia de uma nao-comunicacao ficaria inviabilizada, porquanto o
belo, mesmo tomando novas definicoes, persiste. Ora, a questao central que aqui se assume
e a da distincao entre o belo classico e o belo moderno. Assim, podemos dizer que o belo
classico era fomentador de uma possivel comunicacao, em virtude de lhe estarem
associadas diversas exigencias, ja aqui referidas anteriormente.
A beleza era sustentada, em primeiro lugar, pela perfeicao das coisas, quer dizer,
pela maxima definicao da obra, a qual implica a correcta proporcao e a harmonia entre os
seus elementos. Em segundo lugar, esta integralidade da obra deveria permitir a maxima
clareza, ou seja, deveria facilitar a apreensao das mensagens a transmitir e abrir caminho
para a sua compreensao. A obra de arte estava inserida num processo de visualizacao, que
apenas seria atingivel por meio da sua melhor resolucao. O modo academico deveria
546 KANT, Emmanuel - Critique de la faculte de juger. 3 a ed. Paris: Librairie Philosophique J. Vrin, 1974.
(Bibliotheque des Textes Philosophiques). p. 55, 56.
547 ROHDEN, Valerio - Aparencias esteticas nao enganam - Sobre a relagao entre juizo de gosto e
conhecimento em Kant. In DUARTE, Rodrigo - Belo, sublime e Kant. Belo Horizonte: UFMG
[Universidade Federal de Minas Gerais], 1998. p. 69
289
permitir o "visualmente comum", ou seja, aquilo que esta directamente acessivel ao
comum dos fruidores. Eco, a proposito da interpretacao da estetica do organismo de Sao
Tomas de Aquino, refere:
«Existem homens de diferentes estaturas e proporcoes; no entanto, para alem de um
certo limite e aquem do mesmo ja nao se tem a natureza humana verdadeira, mas
apenas uma anormalidade. Esta forma de perfeicao pode ser reconduzida para o
outro criterio de beleza, a integritas, que deve ser entendida precisamente como a
presenca, num todo organico, de todas as partes que concorrem para defini-lo como
tal. Um corpo humano e disforme se falta um dos seus membros e chamamos feios
aos mutilados porque lhes falta a proporcao das partes em relacao ao todo» 548 .
Esta ideia, perfeitamente aliada a uma concepcao academica, encontra-se em total
oposicao a modernidade artistica, que desrespeita tal preconceito.
Como e evidente, qualquer classicismo revivido ou nao tinha por obrigacao
cumprir um determinado objectivo - atingir a beleza das coisas. Ora esta concepcao e
colocada de lado na modernidade, nao so em virtude dos valores que se opoem ao
conceito de belo (independentemente do feio se tornar belo), mas tambem pelas intencoes
da propria estetica moderna, que visa a producao de obras com a unica finalidade de
proporcionar prazer estetico:
«(...) a accao que produz um efeito nao se efectua sem um fim. (...) Por este motivo
uma obra de arte (a obra da ars, da tecnica em sentido lato) e bela se e funcional, se
a sua forma e adequada ao objectivo (...) Um artista que construisse um serrote de
cristal, apesar do belo efeito obtido, faria substancialmente uma obra feia porque o
objecto nao responderia a sua funcao e nao serviria ad secandum. O corpo humano e
belo porque e estruturado segundo uma conveniente distribuicao das partes» 549 .
Precisamente, a arte anterior ao seculo XX, de um modo geral, pretendia alcancar
um objectivo que ia de encontro a forma como essas obras eram representadas. Portanto,
nao interessava tanto o conteiido, mas mais a relevancia exterior, de modo que o belo era
ditado pela sua forma exterior e nunca pelos seus conteiidos. Ja a arte do seculo XX,
segundo a perspectiva de Eco, podemos dizer que e feia por nao cumprir uma funcao.
548 ECO, Umberto, op. cit., p. 110.
549 idem, ibidem, p. 111.
290
4.2.3 Pos-academia, o principio da subjectividade
O seculo XIX representa uma epoca charneira na historia da arte. Herdeira de
correntes dominantes de periodos anteriores, que passam pelo Romantismo, por um lado, e
pelo Neoclassicismo, por outro, indo ate ao nascimento do Impressionismo.
Ainda muito marcado pela tradicao academica, o seculo XIX e caracterizado pela
persistencia das estruturas que constituem o que chamamos "sistema de belas artes" 550 . Os
artistas sao levados a situarem-se em relacao a este sistema. A maioria aceita as regras de
representacao impostas por este e obtem - geralmente - o aval do publico e da critica.
Outros artistas sem reconhecer totalmente esse sistema, evoluem a sua margem e
encontram dificuldades para fazer valer as suas obras. O artista depressa compreendia que
lhe era impossivel conciliar a originalidade e o respeito pelo ensino que seguira. Por
conseguinte, no momento em que o Academismo comeca a periclitar, a sua pintura ou
escultura deixa de ser uma afirmacao de talento ou de pesquisa, tornando-se uma
demonstracao de pura liberdade interior. A preocupacao artistica deixa de ser centrada no
outro enquanto objectivo, para se fundar na originalidade e liberdade de criacao. Esta
mudanca (que ja vinha sendo preparada desde o Renascimento, quando a rebeliao
espiritual individualista e a laicizacao cultural trouxe o fim da "teoria" da imitacao e a
vinda do artista como autor original) e finalmente concluida quando o interesse particular e
colectivo pretende registar plasticamente a experiencia pessoal. Esta especie de "egoismo"
que nutria o artista desta revolucao, afasta o fruidor duma compreensao, mas comeca a
chama-lo para a participacao activa e nao mais a simples interpretacao dos
condicionalismos plasticos impostos pela academia. Abre-se entao a porta, para a validade
individual de opinioes e a consequente variabilidade de significacoes. Comecava a
florescer a subjectividade.
Ingres (1780-1867) e um exemplo claro da recusa do Academismo. Em "Venus em
Paphos" (fig. 70), Ingres enobrece a sua obra: a nudez antiga coloca-a na prateleira da
pintura de historia, ponto mais alto da hierarquia de generos respeitados pelo estilo
Neoclassico. A principal preocupacao do pintor e perseguir um ideal de beleza: o corpo da
550 O sistema de belas artes apoiava-se simultaneamente em principios (respeito pela hierarquia de generos;
afirmar a primazia do desenho sobre a cor; aprofundar o estudo do mi; privilegiar o trabalho em atelier, em
oposicao ao trabalho em exterior; realizar obras acabadas; imitar os antigos, imitar a natureza) e instituicoes
(escolas de belas artes; os saloes; a critica de arte).
291
Deusa destaca-se do quadro, em primeiro piano, gracas ao seu torn de pele palido e rosado.
Existe uma distanciacao que vai ate as estranhas deformacoes do rosto, mas a referenda
mitologica e todavia discretamente introduzida por dois detalhes claramente visiveis,
mesmo se secundarios relativamente a figura central: a crianca e parte do templo que se
apercebe no canto superior esquerdo da obra. Acompanhar Venus de Cupido, seu filho, e
uma tradicao iconografica imemorial. Quanto ao templo, ele justifica o titulo: da legenda
depreende-se que e em Paphos, vila da ilha de Chipre onde a deusa se refugiara quando a
sua relacao com Marte foi descoberta e ridicularizada por Vulcano, o seu marido.
Fig. 70 | Jean Auguste Dominique Ingres,
Venus em Paphos, 1852-53.
Mas Ingres, se tentou de algum modo imitar a natureza, tambem se afastou de
qualquer atitude ilusionista da mesma. Ele aplica os pressupostos academicos, mas
recusando-os. As suas obras rompem com a harmonia, nao fazendo um erro tecnico (que
nao seria aceitavel), mas afastando o principio da harmonia sistematica. Este procedimento
em Ingres e de uma delicadeza extraordinaria, demonstrativa de uma ruptura canonica.
Esta insinua-se discretamente em alguns elementos da obra, de modo que o espectador
habituado nao sonhava sequer descobrir tais alteracoes. Ingres, na "Grande Odalisca" 551
(fig. 71), experimenta fazer um compromisso entre as regras academicas de representacao
551 Odalisca e uma palavra de origem turca {odalik, "criada de quarto") utilizada para caracterizar uma
escrava de harem.
292
e alguns efeitos marcantes, colocados em relacao com essas regras. A tecnica e
perfeitamente conseguida, nenhum detalhe parecendo escapar a beleza academica. No
entanto, uma particularidade "destroi" a harmonia: a unica personagem, que e uma escrava
ao servico das mulheres do sultao, tendo o dorso virado, olha directamente para o
espectador, com um ligeiro sorriso. Deste modo, o espectador e tornado de surpresa,
mudando radicalmente o seu papel, tornando-se activo, em vez da passividade normal
anteriormente requerida. A accao e considerada como nefasta ao visitante dos Saloes.
Alem disso, o "universo" academico e corrompido, por causa da aproximacao a esta
conivencia. A obra torna-se activa: a relacao historica deixa de ser a sua intencao principal.
Pouco importa tambem a tecnica perfeita do pintor: o olhar do espectador esta concentrado
sobretudo sobre o olhar da mulher. Esta obra nao so levanta problemas relativos a
plasticidade e a tematica da obra mas tambem problemas eminentemente ligados ao
conteudo ou, se quisermos, a possivel mensagem que se pretende fazer passar. Aquela
representacao seria a traducao visivel de algo que o publico nao conseguia resolver. A
novidade de tal atitude levantava a questao do sentido da obra: que significado estaria
conexo aquela abordagem plastica? A impropriedade da forma conduzia a incoerencia do
conteudo.
Fig. 71 | Jean Auguste Dominique Ingres, A grande odalisca, 1814.
"A grande odalisca" e um bom exemplo daquilo que ambicionava ser a arte. Nesta
obra, a irreverencia de Ingres em se desviar da plenitude academica e apresentada ao
espectador como se a representacao fosse uma irrealidade, de que seria necessaria uma
propositada explicacao, porque, embora ela possuisse elementos adjacentes ao
Academismo, nao se explanava a si propria como vinha acontecendo com toda a arte
293
academica. O espectador, incentivado a agir activamente na obra, deveria recriar o mundo
do artista e procurar toda a realidade que encerrava. E a partir deste momento que comeca
a estar mais presente o valor da obra assente na significacao do fruidor o que acentua a
decadencia "comunicacional" das obras de arte.
Tambem a estranha beleza da perfeicao da obra de Ingres e indicadora desta
"rebeldia". Os seus maneirismos eram mais do que simples alongamentos fisicos,
pretendendo nao a estimulacao do uso das formas, mas sim levar-nos a aceitar a forma
como real, como classicamente perfeita. Sao disso exemplos a falta de harmonia corporal
da "Venus em Paphos", como tambem o alongamento vertebral da "Grande Odalisca".
A estetica do seculo XIX e criticada por todos os estilos nao oficiais e as regras da
estetica foram libertadas da sua pretensao ao sublime. O sublime e o belo decairam perante
diferentes esteticas que possuiam o seu estilo particular, mas unanimes quanto a
originalidade de que o estilo academico era incapaz de "evoluir".
A modernidade 552 , gracas ao periodo impressionista, consegue "abater" as ultimas
barreiras do Academismo, atraves do principio do acesso directo a obra e a impressao. A
inteligencia e favorecida pela imaginacao dos artistas, que oferecem as suas tecnicas ao
servico de uma visao diferente do mundo. A adesao popular da uma estocada final a
afronta academica, demonstrativa e pomposa, mas sobretudo cada vez mais afastada do
publico.
Entretanto o Academismo aparecia sob novos tracos, de um modo pouco fiel as
suas origens. Aparecia mais indirectamente, quer dizer, moderno e individualista. A arte
tornou-se cultural e o Academismo fez a sua reaparicao sob a forma das avant-garde, que
provocaram uma nova investida, nao da perfeicao, como foi o caso no seu passado, mas da
originalidade. A todos os niveis, os valores modernos da sociedade transformaram-se,
numa realidade dificilmente controlavel, segundo o principio do individualismo. A
novidade e a ausencia aparente de regras de representacao foram as bases da estetica
moderna.
Fazendo o ponto da situacao, a historia do Academismo passa desde logo pelo
periodo italiano, que o marcou profundamente. O Quattrocento foi uma epoca artistica
gracas ao Renascimento. A arte, e sobretudo a pintura, pode obter uma forma de
552 O mundo moderno comecou principalmente por dois impulsos, sao eles, a Revolucao Industrial e a
"revolucao" politica causadora do nascimento da democracia na America e em Franca. Estes dois factores
tambem influenciaram o Impressionismo como uma arte de renovacao.
294
independencia criativa em relacao ao poder. A arte era apenas oficial, situacao contraria ao
humanismo nascente e confirmado ao longo dos seculos XV, XVI e XVII. A pintura
necessitava de uma estrutura mais adaptada, mais "moderna". O poder e a religiao ditavam
as regras da arte, baseadas num espirito decorativo e mistico. O pintor deveria "humilhar-
se" frente as suas obrigacoes sociologicas impostas.
O progresso (na tecnica, na cor, na tematica, etc.) e a centralizacao parisiense
marcam o inicio do declinio das academias, tal como foram pensadas no seculo XIV. O
ensino dos mestres comecava a cair em obsolescencia. Em Franca, a Revolucao Francesa
nao permitiu a emergencia de novas tendencias, novas estruturas, novas academias. As
novas formas "academicas" tomaram o passo sobre a academia, fazendo desta ultima um
trampolim para uma gloria pessoal. A criacao ja nao pressupunha o genio como unico
modo de expressao, e a passagem obrigatoria pela academia justificava-se cada vez menos.
A comunidade de criadores que fez a academia tinha desaparecido, dando lugar a
uma agitada coabitacao entre os individuos inteiramente devotados a sua justa causa. Os
alunos ficam refens, a fim de dar mais peso a importancia desta ou daquela posicao. A
academia, politizada, ja nao tinha as qualidades requeridas para acompanhar a criacao
artistica e o pintor ou aprendiz a pintor foi obrigado ao individualismo, muito proprio do
artista romantico, que previa um regresso a natureza e nutria uma enorme paixao por tudo
quanto pudesse fomentar a inspiracao, fosse ela o amor, o medo, o periodo helenistico,
romano, a Idade Media, a liberdade, a vitoria, etc. Por esta razao e nos dificil atribuir uma
unica definicao ao Romantismo, visto que ele abarca uma sequencia de momentos e de
generos. Uma coisa tornou-se certa: houve um desprezo absoluto pelas disciplinas
intelectuais, valorizando-se antes a imaginacao e a expressao individual, contrariando-se o
conceito de expressao tido ate ai, associado a uma perfeita consonancia com a natureza. A
arte deveria ser nobre e impressionante, mas esta ideia comeca a encontrar adversarios e a
arte deixa a "colectividade" para se centrar na expressao individual, ou seja, na "emocao
pela emocao" 553 . Esta caracteristica contribuiu no fruidor para a valorizacao da
subjectividade.
O ideal imaginario do Romantismo, em certa medida levado a pratica por artistas de
"sentimento", que pretendiam de algum modo uma fuga a realidade, foi contestado por um
novo movimento que emergia - o Realismo. Se as tradicoes academicas foram alvo de
1 JANSON, Horst - Historia da arte. 6 a ed. Lisboa: FCG [Funda^ao Calouste Gulbenkian], 1998. p. 575.
295
grandes batalhas para serem ultrapassadas, tambem o Realismo teve de lutar para se
afirmar como uma atitude programatica. Apesar de pretender substituir as regras instituidas
anteriormente, o Realismo adicionou-lhe outras. Com o seu aparecimento surgiram
algumas questoes: o que e que o artista deve visualizar, o mundo ideal ou o mundo real?
Ou, de outro modo, o mundo tal como o sonhamos, ou o mundo tal como ele e? E ao
fruidor o que competira perceber, a imagem enquanto representacao de uma situacao
vulgar, ou a analise do seu conteudo?
A arte sempre teve a preocupacao de coincidir com o real, mas, antes da
autonomizacao da estetica, o belo era o verdadeiro, havendo pois a coincidencia dos
valores verdade e beleza. O Realismo vem contrariar esta ideia, porque ja nao interessavam
os temas historicos e religiosos e todas as suas regras de representacao, mas sim a
"realidade natural", uma especie de Naturalismo, com a objectivacao do real, quer dizer, de
tudo o que rodeava o artista. A realidade social foi o mote para esta nova atitude, em que se
aceitavam todas as condicoes sordidas da vida real. O Realismo conta historias da
realidade social em ensaios pictoricos. E uma especie de registo factual de cenas sociais,
cabendo a fotografia o mesmo papel.
As regras da producao mantinham-se, mas agora com outro intento: efectivar
plasticamente a experiencia directa do artista. O melhor representante e o primeiro
iniciador deste movimento, Gustave Courbet, mostrou como esta expressao se devia
apresentar perante um publico ainda muito fechado a mudanca. A sua obra "Os britadores
de pedra" (fig. 72) e uma clara demonstracao desta mudanca que Courbet ambicionava.
Uma obra nunca fora assente numa tematica tao "vazia" como esta. Uma representacao
"vulgar", de um acontecimento do quotidiano era algo impensavel. Mais do que isso, as
feicoes das personagens nao estao visiveis, o que era tido como uma falta de destreza
artistica.
296
Fig. 72 | Gustave Courbet, Os britadores depedra, 1849.
Estas caracteristicas como tantas outras estavam associadas a um simbolismo
implicito. Ora, e por esta razao que se refere que os realistas deixaram umas regras para
empregarem outras. Afinal, a historia da arte sempre viveu deste continuado ciclo de
renovacoes, tentando constantemente impor umas razoes em detrimento de outras. Mas nao
se trata aqui de avaliar se o Realismo foi ou nao a continuidade de um determinado
conceito artistico, mas sim considera-lo como um movimento ao qual estaria presente a
ideia de transmissao de uma mensagem, ainda que sob forma simbolica. Este simbolismo e
notorio na obra "O atelier do pintor" (1855), onde Courbet inaugura este peculiar modo
simbolico, fazendo concordar a objectividade pictorica com mensagens simbolicas. Este
simbolismo, mesmo antes de o ser, e uma representacao, agora sim, de algo que todos
conhecem, porque se trata de realidades proximas da vida dos espectadores. A observacao
destas obras confere um determinado grau de compreensao, em virtude da sua
imediatidade representativa. Mas, quando essa representacao toma o lugar de outra
realidade, sob a forma de simbolos, a obra cria uma distancia relativamente ao espectador.
Ao fruidor, ela suscita a performance mental e uma reconstrucao da situacao representada.
Por exemplo, a obra "Interior do meu atelier, uma alegoria real, resumo de sete anos da
minha vida de artista" atras designada "O atelier do pintor", ainda nao foi totalmente
descodificada, o que explica o quao hermeticas sao algumas obras realistas. A obra adquire
o estatuto de um ecra como dispositivo semiologico.
O "Salao dos Recusados" (Maio de 1863) marca o fim da academia, de todas as
academias, qualquer que seja o estilo considerado. Pouco a pouco, a avant-garde torna-se a
referenda da criatividade e esta e valida para todas as artes. Em favor da originalidade, a
avant-garde descrevia uma sociedade, uma vida com um maior realismo. O abandono do
"sublime" e do "genial" coincidia com a modernidade e a industrializacao. O mesmo
297
publico, que algum tempo antes se agarrava aos canones academicos, acaba por abandona-
los em poucos anos e os Saloes caem em desuso, visto que estes ja nao conseguiam
renovar-se para fazer frente aos avancos impressionistas. O publico, democratizando-se,
necessitava de um outro discurso, que comecava a emergir, por parte do outro publico (os
criticos, os historiadores, etc.),
A aparicao do Impressionismo muda a definicao de artista e do genio. So com o
Impressionismo o Academismo e realmente destronado, e e neste momento que temos
claramente duas opinioes esteticas completamente opostas, o que inevitavelmente exacerba
ainda mais os artistas. E apenas neste periodo, pela mao do critico Louis Leroy 554 (1812-
1885), que, pejorativamente, os impressionistas foram comparados aos arabescos de
"Impressoes do Sol Nascente" 555 (1872), obra exposta no estudio do fotografo Nadar 556
(1820-1910), e e a partir deste momento que o publico, por comparacao, visualiza os dois
lados possiveis da arte. Colocando em confronto estas duas atitudes, torna-se notoria a
grande diferenca que as separa. A luta pela continuacao da arte e por uma nova expressao
artistica substituiu a nostalgia esclerosada da realidade ilusoria. A exaltacao da luz a que o
Impressionismo deu primazia converteu-se, deliberadamente ou nao, num primeiro indicio
de destruicao dos ideais realistas.
O publico, ainda muito condicionado pelo ideal de beleza das academias, tern nas
obras impressionistas um sistema de referenda, mas a primeira coisa que surge entre estas
duas formas de expressao e precisamente a dificuldade em se poder estabelecer uma
comparacao. Em parte, esta confrontacao das obras tera ocasionado a primeira divergencia
entre estas duas atitudes. So por comparacao se pode "medir" e os mais cepticos utilizaram
este argumento, para fazerem valer as suas ideias conservadoras. Mas os mais cepticos,
rapidamente tambem se aperceberam de que a historia da arte nunca estabeleceu um
sistema de comparacao para julgar e encontrar o verdadeiro genio ente os maiores mestres
do Renascimento e Manet. Mas, tornada a arte visual e nao mais simbolica, a pintura, com
554 Louis Leroy era jornalista, pintor de genero, gravador e autor dramatico. A sua actividade como critico de
arte foi desenvolvida no jornal "Gaulois", mas foi no jornal satirico "Charivari" (1832-1937), que Leroy em
1874 se consagrou, como sendo o criador do termo "impressionistas".
555 A critica a obra de Claude Monet (1840-1926), "Impressoes do sol nascente" e a prova do cepticismo que
vigorava para este tipo de obras. «Que represente cette toile? Voyez au livret. Impression, soleit levant. -
Impression, j'en etais sur. Je me disais aussi, puisque je suis impressione, il doit y avoir de Pimpressione, il
doit y avoir de l'impression la-dedans... et quelle liberte, quelle aisance dans la facture! Le papier peint a
l'etat embryonnaire est encore plus fait que cette marine-la. » in LEROY, Louis, Jornal Charivari. (25 Abr.
1874). Cit.por IMDAHL, Max - Couleur: les ecrits des peintres francais de Poussin a Delaunay. Paris:
Maison des sciences de Phomme, 1996. p. 196.
556 Pseudonimo de Gaspard-Felix Tournachon.
298
a "revolucao" impressionista, revisita uma por uma todas as regras academicas de
representacao, para comprovar e fundamentar a sua validade, em detrimento de uma arte
gasta. De facto, as obras impressionistas nao deixam de ser figurativas e ate certo ponto
"realistas", visto que morfologicamente mantem-se estruturalmente apegadas a ideais de
harmonia e composicao. Ha no entanto, com a nova geracao de pintores, tambem o
aparecimento de uma renovacao plastica, com a introducao de novas tecnicas e conceitos,
surgindo novos preceitos normativos. Sem mudarem, digamos, a morfologia da obra, os
impressionistas abrem espaco para a criacao de uma crise expressiva, e se o Renascimento
foi ampliacao, o Impressionismo foi ruptura. O artista tinha-se finalmente liberto, tal como
Manet dizia: «Je peins ce que je vois, et non ce qu'il plait aux autres de voir» 557 .
O Impressionismo mudou radicalmente a percepcao das obras ao longo do seculo
XIX. Frente a tecnicidade pomposa do Academismo, os impressionistas iam directamente
ao essencial, ao mais simples, descurando a visao documental, sem qualquer tique
mecanicista de mimetismo da realidade. Porem, se eles se afastaram dos ideais do
Academismo e se dotaram as suas obras de uma grande pessoalidade e de uma dimensao
imponderavel - o seu misterio inerente -, tambem nao e menos verdade que aumentaram a
distancia que separa a obra do fruidor. A subjectividade cromatica, a fluidez das formas
por vezes levada ao extremo dificultavam a compreensao da obra. A "Festa do 30 de Junho
de 1878 na rue Saint-Denis" (fig. 73), de Claude Monet (1840-1926), e uma obra
demonstrativa desta exaltacao, ainda notavelmente mais acentuada na obra "O Aven no
Bois d'Amour" (fig. 74), do pos-impressionista Paul Serusier (1864-1927).
Edouard Manet, citado em http://www.impressionniste.net/ [Consult. 17 Jan. 2006]
299
Fig. 73 | Claude Monet, Festa do 30 de Junho
de 1878 na rue Saint-Denis, 1878.
Fig. 74 | Paul Serusier, O Aven no Bois d' Amour
(O talismd), 1888.
Os impressionistas, quando abandonam o atelier, desconstroem o "cubo albertiano"
e libertam-se das ideias pre-concebidas do motivo, optando pela construcao rapida e
descobrem as possibilidades que a luz oferece a natureza, nos vaiios momentos. Assim, as
variacoes de cores eram fundidas por justaposicao numa so cor e tudo o que era pintado
dava uma sensacao de facilidade genial, as composicoes eram cortadas ou dispersas e as
sombras ou adquiriam tonalidades invulgares, ou tornando-se ausentes, prevaleciam como
forma de uma valorizacao luminica, tecnica a que Jan Vermeer (1632-1675) ja se tinha
dedicado.
Mas a grande diversidade de estilos produzidos por um grande numero de genios
pictoricos acabou por convencer uma parte dos cepticos relativamente aos progressos
feitos, tanto que muitos foram aqueles que experimentaram a aparente "facilidade" da
paisagem e da natureza morta dos impressionistas. Isto foi o resultado da inovacao
perfeitamente dominada e nao da luta que poderia ter havido entre as academias e os
outros. O desenvolvimento deste sucesso, aumentado por uma inovacao sempre renovada
ate Marcel Duchamp e Wassily Kandinsky (1866-1944), nao permitia a sobrevivencia do
estilo academico.
300
O Impressionismo fez surgir o culto do novo, que conduziu forcosamente a
oposicao entre avant-garde e estilo academico. O publico nao considerava mais os mestres
oficiais como academicos, porque as artes que lhe apresentavam, ja nao eram acessiveis.
Podemos dizer que o Impressionismo conduziu a uma forma de subjectividade
revolucionaria, que e considerada como fazendo inevitavelmente parte do processo
artistico, como um ideal totalitario e um dado absoluto. O fruidor, agarrado a esta
subjectividade, nao mais ve as obras segundo o legivel, mas sim pelo visivel, o meramente
observavel. Comecava portanto a nascer uma nova era, que viria a determinar a arte tal
como hoje a conhecemos, em que a obra de arte se afirma ela mesma como tal, deixando
de ter uma funcao utilitaria. Na medida em que se entra no campo da intersubjectividade,
comeca a delinear-se uma dificuldade de definicao oficial ou juridica de obra de arte.
No seculo XX, o papel das academias e praticamente nulo e isto podera explicar-se
por duas causas; em primeiro lugar, graves dissensoes entre os diferentes artistas, que viam
no reconhecimento academico a concessao de um poder teorico e pratico. A outra causa
provem da grande profusao de estilos e, por consequencia, do numero de confrontos que as
academias teriam de suportar. As regras academicas de representacao sentiram-se
incapazes de acompanhar o desenrolar das vicissitudes artisticas. Os museus herdaram a
politica do estado que investiu fortemente na compra e na constituicao de coleccoes.
Ademais, o museu representa a melhor montra do "bom gosto". E os directores dos museus
viram o seu papel aproximar-se da critica de avant-garde, porque a funcao do museu nao e
somente educar, mas tambem evitar que seja oferecida a populacao uma politica cultural
academica repetitiva.
O seculo XX acabou por conceder a arte academica o mais pequeno papel do
panorama artistico. Estava aberto o caminho para a modernidade do seculo XX.
301
4.3 seculo XX e a viragem do milenio causadores de uma nova arte
Se a arte existiu com o "Homem de Lascaux", isso significa que ela ja era uma
forma de expressao indispensavel ao humano. Segundo Rene Huyghe 558 , a necessidade de
uma explicacao para o facto da arte ser tao essencial ao desenvolvimento harmonioso do
humano, criou um lugar na psicologia: a disciplina de Psicologia da Arte. Esta veio
complementar a historia da arte e a estetica, trazendo explicates para questoes ate entao
pouco estudadas.
Entao havera lugar a uma forma experimental de abordar a arte? O essencial e
entao, nao a peca de arquivo, mas sim a obra, ela mesma oferecida a nossa leitura e
deixando decriptar o que o homem quis colocar consciente ou inconscientemente dele
mesmo e do grupo humano ao qual ele pertence. Enfim, a obra coloca em jogo nao
somente a psicologia do artista, mas tambem a do espectador.
E neste espirito que se procura uma aproximacao as artes plasticas contemporaneas,
evidenciando-se alguns movimentos do seculo XX ate a actualidade e referenciando-se
algumas obras para, atraves da compreensao da "linguagem" plastica, permitir uma analise
em termos de expressao, comunicacao e um entendimento da contemporaneidade artistica
e sua repercussao em termos comunicacionais. Porque nao se pretende uma colectanea em
formato de resumo, nao serao abordadas todas as atitudes artisticas de forma individual; no
entanto, podem-se tecer algumas consideracoes de forma generalista, sobretudo sobre o
modo como ideologicamente nasceram, se desenvolveram e como se apresentam na
actualidade. Nao interessa pois rigor cronologico, pelo que nao houve a preocupacao de
classificar cronologicamente essas tendencias artisticas.
Tambem nao se pretende que este topico seja um estudo exaustivo da historia de
arte. Interessa antes compreender que o seculo XX transformou o conceito de arte e de
obra de arte e que esta mutacao se reflecte em termos "comunicacionais", propiciando o
desenvolvimento de novas linguagens, condicionadoras da transmissao de mensagens.
Como Skapinakis nos indica:
«Essa alteracao consistiu, precisamente, na eliminacao de caracteristicas
eminentemente visuais e descritivas que, atraves do tempo, fizeram da pintura a mais
acessivel das artes. Alterando uma concepcao tradicional de pintar como um acto de
558 cf. HUYGHE, Rene - O poder da imagem. Lisboa: Edigoes 70, D.L. 1998. (Arte & Comunicagao; 29).
p. 18.
302
descrever e nao de inventar, suprimindo progressivamente o assunto, a pintura
moderna restringiu a comunicabilidade do quadro na medida em que lhe retirou o
suporte do imediato entendimento. A linguagem pictorica resultou, assim,
particularmente inacessivel» 559 .
Servira a primeira parte deste ponto como um elo de ligacao para a fundamentacao
da segunda, "Actualidade artistica - Uma proposta de decadencia" 560 , na medida em que se
averiguara as transformacoes e as suas consequencias ao nivel da percepcao, apreciacao e
compreensao artistica, exaltando os dogmas modernistas que «(...) insistem em que a
qualidade estetica de um quadro, a sua beleza, nao dependem do seu poder descritivo
(factor de acessibilidade e comunicabilidade). Mas interessara lembrar que o poder
descritivo de uma obra de pintura nao lesa, por definicao, a sua qualidade estetica, nao
lesa, necessariamente, a sua beleza» 561 .
4.3.1 Ausencia de canones - Arte sem leis universais
Cada epoca traz a sua contribuicao diferenciada a historia da arte. Vemos assim
sucederem-se periodos que conduzem ao Romantismo, ao Realismo, ao Simbolismo, etc.,
por vezes com revivalismos passageiros a antigas referencias, como o rigor classico. A arte
vive de contrastes, de oposicoes, mas tambem de afirmacoes e de certezas temporarias.
Logo que uma forma de expressao esgotou todos os recursos possiveis numa dada
direccao, para seguir em frente, nao lhe resta outra alternativa que orientar-se num novo
caminho.
A historia da arte revela que do seculo XV ao seculo XIX era solicitado a obra de
arte que representasse qualquer coisa, ou nas artes nao figurativas (como a musica, e.g.),
que ela fosse a traducao de um sentimento, de uma paixao. Hoje, a obra de arte ultrapassa o
simples estadio da imitacao e vira-se para outras relacoes e novas formas de estruturacao,
559 Conferencia no ambito do I Salao de Arte Moderna, SNBA, em Outubro de 1958. cf. SKAPINAKIS,
Nikias - Inactualidade da arte moderna. Seara Nova. Lisboa: Seara Nova. (1958). pp. 16, 17.
560 cf. infra, sec. 4.3.2, pp. 344-363.
561 Conferencia no ambito do I Salao de Arte Moderna, SNBA, em Outubro de 1958. cf. idem, ibidem, pp. 17,
18.
303
que nao sao obrigatoriamente informacionais de uma realidade, mas mais esteticas de uma
sensibilidade: «Se a representacao significava significar, o primado estetico da
modernidade impos a insignificdncia dos significados» 562 . Por exemplo, «Um retrato
assinado por Rembrandt tinha por objectivo informar alguem sobre as formas do rosto de
determinada pessoa nunca vista antes pelo receptor, embora hoje o mesmo quadro
transmita, antes, a imagem de uma concepcao estetica» 563 . A arte assume-se entao, como
uma fractura e negacao empolada das tradicoes classico-renascentistas; nao porque seja
deliberadamente concebida desse modo, mas porque efectivamente corresponde a essa
realidade de mudanca.
Desde o principio do seculo XIX que algumas rupturas comecam a aparecer no seio
da estetica traditional, susceptiveis de exercer uma forca no sentido de uma viragem na
historia da arte. Nao se trata de um restabelecimento da problematica da representacao,
mas sobretudo de dar uma melhor impressao do real e de contestar eventualmente a
hierarquia de generos. Mas os artistas do seculo XIX pouco modificaram os metodos de
representacao do mundo sensivel. Esta grande modificacao na arte apenas se verifica no
seculo XX com a arte moderna, que destroi todas as convencoes.
A invencao da fotografia, que comeca a ser tomada como uma arte maior pela arte
contemporanea, provoca uma verdadeira crise de confianca em alguns criadores. A
descoberta deste comodo meio de reproducao encontra-se talvez na reflexao de Paul
Cezanne (1839-1906) e tera contribuido para o reforco da singularidade da visao pictorica.
Com efeito, ao contrario da fotografia a preto e branco da epoca, o mestre de Aix 564
considera que a cor, pelas suas variacoes de intensidade, permite recriar um espaco em
perspectiva e experienciar melhor as coisas. Ele pensa em termos de mancha e de
contrastes cromaticos, por isso ultrapassa a estetica romantica, mas, como esta, tambem
fica preocupado com a organizacao do quadro.
A morte de Cezanne, em 1906, esta concepcao da arte vai desenvolver-se
consideravelmente e dara lugar, por um lado, a um interesse pela estrutura dos elementos
da natureza, ultrapassando por vezes o objectivo initial da representacao (veja-se a analise
cubista); por outro lado, ao destaque dado a cor (vejam-se o Fauvismo frances e o
562 CONDE, Idalina - O sentido do desentendimento - Nas bienais de Cerveira: arte, artistas e publico.
Sociologia - Problemas e praticas. Lisboa: Publicacoes Europa- America. n° 2, (Mai. 1987). p. 48.
563 COELHO NETTO, J. Teixeira - Semiotica, informa^ao, comunica^ao: diagrama da teoria do
signo. Sao Paulo: Perspectiva, 1989. (Debates; 168). p. 166.
564 Aix-en-Provence, Franca
304
Expressionismo do Norte da Europa). Uma primeira revolucao e trazida entao pelos
fauvistas e cubistas: as cores e as formas nao fazem mais referenda a natureza objectiva e
a perspectiva, bem como a ilusao do volume, ja nao tern importancia.
"Les demoiselles d'Avignon" (fig. 75), de Pablo Picasso inspiradas na sua
composicao pelas "Baigneuses" de Cezanne 565 , chocam os primeiros espectadores pela
desproporcao dos corpos e pela singularidade nao habitual da fealdade das caras. O
Cubismo que se seguira atinge uma decomposicao cada vez mais avancada: os pontos de
vista acabam por se multiplicar no interior de uma mesma tela e a desarticulacao extrema
do conteudo e uma caracteristica do Cubismo Analitico.
Fig. 75 Pablo Picasso, Les demoiselles
d'Avignon, 1907.
O seculo XX e um seculo de avant-garde, sendo a originalidade sinonimo de
talento. Durante o periodo das academias, era a tecnica que tinha o favor do publico.
Agora, a ausencia de regras e a regra, portanto o artista deve encontrar o seu espaco, o seu
discurso, de modo a ser reconhecido como tal. O artista e aquele que cria e nao aquele que
imita. Agora, ja nao ha mais nada para imitar, porque as regras de representacao
desapareceram, o que leva a arte a um extremo de "desconstrucao". Esta desconstrucao
vem em certa medida reduzir um determinado universo artistico (o das regras) por meio da
565 Apesar da obra de Cezanne ter intluenciado a composicao das "Demoiselles d'Avignon", esta surgiu de
uma interpretacao (em espelho) da metade esquerda de uma gravura de Marcantonio Raimondi (c. 1480- c.
1534) referente a obra "Julgamento de Paris" de Rafael.
305
introducao de novos conceitos simplificados, promovendo deste modo a ampliacao do
conceito arte.
A transicao para uma modernidade implicaria necessariamente uma nova
perspectivacao nao so do artista mas tambem da propria sociedade com um certo grau de
confianca e de esperanca. Porque a arte nao vive para si, mas encontra-se interdependente
dos seus publicos, seria descuido nao os considerar, como uma peca fundamental na
proliferacao de novas vertentes artisticas. Se a arte "evoluiu", foi porque existiram
condicoes sociais favoraveis a tal renovacao. O artista teve sempre em consideracao os
varios momentos historicos, aprendendo com eles. So deste modo ele saberia o que mudar
e que repercussoes essas mudancas teriam no seio das distintas sociedades. No seculo XX,
a arte implica sempre uma critica do passado e uma projeccao do futuro. Se a arte anterior
ao seculo XX e rica em canones, rica por isso na sua compreensao, ja o mesmo nao se
podera dizer da avalanche de formas expressivas que caracterizaram o seculo XX.
Houve uma passagem - sobretudo desde o nascimento da estetica - de um estadio
em que a obra de arte era encarada como obrigatoriedade de representacao [fruto de uma
necessidade institucional (regia ou religiosa), ou ainda da "instituicao" privada, que era a
burguesia abastada]; para outro que cultiva o belo apoiado bem mais na individualidade,
seja na afectividade propria do humano, seja nas suas vivencias adquiridas.
O artista do seculo XX vive um processo de liberdade de expressao e de
pensamento, mas entenda-se que esta mesma liberdade nao e uma autonomia no sentido de
independencia tecnica, porque ele esta estreitamente ligado a modernidade cientifica e
tecnologica. Por outro lado, o universo tecnologico permite ao artista uma ampla e variada
seleccao das tecnologias que melhor se adequam, contribuindo, desta forma, para uma
melhor expressao plastica e tecnologica.
O afastamento da questao figurativa permite uma "evolucao" gracas as
transformacoes formais: Piet Mondrian limitava-se as cores primarias com composicao em
trama; Kasimir Malevich, de um modo muito sensivel, utilizou as formas simples que
questionavam a existencia do quadro e da pintura; no dominio da escultura, Constantin
Brancusi (1876-1957) polia as formas para chegar a sua aprimorada expressao; o
Minimalismo segue uma consciencia estetica, fazendo desaparecer da obra todo o vestigio
do criador fisico ou moral.
306
Se a actualidade se pauta por propositos claramente mais abstractos, em
detrimentos, de outras tendencias mais figurativas, e se esta abstraccao e notoriamente uma
enorme ausencia da plasticidade tradicional, optando antes por processos tecnologicos
mais mediaticos e praticamente inacessiveis ao comum dos artistas, significa isto que se
podera estar bem perto do "fim da linha".
«A pintura moderna esta, historicamente, demasiado colada a abstraccao como
oposicao a figuracao. Os abstraccionistas geometricos (Kandinsky, Mondrian e
Malevich) criaram um universo de uma abstraccao demasiado intelectual e racional,
devido ao rigor do seu metodo: a accao do ponto, da linha e do piano rigidamente
controlados impedem qualquer imagem figurativa, em Kandinsky; o neoplasticismo
de Mondrian que origina o signo na tentativa de criar uma etica para a pintura e de
impedir a racionalidade da cor; e o celebre Quadrado Branco sobre Fundo Branco
de Malevich, alertando para o perigo da esterilidade da abstraccao geometrica poder
levar a pintura para o seu proprio fim.» 566 .
Esta "negacao", que nao tera levado ao fim da arte, mas com certeza a um estado de
enorme pureza caracterizado pelo "nao" da materia, valorizando o implicito para recordar
o explicito, vem contrariar o designio original da arte.
Encontramo-nos hoje perante uma metafora artistica, contribuindo para tal a
liberdade de expressao imposta pelo artista por vezes de forma redutora, mas sempre
existencial e correlativa. O artista, criador de formas, pretende incluir na obra atitudes que
de certo modo valorizem ou revalorizem o seu status, enquanto humano criador, ou talvez
antes recriador, da realidade que o envolve e que o suscita. A sua primordial tarefa e
transpor a historia e saltar do ontem para o amanha, afastando-se do que e tido como
natural ou habitual. E o procurar de novos mundos, novas vivencias, novos ritmos, e o
enriquecer, ampliando, todos os conceitos impostos, quer por uma revalorizacao e
reformulacao dos ja existentes, quer pela formulacao de outros novos, atraves de um
somatorio de situacoes criadas pelo artista, que sao induzidos pela nova relacao do artista
com a sociedade e com tudo o que lhe esta inerente, sendo pois a considerar a ciencia a
tecnica e a sua valoracao por parte desta dupla artista-sociedade.
A concepcao da historia da arte esta inevitavelmente relacionada com a
problematica do "fazer artistico". E de notar que, passando de uma pintura dita tradicional
para outras abordagens pictoricas, nomeadamente com o favor das novas tecnologias e a
utilizacao de novos mixed media, tambem se passa de uma feitura mais "artesanal" para
566 VIVEIROS, Paulo - A imagem a superficie ou a modernidade da pintura [Em linha], [S.l.]: Recensio,
1998. [Consult. 22 Jul. 2006]. Disponivel em WWW:<URL:http://bocc.ubi.pt/pag/viveiros-paulo-Cezanne-
moderna.html>.
307
uma concepcao bem mais experimental, que marca as novas tendencias da actualidade. E
por forca da experiencia, diriamos antes experienciacao, que a arte moderna se desenvolve,
e este buscar e rebuscar de novas caracteristicas, ira enriquecer definitivamente a historia
da arte. Este empirismo tambem evidencia a ausencia de regras de representacao na arte
moderna.
As pinturas do passado colocam por vezes problemas de conservacao,
principalmente com a aparicao de craqueles sobre a camada pictorica, ou de verniz, que
fica amarelado e baco. Pelo contrario, nas obras modernas ou contemporaneas, nas quais a
liberdade de expressao prima sobre a regra tecnica, ha um rejeitar dos pressupostos
tecnicos, negligenciando-se entao a preservacao e a perenidade da obra. Por um lado, os
artistas estao despreocupados com a forma como as suas obras sao realizadas, e sobretudo,
nao se prendem a questoes de longevidade; por outro, condicoes cientificas impoem tal
devir. Por exemplo, as tintas acrilicas, surgidas nos Estados Unidos da America nos anos
vinte, foram um produto criado para fins industrials, mas pelos finais dos anos cinquenta
comecaram a ser utilizadas na pintura. Era uma invencao cuja aplicacao prematura as artes
nao estava estudada. As tintas sinteticas apresentavam uma certa instabilidade quimica,
que veio a revelar-se em grandes alteracoes nas pinturas de artistas 567 que as utilizavam,
tais como David Hockney 568 .
Todas as manifestacoes artisticas pretendem uma renovacao, mas esta so podera
existir se for tornado em consideracao todo o passado historico, pelo que tambem este tern
forte influencia no avancar e no ressurgir de novas ideias e novas concepcoes. Existe,
como Clement Greenberg refere, uma continuidade artistica em que «Without the past of
art, and without the need and compulsion to maintain past standards of excellence, such a
thing as Modernist art would be impossible. » 569 . Pode-se entao dizer, que a obra do
567 Esta deterioracao tambem e evidente em obras anteriores ao seculo XX, mas para estas, sempre existiu
uma dedicacao tecnica. A falta de conhecimento levou iniimeras obras do passado a chegarem ate nos com
problemas. A mais mediatica obra, talvez a mais envolta em controversia e a "Ultima Ceia" de Leonardo da
Vinci. As suas experiencias tecnicamente temerarias levaram ao seu quase desaparecimento, tao inadequadas
que foram as suas inovacoes na preparacao do fresco. Leonardo nao pretendia que a sua obra acabasse por ser
restaurada, adulterando a sua vivacidade inicial, por isso ele detinha grande cuidado com o aspecto tecnico
dos materials, ate porque, as suas obras eram realizadas sob encomenda, o que o sobrecarregaria de
responsabilidade. O seu sentido de procura e inovacao levaram-no a abrir um novo caminho - o da
inquietacao plastica.
568 A obra de David Hockney: "Mr and Mrs Clark and Percy" (1970-71) tornou-se baca, devido ao facto do
acrilico ter absorvido a poeira do ambiente. A emulsao utilizada em 1971 comecou a amarelecer e a
derramar-se.
569 GREENBERG, Clement - Modernist painting. In HARRISON, Charles, e WOOD, Paul [ed.] - Art in
theory, 1900-1990: an anthology of changing ideas. Oxford [etc.]: Blackwell Publishers, 1999. p. 760.
308
passado nao se limita a ser respeitada para assim se poder compreender melhor o presente,
mas tambem possibilita uma nova visao do futuro. Relativamente a comunidade artistica,
serve de "bebedouro" ao seu proprio trabalho e e enriquecedora de novas formas.
Para Korzybski 570 , a obra de arte tern uma funcao cultural de time-binding , quer
dizer, de ligacao intertemporal entre campos de consciencia. Sobre esta relacao entre
tempos diferentes, Bruno Lussato 571 diz-nos que a obra de arte revela-nos uma
possibilidade de progresso ou avanco, sobretudo aquelas que se podem transmitir no tempo
sem sofrer alteracoes. Ele faz referenda ao medium como elemento que vai diferenciar o
ritmo de "evolucao" da obra de arte e da mensagem. Como a vida nao esta dependente da
arte, propiciam-se mudancas nesta ultima, o mesmo nao acontecendo com a linguagem,
por exemplo, que embora sofra "evolucao", permanece com um tronco comum nos seus
diversos estadios. A linguagem condiciona a vida em sociedade e por essa razao podemos
dizer que permanece inalteravel. Ja a arte, pelas suas sucessivas mudancas, pode deixar de
querer transmitir uma mensagem, sem criar transtorno socio-colectivo.
Tambem Linda Hutcheon 572 , a respeito da tomada de consciencia sobre o passado
historico, refere que existe uma relacao interartes e que esta relacao se funda num
paradoxo e numa tensao e que essa ambiguidade criada nesse espaco intersemiotico
reflecte a propria relacao da historia com a pos-modernidade, simultaneamente de critica e
de cumplicidade, mas nunca de desrespeito pelas formas esteticas do passado, no sentido
de conseguir alcancar um publico cada vez mais exigente, sem no entanto abdicar da
reflexao critica quanto a acessibilidade a esse publico. O passado e tornado em
consideracao, primeiro por analise e compreensao daquilo que foi e constitui memoria e,
depois, por necessidade de ultrapassar (porque so assim se inova) o proprio passado. De
resto, muitos periodos historicos fazem referenda ao passado - desde logo, o
Impressionismo, que quebrou barreiras, mas que, apesar de tudo, ainda manteve fortes
ligacoes com as atitudes precedentes. Basta atentarmos nalgumas obras de Claude Monet,
como as "Catedrais de Rouen" ou as "Pontes de Argenteuil", e percebermos que apesar da
570 KORZYBSKI, Alfred - Manhood of humanity: The science and art of human engineering. Montana:
Kessinger Publishing, 2004. Tambem disponivel em versao HTML em:
<http://books. google. com/books?id=7tY4DznBrYAC&printsec=frontcover&dq=Manhood+of+Humanity:+T
he+Science+and+Art+of+Human+Engineering&hl=pt-
PT&sig=VlxeR07P5U02iMcu2uTSrXKhXOU#PPPl,Ml>.
571 cf. LUSSATO, Bruno - Informacao, comunicacao e sistemas. Lisboa: Dinalivro, 1991. pp. 211, 212.
572 cf. HUTCHEON, Linda - Fringe interference: postmodern border tensions. Style Jornal. Illinois:
Northern Illinois University. Vol. XXII, n° 2, (1988), pp. 299-323.
309
modenidade dessas obras, a separagao dos pianos em profundidade e os enquadramentos as
remetem para uma composigao muito tradicional. Outro exemplo e a obra "Anunciagao"
(fig. 76) de Paula Rego (1935- ), que embora detenha algumas caracteristicas semelhantes
as "Anunciagoes" ja aqui abordadas 573 esta longe de qualquer preceito tradicional rigoroso.
Fig. 76 | Paula Rego, Anunciaqao, 2002.
Tambem a pratica duchampiana de Ready-made, antes de ser uma irreverencia, e
fruto desta preocupacao historica, porque conscientemente alterou indubitavelmente as
questoes da arte: desde logo ao "isto e belo?", contrapos uma pergunta ainda mais
celeumatica, "isto e arte?". No contexto actual de dissolucao das definicoes e limites da
arte, o acto da sua denominacao, a partir destas questoes de: "isto e arte", "isto nao e arte",
tornou-se no seguimento, uma reclamacao que conduziu ao aparecimento de movimentos
vanguardistas. E o esforco de inovacao de Paul Cezanne na sua producao pictorica nao tera
semelhancas com as estruturas euclidianas?
Esse jogo na tridimensionalidade do tempo, em que se salta do passado para o
presente e se projecta no futuro, e feito no sentido de acompanhar e de estar presente na
nova sociedade. Como refere Giulio Carlo Argan:
«(...) o Modernismo rescinde sem diivida todos os lagos com as tradicoes, mas
revaloriza e exalta o "culto do belo" que reconhece em toda a arte do passado,
embora seja expresso em termos estilisticos sempre diversos ('ars una, species
mille'). O procedimento historico proprio do Modernismo e, portanto, o do revival,
' v. supra, figs. 64-67, p. 281.
310
que obviamente exclui qualquer retorno ao antigo, mas afirma que o antigo renasce e
se actualiza no moderno» 574 .
O "antigo" e necessario para dar forca ao "moderno", nao por recalcamento do
"passado", mas sim por revalorizacao deste com o intuito de busca e procura de novos
conceitos. A historia da arte, mesmo que obsoleta em determinada temporalidade, revela-se
de grande importancia quer para a compreensao da actualidade artistica quer para a sua
propria continuidade.
No entanto, existe uma explicita separacao entre a arte do passado e a arte dos
"nossos seculos" 575 . O que as diferencia e precisamente a passagem do figurativo ao nao-
figurativo, da figuracao a abstraccao. Esta alteracao ou passagem de uma arte canonizada
para uma outra em que prevalecem os signos, isentos de convencoes, tern um proposito ou
um motivo: por um lado, a crise de valor artistico e a sua saturacao perante uma sociedade
cada vez mais exigente; por outro, a necessidade de acompanhar a propria sociedade
tecnologica, com o intuito de dar sentido e valor artistico a arte. Era necessario ir mais
longe do que o Realismo de Courbet e dar um salto para aquilo que viria a ser a arte
moderna. Cerca de 1870, a estetica era definida pela sua ligacao aos acontecimentos
sociais, culturais e cientificos. Esta crise de valor artistico, causadora a priori da renovacao
do conceito de arte, vem, atraves da incorporacao de novos signos, transformar a arte em
modelos nao convencionais. Temos pois, aqui, o mote para aquilo que consideramos ser a
nao-comunicacao na arte no contexto da sua alteracao historica. Podemos questionar-nos
se, no inicio da arte moderna, essa incomunicacao nao seria devida a novidade dos factos,
implicando em cada epoca uma constante aprendizagem, associada ao aspecto temporal.
Temos de considerar, e nao podemos esquecer, que largos passos qualitativos foram
dados no que respeita a caracterizacao da arte e que, a cada momento, tambem esta se
enriquece por vivenciacao do humano que, estando directamente associado a sociedade e a
cultura tecnologica, ou seja, a realidade que o envolve, leva a que este amplie sucessiva e
positivamente o conceito de arte. E tal so e possivel se o humano, enquanto criador ou
recriador de realidades, explicitar novas vivencias, inovando de forma preponderante na
cultura artistica. Esta introducao de novos elementos signicos atraves de novos meios, ou
574 ARGAN, Giulio Carlo - Arte e critica de arte. Lisboa: Editorial Estampa, 1988. (Imprensa Universitaria;
66). p. 81.
375
Seculo XX e XXI.
311
ate atraves dos mais convencionais, leva a uma incomunicabilidade da obra de arte,
referente aos significados inerentes a ela mesma. Como refere Argan,
«Tem sido imputada a estes sistemas de signos nao-naturalistas a chamada
incomunicabilidade da arte contemporanea e a sua demarcacao relativamente as
experiencias e aos interesses da sociedade; a demarcacao depende, pelo contrario, do
facto de que, por um preconceito inveterado, muitos continuam a querer servir-se,
para decifrar as mensagens artisticas, do codigo da morfologia natural, a que ja
ninguem pensa recorrer para outros tipos de comunicacao, por exemplo, as da
576
ciencia» .
Ha uma busca, uma procura dos signos nao reconheciveis na arte contemporanea e
essa busca pode ser associada aos simbolos e canones ja estabelecidos convencionalmente
em outros programas artisticos. O espectador tenta uma aproximacao daquilo que ve,
aquilo que conhece.
A ciencia ha muito abandonou o codigo da morfologia natural, porque a sua
investigacao metodica pretende, em fim de processo, alcancar uma finalidade. A arte nunca
poderia desvincular-se da linguagem comum. Ainda que possua codigos especrficos, eles
estao adjacentes a esse tipo de linguagem. Por isso e que existem tao vastos trabalhos
acerca da compreensao, recepcao e "comunicacao" estetica. Eles sao a verbalizacao dos
conteiidos explrcitos e internos da obra, mas tambem procuram de algum modo encontrar
uma definicao para a relacao da arte e comunicacao.
A producao artistica contemporanea atravessa uma grave crise de definicao, e esta
crise nao pertence somente ao artista, mas passa tambem pela dificuldade do critico e do
historiador em classifica-la de modo correcto e conveniente. Esta classificacao sera sempre
uma necessidade, mas por natureza, muito dificil de fazer. Veja-se a actualidade artistica e
a exponencial proliferacao de formas, de mixed media, de atitudes, enfim de maneiras de
estar no limbo artistico, para as quais e dificil encontrar uma "prateleira", onde elas possam
ser taxionomicamente "arrumadas" de modo conveniente e da forma mais correcta
possivel. Veja-se tambem a ideologia referente a "morte do autor" que Barthes advoga 577 .
A arte actual vive um periodo em que as obras nao tern forma nem nome. Ela assenta num
idem, ibidem, p. 105.
577 cf. BARTHES, Roland - A morte do autor. In BARTHES, Roland - O rumor da lingua. Lisboa: Edicoes
70, 1987. pp. 49-53. cf. tambem a este respeito, FOUCAULT, Michel - O que e um autor?. Lisboa:
Vega, 1992. (Passagens; 6). Nao poderemos remeter a "morte" do artista a democratizacao da arte advogada
por Beuys? Para este, qualquer humano tinha capacidades criativas, nao sera pois isto, uma forma de
considerar a arte sem autor? Ou sera antes uma morte da arte? Tambem os pos-modernistas e pos-
estruturalistas podem falar da "morte" do artista, pelo menos enquanto linico responsavel pela criacao da obra
de arte. Sobre este assunto ci.supra, sec. 3.7.4 (Retroacao), pp. 268 (§ 2), 269.
312
hibridismo pluridisciplinar, numa amalgama de formas e conceitos. Tomemos como
exemplo a obra de Wolf Vostell ou de Joseph Beuys e surpreendemo-nos com a ausencia
do tradicionalismo artistico, onde se pode verificar uma passagem das atitudes a formas 578 .
As obras adquirem uma nova dimensao e um novo estatuto; entram preponderantemente no
piano da tridimensionalidade e do indefinivel e assumem-se como icones respeitaveis.
Este caminhar pelos trilhos da arte leva-nos aquilo que e mais fabuloso e talvez o
mais inesperado: falamos de uma modificacao artistica que se processou em menos de um
seculo. Comparativamente, todo o passado historico, nao sofreu modificacoes tao radicals
quanto as verificadas no seculo XX. Considerar a transformacao de uma atitude artistica
em forma e algo de grande ousadia e que, apesar de nao invalidar a historia (porque
tambem dela vai fazer parte), vai inevitavelmente sobrepor-se ao passado 579 , quer por
esquecimento quer por necessidade de transformacao, devido a constante "evolucao" da
sociedade. Este reequacionar da arte vai obrigar o fruidor a uma mudanca de apreciacao,
em que a visibilidade imagetica se sobrepoe ao convencional e, por conseguinte, vai fazer
dele um ser mais renitente e contestatario. E a apresentacao de um novo "alfabeto", de uma
nova "linguagem", se quisermos de uma nova "comunicacao", mas que os receptores
interpretantes, nao conseguem descodificar - por ausencia de conhecimento de causa.
Verifica-se uma certeza: a realidade artistica tern corporeidade suficiente para se
impor como algo que existe e que deve ser considerado; a sua natureza resume-se a si
mesma e e ela que desencadeia o sublimar de toda a carga artistica. Mas, entao, porque
falar-se de contestacao e de renitencia quando se aborda o assunto arte, se e ela que se
exalta a si propria, numa dualidade desigual? Por um lado, temos a obra que se mostra e
que se evidencia da forma mais clara, apresentando-se sem qualquer critica, e por outro,
surge-nos o receptor que tangencia a obra, mas que nao a alcanca profundamente -
578 Em 1969, em Berna, o comissario de exposicoes Harald Szeeman (1933-2005) realizou uma exposicao
intitulada: "When attitudes become form: live in your head". Entre os 69 participantes estiveram presentes
Richard Serra (1939- ), Joseph Beuys (1921-1986), Daniel Buren (1938- ) e Michelangelo Pistoletto (1933- ).
579 Referindo-se a este assunto, Ilya Kabakov (1933- ) refere que se impoe um novo periodo inovador - o da
instalacao - semelhante ao do icone, o do fresco e o do quadro, onde cada periodo absorveu o precedente.
Segundo este ponto de vista, a instalacao ter-se-a sobreposto ao quadro. cf. KABAKOV, Ilya - L 'installation
totale. In AA. VV., catalogo da exposicao Ilya Kabakov: C'est ici que nous vivons, realizada no Forum do
Centro nacional de arte e de cultura Georges Pompidou, de 17 Maio a 4 de Setembro 1995. Paris: Centre
Georges Pompidou, 1995. p. 27.
313
significando isto, portanto, que o receptor nao consegue captar toda a sua essentia, mesmo
que anteriormente tenha apreendido sensorialmente todos os elementos que a compoem 580 .
A arte do seculo XX foi sem diivida uma arte de controversia, sobretudo porque
existem termos de comparacao muito proximos. E o caso do Neoclassicismo e
Romantismo ou ate, recuando mais no tempo, do Renascimento. Apesar de talvez
pensarmos que seria mais facilmente entendivel a arte do nosso seculo, relativamente ao
Renascimento, por exemplo, esta ideia e completamente infundada, porque a distancia
temporal que nos separa do Renascimento, e razao suficiente para ter despontado em nos,
humanos, um maior aprofundamento e uma maior aprendizagem do conhecimento das
normas e regras de representacao em vigor nesse periodo, o mesmo nao se passando com a
arte actual. Alem do mais, existe uma verdadeira dificuldade nos estudos da arte
contemporanea, devido a ausencia de trabalhos com uma sequencia nitida dos
acontecimentos.
O primeiro autor que define a modernidade 581 e Charles Baudelaire. No ensaio "O
pintor da vida moderna" 582 (1863), Baudelaire interliga a modernidade ao imediato e a
tentativa do artista captar o que transita, o efemero, ou a intemporalidade do presente, o
qual, logo que ocorre se torna imediatamente passado. Segundo ele, o artista tern de
trabalhar na cidade; fora dela o artista nao tern razao de ser.
Quando Theodore Rousseau (1812-1867) vai pintar para Barbizon, mais
concretamente para Fontainebleau, fa-lo em primeira mao e arrasta consigo outros artistas.
Baudelaire renunciou e declinou o convite para escrever sobre esse grupo de artistas,
porque para ele a natureza nao tinha alma, pelo que a atitude de Rousseau contrariava todo
o seu ideal de artista moderno, o qual deveria estar ligado a sociedade urbana, ligado a
maquina, ao futuro.
Fruto desta modernidade e a fotografia que, apos o seu aparecimento, faz surgir
uma questao: para que serve a pintura?
E claro que a pertinencia desta questao colocou em causa a finalidade da pintura,
nao por ter surgido uma nova opcao de representacao, mas sim porque esta apresentava-se
580 O notorio Clement Greenberg (1909-1994) defendia que cada forma artistica tinha a sua propria natureza,
ou seja, um conjunto especifico de propriedades e que o que importava era desocultar a sua essencia,
colocando de lado o que nao lhe pertencia, tudo o que lhe era superfluo.
581 Falar-se de modernidade e referirmo-nos a uma grande relatividade, visto que qualquer periodo historico
tern a sua propria modernidade. Deste modo, nao existira uma modernidade, mas antes uma sucessao de
modernidades.
582 cf. BAUDELAIRE, Charles - O pintor da vida moderna. Lisboa: Vega, 1993. (Passagens; 16).
314
como uma nova tecnica de grande fidelidade representativa, colocando em segundo piano a
pintura, relativamente a representacao efectiva da realidade. O papel que os publicos
atribuiam a pintura como portadora de mensagens, e possibilitadora de "comunicacao",
aparecia agora mais exaltado com a fotografia. Ela era a representacao fiel da realidade e
ninguem contestava a sua veracidade. Entao, outra consequencia se levanta: se existe a
fotografia que permite uma maior exactidao da realidade, porque e que se tern de ter em
consideracao todas as regras de representacao da Renascenca que ainda perduravam?
A fotografia leva a perda da aura, leva a perda do "aqui e agora" 583 . Entende-se isto
com maior facilidade se atentarmos no facto de que conhecemos melhor a Mona Lisa de
Leonardo da Vinci estampada numa caneca, numa camisola, num livro do que no proprio
Museu do Louvre, onde a obra esta rodeada de publico e quase inacessivel a uma analise
retiniana, ate pela vidraca que a rodeia e pelo uso indiscriminado de flash. A perda da aura,
faz notar Coelho Netto, tambem descaracteriza a obra porque faz perder informacao
necessaria para a sua fruicao. Obtem-se necessariamente «(...) uma nova informacao
estetica, mais rica ou mais pobre que a original, nao importa, porem nao a mesma
informacao original, nem um seu equivalente. (...) A recriacao da informacao original e
possivel, mas isso ja implica a mutilacao, i.e., transformacao da informacao inicial» 584 .
As artes, aliando-se a esta nova tecnologia, sofreram profundas alteracoes, nunca
antes vistas, pondo em causa os seus pressupostos esteticos iniciais e problematizando as
suas credenciais enquanto formas de arte.
A utilizacao da cor na fotografia 585 e a decadencia que se vivia no fim do seculo
XIX inspirou alguns artistas que se sentiam impressionados por essas realidades e tinham
ansia de novas atmosferas. A utilizacao da cor a desgarrada e as distorcoes escandalosas
das formas tornaram-se numa nova experiencia estetica. Quando, em 1905, no Salao de
Outono em Paris, os fauves se apresentam publicamente sao contestados e fortemente
criticados pelos espectadores da exposicao e pela massa critica parisiense.
583 cf . BENJAMIN, Walter - A obra de arte na era da sua reprodutibilidade tecnica. In BENJAMIN, Walter -
Sobre arte, tecnica linguagem e politica. Lisboa: Relogio D'Agua, 1992. (Antropos). pp. 77-84. Pelo
contrario, Bourriaud defende que a arte contemporanea nao nega a "aura", visto que os projectos artisticos
deste periodo apelam a participa^ao do publico, conferindo portanto uma aproximagao entre este e a obra. cf .
BOURRIAUD, Nicolas - Esthetique relationnelle. Paris: Presses du Reel, 2001. (Documents sur l'art). pp.
60-63.
584 COELHO NETTO, J. Teixeira, op. cit., p. 171.
585 Comegada em 1907 com a introdugao do "autochrome" de Louis Lumiere.
315
Apesar da curta duracao (segundo Lebensztein de 1904-1914), o Fauvismo
conseguiu definir um outro percurso pela influencia que exerceu no Expressionismo (inicio
do seculo XX). Tal como o Fauvismo, tambem o Expressionismo apoiava o nao-uso de
cores naturalistas muito sustentado pela admiracao vangoghiana.
O Expressionismo faz parte de inovadoras mudancas que fizeram tremer os habitos
da percepcao do mundo sensivel. Podemos tomar como exemplo a obra de Edvard Munch
(1863-1944), "O grito" (fig. 77), onde uma personagem se encontra presa a solidao e a
hostilidade da natureza, que a aflige e a faz gritar como um animal. Nesta obra, a atmosfera
de angiistia e tornada visivel (nao legivel) sob a forma de linhas sinuosas que determinam
zonas de cor, cujos contrastes nao-harmoniosos nos informam do mal-estar, que se
amplifica ate ao grito. Perante tal obra, e facil apercebermos-nos, da forca informacional
expressiva, pela colocacao em jogo das correspondencias de sentidos.
Fig. 11 | Edvard Munch, O grito, 1893.
O Expressionismo Figurativo faz ainda parcialmente referenda a representacao do
real, o que permite ao espectador reconhecer o motivo; no entanto, se estivermos na
presenca de uma deformacao extremamente elevada, o perfil da obra perde a sua forca
"comunicacional". Este excesso de forca de expressao e notorio nalgumas obras de
Picasso. E o caso de "Guernica" (1937) de Picasso, que legitima o Cubismo (1907-1914),
mas com criterios expressionistas. Ai uma situacao de brutalidade extrema e traduzida por
316
um desenho energico, uma composigao que sugere empurroes de uma fila enlouquecida e o
horror da morte sob o bombardeamento, pela sobreposigao de imagens parciais de caras, de
cabegas de animais, de objectos ou de corpos mutilados pela explosao; a violencia que sai
do quadro constitui um protesto contra a barbarie.
O Expressionismo, em particular na sua liberdade de criagao, tornou possiveis as
extremas manifestagoes da estetica de hoje. Ao contrario do Fauvismo que colocava
essencialmente questoes sobre a cor e a forma, o Expressionismo restaura as questoes dos
valores humanos e sociais, aproximando do fruidor conteudos que deveriam ser
"comunicados", entre outros, os desfavorecimentos e problemas da sociedade. Entretanto
os pintores fauves inquietam-se com a harmonia e a composigao a despeito do exagero
cromatico. As suas ambigoes ja nao sao traduzir o existencial, mas restituir uma sensagao
cromatica. Eles nao desejam inquietar o motivo: os fauves, a imagem de Henry Matisse
(1869-1954), nao pretendiam que as obras introduzissem no espectador elementos de
perturbagao, mas pelo contrario, que o conduzissem a um estado em que este nao deveria
tirar a forga o conteudo da obra. No fundo estava-se a abrir caminho a redugao pictorica,
que mais tarde viria a surgir. Segundo eles, a evocagao do mundo alegre e fantastico, de
cor e emogao so seria facilmente "comunicavel" (pelo menos fisicamente) caso ela fosse
orientada com o sentido redutor da forma e da cor.
Em 1907, Picasso termina "Les demoiselles d'Avignon" (fig. 75) e acabam as
tradigoes representativas que vinham desde a Renascenga. Picasso e Braque (1882-1963)
negavam a imitagao da realidade tal como ela se apresentava e recusam reduzir a obra a
uma so perspectiva adoptando em contrario multiplos pontos de vista. Ha aqui um reforgar
daquilo a que os impressionistas se propuseram, mas de outro modo: eles nao pretendiam
atingir um maior naturalismo na arte, pelo uso de uma nova frescura e luminosidade, mas
sim uma nova dimensao, pela utilizagao das relagoes dos objectos e pessoas com o espago.
Picasso e Braque detiveram de Cezanne, a ligao de que o piano do quadro era
unicamente uma superficie, onde a realidade podia ser representada. As formas sao
decompostas; a gama de cores reduz-se a cinza, estanho, verdes e castanhos; e a luz e
gerida apenas em fungao das suas vontades.
Estes autores nao tinham como preocupagao a abstracgao - alias nem Picasso, nem
Braque a defenderam. Como as suas obras estavam a entrar num dominio nunca antes
visitado, sobretudo porque tomavam uma dimensao que nao permitia aos fruidores a
317
identificacao do que pretendiam representar, eles tentam contrariar isso desenvolvendo a
tecnica da passage 586 . Inquietavam-se com o facto das suas obras poderem perder, junto
dos fruidores, o seu sentido "comunicacional". Mas a verdade e que as suas tecnicas eram
opostas a esse desiderato, de tal modo que a identificacao do objecto representado era
amplamente dificultada e a mensagem a transmitir perdia-se. Quando os fruidores
comecam a manifestar incapacidade para perceber as suas obras e quando os artistas se
apercebem que elas nao sao compreendidas, tentam seguir outro caminho - o Cubismo
Sintetico - e inventam a collage e as esculturas-construcoes-cubistas em papel e cartao.
Com este processo de inclusao do real na obra reverte-se a legibilidade que comecava a
desaparecer.
A consagracao do movimento cubista era apenas restrita a um grupo de pessoas,
daquelas que estavam directamente relacionadas com a arte, nomeadamente criticos,
historiadores e imprensa. Por outro lado, o publico em geral ainda nao estaria preparado
para receber tal atitude, o que e comprovado pela estetica do guarda-roupa e dos cenarios
do bailado "Parade" 587 , aquando da sua apresentacao em Paris, em 1917, pelos "Ballets
Russes" de Sergei Diaghilev (1872-1929). Essa apresentacao foi de tal ordem
incompreendida e polemica que criou grande controversia, sendo inclusive repudiada pelo
publico. Estavamos ainda nao muito longe das ideias da Irmandade Pre-Rafaelita (1848) e
do Realismo frances (c. 1830-1870), mas, mesmo assim, o publico nao se tinha aberto
plenamente a novidade, ate porque os cubistas de Salon (fig. 78) ainda estavam presos a
um certo tradicionalismo, propondo e oferecendo ao publico um maior realismo por este
solicitado.
586 A tecnica da passage consiste na introducao de linhas de separacao que tentam dar a ideia de volume.
587 "Parade" e um bailado em um acto de Leonide Massine (1896-1979), com o guarda-roupa e os cenarios da
autoria de Pablo Picasso e com poemas de Jean Cocteau (1889-1963).
318
Fig. 78 | Albert Gleizes (1881-1953), A
caga, 1911.
As pessoas nao compreendiam a novidade de tamanha fragmentacao do real.
Estavamos num periodo, em que ainda nao houvera uma explicacao daquilo que se estava
a passar. A critica, a quern cabia o papel de explicar os novos factos artisticos, era muito
restrita e confinada a um publico tambem ele reservado 588 .
Algo semelhante se passou com o Futurismo (1904-1920) que desencadeou, por um
lado, um enorme apreco pela maquina e por alguns trabalhos que se baseavam no estudo
dinamico das formas, como e o caso longinquo da fotografia de Etienne-Jules Marey
(1830-1904); e por outro, associou-se esse interesse as artes. Rompeu-se entao com as
restricoes academicas, em nome da celebracao do dinamismo da tecnologia moderna. A
necessidade de exprimir os acontecimentos tal como eles se desenrolavam despoletou
nalguns artistas o desiderato de imprimir movimento nas suas obras. O movimento era
considerado o simbolo do dinamismo do mundo. O Futurismo foi uma forma avancada de
Cubismo, onde era adicionado mais um momento: o movimento, dinamismo e poder. Era
uma forma complexa de expressao, onde o excessivo abuso da mesma provocava uma
incoerencia evidente das formas, que sao simultaneamente caoticas e ordenadas. Este
paradoxo tinha como intencao tornar as obras em formas esquematicas, para serem
588 Nao podemos esquecer, que Picasso e Braque desenvolveram o Cubismo de forma oculta, portanto nao foi
um movimento que se foi desenvolvendo no seio do publico, mas sim que "apareceu".
319
facilmente assimilaveis pelas pessoas. O Futurismo era entao visto como possibilitador de
transmitir uma mensagem com vista a uma comunicacao.
Considerando pois o Futurismo, so muito posteriormente, com a arte cinetica, se
conseguiu imprimir movimento as formas. No fundo e considerar que ele foi um fracasso,
porque nao conseguiu ultimar a verdadeira dimensao dos seus objectivos esteticos. Veja-
se, que ate no cinema, que foi aclamado como meio de expressao ideal, o Futurismo nunca
se chegou a desenvolver como tal, apesar da sua influencia nos primeiros filmes sovieticos
de Dziga Vertov 589 (1896-1954), Fritz Lang 590 (1890-1976), Sergei Einsenstein 591 (1898-
1948) e Grigori Kozintsev 592 (1905-1973). Se as obras cubistas transfiguravam o real, o
futurismo, alem de o transfigurar, apresenta aos fruidores algo que nao lhes era familiar.
As representacoes futuristas da velocidade e das maquinas nunca conseguiram peso
suficiente para se imporem como obras capazes de veicularem mensagens. No entanto, nao
podemos esquecer o valor dessa manifestacao artistica, nem a sua contribuicao e
repercussoes futuras, mormente no quebrar das fronteiras da gramatica, sintaxe e logica
atraves de uma celebracao de sensacoes associadas ao mundo tecnologico do futuro.
O Futurismo apoiou-se no Expressionismo e mais tarde no Cubismo, a que se ligou
ideologicamente, tendo inclusivamente um lema em comum: sugerir em vez de dizer e e
nesta sugestao que a possivel "comunicacao" se perde, ou seja, na incoerencia existencial
entre significante e significado. Apesar disso, e o Futurismo que em sentido inverso da de
beber ao Dadaismo e Surrealismo.
Desde o aparecimento da revolucao industrial ate aos dias de hoje que a arte nao
tern repousado e, pelo contrario, tern demonstrado cada vez mais novas formas de
intervencao, novas atitudes, expressoes, novas sensibilidades dominadas pela constante
insatisfacao do humano e pela relutancia em estagnar. A arte do seculo XX tern uma
orientacao modernista, sempre e cada vez mais ligada a tecnologia, pois pretende
apresentar a visao actual do nosso mundo, do nosso progresso. E a partir de 1910 que
surgem, em varios paises europeus em vias de industrializacao, alguns movimentos a que
costumamos chamar de "vanguarda" e que pretendem a modificacao da sociedade,
nomeadamente pela alteracao cultural e do costume social. Lyotard a este respeito refere
589 "O Homem da camara" (1929)
590 "Metropolis" (1927)
591 "O couragado Potemkine" (1925)
592 "A nova Babilonia" (1929)
320
que «A arte da vanguarda abandona o papel de identificacao desempenhado anteriormente
pela obra em relacao a comunidade dos destinatarios» 593 . Ja nao era pois essa a intencao do
vanguardista ou aspirante a tal, mas antes apresentar-se renovado, quer formalmente, quer
ideologicamente. Assim «(...) uma obra e de vanguarda quanto maior for a sua privacao de
significado» 594 . O que Lyotard salienta e que o significado gradualmente perde sentido
dando-se uma maior valorizacao da significacao. E deste modo que a arte do seculo XX se
propoe sensibilizar e compreender o estetico face ao nao-estetico, ou ainda evidenciar o
aspecto criativo da dita "civilizacao das maquinas". E, em suma, a alienacao da criacao
estetica a tecnologia industrial; o aproveitamento de um meio, para se atingir um fim.
Existem, algumas correntes, que se aproximaram desta confluencia ideologica e que
aproximaram claramente a criacao artistica e a dita producao industrial, directa ou
indirectamente, quer atraves das formas plasticas embrenhadas na tecnologia, quer ou
simplemente projectadas. Temos como exemplo, a arquitectura racional, o desenho
industrial, o movimento De Stijl, todos os movimentos construtivistas, ate as recentes
pesquisas programadas, cineticas e visuais.
Para o grupo De Stijl, Dada e outras correntes construtivistas, a arte assume o papel
de nao-arte. Esta na base dos seus pensamentos a ideia de que a arte nao existe e que
somente se pode procurar em que condicoes ela possa existir. Portanto, se a arte nao existe,
o que ha a fazer apenas e projecta-la. Este grupo tern uma preocupacao constante com a
situacao do mundo e pretende voltar a juntar a arte a sociedade, atraves nao do mercado,
mas sim do sistema de producao da industria. O artista deixa de ser intelectual e passa a ser
projectista, utilizando a tecnologia industrial para produzir objectos de uso diario,
funcionais e com grande carga estetica. Deixa de se aplicar ao objecto apenas uma faceta
estetica, passando tambem a ser valorado, pela sua componente funcional, que e tida em
conta desde a fase de projecto. Deste modo, o objecto artistico deixa de ser apenas
acessivel aos estratos sociais mais elevados, aqueles que tern o maior poder economico,
deixa portanto de ser uma obra associada ao mercantilismo e a troca para passar a estar ao
alcance das classes sociais mais baixas, menos favorecidas economicamente. A obra deixa
de ser um objecto de luxo, sendo antes o espelho de uma sociedade que valoriza a funcao
economica e a considera preponderante. O objecto artistico nao e pois fruido atraves de
593 LYOTARD, Jean-Frangois - O Inumano - Considera^Ses sobre o tempo. Lisboa: Editorial Estampa,
1989. (Margens; 3). p. 108.
594 idem, ibidem, p. 110.
321
uma contemplacao passiva, como acontece frente a uma estatua ou um quadro, mas sim
tendo em consideracao a sua funcionalidade.
Existem, no entanto, determinadas correntes, que se opuseram a esta ideologia e
que se afastaram da producao industrial. Para estas, existe uma ideia negativa sobre a
situacao mundial, sobre a sociedade e sobre o processo de industrializacao, quer dizer,
sobre os comportamentos sociais originados e influenciados pela industrializacao. Por
exemplo, a pintura Metafisica (1910- c. 1920) opoe-se veementemente as tendencias
ideologicas e conceptuais de vanguarda. A pintura Metafisica e uma arte sem tempo,
contrapondo-se a uma arte que pertence a um tempo; ela e uma arte que nao tern qualquer
relacao com a realidade e que se aproxima do onirico 595 , opondo-se a uma arte que
participa e que age na sociedade e no mundo que a rodeia.
A brutalidade da Primeira Guerra Mundial criou uma sensacao macica de desilusao
para com os governantes e sociedades responsaveis por ela. Dada foi uma expressao do
desgosto relativamente a essa civilizacao que tinha produzido tal barbarie. Entao, um
espirito de liberdade absoluta penetrou nalguns artistas que viam nos criterios esteticos
institucionalizados algo a ser redimensionado. O non-sense da vida, o acaso, a ironia, o
humor eram os elementos heteroclitos que faziam parte da gramatica deste grupo.
As suas ferramentas eram o caos e o absurdo e o Dadaismo (1916-1925) subverteu
deliberadamente todas as artes - da musica a poesia, da pintura ao espectaculo. Dada e
uma corrente onde o absurdo e o humor sao reis, onde a critica e o escarnio sao forca de
lei. E um pouco a filosofia do "Sturm und Drang" puxado ao seu paroxismo. O Dadaismo e
contemporaneo da abstraccao, mas entretanto ele ultrapassa-a no conceito revolucionario,
porque o seu objectivo nao e sequer criar uma nova arte. O que caracteriza o movimento e
a sua vontade assumida de acabar com todas as formas de pintura burguesa e com o seu
valor, suprimindo, se necessario, todo o vestigio de significacao inteliglvel. Dada nao
respeita nenhum dominio artistico. Assim, nos fins de tarde organizados pelo Cabaret
Voltaire, os partidarios do movimento liam poemas sem sentido, compostos unicamente de
onomatopeias e tocavam musica, que apenas fazia barulho sem melodia.
Uma personagem domina a breve historia desta corrente - Marcel Duchamp.
Convencido de que tudo ja tinha sido feito e dito no dominio das artes plasticas, ele
projecta no Dadaismo a sua extrema dimensao, que se concretiza pela "invencao" dos
595 Esta e a premissa do que vira a ser, em 1924, o Surrealismo, na qual a propria arte, ja nao e a consciencia,
mas o sonho ou o inconsciente.
322
Ready-made 596 . Com a sua introducao no campo artistico, ele abre um programa que uns
consideram destrutivo e outros propiciador de uma mudanca estrutural.
Ele constata facilmente que as correntes actuais, renovando-se com a inspiracao
critica do Dadaismo, oficializam o regresso da irrisao, sob todas as suas formas. Portanto,
neste periodo, a arte, para Dada, nao e um fim em si mesma. Quando, em 1916, expos um
urinol, intitulado "Fonte", assinando sob o pseudonimo R. Mutt (Richard Mutt 597 ), ele nao
tencionava afirma-lo como um valor estetico, mas como uma obra de arte. O seu proposito
era colocar em questao os fundamentos da cultura ocidental. Ele recusa essencialmente
qualquer atitude conformista. Aquele objecto foi entendido como uma provocacao 598 por
todos quantos estavam aliados a ideia comum e ancestral de artista como genio e por
aqueles que reconheciam a arte como algo que deve ser imediatamente apreendido, por
meio da utilizacao de todos os recursos semioticos, que residem na comunicacao. No
entanto, outros consagraram-lhe um lugar na historia, considerando estas suas atitudes
capazes de instaurar canones na arte moderna.
Um objecto industrial que perde a sua identidade enquanto objecto para ser
assumido como obra de arte era algo de novo 599 . E, como ele proprio refere, entre dois
polos (artista e espectador) que se estabelece uma "osmose esthetique" 600 : coloca, de um
lado, o criador que procura o seu caminho e, do outro, o olhar do espectador que permite
mudar o estatuto deste vulgar objecto ("matiere inerte") tornado invulgar no contexto
artistico. E pois ao espectador que compete a tarefa de determinar o valor da obra no
596 No inicio da decada de 60, Thomas Kuhn (1922-1996) introduz o termo Ready-made para designar as
revolucoes dos relacionamentos que mantemos com algumas questoes cientificas. A este respeito cf. KUHN,
Samuel Thomas, op. cit.
597 Para a criacao do pseudonimo Richard Mutt, Duchamp inspirou-se nao so nas personagens de banda
desenhada Mutt e Jeff, como tambem na empresa nova-iorquina "Mott Works" onde adquirira o urinol.
598 Nao interessa para este trabalho abrir uma discussao em torno das razoes que levaram a contestacao dos
Ready-mades, nem tao-pouco fazer referenda aos argumentos utilizados para a continuidade da sua
vitalidade. Parece no entanto valido deixar um reparo em forma de nota. Nao podemos olvidar, que tais
contestacoes foram levantadas em virtude da atitude de apropriacao de um objecto, fruto da producao
industrial. Convira tambem referir, que este pensamento (que ainda hoje perdura em algumas mentalidades) e
resultado do esquecimento do passado, visto que tal apropriacao ja remonta (ainda que em moldes diferentes)
ao periodo romano, porquanto sabemos que hoje admiramos estatuaria classica de alguns autores e que
omitimos o facto de estas serem adaptacoes e algumas mesmo, puras copias romanas de originais gregos.
Ora, nao sera tambem esta uma forma de apropriacao (que no seculo XX surgiu como movimento artistico -
appropriation art) "industrial", uma forma de destituir a arte do seu significado original?
599 Como ele proprio refere, "Comme les tubes de peintures utilises par l'artiste sont des produits
manufactures et tout-faits, nous devons conclure que toutes les toiles du monde sont des ready-mades aides et
des travaux d'assemblage.". E assim que ele sustenta a ideia do Ready-made. cf. O seu discurso no Museu de
Arte Moderna de Nova Iorque (MOMA), a 19 de Outubro de 1961, incluido no livro DUCHAMP, Marcel -
Duchamp du signe - Ecrits. Paris: Flammarion, D.L. 1976. pp. 191-192.
600 idem, ibidem, pp. 187-189.
323
campo da estetica. Assim, o que se torna novo nesta emblematica obra nao e o que ela e,
mas antes o que podera surgir na interpretacao do espectador. E sem duvida o melhor
exemplar do desafio das convencoes artisticas. Com Duchamp, abriram-se amplamente as
fronteiras da arte, tornando-se possivel que as ideias fossem tao importantes como o acto
da criacao fisica e destruiu-se o pouco que restava de "comunicacao".
A capacidade tecnica ja nao era tudo. Escolher um objecto para exposicao podia ser
igualmente importante: o que interessava eram os conceitos, as ideias - uma arte como
ideia e nao uma arte visivel pelo objecto que a exprime. Em boa verdade, esta atitude
limitava-se a pegar num objecto vulgar, descontextualiza-lo e subtrai-lo da sua funcao
pratica. E o embriao do que se desenvolvera a partir da Segunda Guerra Mundial: numa
sociedade profundamente ligada ao tecnicismo e ao antiartistico, o que seja tornado como
antiestetico e a priori uma atitude estetica. Isto vem demonstrar desagrado pelas ideologias
esteticas da sociedade, ligadas ao funcionalismo e ao consumo, aqui considerado
inestetico. Por isso mesmo, temos uma nova versao ideologica, em que se parte do
inestetico ate atingir o estetico, ou por outras palavras o inestetico e o estetico.
O Dadaismo, durante a Primeira Guerra Mundial, assumiu uma posicao mais
drastica, dado que existe uma evidente contradicao entre as tecnicas da arte e as tecnicas
industrials. Sendo estas ultimas substancialmente dominantes, a arte nao pode ser senao
uma operacao atecnica, sem um projecto e sem um fim. Dada era portanto antiarte,
antisentido, antimoralidade, antipolitica, antiguerra - antitudo.
Mas, apesar deste descomedido impeto dadaista, surgia o movimento surrealista
que trouxe para a arte o inconsciente como simbolo de uma nova arte. O Surrealismo (c.
1920) desenvolveu-se a partir do Dadaismo e da pintura Metafisica de Giorgio de Chirico
(1888-1978), mas o esforco surrealista foi legitimado pelo passado. Os surrealistas re-
questionaram a arte, por intermedio dos surrealistas avant la lettre, na medida em que estes
foram o mote para um revivalismo. Referimo-nos a Hieronymus Bosch, Pieter Brueghel (c.
1525-c. 1569), Francisco Goya, entre outros. Os surrealistas exaltavam estes autores
respeitando-os e afirmando-os como iniciadores de uma arte que viria a influenciar
fortemente o Surrealismo, pela recusa de uma Arte Classica que protesta contra a norma e
se afasta da mimese.
Toda a obra surrealista possui uma grande potencialidade de informacao, porque ela
pode tocar o publico em diversos niveis: evocacao de lembrancas, referencias culturais,
324
seducao plastica. Mas tal potencialidade tern outra face: nao podemos esquecer que se trata
de obras que exploram o dominio onirico estimulado pela imaginacao e que, desta forma, a
obra e susceptfvel de deslize de sentido por parte do espectador. O observador tera de
promover a sua imaginacao adentro de uma obra, a qual, por sua vez e fruto de uma
imaginacao do criador, desencadeada pelo mundo onirico. Existirao aqui demasiados
processos de filtragem, ate se atingir uma plenitude experiencial.
Os surrealistas desenvolveram simultaneamente processos de ambiguidade, apesar
de todo o realismo impresso por alguns artistas, mesmo por aqueles cujas obras dizem
respeito a uma realidade mais irreal e consequentemente menos compreendida pelo
observador, como e o caso da obra de Yves Tanguy (1900-1955), que evoca coisas que nao
existem no mundo real. De um modo geral, o espectador das obras surrealistas e
confrontado com novos mundos - mundos de incompreensao. E a incompreensao de
mundos oniricos, subconscientes, alucinatorios, de estados de embriaguez e extase, todos
eles considerados tao conscientes quanto as experiencias da vida consciente. Esta
exteriorizacao surrealista de um mundo individual, e intransmissivel forma uma barreira ao
entendimento da obra. Poderemos dizer que a compreensao de obras surrealistas passa por
as considerarmos obras realistas e, por conseguinte mais acessiveis no seu contexto, mas
com um forte teor de pensamento absurdo e irracionalidade contextual, fruto de sonhos
inconscientes e da associacao livre 601 .
Antes da Segunda Guerra Mundial, a ciencia interveio no seio da arte, por meio de
coordenadas de espaco-luz-tempo em combinacoes diversas, que significavam construcao
e ordenacao e pretendiam evocar uma ideologia de progresso - que durante algum tempo
foi assumida pela arte sovietica 602 . As pesquisas de Cezanne ao nivel da cor e da forma
evocam, para as primeiras tentativas da nao-figuracao, o movimento, o ritmo, a
profundidade. Ele da o seu verdadeiro lugar a cor e dita outros criterios mais subjectivos,
que anunciam a revolucao das artes plasticas do seculo XX. E entao que alguns artistas
ultrapassam uma etapa suplementar e nao hesitam em reivindicar o valor da
"interioridade", a primazia do olhar espiritual sobre a percepcao objectiva. Assiste-se a
uma verdadeira conversa sobre a razao, que nao toma mais como referenda o mundo real,
mas o interior, onde se encontra a essentia da criacao. Este debate do espiritual e suscitado
601 Associacao livre foi um conceito inspirado nas teorias dos sonhos de Sigmund Freud.
602 Esta dilacao artistica foi fortemente sentida na obra de Nicolas Schoffer (1912-1992), onde a partir de
1940 construiu torres "espaco-dinamicas" e construcoes de arte cinetica.
325
por Wassily Kandinsky e Kasimir Malevich. A procura do absoluto sera radical. Ela
transpoe o dominio da subjectividade, para se voltar a dobrar sobre si mesma e chegar a
uma imagem reduzida a sua simples expressao, quer isto dizer, ao "nada" de Malevich.
Criador do movimento Der Blaue Reiter 603 no qual figuram os pintores
expressionistas, Kandinsky agarra-se ao conteudo espiritual da arte. Ele apercebe-se de que
o objecto prejudica a sua pintura e realiza uma primeira aguarela abstracta em 1910. Desde
entao, as suas obras avancam plasticamente e de ora avante ele ficara preso a abstraccao. O
modo como ele procura executar a transmissao das suas mensagens e expressivo, com
procuras muito acentuadas no dominio da cor, a qual atribui poderes particulares. Ele
introduz uma grande coesao na compostura dinamica das formas, sejam elas totalmente
inventadas ou, sobretudo durante o perlodo de ensinamento na Bauhaus, inspiradas pela
geometria.
Mondrian, pintor formado no Realismo da Escola de Haia, exemplo primeiro,
diriamos ate paradigmatico, daquilo que e a realidade transformada e adulterada, torna-se o
superlativo da abstraccao pura, se se incluirem tendencias mais sinteticas como o
Minimalismo ou algumas obras dos expressionistas abstractos. A realidade na obra de
Mondrian (fig. 79) desaparece, oferecendo-se apenas uma traducao exaltada da mesma. Ha
uma preocupacao de reducao da realidade a elementos geometricos basicos. Digamos que
saltamos de uma realidade para outra: estabelece-se a passagem de uma realidade, que nos
e vizinha, que conhecemos e reconhecemos por fazer parte do nosso quotidiano, para outra
realidade que, apesar de fazer a ligacao com a primeira, corresponde a um mundo que
todos identificam, mas nao reconhecem. Identificam-se facilmente as cores da obra, a sua
composicao, as linhas, mas que correspondencia havera com a respectiva realidade? Essa e
a grande dificuldade imposta por este tipo de obras.
603 Der Blaue Reiter significa "O Cavaleiro Azul" e foi um grupo de artistas constituido em Munique em
1910-11 sem orientacao definida. Kandinsky, figura de proa do grupo, Franz Marc (1880-1916) e August
Macke (1887-1914) conseguiram, cada um a sua maneira, uma sintese pessoal das inovacoes formais do
Fauvismo e do Cubismo. Subordinando o formal ao espiritual, os artistas do grupo avancam naturalmente em
direccao a uma tendencia abstracta. As suas obras livram-se da representacao mais ou menos fotografica da
realidade e exploram a existencia escondida e interior das coisas. O subjectivo comeca a tomar
definitivamente o lugar do objectivo. O grupo mantem-se ate ao inicio da Primeira Grande Guerra.
326
Fig. 79 | Piet Mondrian, Composicao com
vermelho, amarelo, azul e preto, 1921.
Para os neoplasticistas, a obra de arte devia exprimir unicamente o que e essencial
da natureza e do homem, apenas o que e universal. Deste modo, a composicao assenta
sobre leis permanentes, contrariantes e neutralizantes. A linha e sempre direita nas suas
duas posicoes principals (vertical e horizontal), formando o angulo recto. A ortogonalidade
e pois um aspecto importantissimo na teoria neoplasticista. Mondrian refere-se a esta
pratica como sendo uma traducao mais aproximada da realidade. Outra lei a ter em conta e
a utilizacao de elementos plasticos simples e homogeneos de cores primarias.
Esta nova teoria plastica e o equivalente da natureza e a obra de arte deixa te ter
semelhancas com a aparicao dessa natureza. As preocupcoes neoplasticistas centram-se
numa essencialidade elementar e objectiva para se atingir uma complexificacao subjectiva.
Mondrian, apesar do esforco abstraccionista, estabelece nas suas obras uma directa
relacao com a realidade. O movimento do sol a volta da terra era representado por linhas
horizontals e o movimento dos raios solares a incidir na terra representava-se pela linha
vertical, rejeitando a diagonal e a curva 604 . Mondrian julgava poder atingir o conhecimento
do real e nao das aparencias atraves de um processo de gnose de si proprio e da realidade.
Verifica-se portanto que existe uma vontade de afastamento da realidade,
sintetizado na expressao de apenas alguns elementos da obra. O resultado e uma forma
abstracta, que se encontra em posicao diametralmente oposta a realidade, mas sem
Piet Mondrian sente-se profundamente traido, quando Theo van Doesburg (1883-1931) comeca a utilizar
nos seus trabalhos neoplasticos, as diagonals. Por esta razao, Mondrian afasta-se dele e vais para Paris e
posteriormente para os E.U.A., onde se apaixona pelo Boogie-Woogie, pelas cores da cidade, pelos
semaforos, etc. acabando tambem ele de forma discreta, por incluir nos seus trabalhos as diagonals.
327
esquecer que tambem permanece em cada obra a vontade de nao a destituir de uma origem,
como e o caso das paisagens holandesas.
Foram varios os artistas que reclamaram para si a producao do primeiro quadro
abstracto. Wassily Kandinsky tera certamente sido o primeiro abstraccionista, mas outro
artista russo esteve entre os primeiros - Kasimir Malevich. Quando ele afirma a primazia
da quinta dimensao - a economia - esta a definir o Suprematismo (1913/1915 - 1920's),
nas suas possiveis atitudes, o estatico e o dinamico. Com os seus "Quadrado preto" (fig.
29, p. 172) e "Quadrado branco" (fig. 80), ele explora os extremos da abstraccao. E, como
ele define, o "grau zero", ou o "vazio" a partir do qual nasce toda a arte nao figurativa,
aquilo a que Lyotard chamou de "representacao nao apresentavel" 605 . A pureza das formas,
cores e composicao suprematistas desviam-se de qualquer imitacao da natureza e remetem
para o fruidor a responsabilidade de as compreender. Tal compreensao passava pela
visualizacao das formas nas suas multiplas dimensoes. No entanto, estas obras tambem
poderao evidenciar uma nova atitude, em que nao ha lugar a interpretacoes. Malevich
condenava qualquer interpretacao simbolica e reduzia a obra ao que ela seria
efectivamente. Ela «(...) nao significa nada: e» 606 .
Fig. 80 | Kasimir Malevich, Composicao
suprematista: branco sobre branco, 1917.
A Abstraccao Geometrica que prevaleceu ate ao final da Segunda Guerra veio
gradualmente a ser substituida por uma outra abstraccao, que sobreviveu muito associada a
605 cf. LYOTARD, Jean-Francois, op. cit., pp. 123-132.
606 cf. NERET, Gilles - Kazimir Malevitch. Colonia: Taschen, 2003. p. 50.
328
liberdade de expressao - o Expressionismo Abstracto [1919 - Alfred Barr (1902-1981);
1946 - Robert Coates (1897-1973)]. A expressao dos sentimentos e dos pensamentos era
apoiada no uso das cores e formas abstractas. Nos Estados Unidos, pela mao do critico
Harold Rosenberg (1906-1978), adquire o nome de Action Painting (1952). O
Informalismo [1950 - Michel Tapie (1909-1987)], nome por que ficou conhecido na
Europa o Expressionismo Abstracto, teve uma consistencia mais flexivel, adquirindo
diversas variacoes, como Art Brut [1945 - Jean Dubuffet (1901-1985)], Abstraccionismo
Lirico [1947 - Camille Bryen (1907-1977); Georges Mathieu (1921- )], Tachismo (1951 -
Pierre Gueguen). Em redor do Informalismo apareceram alguns grupos como o "Cobra"
(1948-1951) e "El Paso" (1957-1960).
Dubuffet investiga materials insolitos, como a lama, e recorre a outras praticas, tais
como o graffiti, incisoes, grattages, marcas. A sua intencao era que a obra fosse refeita
pelo pensamento do espectador, pensando-se a arte como uma coisa "a fazer", "a viver" e
nao "a contemplar", sendo as obras dirigidas contra a arte enquanto sistema de convencoes.
Tambem Pollock, tendo aprendido em Max Ernst (1891-1976) a tecnica do dripping, sera a
figura principal do Expressionismo Abstracto nos Estados Unidos. A sua arte exprime,
mais que uma intencao de comunicacao, a necessidade de libertar pelo gesto, a sua propria
energia.
Depois de se ter orientado pelo Expressionismo Abstracto e Surrealismo, o pintor
Mark Rothko (1903-1970) realiza, nos anos 1947-50, obras em que se exprime
exclusivamente por meio da cor que coloca na tela, com tinta de bordos indecisos, em
superficies moventes, por vezes monocromaticas e compostas de bandas
diversificadamente coloridas. Rothko e um dos pintores protagonistas da Color Field
Painting, que se desenvolveu nos Estados Unidos a partir de 1950. Os pintores que a
praticam sofreram influencias de Joseph Albers (1888-1976), antigo professor da Bauhaus.
Esta "evolucao" para uma pintura que se quer vazia de conteudo e que escapa a todo o
discurso sobre ela mesma, confirmar-se-a em pintores que ficaram fieis a abstraccao a
partir dos anos sessenta, tais como Frank Stella (1936- ) e Ellsworth Kelly (1923- ). A
atitude destes artistas resulta de uma necessidade de expressao pessoal a qual eles nao
querem atribuir nenhum sentido. A Color Fiel Painting e uma derivacao do
Expressionismo Abstracto que coloca a enfase sobre a utilizacao da cor, mais que sobre o
gesto. As suas obras sao "campos de cor" (Clement Greenberg) que se caracterizam por
329
grandes areas de cor intensa e sobrecarregada. A rejeicao, por parte destes autores, do
manuseamento expressivo do pincel contribuiu para abrir caminho ao Minimalismo.
Joseph Albers tambem se pode considerar o precursor da Op Art, visto que sempre
desenvolveu estudos ligados a cor, tendo inclusivamente publicado um livro intitulado
"Interaction of Color" 607 . Mas, a Op Art nao se inspirou so em Albers. Os defensores de
uma arte "ludica" beberam tambem no Neo-impressionismo de Georges Seurat (1859-
1891) e no Orfismo do casal Delaunay [Robert Delaunay (1885-1941) e Sonia Delaunay
(1885-1979)].
A Op Art e um jogo intelectual, por vezes confuso, onde nao ha qualquer intencao
comunicacional. Pretende sim criar efeitos opticos, que fazem o espectador viver uma
experiencia estetica pelo contraste entre o facto fisico da visibilidade e o seu efeito
psicologico. A este respeito, Ruhrberg diz-nos: «A imagetica de Riley nao exige
interpretacao, porque toda a mensagem se encontra a superficie, desafiando-nos, como
observadores, a analisar os seus efeitos com base na nossa percepcao» 608 . De facto, a obra
da artista Bridget Riley (1931- ) encerra toda uma vacuidade signica, podendo caracterizar
a Op Art com excelencia. O que resta ao espectador e a sua interaccao mental com a obra.
Esta faz ressaltar elementos que inicialmente estariam ausentes e que perceptivamente
comecam a preencher a obra de modo a enriquece-la de informacao. As mudancas de
ritmos em Riley (fig. 81) expressam uma determinada leveza, tendo como funcao tornar as
obras o mais objectivas possivel. Assim, a compreensao por parte dos fruidores estaria
mais acessivel.
Mas a essa objectividade nao esta necessariamente associada uma maior
legibilidade: se por um lado, o sintetismo e a monotonia dos padroes levam a sua rapida
identificacao e facil "leitura", por outro, o seu processo de dinamizacao torna-as
rizomaticas em termos comunicacionais. O que resta da obra e o seu efeito, caracteristica
comum a todas as obras e nao so as pertencentes ao mundo optico. Falando de efeito, nao
podemos esquecer que este e o marcadamente visivel em qualquer obra: sera entao o seu
registo. Nao e por a obra de Riley provocar uma determinada dinamica, que se considera
possuidora de um efeito; pelo contrario, diriamos que "nao tern um efeito", mas sim que
"tern efeitos". O efeito e o registo presente, e a marca, e o ex-feito. Neste sentido, o efeito e
607 ALBERS, Joseph - Interaction of color. New Haven [etc.]: Yale University Press, 1963.
608 RUHRBERG, Karl [et al.] - Arte do seculo XX. Colonia [etc.]: Taschen, 1999. Vol. I. p. 346.
330
um feito que se tornou facto, pela perenidade dos seus actos. Na obra de Riley, o efeito e
actuante, atingindo o ponto maximo da ilusao
s„609
Fig. 81 | Bridget Riley, Catarata 5,1967.
A Op Art encontrara o seu prolongamento na utilizacao do movimento real, ou seja,
na Arte Cinetica. Como a Op Art, tambem esta se destina a integrar-se na vida social:
dinamizacao plastica do urbanismo e participacao do espectador. A mensagem e, aqui,
ainda mais vaga, sendo o espectador condicionado ao seio de um environnement. A Arte
Cinetica pretende levar o espectador a produzir uma determinada significacao, por virtude
da visualizacao de multiplas formas essenciais da nossa percepcao em tempo real.
Constitui uma preocupacao constante da Arte Cinetica levar o espectador a intervir na
obra, a qual se torna deste modo interactiva.
Este tipo de obras mete em evidencia a possibilidade do trabalho artistico em grupo
e a colaboracao entre artistas, engenheiros, psicologos e teoricos da arte; por isso os
adeptos da Arte Cinetica questionaram a arte quanto a sua autoria. Mas nao foi so pela
questao da autoria que esta arte foi problematizada: tambem o desprezo pelos materials
nobres da pintura, aos quais a ideia de arte estava associada na tradicao greco-ocidental,
em detrimento de outros nao convencionais, levantou enorme celeuma. Tal
problematizacao foi apropriada pela Arte Povera em 1967, nao porque utilizasse os
mesmos materials, mas porque fugia a tradicao classica de utilizacao de materials nobres
609 Dizer que a Op Art e ilusoria sera uma redundancia, porquanto toda a arte (uma mais que outra) sempre
teve como preocupacao a criacao de ilusoes. No entanto esta e puramente nao-figurativa.
331
nas suas obras. Esta corrente reflecte sobre a desculturalizacao da arte. Ela valoriza o
instinto e a intuicao e abre uma reflexao metafisica, para chamar o espectador a agir, face a
objectividade contestataria que o artista pretende transmitir.
A Arte Povera empreendeu pesquisas sobre o conceito de obra de arte e sobre o seu
processo de criacao muito comparaveis as experiencias do movimento frances Support-
Surfaces [1970 - Vincent Bioules (1938- )], de quern se aproximava ideologicamente. Estes
artistas da Support-Surfaces reclamam para a arte uma dimensao existencial sem as
referencias que a Transvanguarda propunha para o desenvolvimento do seu trabalho, ou
seja, a pintura e o que e e somente isso. As obras patentes numa exposicao sao apenas
obras expostas, apenas dizendo respeito a elas mesmas, sem terem qualquer relacao com o
que podera circunda-las, mormente, o seu criador ou a historia da arte. Elas sao
consideradas unicamente na sua pura objectividade elementar. Para este grupo efemero, o
fruidor nao pode projectar-se mentalmente nas obras, nao pode tirar delas qualquer
conclusao, para alem das suas qualidades fisicas. Para o grupo, a obra nao deve permitir
qualquer imaginacao. A pintura e um facto em si e e sobre ela que se devem colocar todas
as questoes. Este proposito nao significa um revivalismo, nem a busca de qualquer tipo de
originalidade, mas pretende revelar os elementos basicos que constituem as obras. Estas
sao baseadas na desconstrucao da "linguagem" pictorica, nas suas mais diversas
composicoes, de modo a colocar em evidencia a realidade material da obra. Por isso, o que
caracteriza Supports-Surfaces nao e propriamente uma orientacao estilistica, mas antes o
considerar com igual peso artistico tanto o produto final como os materials e os gestos que
levam a criacao. Nao existia qualquer proposito comunicacional no seio deste grupo, ainda
que houvesse intencoes politicas. O que os movia era uma auto-reflexao do olhar sobre o
puramente visivel e uma dissolucao da ideia de comunicacao de mensagens.
No sentido de explicitarem estas suas intencoes, estes artistas fazem uma reflexao
teorica, fundando inclusivamente uma revista, de seu nome "Peinture - Cahiers
theoriques". Em 1972, surgem algumas divergencias entre os membros do grupo que
conduzem a rotura do movimento. Cada artista segue outras tendencias, indo da figuracao
livre ate ao Expressionismo Abstracto. Para alem da Arte Povera, tambem o Minimalismo
americano se desenvolveu em simultaneidade com a Supports-Surfaces, com semelhantes
ideais.
332
Os Estados Unidos estavam avidos de uma nova mudanca artistica, que viesse de
algum modo substituir a gloria do Expressionismo Abstracto. E a partir do momento em
que alguns artistas comecam a introduzir nas suas obras elementos singulares que o
Expressionismo nao utilizava que surge a Pop Art 610 . Ainda que Jasper Johns (1930- ) e
Robert Rauschenberg (1925- ) nao sejam considerados como artistas puros do movimento
pop, eles tiveram com certeza muita influencia, devido a porta que abriram para a inclusao
na obra de objectos e imagens do quotidiano. A Arte Pop americana so tern
verdadeiramente inicio 611 em Outubro de 1962, com a exposicao New Realists, na galeria
Sidney Janis, em Nova Iorque, com a presenca de Andy Warhol (1928-1987), Roy
Lichtenstein (1923-1997), Tom Wesselmann (1931-2004) e James Rosenquist (1933- ).
Com os seguidores da Arte Pop, a arte adquire uma dimensao imaginaria da
sociedade de consumo, mas tambem pode ser relacionada com a especulacao dessa
sociedade de consumo e dos processos que levam a sua exacerbacao. Sao como uma
especie de "balas magicas" 612 de Paul Lazarsfeld, produzidas pelos representantes da Arte
Pop. As suas obras remetem para uma forma oculta e inconsciente de publicidade, que
adquire a funcao de integracao social. Elas nao so possibilitam ao fruidor a informacao
sobre os produtos, mas tambem se organizam de modo a integra-los e contextualiza-los na
vida social. Assim, a Arte Pop expande o conhecimento da vida e mostra as melhores
formas de a viver, evidenciando o American Way of Life.
Os representantes Pop tinham como objectivo afastarem-se das simples
preocupacoes particulares, para se envolverem no universo da natureza e da sociedade da
qual faziam parte. Os seus criadores sao inspirados por imagens que eles encontram no seu
quotidiano, produzidos pelos meios de comunicacao de massa, como cartazes e marcas
publicitarios, revistas, banda desenhada, televisao, comidas de lata. No fundo e uma
610 O Termo Pop Art teve a sua origem nos finais da decada de cinquenta pela mao do critico de arte,
Laurence Alloway (1926-1989).
611 Ja em 1961, Claes Oldenburg (1929- ) se tinha apresentado numa exposicao "The store", em que as suas
obras, inspiradas na Art Brut eram representacoes em gesso pintado, de objectos do quotidiano. Colocando-as
a venda no seu "Atelier-Loja", ele pretendia confundir o espectador sobre os codigos que regem o mercado
vulgar e o mercado da arte. Em Inglaterra, a Arte Pop foi uma verdadeira explosao, como se renascesse uma
nova arte figurativa. Surge um grupo de artistas tais como Richard Hamilton (1922- ), David Hockney (1937-
), Peter Blake (1932- ), Allen Jones (1937- ), Peter Phillips (1939- ), Ronald Kitaj (1932- ), que sendo um
grupo de iniciativas individuals e sem contacto com a Pop americana, apresentam grande coerencia de
conjunto, globalmente saidos das obras de Rauschenberg (1925- ) e Jasper Johns (1930- ).
612 Sobre este assunto cf. supra, sec. 1.2 (Historia), p. 28, 1. 6, v. tambem "teoria hipodermica" no indice de
termos.
333
abordagem a um novo homem, a idealizacao de um corpo. Pelo uso das tecnicas de
marketing, eles analisavam a nova sociedade que emergia.
A Factory de Andy Warhol pretendeu ser uma "maquina" de producao pela
repeticao em serie de imagens. Assim, qualquer pessoa deveria ser capaz de fazer as obras
no lugar do criador. Isto remete para o modo de vida americano. Este movimento nao esta
ligado directamente a sociedade, mas serve de ponte para esta. Na verdade, se sao os
objectos que reflectem essa sociedade, esta espelha-se tambem nas obras realizadas pelo
artista/»o/?.
Em termos de recepcao, poderemos falar de uma "comunicacao", talvez no sentido
em que esta arte e uma imagem-reproducao das imagens que as sociedades produzem. Os
artistas pop assumem-se como o ponto maximo e mais recente da mimese, no sentido em
que representa o conhecido, mas conhecido de forma estrita por um publico restrito. Ir a
uma exposicao de Arte Pop seria semelhante a circular na rua e ser invadido pela
publicidade imagetica, ou a ir a um supermercado, onde se reconhecem os produtos
expostos. Os fruidores de arte tinham agora um novo sistema de referencias.
Nos anos setenta, a Arte Pop provocou duas reaccoes totalmente opostas: falamos
do Minimalismo e Hiper-realismo. A ideia de que a abstraccao seria uma especie de fim de
arte foi contrariada pela Arte Pop e confirmada pelo Hiper-realismo, e a ideia de que a
exposicao de objectos ordinarios acabaria com a escultura tambem foi refutada por este
movimento.
Em oposicao a Arte Pop, a arte hiper-realista (inicio 1960's) deveria ser desprovida
de sentimento e tal so seria possivel aumentando a distancia que separava a obra do seu
fruidor. A fotografia teve um papel fundamental em tal desiderato, visto que serviu este
projecto, enquanto intermediaria entre a realidade e a obra. Baseando-se na fotografia, os
hiper-realistas representam os objectos com fidelidade. Poderiamos dizer que eles
produzem uma arte de ocultar a arte. E dizemos produzem porque efectivamente ha quern
considere que ja nao se trata de uma representacao, porquanto a transposicao da realidade
para o objecto artistico nao cria degradacoes ou distorcoes, como Michel Denis 613 refere,
tomando o exemplo de uma fotocopia que nao e uma representacao, mas antes uma
reproducao (dai o nome de reprografia). As obras hiper-realistas acabam por ser um duplo
da realidade. Nelas, a nitidez e maxima do primeiro ao mais afastado piano. Deste modo,
613 cf. DENIS, Michel - Image et cognition. 2 a ed. Paris: PUF [Presses Universitaires de France], 1994.
(Psychologie d'Aujourd'hui). p. 23.
334
nenhum detalhe e privilegiado e, consequentemente, o fruidor e obrigado a tudo ver. Para o
fruidor, elas provocam uma nova sensacao ja que representam (ou reproduzem) a realidade
com um rigor que originalmente a sensibilidade humana deixa escapar. Trata-se de
aperfeicoar aquilo que apreendemos da realidade. Em boa verdade, a realidade apresentada
por este tipo de obras nao existe porque nos nunca conseguimos (em realidade) captar de
uma so vez tudo o que nos sensibiliza retinianamente.
E na escultura hiper-realista (fig. 82) que encontramos o melhor continuum da
realidade 614 . Ela faz parte do mundo que nos rodeia e e uma extensao artificial dessa
mesma realidade. A sua recepcao nao levanta a partida qualquer tipo de problema, visto
que a obra se apresenta de um modo visivel, muito concreto. Mas, apesar da sua
imediatidade sensorial, podera surgir alguma dificuldade na sua compreensao. Nao nos
referimos evidentemente ao que e mais superficial, mas sim ao amago da obra, quer dizer,
a sua orientacao politica, social, economica, etc. Muitas obras hiper-realistas reflectem
tiques e atitudes de uma sociedade, mas estas estao de tal modo impregnadas no
funcionalismo social que dificilmente nos apercebemos delas. E a arte que as revela, mas
aqui, uma vez mais, se salienta que essa revelacao se torna efectiva apenas por virtude de
uma consciencializacao pessoal. Todos os preconceitos sao abordados como frames de
uma vida de "clausura", que passa despercebida aos olhos das sociedades modernas,
firmadas no tempo que passa a uma velocidade estonteante.
[ cf. a este respeito, idem, ibidem, cap. Ill, especialmente pp. 74-79.
335
Fig. 82 | Duane Hanson (1925-1996),
Queenie II, 1988.
615
Ao contrario do Hiper-realismo, o principio basico do Minimalismo e anunciado
por Mies van der Rohe (1886-1969), como sendo less is more (o menos e mais). Com
efeito, o Minimalismo pretende livrar-se de tudo o que nao lhe e especifico. Em reaccao ao
Expressionismo Abstracto, caracteriza-se pela reniincia ao espaco pictorico ilusionista (so
o olhar deve apreender a obra, com exclusao de toda a interpretacao subjectiva); pela
exploracao da qualidade intrinseca dos materials; pela representacao de estruturas
primarias; pela repeticao seriada; pelo rigor geometrico; e pela importancia dada a funcao
semiotica dos constituintes formais (tais como o suporte e a moldura) na genese da pintura.
No piano da comunicacao, a confusao entre obra de arte e reflexao e da mesma
ordem que no caso do Supports-Surfaces. Os artistas querem subtrair a obra de qualquer
dimensao narrativa, imaginativa, ilusionista, indo de encontro a uma hermetizacao
contextual das formas. No centro dos seus trabalhos colocam questoes sobre a percepcao
da obra de arte, sobre o estatuto do criador e do objecto na experiencia da observacao. As
intencoes do artista nao podem ser claramente transmitidas, so interessando uma percepcao
proveniente da sensorialidade do acto de observacao. Eles "proibem" a procura na obra de
toda e qualquer estimulacao imaginativa ou emocional; compreendemos por isso o termo
615 O Minimalismo nasceu nos Estados Unidos da America no meio dos anos 60. O termo e empregue pela
primeira vez de forma ironica por Richard Wollheim (1923-003), num ensaio publicado na revista "Arts
Magazine" de Janeiro de 1965, a proposito de obras de Marcel Duchamp, de Ad. Reinhardt e da Arte Pop.
336
new cool art [Irving Sandler (1925- )], que aparece nos Estados Unidos no decurso dos
anos sessenta 616 .
O que caracteriza fundamentalmente o Minimalismo e o modo como o suporte se
torna significative Ele e auto-referencial, porque apenas faz referenda a ele proprio e leva
a questionar nao sobre um sujeito, um significado, mas sobre o significante. A obra como
signo e colocada em causa no deslocamento da sua relacao entre o conceito e o aspecto
fisico, ou seja na sua visibilidade.
O Minimalismo permite a escultura apoderar-se de novos campos de investigacao,
atingindo o duplo postulado: a arte enquanto ideia e a arte enquanto accao. A obra resulta
de um processo de formacao dominado pelo exercicio mental, que o espectador deve tentar
reconstruir. Os minimalistas nao pretendem que a obra seja um veiculo para a transmissao
de mensagens ou ideias pelo contrario, os seus trabalhos estao desvinculados de qualquer
informacao substancial que indicie qualquer outra realidade que nao seja a da sua
materialidade. Este tipo de obras, por serem puramente abstracta, sao altamente objectivas
e por nao terem propriedades ilusorias assentam na experiencia corporal do trabalho por
parte do espectador. Por isso, A transmissao de informacao nao estimula uma emocao
estetica, mas sim activa o intelecto.
Em meados da decada de sessenta, quando o Minimalismo ja era um movimento de
grande notoriedade, surgiu um novo contexto artistico saido da tradicao duchampiana e de
Malevich fundado no fazer, na execucao - uma arte processual. Enquanto que, no
Minimalismo, a obra e o que e, ou seja, a relacao do perceptivel, na Arte Conceptual sao as
ideias que interessam. Neste sentido, a arte deixa de se centrar na formatividade plastica,
desafiando a definicao de obra de arte como objecto unicamente visual, tornando infinito o
sentido de producao artistica, e preocupa-se com os conceitos a serem transmitidos. Trata-
se no fundo de eliminar um a um, todos os requisitos da obra tradicional, ate sobrar
unicamente o conceito, e pedir ao fruidor que veja ai arte, mesmo se nao ha nada para
mostrar, como no caso ja anteriormente citado 617 da galeria fechada de Robert Barry
(1936- ).
616 O Minimalismo teve varias designates, entre outras, Mel Bochner (1940- ) nomeou-o de Serial Art;
Barbara Rose (1938- ) de ABC art; Eugene Goossen (1921-1997) de Art of the Real; Kynaston McShine
(1935- ) de Primary Structures.
617 Acerca desta atitude artistica consulte a nota 278, p. 148.
337
Neste processo deu-se a arte uma nova funcao semiotica de auto-consciencia.
Abriu-se um novo caminho na senda da comunicacao, onde o visivel perde valor face a sua
teorizacao filosofica, nao importa a forma apresentada, como foi concebida, nem quern a
concebeu. Se as preocupacoes de ordem filosofica e cientifica dos defensores da arte
conceptual estao no centro dos seus interesses, parece que os meios escolhidos para os
partilhar senao resolver sao provenientes a primeira vista da confusao entre representacao
mental - o conceito - e a obra plastica, que, uma vez concluida e um objecto material
autonomo.
Este tipo de obras levanta entao a questao da efectividade da recepcao, porque sao
ainda mais dificeis de interpretar, na medida em que nao revelam nenhum senso comum e
deixam o fruidor numa expectativa indeterminada, frente as suas propostas simbolicas, que
sao a sintese das ideias do artista. A incomunicabilidade e ainda mais exaltada, dado o
aumento da subjectividade.
A Arte Conceptual nao se estrutura como movimento e porque o grupo de artistas e
muito plural e pouco especifico, a compreensao esquematica deste tipo de obras e
dificultada. Mas existem algumas tendencias que se aproximam da semiotica de Saussure,
tornando-se mais acessiveis, tal como a obra de John Baldessari (1931- ), ou Joseph
Kosuth, que centram os seus trabalhos naquilo que melhor conhecemos, a linguagem
escrita e a fotografia. Tal como para Leonardo da Vinci a obra era cosa mentale, para
Kosuth, ela apenas esta na cabeca, no pensamento e portanto nada tern de material. Kosuth
pretendia que a arte fosse uma linguagem e que as obras de arte fossem proposicoes. Ele
revelou a arte, transportando-a para um sistema tautologico, em que cada obra se descreve
a si propria. Mas sera este sistema fomentador de uma comunicacao? Podera este tipo de
obras permitir uma experiencia comum de algo que o criador pretendeu transmitir?
Ainda que o Blow Up 618 (fig. 83) esteja muito perto de um quadro, o espectador que
e confrontado com essa obra fica privado de toda e qualquer representacao iconografica,
para alem da assumida iconografia linguistica. Os termos que sao propostos ao espectador
nao suscitam nenhuma interpretacao. Nenhum outro sentido podendo ser dado a obra para
alem da definicao exposta, convida a ficar mais perto da realidade que e proposta e a
analisar o que relaciona, ou separa, a realidade e o seu conceito. Quer isto dizer que o
espectador e confrontado com a concordancia, que une a ideia que define essa realidade a
' Trabalhos consistindo na amplia^ao fotografica de defini^oes de dicionario.
338
linguagem que veicula o seu conceito. O Conceptualismo torna "presente" toda a carga
informational contida na obra por intermedio da utilizacao de variados processos tecnicos
e materials, como, textos, fotografias, diagramas, mapas, filmes e videos. Poderiamos
afirmar, que estes elementos que acompanham a obra constituem-se como atributos que se
deslocaram/arrancaram da obra e se afirmam como possibilitadores do seu entendimento.
Nao obstante, as obras conceptualistas nao sao muito diferentes de todas as outras e nesse
sentido tern igualmente elementos constituintes. Digamos que o espectador continua a ter
uma "leitura" propria desses elementos, mas com a respectiva dificuldade de
correspondencia com a realidade a que eles dizem respeito.
Com estas "proposicoes artisticas" 619 , compreendemos que ha uma dificuldade em
entender uma arte cuja validade depende so das definicoes que contem. Kosuth defende-se
de intervir enquanto sujeito no processo artistico que ele estabelece com o espectador e
afasta toda a subjectividade, para instaurar uma ideia de neutralidade - de objectividade.
Ele retira assim ao objecto artistico qualquer conotacao que possa remeter para a historia
individual do criador ou qualquer outra.
meaning (men'in), n, I. what is meant; what is in-
tended to be, or in fact is, signified, indicated, referred
to, or understood: signification, purport, import, sense,
or significance: as, the meaning of a word. 2. [Archaic],
intention; purpose, adj. 1. that has meaning; signifi-
cant; expressive.
Fig. 83 | Joseph Kosuth, Meaning (blow up), 1967.
A bomba nuclear e o rescaldo da guerra produziram na sociedade artistica um clima
de desconfianca quanto ao futuro. O vazio que se vivia obrigou o artista a rejeitar o seu
papel de intervencionista, visto que este ja nao fazia sentido, e a centralizar o seu trabalho
fundamentalmente nele proprio. A accao e o gesto adquirem uma dimensao nunca antes
atingida. Os artistas reivindicam um papel activo na sociedade e que tenda para uma
' Termo que ele prefere em detrimento de obra de arte
339
relagao mais directa e mais fisica com o publico. Encontram entao uma nova forma de
interagir com o mundo envolvente, atraves do gesto e da accao.
Neste momento, o corpo adquire um valor nao so social, mas tambem simbolico.
Ele e elevado ao estatuto de suporte, capaz de assumir o papel de elemento da obra de arte,
o que anula o objecto artistico, enquanto objecto. O processo criativo e realcado e esta
dependente das variaveis espaco, tempo, corpo, sendo o gesto o resultado destas tres
variaveis. De igual modo, o publico adquire um novo protagonismo, sendo convidado a
interagir, o que vem questionar os limites da obra. Esta integra-se num sistema aberto,
sendo o artista quern a inicia e cabendo ao espectador a fungao de a ultimar
indefinidamente nas suas variadas participates. O artista cria um salto entre dois mundos,
em que ele tern um papel proeminente. Nao e a obra plastica que se torna importante, mas
sim o "enquanto duram" as acgoes e os seus resultados. Neste sentido a obra nao existe
sem a presence fisica do artista. Surge entao o happening (acontecimento) e a performance.
A presence do artista nao so e importante para a criagao da obra mas tambem para
determinar as posigoes que o espectador ocupa nela. Os happenings decorrem sob a
orientagao do artista, que da instrugoes precisas ao publico sobre o modo como este se
deve comportar durante o processo de criagao, ao contrario da performance, que nao requer
a participagao do publico, porque a estrutura narrativa da obra e toda ela criada pelo artista.
O happening aparece, neste contexto, como um elemento logico numa pesquisa de
"comunicagao" entre a arte e a vida: uma arte total. Ele vive pela vontade dos seus
participantes "comunicarem" com o outro e partilharem uma experiencia comum. Ser
espectador nao e suficiente: e necessario participar.
O happening nao pode ser comparado ao teatro, do qual diverge pela escolha dos
locais de apresentagao e dos participantes, que sao os proprios espectadores, pela
irrepetibilidade e ainda pelo sentido de indeterminagao que preside ao acontecimento, ja
que as grandes linhas sao previstas antecipadamente, mas o desenvolvimento e a cada vez
uma nova experiencia criadora. O happening "You" 620 (fig. 84) de Wolf Vostell levada a
cabo por pessoas que agem no interior de um ambiente determinado e demonstrativo desta
imprevisibilidade originada pela aleatoriedade dos gestos dos espectadores. Assim como
estas atitudes deixam de ser representagao para se tornarem apresentagoes, tambem o
espectador deixou de o ser para se tornar em "activista". As suas "reacgoes" podiam
620 Realizado em Long Island, Nova Iorque a 19 de Abril de 1964, na vivenda de Bob e Rhett Brown, dai este
happening ter como subtitulo: "Um happening de de-collage para Bob & Rhett Brown" .
340
interagir sobre a accao em curso. Apesar do artista tracar algumas normas de participacao
ao espectador, nao podemos considerar que exista uma manipulacao deste, isto porque o
artista desconhece a forma como o espectador age fisica e mentalmente na obra de arte,
pelo que, nao podera adulterar nem mesmo condicionar a sua criatividade.
Fig. 84 | Wolf Vostell, You, 1964.
Existem algumas regras, mas, dentro delas, o espectador-criador joga consoante a
sua originalidade imaginativa. Estas regras surgem ao espectador como elementos de
identiiicacao e orientacao da proposta criativa do artista. Sao um apendice para a
compreensao daquilo que envolve o espectador actuante, uma especie de pistas para
fomentar a explicacao da obra bem como para compreender o extra-obra. Quer isto dizer
que a inclusao de pessoas que realmente participam activamente nos happenings,
desenvolve a experiencia humana e permite uma visao diferente do mundo.
As tematicas fundamentais dos happenings serviam este proposito, tinham como
preocupacao criar um encontro entre o humano e a realidade, donde podemos inferir o
cariz politico destas intervencoes. O happening pretendia ser uma resposta clara a um
clima politico opressivo. Pretendia-se interagir com o sistema politico e tambem com o
341
sistema social, convidando a participacao. Podemos falar de uma libertacao do espectador,
na medida em que este deixa de ser observador para instaurar ele mesmo o questionamento
da obra. E o espectador que, por inducao do artista, estimula uma transformacao socio-
politica.
Para Vostell, a compreensao da sua obra nao e uma preocupacao:
«Mi obra esta viva, pero ello puede tener la desventaja de que el publico no se calme
y no se preocupe mucho por comprender con profundidad mi mensaje (...). Por ello
mi obra solo sera comprensible al publico dentro de bastante tiempo, mientras que en
la actualidad solo algunos entendidos estan al tanto. Que la entiendan o no, en estos
momentos es algo que no forma parte de mi politica, por cuanto yo pertenezco al
mejor partido: al Arte, linico desde sus inicios en las Cuevas de Altamira hasta los
tiempos actuales» 621 .
Agundez Garcia replica: «Pero a Vostell no parece importarle demasiado que la
gente no comprenda su obra: tampoco la generalidad comprende y conoce a los grandes
artistas reconocidos del pasado y no por ello se les desprecia» 622 .
Vostell acrescenta algo mais a ideia de Duchamp, criando a sua "teoria del arte" 623 .
Para Duchamp, um urinol e uma roda de bicicleta podiam ser arte; para Vostell, o facto de
andar de bicicleta e o estado fisiologico de urinar eram uma criacao artistica. Esta e uma
teoria onde a vida esta fortemente ligada a arte. «(...) cualquier acto humano es obra
artistica» 624 . Esta ideia e exemplificada do seguinte modo por Vostell: «Si tres lineas sobre
papel bianco son arte, el hecho de acariciar a un nifio tres veces tambien es arte» 625 .
O happening e a performance antecipam a arte corporal {Body Art), corrente
artistica mais criticada pela sociedade, caracterizada pela utilizacao do corpo como suporte
e das pulsoes sexuais e biologicas. Esta forma de expressao e confusa, porque expressao e
representacao aliam-se e criam uma sinergia que provoca uma indeterminacao no
espectador. Este nao participa nas accoes senao como fruidor e consequentemente nao tern
a mesma leitura que tern do happening. Apesar da vontade de alterar os habitos de pensar
do espectador, a arte corporal nao atinge o seu fim.
621 Wolf Vostell cit. por AGUNDEZ GARCIA, Jose Antonio - 10 Happenings de Wolf Vostell. l a ed.
Merida [etc.]: Editora Regional de Extermadura [etc.], 1999. p. 81.
idem, ibidem
623 "Teoria del arte" e parte constituinte da compreensao do artista. Os restantes elementos desta
individualidade triologica sao a "vida interior", "a vida social" e "el conflicto". Cf. idem, ibidem, pp. 64-72.
624 idem, ibidem, p. 76.
625 Wolf Vostell cit. em idem, ibidem
342
A Arte Video e a posterior possibilidade de manipulacao da imagem por meio de
computador e de softwares desenvolvem a interactividade. Entre o espectador e o sistema
intervem o software. E a maquina que, em certa medida, se exprime face ao sujeito. Cria-se
uma nova dimensao, onde o espectador se encontra incluido e onde sao tracadas novas
problematicas quanto a relacao do objecto artistico com a sua percepcao. A Arte Video
catalisa o processo artistico, imprimindo grande relevo ao ambiente onde tudo se processa.
Os limites fisicos da tela desaparecem dando lugar a espacos designados pelo criador. Ele
constroi e explora o espaco para criar outras dimensoes espaciais, de modo a induzir o
espectador a novas sensacoes. Esta concorrencia do espaco com o tempo cruza caminhos,
dando origem a "instalacao".
No fim do seculo XX, a imagem espelha-se em contextos rizomaticos, sem nunca
se destituir das suas caracteristicas basicas. Por outro lado, estas tendencias revelam uma
interpretacao subjectiva por parte do espectador que analisa as obras, tendo em conta a sua
propria experiencia pessoal, recriando uma multiplicidade de "historias" privadas. Esta
divagacao consiste na multiplicidade imaginativa do espectador perante o assunto
principal. O criador substitui os elementos tradicionais da obra por outros que implicam a
novidade e que por essa razao serao ab initio carentes de uma explicacao previa.
Novas caracteristicas imperam: a gestualidade materica e substituida por actos nao-
racionais, isentos de qualquer premeditacao; a forma compositiva e tratada em sentido
inverso, desaparecendo e estando entregue ao acaso; as cores sao revalorizadas exprimindo
cambiantes que se afastam de uma ortodoxia, que sempre foi considerada e estimada; O
som, a imagem e o verbal reforcam o continuum espaciotemporal onde o artista e o fruidor
se encontram. Na obra de arte, permitem-se conjugar em nome da simbolizacao dinamica,
quer conceitos abstractos quer ideias reveladoras de preocupacoes socio-culturais. A arte
adquire um novo redimensionamento.
A subjectividade pura, iniciada por Malevich, e a irrisao de Duchamp fecharam-se
em caminhos sem salda que condenaram estes dois artistas a nao poderem mais exprimir-
se atraves da pintura. Entretanto, os centros de arte de um lado, a arte abstracta de outro,
tudo fizeram para conseguir alargar os campos de investigacao revelados por estes dois
precursores da arte contemporanea. Todavia, face a aridez, a hibridizacao de generos e a
falta de "comunicacao" produzidas por estas tendencias extremas, o espectador,
desenganado e incredulo, afastou-se e desconsiderou as obras.
343
4.3.2 Actualidade artistica - Uma proposta de decadencia
Este ponto centra-se nas preocupacoes da actualidade artistica, naquilo que se faz
de mais actual em termos artisticos e em como isso condiciona as relacoes existenciais
entre o artista e o publico. Esta abordagem e claramente uma continuidade do ponto
anterior e vem de encontro a ideia central de que a nao-comunicacao na arte e fruto de uma
transformacao historica, culminando na contemporaneidade que, segue principios de
argumentacao favoraveis a arte, mas que se opoe categoricamente a um seguimento
historico previsivel. Assim, desembocamos num periodo, em que a classificacao das
atitudes comeca por se tornar uma tarefa ardua; a nomenclatura acompanha a realidade
cientifica e as transformacoes tern a celeridade dos avancos tecnologicos. O artista ja nao e
ele proprio, mas encontra-se inserido num sistema colectivo de criacao. O publico tambem
deixa de se poder encaixar no modelo tradicional, uma vez que interactivamente tambem
pode ser criador. A ciencia, a sociedade e a visao que o artista tern do mundo, como
determinantes que sao da arte, invertem-na a todos os niveis.
Adulteram-se os conceitos tradicionais e possibilitam-se outros novos e e neste
horizonte de mudancas que surge a ideia de decadencia e nao no horizonte considerado por
Kosuth ao admitir que a arte estava condenada, porque se fundava em consideracoes
esteticas (de cor, superficie e forma) completamente estranhas a definicao de arte que e do
dominio das ideias. A cor, o suporte e a forma so acentuam os aspectos fisicos da obra e
quanto maior e a distancia que nos separa da cor, do suporte e da forma tradicionais, maior
e a sua incompreensao e consequentemente maior sera a sua decadencia.
Sem querer diminuir o conceito de arte, antes pelo contrario querendo reforcar o
destino a que tern sido sujeita, tentaremos fundamentar o seu actual designio. Considera-la
decadente significa que ela se encontra num estado "evolutivo", nao menos digno do que
outros anteriores e certo, mas em que dificilmente cumprira uma ideia de comunicacao. Se
associamos a ideia de decadencia a arte, isso reflectir-se-a no seu processo e logicamente
ligar-se-a a ideia de decadencia a de transmissao de conteiido. A arte actual apenas
disponibiliza a informacao objectiva e, entrando numa cada vez maior subjectividade, a sua
possivel mensagem sofre um declinio. Se, nao aceitamos a existencia de uma comunicacao
344
artistica em momento antanho, mais acentuadamente se justifica uma incomunicacao na
actualidade.
No contexto deste trabalho, associarmos a arte ao termo decadencia e juntarmos o
conceito dessa palavra aos varios estados possiveis da arte, no seu sentido
"comunicacional". Portanto, sempre que referirmos a palavra decadencia, estaremos a
reportar-nos a perspectiva diacronica da arte, no contexto do conceito "comunicacao"
artistica, com o sentido de demonstrar que a incomunicacao que se defende e directamente
proporcional as modificacoes da historia da arte no tempo, culminando no seu estado mais
avancado, o actual, em que mais se evidencia a decadencia artistica. Trata-se de juntar a
palavra ao termo comunicacao, evidenciando o enfraquecimento 626 deste. O termo nao tern
pois nenhuma carga difamatoria ou injuriosa, nem tao-pouco pretende levantar qualquer
tipo de contestacao, com o objectivo de provocar dano a arte. Ainda assim espera-se que o
assunto se abra a discussao e ao debate.
A ARTE NAO E DECADENTE, MAS A SUA DIACRONIA HISTORICA NO CONTEXTO DA
COMUNICACAO E CLARAMENTE DECADENTE
A decadencia da arte 627 ou como alguns lhe chamam, a crise da estetica tern a sua
origem a partir do momento em que a criacao e despojada dos valores introduzidos
historicamente, como nos refere Fernando Guimaraes:
«A crise da Estetica resulta da que se verifica na propria criacao artistica quando ela
se esvazia de uma referenda a esse sistema de valores historicamente realizados e se
apresenta como se de meros signos - e nao de formas - se tratasse, os quais correm o
risco de finalmente se esvaziarem na procura de uma negatividade cujo o reverso
sera tambem o da sua arbitrariedade, o que, ainda na primeira metade do seculo XX,
aconteceu com o movimento Dada.» 628 .
Mas esta crise so existe porque, em determinado momento, nao existiu. Ou seja e
colocado ao dispor do humano a possibilidade de ele poder provocar um confronto e
626 s. u. Decadencia: s. f. estado do que decai; acto ou efeito de decair; enfraquecimento; declinacao;
abatimento; humilhacao; caducidade. In Dicionario da lingua portuguesa. 6 a ed. Porto: Porto Editora, 1986.
627 Sobre a crise da arte contemporanea escreveram muitos autores, alguns deles, baseando-se nas
formulacoes hegelianas da morte da arte. Cf. MICHAUD, Yves - La crise de l'art contemporain. Paris:
PUF, 1998; JIMENEZ, Marc - La querelle de l'art contemporain. Paris: Gallimard, 2005; FISCHER,
Herve - L'Histoire de l'art est terminee. Paris: Balland, 1981; BELTING, Hans - L'histoire de l'art est-
elle fini?. Nimes: Jacqueline Chambon, 1989; DANTO, Arthur - La fin de l'art. In L'assujettissement
philosophique de l'art. Paris: Seuil, cop. 1993. (Poetique). Cap. V, pp. 111-151.
628 GUIMARAES, Fernando - Modernidade e legitimacao. Jornal de Letras Artes e Ideias. (18 Set. 2002).
p. 21.
345
estabelecer uma comparacao, de modo a averiguar das diferencas entre passado e presente.
E pela substituicao das "formas" por conceitos e ideias que a arte se comeca a caracterizar
como decadente.
Mas a crise artistica contemporanea tera igualmente origem numa ambiguidade
socio-artistica, ou antes, na indeterminacao do universo criador, na medida em que, por
falencia da ortodoxia, dissolveram-se os conteudos programaticos da arte. As modificacoes
ao nivel da expressao e percepcao sao entao inevitaveis, acompanhando o crescimento e a
ampliacao do campo signico do nosso mundo. So deste modo se compreende o sentido de
tamanho enriquecimento e profusao artistico-cultural. Assim se evidencia, que a arte
tambem anda subjugada as influencias externas, oriundas de varios campos (para alem do
tecno-cientifico): as novas linguagens mediaticas incrustadas nos mass media extrapolam o
seu verdadeiro dominio, influenciando decisivamente o funcionamento cultural. Se o «(...)
caracter subversivo da obra de arte e capaz de alterar radicalmente os sentidos perceptivos
e expressivos do homem» 629 e porque ela, primeiro, foi fortemente adulterada pela
realidade transformadora, aquela que por sua vez tambem fundou uma sociedade exigente
e virtuosamente oferecida, por meio das varias necessidades socio-culturais.
No entanto esta crise, dirao alguns, nao tera tido inicio no seculo XX, apesar de
serem notorias as transformacoes que a arte sofreu nesse seculo. Quando, em 1875,
Thomas Eakins (1844-1916) apresenta a sua obra "A clinica de Gross" (fig. 85), a critica
conservadora considerou-a como uma obra que poderia abrir caminho para uma
degradacao da arte.
629 FURTADO, Fernando - Estetica e comunica^ao de massa: uma introdu^ao. Revista de Biblioteconomia
& Comunicacao. Porto Alegre: UFRGS [Universidade Federal do Rio Grande do Sul], Vol. VI, (1994), p.
133
346
Fig. 85 | Thomas Eakins, A Clinica de Gross, 1875.
Nao era o dominio tecnico que estaria em causa, mas sim o realismo retratado de
forma semelhante ao "Atelier do pintor", de Courbet, a que Baudelaire 630 se referia como
uma abertura para a modernidade. Existiu portanto um medo da parte de alguns criticos e
historiadores. Estes comecavam a ver que ja se manifestava um interesse em contrariar as
tendencias classicas da pintura e em remete-las para o arcaismo, que segundo Adorno,
«(...) define menos uma fase da historia da arte que o estado de decadencia das obras» 631 .
O Academismo das artes classicas que se vinha manifestando e um Academismo do
"significante". Vulgarmente, os retratos, as paisagens, as cenas diversas, etc. sao tratadas
do modo mais realista possivel, respeitando as convencoes, a experiencia adquirida e a
tradicao. A "evolucao" da forma como o artista se expressa, bem assim como a percepcao
das coisas aparecem lentamente e sem ruptura. Com a arte contemporanea, o Academismo
do "significante" desaparece em proveito de um Academismo de "significado". Ao
realismo do motivo da Arte Classica que respeita as formas, a expressao contemporanea
opoe-se com a sua abstraccao e o hermetismo da sua "linguagem". A convencao da
originalidade substituiu progressivamente a convencao academica, sobretudo a partir do
630 Gustave Courbet, que era um grande amigo de Charles Baudelaire foi o unico pintor que aceitou o pedido
deste para exprimir nas suas obras, o "heroismo da vida moderna".
631 ADORNO, Theodor - Teoria estetica. Lisboa: Edigoes 70, 1970. (Arte & Comunicagao; 14). p. 40.
347
Romantismo do seculo XIX. Aquela levou a libertacao de qualquer constrangimento, ao
ponto de utilizar exaustivamente a liberdade e a originalidade da sua forca de proposicao,
formando um novo sistema fechado, demasiado fechado para ser compreendido.
O objectivo advogado pela arte contemporanea e a inovacao na maior liberdade
possivel. Para conservar a sua razao de ser, as artes devem renovar-se constantemente,
criando multiplas formas de expressao e de experienciacao, que por vezes chegam a nao ter
nenhuma relacao com as consideracoes de ordem estetica e artistica (ditas tradicionais).
Deste modo, a representacao da imagem e a sua significacao foram progressivamente
colocadas de lado pela maior parte dos reconhecidos movimentos actuais. O proprio artista
que reivindique a "pintura de cavalete" encontra-se desconsiderado e relegado para o piano
do simples amador, praticando um lazer banal e vulgar, isto porque a arte contemporanea
foi largamente subsidiada e as criacoes experimentais e conceptuais foram favorecidas.
Nao podemos esquecer que sao os ministerios que orientam as tendencias e encorajam as
manifestacoes contemporaneas, ou consideradas como tal, em detrimento sobretudo da arte
dita figurativa.
Durante algum tempo, a pos-modernidade pareceu estar num impasse e condenada
a repetir as descobertas de Marcel Duchamp; por isso mesmo condenada a sua "nao-
evolucao". Apesar de uma mudanca substancial das praticas artisticas que se verificam no
fim do seculo XX e principio do seculo XXI, nomeadamente devido aos grandes avancos
cientificos, nao se verifica um progresso consideravel que possa afastar definitivamente a
arte da pratica duchampiana.
A pos-modernidade e o espelho de uma decadencia, ela nao deixa de ser uma copia,
uma redundancia, mas tambem uma "alegoria", ate uma dissonancia, em oposicao a arte
moderna que e unica, original e que perspectivou a arte pos-moderna. O Pos-modernismo
nao fecha o Modernismo; pelo contrario, abre-o para poder reescreve-lo, para poder
misturar as suas grandes narrativas com outros discursos. O artista pos-modernista, e mais
acentuadamente o actual, e um individuo que age em funcao das ideias, colocando em
causa a propria ideia de arte tradicional em que a obra tern um valor em si. Hoje o artista
pretende ser um produtor de conceitos, interessando-lhe menos o efeito do seu trabalho.
Como a forma fisica nao e essencial a apresentacao de conceitos e como um conceito e
geralmente o ponto de partida de uma obra de arte, estes artistas consideram que os meios
e as manifestacoes fisicas tradicionais (objectos) sao desnecessarios. Por isso mesmo, o
348
fruidor sera um receptor mais activo do que passivo porque, na medida em que nao estando
contextualizado com as ideias do criador, que assentam sobre codigos por este
estabelecidos, sera estimulado a produzir um significado. Isto, mesmo que aparentemente
algumas obras tenham um caracter que pressuponha uma maior passividade do espectador,
por forca da sua frieza plastica.
Existe na arte actual um desequilibrio na relacao artista-receptor, ja que o objecto
artistico e incompreendido devido ao seu caracter diverso e a ausencia de um significado
observavel, inerente a propria obra. Jose Gil aponta sete caracteristicas para a arte dos anos
80, sendo que a sexta refere-se a confusao de estilos: «Tudo era possivel (...). Confusao de
estilos: a extrema "pureza", "tensao", "originalidade", do trabalho estrutural "modernista"
que perdura ainda nos anos 80, responde "no mesmo piano", o desprezo por todo esse
labor e por toda essa etica do oficio (...). A originalidade sucede (e com ela existe) a
singularidade dispersa do autor.» 632 . Este desequilibrio fundamenta-se na dualidade entre a
obra representativa e aquela que consideramos expressiva, digamos abstracta. Se uma
mensagem pode supostamente ser mais acessivel, nao e certo que ela tenha a adesao,
entenda-se compreensao, do espectador. Esta pseudotransmissao da mensagem podera ser
traduzida como uma emocao. Troca-se de forma enganosa, uma emocao por uma
comunicacao.
Para que o espectador seja portador de um sentido mais vasto da mensagem da obra
e necessario que ela se torne mais concreta, ou seja mais direccionada para uma clara
explicitacao. A arte abstracta ou expressiva, para ser mais transitiva tera de estar associada
a uma atitude representativa. Representativa, nao no sentido da procura de uma profusao
de conjuntos "arquitectonicos", que organizam tendencialmente a obra para um modo
figurativo, mas sim na busca da representacao da sua elementaridade. A arte informal, que
utiliza exclusivamente uma atitude expressiva, nao pode veicular uma mensagem precisa,
mesmo que suscite uma emocao, estimule a imaginacao do espectador ou convide a
meditacao.
632 GIL, Jose - A confusao como conceito In AA. VV., Catalogo da exposicao Anos 80. Realizada na
Culturgest [Lisboa], de 12 de Maio a 31 de Agosto de 1998. Lisboa: Culturgest, 1998.p. 48. Os restantes
tracos caracterizadores da arte dos anos oitenta sao: «1. Confusao dos meios utilizados por um so autor (por
exemplo, Kiefer ou Polke), numa ou em varias obras; (...) 2. Confusao entre autores tao diferentes (...); 3.
Confusao de espacos, lugares ou sites (...); 4. Confusao de tempos (...). 5. Confusao entre "alta cultura" e
cultura popular e, de uma maneira geral, confusao de gosto ou da percepcao artistica. (...) 7. Enfim,
evoquemos um ultimo elemento de confusao, extremamente eficiente: o mercado da arte misturou todos os
valores esteticos habituais, baralhando os valores financeiros respectivos» cf. idem, ibidem, pp. 46, 47.
349
Muitos artistas, tern a ambicao de utilizar as tecnicas artisticas como ferramentas de
pensar, mas as suas mensagens sao dificeis de descodificar. Muitas obras criadas por esses
artistas sao frequentemente de caracter efemero e manifestam um esprrito de irrisao perante
os valores estabelecidos e uma vontade de dessacralizacao da arte; elas visam suscitar um
efeito de surpresa no fruidor, muitas vezes desconsiderado 633 , pois obrigam, no dizer de
Roy Ascott 634 , a "cibercepcao" e "prospeccao" em vez, respectivamente da percepcao e
recepcao. Mas este tipo de obras tambem procura a participacao do espectador, o qual se
encontra parcialmente privado da sua subjectividade por estar num terreno de experiencias,
condicionado pelo artista. Por outro lado, o facto do lugar de apresentacao da obra ser tao
importante como a propria obra induz em confusao: se a obra e subtralda ao seu
environnement, ela perde o seu sentido.
A arte da pos-modernidade, mais notoriamente a partir dos anos noventa, esta
ligada a uma menor ilusao, em comparacao com o Modernismo das primeiras decadas do
seculo XX. No final deste seculo e initio do XXI surge um maior hibridismo artistico,
favorecendo sinergias e complementaridades no seio dos processos de criacao, que vao
desde o design ao cinema, passando pela publicidade, miisica, teatro, danca, etc.
A arte, preocupada em tematicas emergentes, aparece associada a relacoes de
percepcao, com directa ligacao ao espaco e ao tempo. Sobretudo apresenta-se como uma
arte insurgente, que procura exprimir as relacoes do humano na nova sociedade que se
implantou, mas sempre sem a preocupacao de criar uma verdade linica. Dal que tenha
proliferado um numero incalculavel de possibilidades artisticas derivado das sinergias
plasticas, multiplicando tambem assim, de modo proportional, a plurivocidade receptiva.
Por outro lado, esta tendencia caracteriza-se por uma (re)afirmacao da tecnologia em
detrimento de processos obsoletos e congelados, como a pintura e a escultura. Deste modo,
a actualidade artistica vem suprimir o que durante seculos foi instaurado, nomeadamente
alguns conceitos tecnicos, como pintura, escultura, tela, tintas. Ela questiona as fronteiras
das artes mais tradicionais, aquelas que estao solidamente estabelecidas. De resto, sempre
que o artista quis desembaracar-se da representatividade, ele apenas o conseguiu ao preco
633 Em algumas situacoes, o fruidor perde protagonismo, pelo que o criador o relega para segundo piano, nao
incluindo nas suas preocupagoes artisticas o efeito de recepcao da sua obra.
634 Ascott reporta-se concretamente as novas artes emergentes ("trabalho de rede") ASCOTT, Roy - Arte
emergente: interactiva, tecnoetica, e umida; trad. Cleria Maria Costa. In ENCONTRO
INTERNACIONAL DE ARTE E TECNOLOGIA, 1, Brasilia. "Imaginario, real, virtual". Brasilia: IdA
[Instituto de Artes/UnB], 1999. p. 26.
350
da sua "destruicao" programatica. Por essa razao, as novas modulacoes da arte revelam
tambem novas mudanca aos mais variados niveis, nomeadamente no que diz respeito ao
estrato socio-artistico. E neste micro-sistema, que efectivamente sao mais notorias as
rectificacoes (reapreciacoes, reclassificacoes, etc.), se assim as poderemos chamar.
A obra ocupa um espaco com o qual interage, sendo por isso, tambem ele
transformavel e mutavel, dificilmente se concretizando a "cientificidade" do seu principio
e do seu fim. Mas, se a obra se torna flutuante, oscilando entre o imediato e o invisivel, o
espectador tambem flutua e oscila nessas imediacoes. Ocupara, ele tambem, o lugar de
uma meta-fruicao? As duvidas suscitam outras visoes da obra que e relegada para o
dominio do gosto, mais do que para o campo da consideracao artistica. Compreendemos
que a orientacao estetica de uma dada obra, centrada na questao da tecnica, relegara a
questao do conteudo para segundo piano. E vulgar o constante questionar de algumas obras
contemporaneas acerca da sua autenticidade enquanto obras de arte. E questionada a sua
veracidade artistica com base na sua componente "demasiado tecnologica", sem que se
aperceba que de facto a causa existencial da questao e apenas e unicamente a revelacao de
amusia, transformadora de opiniao critica.
Hoje, alguem que seja apaixonado pelas imagens, as formas ou os sons tern todas as
possibilidades de sair frustrado de uma exposicao de arte contemporanea, donde as artes
tradicionais estarao certamente ausentes. O espectador habituado a exposicoes de arte
contemporanea, nas visitas aos centros de arte, nao deixa de reparar nas suas semelhancas.
As obras expostas apresentam, quase sempre, a caracteristica de obras inacabadas,
"precarias" (aparentemente), insolitas, que evitam os suportes e os materials convencionais
e nao hesitam em juntar os diversos campos de actividade cultural. Na arte contemporanea
nao ha um pressuposto que direccione a arte para um determinado esquema de apreciacao
do gosto e de compreensao. Essa nao e uma preocupacao artistica. Alias, os criadores de
obras contemporaneas, regra geral, nao hesitam em reivindicar, com o apoio das
instituicoes, a exclusividade da sua pertenca a arte contemporanea.
As diversas atitudes, expressas por um vasto leque de criacoes minimalistas,
tecnologicas, de performances, de instalacoes, etc., onde o artista e simultaneamente
criador e espectador, ocultaram uma grande parte das tecnicas utilizadas ate ao momento,
tais como o desenho, a pintura, ou a escultura. Os adeptos do conceptual, tendo depreciado
a imagem em proveito da ideia, ajudaram a afastar os meios classicos, julgados
351
insuficientes e pouco apropriados aos seus modos de expressao. Todavia, os processos nao-
habituais empregues nas suas produces tornam a finalidade destas tao delicada e
imprecisa, que conduz a uma maior dificuldade em as estabelecer e relacionar com o
dominio das artes. E como estamos ainda muito ligados a tradicao, isso causa uma
dependencia do "velho", decorrente de uma certa antipatia face ao "novo". Esta atitude
manifesta-se pela recusa do objecto, enquanto objecto artistico, em virtude deste nao
incluir na sua constituicao os elementos convencionais da tradicao classica das artes. Dai o
espectador ter por vezes dificuldade em incluir um determinado "objecto ansioso" 635 no
campo das artes, mesmo que ele se encontre perfeitamente enquadrado como tal por uma
instituicao que o credibilize.
Esta antipatia sera ainda maior se uma obra nao estiver circunscrita a um espaco
museologico ou galeria. O caso das obras efemeras e realizadas tendo em conta o espaco
geografico, ou aquelas que sao suportadas por processos digitals propiciados com o
advento da Internet, ou ainda as mediaticas apropriacoes artisticas, que alguns criadores
seguem como mote dos seus trabalhos, tornam-se ainda mais incompreensiveis ao senso
comum. Nao e surpreendente que ninguem compreendesse o significado de 1200 sacos de
carvao suspensos no tecto de uma sala, por cima de um braseiro 636 , nem tao-pouco a
reproducao dessa obra realizada cinquenta e quatro anos depois por Elaine Sturtevant 637
(1930- ) (fig. 86). Esta dificuldade de compreensao nao revela nem o dominio do saber,
nem o dominio da estetica, nem o da deleitacao no sentido poussinista 638 .
635 «Qbj ect0 ans i oso " e uma designacao inventada pelo critico Harold Rosenberg (1906-1978), para definir
todas as obras de arte que levantam a questao de serem ou nao obras de arte, de serem arte ou "lixo": «Where
an art object is still present, as in painting, it is what I have called an anxious object: it does not know
whether it is a masterpiece or junk». cf. ROSENBERG, Harold - The de-definition of art. Chicago: The
University of Chicago Press, 1983. p. 12, cf. tambem p. 28. O autor aprofunda este tema no seu livro "The
anxious object", cf. idem, The anxious object. Chicago: The University of Chicago Press, 1983.
636 Esta obra de Marcel Duchamp aquando da primeira Exposicao Internacional do Surrealismo em Paris em
1938, foi um dos primeiros indlcios do que viria a ser mais tarde a instalacao. De referir que as companhias
de seguros recusaram-se a cobrir tal manifestacao.
637 Elaine Sturtevant, artista americana introduziu a nocao de Appropriation Art, dedicando-se a reproducao
de obras de outros artistas. Retira as obras do seu contexto cultural e enquadra-as num novo contexto, deste
modo a obra adquire um novo significado. Elaine Sturtevant nao decreta a morte da originalidade, ela
questiona-a, ela interroga os seus limites, as suas origens. Ela examina o postulado de Walter Benjamin
(1892-1940), sobre a aura, que durante muito tempo restringiu a critica fotografica, para abrir uma nova
revolucao: ela funda a reprodutibilidade como um meio de produzir - ainda - arte.
638 Nicolas Poussin (1594-1665) pretendia alcancar uma unidade nos seus quadros, desenvolvendo a sua
teoria dos modos. De acordo com esta teoria, o tema e a situacao emocional do quadro orientavam o
tratamento apropriado. Esta perfeita uniao deveria promover o prazer estetico. Esta teoria foi defendida em
oposicao aos rubenistas.
352
Fig. 86 | Elaine Sturtevant, Duchamp, 1200 sacos de carvao, 1973/1992.
Tambem e permitido crer que algumas criacoes sao simples resultado do acaso, ou
que outras sao o reflexo de um trabalho artesanal. A titulo de exemplo, as pedras de
Richard Long (1945- ) dispostas em espiral poderiam bem ser representacoes, fruto de uma
procura arqueologica, e as esculturas de Stephan Balkenhol (1957- ) (fig. 87) produtos de
um marceneiro. Mesmo quanto a tendencia puramente conceptual, parece que pode existir
uma relacao com outras areas de saber. As obras, que pretendem logicamente estar ligadas
a um processo mental, aproximam-se da filosofia, o que de resto pode originar no
espectador uma certa confusao. Neste sentido, a obra de arte sera entao, respectivamente,
arqueologia, artesanato, ou filosofia. Assim, frente a este alargamento das fronteiras e a
confusao de generos e possivel evocar um ponto de ruptura, que conduz por vezes ate ao
niilismo da producao.
353
Fig. 87 | Stephan Balkenhol, Tanzende Paare, 1996.
As exposigoes que apresentam pesquisas contemporaneas apenas atingem uma
assistencia reduzida, mas este facto nao as impede de obter subsidios publicos. Entao, os
poderes publicos nao deveriam deixar de encorajar exclusivamente as formas de arte
contemporaneas completamente incompreendidas aos fruidores, que rejeitam
categoricamente as regras de representagao e a dimensao estetica e que encaminham a arte
para uma possivel falencia, cada vez mais assumida? Nao devemos considerar esta
pergunta como um principio para julgar a arte contemporanea como decadente, mas sim
entender que, apesar de firmada na nossa cultura, esta arte coexiste num meio que
maioritariamente a afasta. E isto entende-se facilmente, em virtude da arte contemporanea
se apresentar ao publico mais como algo mental do que como pratica. A ideia de cosa
mentale, que alguns artistas exploram a fundo, prevaleceu sobre a de obra, cuja realizagao
material deixa de ser necessaria. A concretizagao material e uma consequencia da
projecgao social, politica ou cultural da obra, que e concebida, nesse sentido,
conceptualmente .
Na actualidade artistica, aparecem numerosas atitudes, por vezes de curta duragao,
por vezes em oposigao a tendencia do momento, que colocam em causa as regras de
representagao e alteram os habitos. A arte do novo seculo mostra-nos que nunca existiu
qualquer receio em manifestar a realidade fora da razao. Depois do Dadalsmo e da sua
vontade de dessacralizar a obra de arte, as vias radicals atingiram sem diivida o ponto
contrario a razao. Sem a referenda ao lugar (um museu e.g.), seria por vezes impossivel,
mesmo para os conhecedores de arte, discernir a criagao artistica de objectos fortuitos e
354
banais, la colocados por casualidade. Quantas vezes os entendidos em arte nao se terao
surpreendido com excelentes manifestacoes de acaso, da natureza ou outras, que
facilmente poderiam ser remetidas para um contexto artistico?
Por outro lado, a obra de arte tecnologica ou com grande apoio da tecnologia e
enganadora. Um carro exposto num museu e visto, nao como obra de arte, mas
primeiramente como tecnologia. No entanto, o simples facto da sua insercao num espaco
artistico eleva-o ao estatuto de obra de arte. Assim criou-se um desregramento, que se
instituiu precisamente como a regra. E e nesta confusao da arte moderna e contemporanea
que Coelho Netto, sobre a comunicacao, refere: «(...) deve-se observar que e
extremamente raro constatar a existencia de um fenomeno de comunicacao (artistico ou
nao) de fato apresentado sob a capa da desordem» 639 . Segundo este raciocinio, o automovel
inserido num museu sera visto tendo em conta a sua aplicabilidade funcional, mas
desenvolvera, em contrario, um sentimento de indignacao em virtude da desordem
apresentada pela inusitada insercao no espaco museologico. Esta indignacao sera avalizada
pela instituicao museu, mas cria no publico a dualidade entre arte e ciencia, ou se
quisermos, experiencia estetica/experiencia cientifica, criacao (artistica)/producao
(industrial). Se a arte se apropria da experiencia cientifica e porque esta, por conceito, e
uma experiencia util ao conhecimento, util a ciencia, porque esta e algo de aplicacao
pratica - a ciencia e util nao em si mesma, mas na sua aplicabilidade. Entender-se-a
facilmente que a experiencia cientifica tern pois os valores adiados, os valores ao servico
de um outro tempo, ao servico de um outro lugar. Esta e genericamente a grande
caracteristica da experiencia cientifica - a do adiamento, a da utilidade. Nao se estranhe
pois que todas as caracteristicas da experiencia cientifica - explicita ou implicitamente -
falem da utilidade, do adiamento, da subordinacao a outras realidades. Assim, torna-se
claro que, na experiencia cientifica, o tempo da experiencia - o presente - esteja ao servico
do futuro, do ausente, pondo a temporalidade ao servico da intemporalidade.
Pelo contrario, na experiencia estetica, todos os valores se situam, na fruicao, na
sensacao, no presente, no "aqui e agora", estando todos os valores nessa vivencia. Assim, o
futuro e o ausente e a propria intemporalidade ao servico da temporalidade, do presente, do
tempo que dura essa experiencia. Em sintese, contrariamente a experiencia cientifica em
que a temporalidade da experiencia esta ao servico da intemporalidade, na experiencia
639 COELHO NETTO, J. Teixeira, op. cit., p. 123.
355
estetica e a propria eternidade ao servico da temporalidade do momento da experiencia. Na
experiencia cientifica, os valores da experiencia em si (o prazer ou a dor) nao sao
considerados - diferentemente da experiencia estetica, onde sao esses os valores em jogo.
Contrariamente a um custoso medicamento, um chocolate ou uma obra de arte e
verdadeiramente fruivel, e algo de valor localizado no durante da experiencia e nao na sua
utilidade ou possivel vantagem. Assemelha-se isto ao facto de os pais nao insistirem com
os filhos para comerem chocolate, mas insistem para comerem a sopa. Com efeito, aos pais
interessa bem mais o futuro dos filhos que o prazer desse instante - seguem um criterio de
utilidade.
E o criador? Indubitavelmente ja nao se encontra perfeitamente definido, estando
mais consignado ao dominio das ideias do que ao da execucao. Por exemplo, qualquer
artista que desenvolva o seu trabalho em multimedia tern de ser um criador multifacetado,
porque a Arte Digital implica uma serie de novas tecnologias, tais como a montagem
fotografica e video, a musica, etc.; logo, o artista ou domina estas vertentes ou relega a
terceiros algumas parcelas da execucao da obra, tal como sempre aconteceu com o cinema.
A obra deixa de ser fruto de um criador para se integrar no campo de trabalho colectivo.
Por exemplo, no dominio da arte electronica, a maioria das grandes realizacoes sao fruto de
um trabalho de equipa, composto pelos conceptualistas, os realizadores, os coordenadores,
etc. O interessante no trabalho de equipa e permitir uma experiencia estetica colectiva.
Deste modo, a arte dos nossos dias, esta presa a conceitos, ela e bem mais conceptual do
que pratica. Assim, afirma a primazia da ideia, em detrimento da realizacao.
Neste sentido, quern e o artista hoje? O esteta ou o engenheiro? O seu promotor ou
o publico 640 ? Andre Rangel, acerca do seu trabalho, admite que a criacao ultrapassa o
proprio dominio da criacao, «0 meu trabalho esta mais proximo do campo da meta-
criacao, da meta-concepcao, do que do campo da criacao propriamente dita. Gosto quando
o meu trabalho de programacao e experimentado por outros tornando esses outros tambem
criadores.» 641 . A criacao, segundo este ponto de vista, adquire outra dimensao, criando
extensoes anexas a propria criacao, que a multiplicam diferenciadamente por virtude da
640 Eduardo Kac (1962- ), um dos pioneiros da arte transgenica, na sua obra "Genesis" (1999) disponibiliza
ao espectador a possibilidade de ele fazer parte da criacao da obra, atraves do controle remoto via web, da
quantidade de raios ultravioletas, que por sua vez influenciara o desenvolvimento de bacterias, por mutacao
do seu codigo genetico, as quais Kac introduziu um gene artificial criado por ele proprio.
641 Entrevista de Francisco Cardoso Lima a Andre Rangel [Artista/Professor], Arte, ciencia e tecnologia,
Porto, 23 Abr. 2005. [Consult. 21 Out. 2005]. Disponivel em
WWW: <URL:http://www. clinik.net/ua/act/ andre_rangel.pdf >.
356
plurivocidade de espectadores/recriadores. Entao, sendo assim, o criador adquire a
possibilidade de permutar entre esse estatuto e o de fruidor, em que a obra de arte e o ponto
intermedio. Possibilita-se, deste modo, uma criacao duplamente enriquecida e simultanea,
porquanto a obra sera considerada de dois pontos de vista: segundo a visao criadora e
segundo um ponto de vista mais exterior, o da fruicao, mesmo que supostamente a obra se
encontre inacabada, como no caso da programacao de software. A obra sera pois
duplamente enriquecedora, porque a visao externa e simultanea da criacao e da fruicao
acarreta um somatorio de vivencias. Quer isto dizer que se reunem num todo as
experiencias vividas de um humano enquanto criador e enquanto espectador, sendo que
estas se elaboram diferentemente, consoante se trata de um acto criativo ou de uma
contemplacao. Cada vivencia ajustar-se-a a cada situacao criadora ou fruidora. Esta meta-
criacao, ampliando a definicao de criacao, tambem inevitavelmente estende o conceito de
fruicao.
O desenvolvimento artistico caracteriza-se pela pluridisciplinaridade, evidenciando
claramente a conjugacao de varias vertentes artisticas, aliadas a musica e as artes cenicas,
como e o caso das instalacoes, da performance, da Arte Video; mas, por outro lado, existe
tambem uma estreita relacao, com o quotidiano tecno-cientifico e ainda com os fortes
meios de comunicacao. Repare-se na Ciber-arte, que propicia a interactividade, e na Arte
Digital, que se abre a realidade virtual. Com o desenvolvimento das tecnologias, a arte
pode exprimir-se de um modo diferente, mas existirao sempre semelhancas com o passado.
Por exemplo, continuaremos a ver mundos irracionais, so contemplados oniricamente, mas
resultante de processos que nao sao mais os do Surrealismo de Dali (1904-1989) ou Miro -
antes, mundos criados infograficamente, por via de uma linguagem digital, ou fotografica
avancada que origina realidades virtuais . Parafraseando Pedro Barbosa , deixaremos
de estar numa "cultura de objectos" para nos centramos numa "cultura do imaterial".
Quanto mais a ciencia se desenvolve, mais ela permite a invencao de novas
tecnologias. Estas propiciam a arte a possibilidade de tambem ela se ampliar. A tecnica
assenta sobre o efeito cumulativo das suas realizacoes, que permite melhora-las
continuamente. Mas o seu futuro por outro lado, e a obsolescencia continuada dos
642 Ver as obras de Mariko Mori (1967- ), "Mirror of Water" (1998), "Pure Land" (1998), "Entropy of Love"
(1996), etc.; ou a "Cidade Legivel" (1989-1981) de Jeffrey Shaw (1944- ).
643 BARBOSA, Pedro - Arte, comunicacao & semiotica. Porto: UFP [Universidade Fernando Pessoa],
2002. p. 111.
357
produtos, sempre ultrapassada por invencoes de novas tecnologias. A arte apropria-se da
ameaca do tempo aos objectos tecnicos, visto que ele afecta bem mais o arcaismo das
tecnologias, do que as obras de arte. Por isso, nao podemos associar a arte o mesmo
sentido de "evolucao" que e dado a ciencia, porque as etapas da arte nao sao um progresso
no seu verdadeiro sentido: a arte muda, a arte transforma-se 644 .
A proliferacao de novas tendencias artisticas, fruto de uma valorizacao tecnologica,
coloca em confronto artista (seja ele o conceptualista ou o realizador) e sociedade. Nunca
esta se permitiu uma participacao tao grandiosa e activa. O manifesto "Estetica da
comunicacao" 645 , de Fred Forest e Mario Costa, faz referenda a utilizacao dos meios
tecnologicos que surgiam nos anos 80 e que se colocavam a disposicao da sociedade, como
meios de relacao e troca. Estar-se-ia pois presente a uma estetica da relacao mais do que
perante uma estetica do objecto. O processo de criacao e os meios que o permitem e
desprezado relativamente ao contexto de interaccao humana. Parafraseando Forest 646 , os
novos meios promovem a alteracao dos codigos e logicamente a forma de entender as
obras, o que, no fruidor, inevitavelmente tern como consequencia a criacao de estados de
incerteza. E tambem destas incertezas que vive a arte de hoje. A nocao de "arte pela arte" e
igualmente colocada em questao, visto que o artista e aquele que usufrui das tecnologias da
comunicacao - nasce o "artista da comunicacao" 647 .
Tambem a arte sociologica 648 , fundada no inicio dos anos 70 por Herve Fischer, era
um movimento nao so de contestacao da ideologia burguesa da arte, mas tambem revelador
da sociedade, pela observacao das suas atitudes, ao contrario de uma arte que tinha por
base de trabalho e preocupacao artistica, apenas o resultado das obras - o seu efeito. As
644 Compreende-se entao neste trabalho, o sentido das aspas colocadas na palavra evolucao, quando
relacionada a arte.
645 FOREST, Fred - Manifeste pour une esthetique de la communication. In AA. VV. - Esthetique des arts
mediatiqties. Sainte-Foy [Quebec]: Universite du Quebec, 1995. Vol. I. pp. 25-61. Este manifesto foi
originalmente publicado no livro de actas, do primeiro coloquio na Sobonne com o titulo "Art et
communication", cf. FOREST, Fred - Pour une esthetique de la communication. In COLOQUIO, 1,
Sorbonne. "Art et communication". Paris: Osiris, 1986. pp. 55-60.
646 FOREST, Fred - Manifeste pour une esthetique de la communication. In AA. W. - Esthetique des arts
mediatiqties. Sainte-Foy [Quebec]: Universite du Quebec, 1995. Vol. I. pp. 36, 50.
647 Entre outros destacam-se, Fred Forest (1933- ), Roy Ascott (1934- ), Marc Denjean, Mit Mitropoulos,
Robert Adrian (1935- ), Tom Klinkowstein, Eric Gidney, Natan Karczmar (1933- ), Jean-Marc Philippe.
648 FISCHER, Herve - Theorie de l'art sociologique. Tournai, [Belgica]: Casterman, 1977. (Syntheses
contemporaines). Tambem disponivel em versao HTML em:
<http://classiques.uqac.ca/contemporains/fischer_herve/theorie_art_sociologique/theorie_art_sociologique.pd
f>.
358
novas tecnologias deveriam pois permitir a ruptura com o pensamento artistico da epoca,
desviando a atencao dos processos e tecnicas.
Recentemente, Nicolas Bourriaud pega nesta questao do relacionamento e
desenvolve uma Estetica Relational. Esta preocupa-se com as relacoes humanas de
participacao e transitividade criadas dentro do campo artistico, nao so do artista com o seu
espaco, mas tambem com o publico. A obra de arte define-se como um objecto relational:
«Je veux dire par la qu'au-dela du caractere relationnel intrinseque a l'oeuvre d'art,
les figures de reference de la sphere des rapports humains sont desormais devenues
des "formes" artistiques a part entiere: ainsi, les meetings, les rendez-vous, les
manifestations, les differents types de collaborations entre personnes, les jeux, les
fetes, les lieux de convivialite, bref, l'ensemble des modes de la rencontre et de
l'invention de relations, representent aujourd'hui des objets esthetiques susceptibles
d'etre etudies en tant que tel, le tableau et la sculpture n'etant ici considered que
comme les cas particuliers d'une production de formes qui vise bien autre chose
qu'une simple consommation esthetique.» 649 .
O principio da arte relational, que encontramos nas relacoes humanas, nao existe na
historia da arte, com excepcao da "Estetica da comunicacao" e da "Arte sociologica", e e
este efeito comunitario da arte que obriga o fruidor a ir mais alem e a tomar partido da
obra, como membro efectivo de uma relacao, que prima por objectivar a procura de um
sentido para a obra. A recepcao nao tern entao nada de comunicante: ela tern, sim, a
particularidade de promover um pensar e uma troca. Se a comunicacao se propoe a fazer
"evoluir" as sociedades, a arte oferece um outro caminho, em direccao a uma nova forma
de pensar construir em conjunto.
O renascer de novos programas artisticos fez surgir uma nova concepcao de arte,
nomeadamente uma nova concepcao de humano. Para Skapinakis, estreitou-se a dimensao
humana 650 , enquanto que para Frank Popper 651 apela ao envolvimento interactivo
elaborado, permitindo assim, a passagem da "participacao" para a "interaccao". Poderemos
quase aflitivamente dizer que a arte moderna nao estreitou lacos de amizade porque ela foi-
se tornando incompreensivel aos olhos de um publico menos esclarecido. Ela e possuidora
daquilo que Adorno apelidou a "vocacao incomunicante da arte" 652 , ou ainda, «Demitida
de orientar o seu entendimento, a Arte Moderna, paradoxalmente, quer comunicar tudo nao
649 BOURRIAUD, Nicolas, op. cit., p. 29.
650 Conferencia no ambito do I Salao de Arte Moderna, SNBA, em Outubro de 1958. cf. SKAPINAKIS,
Nikias, op. cit., p. 15.
651 Frank Popper cit. por OLIVEIRA, Rosa Maria - Pintar com luz - Holografia e criacao artistica.
Aveiro: Universidade de Aveiro, 2000. Tese de doutoramento em Design apresentada ao Departamento de
Comunicacao e Arte da Universidade de Aveiro. p. 41.
652 cf. ADORNO, Theodor, op. cit.
359
dizendo nada» 653 . No entanto, apesar desta "disfuncao", nunca foram cortados os elos de
ligacao entre a arte, os diversos publicos e as marcas da sociedade catalizadora. No fundo,
estamos a falar de uma relacao que vive existencialmente de humanos: uma triade humana
em correlacao. Ainda assim, a arte modernista (no seu sentido mais lato) nao soube pelas
suas transformacoes, introduzir o poder "comunicante" que vigorou durante seculos de
existencia na arte.
Exemplo paradigmatico desta estreita relacao entre humanos ou entre varias areas
de saber e a obra de Orlan (1947- ). Esta tern origem na performance. Ela trabalha sobre o
estatuto do corpo na nossa sociedade contemporanea, programando a sua propria mutacao,
mudando de corpo e de imagem, porque, como diz Stelarc (1946- ), "o corpo e
obsolete" 654 . Gracas aos meios artisticos e tecnologicos, Orlan subtrai a cirurgia estetica e
a imagem digital das aplicacoes habituais. A artista multimedia utiliza o video, a fotografia
digital, a cirurgia e o seu corpo torna-se o lugar de producao e de exploracao das suas
intervencoes, inspiradas na iconografia barroca e greco-romana. A sua obra interpela os
conceitos classicos de identidade, os tabus aliados aos mitos da feminilidade, a angustia do
corpo aberto, os limites da arte no contexto da complexidade dos modelos filosoficos,
religiosos e psicanaliticos. Na obra de Orlan, nao sao propriamente as novas tecnologias
disponibilizadas que adquirem o papel de suporte, mas sim o seu proprio corpo, embora,
pela enorme ligacao que este adquire com as inovacoes tecnologicas, nao as possamos
dissociar, sob pena de anular por inteiro a realizacao, comprometendo pois o seu efeito.
A proposito da sua "Art Charnel" (arte carnal), Mireille Orlan refere: «LArt
charnel s'interesse a la chirurgie esthetique, mais aussi aux techniques de pointe de la
medecine et de la biologie qui mettent en question le statut du corps et posent des
problemes ethiques.» 655 . O desafio de Orlan e uma experiencia estetica extrema, em que
ela se submete a operacoes arriscadas. Ela coloca-se em cena na primeira pessoa, numa
tentativa de destruir os preconceitos que envolvem o corpo feminino, de colocar em
questao, de uma forma violenta e radical, os canones e a beleza contemporanea. Mais do
que a propria intervencao corporal, ela dilata o momento da accao, prolongando-o ate ao
espectador menos advertido. As suas operacoes apresentadas como actos de arte
653 CONDE, Idalina, op. cit., p. 50.
654 STELARC - Stelarc - The body is obsolete [Em linha]. [S.l.]: youtube, 28 Agosto 2007. [Consult. 22
Ago. 2005]. Disponivel em WWW:<URL:http://www.youtube.com/watch?v=OKEfJRe4uys>.
655 ORLAN, Mireille - Le manifeste de l'art charnel. [Em linha]. [S.l.]: Orlan.net. [Consult. 23 Set. 2005].
Disponivel em WWW:<URL:http://www. orlan. net/fr/php/page_paroles.php?id=63>.
360
["Operation Opera", 1991; "Omnipresence", 1993 (fig. 88)] sao filmadas e divulgadas em
formato de documentario 656 ou, numa forma mais mediatica, utiliza tecnicas mais
elaboradas, como a ligacao video em directo com as galerias de todo o mundo.
Fig. 88 | Orlan, Omnipresence, 1993.
Estas apresentacoes "piiblicas" excluem qualquer sensacionalismo no tratamento do
conteiido, mas as imagens nao deixam por isso de provocar repulsa. Sob o efeito de uma
epidural, ela responde a questoes, e le textos enquanto as suas bochechas ou coxas sao
abertas sob os nossos olhos. De que se trata? De um corpo virtual e real, de metamorfoses,
como indicam as suas multiplas mutacoes corporais. Nesta fase, numa especie de Body
Art 657 , em que o corpo do artista e o material e suporte da obra, Orlan arrisca o suicidio em
directo e especula sobre uma possivel ressurreicao. Corrigindo a sua propria identidade,
sacrifica o seu proprio corpo no "altar" da arte e da cirurgia, para atingir um novo estadio
de "normalidade", ligeiramente diferente do precedente (fig. 89). A coragem e a
sinceridade de Orlan sao inigualaveis, mas a artista acaba por esconder a sua propria
656 O filme de Stephan Oriach (1955- ) sobre a obra de Orlan pode provocar a repugnancia e e absolutamente
desaconselhada a pessoas demasiado sensiveis. Limita-se a mostrar a cara piiblica de Orlan, atraves de
tomadas de vista chocantes. Isto suscita algumas interrogacoes sobre o metodo de trabalho e sobre a
liberdade de accao do realizador. Como agir perante esta ambivalencia? Pelo silencio ou apresentando um
filme que esta em perfeita sintonia estetico-narrativa com o universo de Orlan? Visto que esta ultima
considera o seu proprio corpo, como a expressao da sua propria propriedade e um lugar de debate publico, o
filme tambem, por consequencia, da lugar a um debate, o mais vasto e mais livre possivel, em torno destas
questoes.
657 «Contrairement au "Body Art" dont il se distingue, l'Art Charnel ne desire pas la douleur, ne la recherche
pas comme source de purification, ne la concoit pas comme Redemption. L'Art Charnel ne s'interesse pas au
resultat plastique final, mais a l'operation-chirurgicale-performance et au corps modifie, devenu lieu de debat
public. », idem, ibidem
361
humanidade e o seu proprio sofrimento, por detras de um discurso ultra-intelectual,
alimentado por algumas cabecas "pensantes" 658 , que partilhando o seu percurso, nao
partilham a sua dor.
Fig. 89 | Orlan apos T ciriirgica-performance.
A arte contemporanea, de que a obra de Orlan e exemplo, afasta-se de uma
representacao convencional e pretende expressar as ferramentas do conhecimento. Este
afastamento revela entao uma apropriacao das ferramentas, para construir uma outra forma
de expressao, sempre proxima do mundo sensivel, mas emprestado de uma logica nao
formal. Toda a complexidade da arte e que ela procura criar uma obra singular, susceptivel
de acordar a atencao dos fruidores. A novidade e o motor da "evolucao". A criatividade do
artista nao pode ser sujeita as regras de conveniencia, a modos de exposicao impostos pelo
exterior (ontem pelos tratados, hoje pelos mercados da arte). Neste sentido, a arte
financiada pela sociedade e provavelmente uma arte induzida, adulterada por novas
conviccoes socio-culturais. E uma arte feita a medida, com determinados objectivos pre-
definidos. Mas, independentemente disto, em qualquer forma de expressao, a criatividade
esta relacionada com a perda de sentido, ou seja, nao se podera pensar no respeito de todas
as regras (ainda que socio-culturais) e simultaneamente acreditar na continuidade da
existencia da poesia, da escultura, da pintura, da musica, etc. como uma foma
"comunicante". Portanto, a criatividade e sinonimo de desenvolvimento artistico, mas
' Apoiado pela historiadora Barbara Rose (1938- ) e pelo critico de arte Pierre Restany (1930-2003).
362
tambem sinonimo de incomunicabilidade. A comunicacao "perfeita" e a Utopia de uma
transparencia de sentido.
Entao, como se prefigura uma comunicacao nesta permeabilidade entre arte e
ciencia? Que contexto adquire a variabilidade imagetica originada pela conjugacao de
varias tecnologias? Em entrevista, Andre Rangel responde:
«No contexto em que o objecto artistico e composto por um conjunto de layers
de criacao; alguns exteriores a ti, e o facto de esse tipo de criacao ser apenas
inteligivel, descodificada, por um conjunto restrito de individuos nao est a,
novamente, a nivelar? Ou ainda, parece-te que esse layer de criacao comunica?
Pode nao ser percebido como tal, mas pode ser compreendido de outra forma. Em
variados casos aquilo que vemos nao e aquilo que na realidade existe.
Naturalmente, mas aquilo que me fez colocar esta questao e o facto desse
conjunto de processos que nao sao visiveis, nem compreensiveis, nem des-
codificaveis ou ate mesmo inacessiveis, serem considerados, em si mesmos, um
objecto artistico.
Existe o mito de transparencia tecnologica. Cada vez mais a tecnologia da-nos a
ilusao de transparencia e de inocencia, cada vez mais carregamos apenas no botao,
mas efectivamente cada vez menos estamos apenas a carregar num botao. » 659 .
Efectivamente, este tipo de obras, bem como outras de periodos passados, que
encerram semelhancas notaveis quanto a sua evidencia, tornam-se incompreensiveis,
devido a elevada estrutura organizacional em seu redor. Basta para isso atentarmos nos
meios necessarios para concretizar uma obra de arte tecnologica e facilmente
verificaremos, que muitos processos escapam a criacao do artista, estando pois reservados
a um reduto de pessoas possuidoras dos codigos de criacao, tambem elas artistas por
definicao; mas, por outro lado, essas obras tornam-se simultaneamente compreensiveis,
porque a todos os niveis de fruicao existira um meio de compreensao (ainda que
incongruente) e consequentemente uma significacao implicada. E porque nem todos vemos
da mesma forma, tambem compreenderemos de modo dissemelhante.
659 Entrevista de Francisco Cardoso Lima a Andre Rangel [Artista/Professor], Arte, Ciencia e Tecnologia,
Porto, 23 Abr. 2005. [Consult. 21 Out. 2005]. Disponivel em
WWW: <URL:http://www. clinik.net/ua/act/andre_rangel. pdf>.
363
4.3.3 Protocolo de comunicacao para a Utopia duma trans parencia de sentido
So faz sentido falar-se da (in)compreensao da arte, num processo que promova a
interaccao entre criador e fruidor. Deste modo, que modelo viavel podera ser colocado a
disposicao de uma nova geracao de programas para se perceber como funcionara a arte e
demonstrar que afinal nao existirao diferencas substanciais entre os modelos passados e os
que se afiguram no momento, ou os que se propoem a um devir proximo?
Entende-se que a obra de arte e monossemica, mas que nunca usufrui de tal
caracteristica, visto que a sua monossemia apenas se resume a obra e nao tern directa
relacao com o espectador. Interessa nao so considerar a obra como um objecto possuidor
de um unico significado, e por essa razao puramente objectiva, mas tambem considera-la
aberta a varias significacoes que cada fruidor promovera. Um modelo viavel devera
enquadrar-se nestas circunstancias e ultrapassar as dificuldades propostas por outros
modelos, supostamente incompletos. Ele devera incidir, por um lado, sobre as relacoes
proximas entre cada interveniente do processo artistico, e por outro, coadjuvar um esquema
que permita enunciar um futuro meta-comunicacional da obra de arte. Aquilo que
supostamente seria uma quimera inatingivel pode tornar-se realidade, porque tambem de
novas realidades se trata.
Na era da artistica cientificidade, ou da cientificidade artistica algo permanece
invariavel: a existencia do criador, da obra de arte e do fruidor. Efectivamente, estes
elementos imprescindiveis ao processo artistico nao se desvinculam dos seus papeis na era
tecnologica, e por conseguinte influenciarao decisivamente todo o processo embora
adquira outras dimensoes, outros conceitos. Sendo assim, como se estabelecera uma
relacao perfeita entre todos os elementos, e em termos comunicacionais?
Parece que nada sera feito se nao se ultrapassar a barreira que separa fruidor e
criador, a saber: a inexistencia de regras especificas que tenham como finalidade primeira
estabelecer um tipo de comunicacao particular. De qualquer modo, esta vontade de
estabelecimento de regras para efectivar a optimizacao relacional entre criador e
espectador levar-nos-ia a uma postura traditional. Nao seria entao voltar a um modelo
ancestral, com todas as contingencias ja sobejamente conhecidas? Talvez o ponto de
chegada seja o ponto de partida! No contexto artistico, tem-se verificado alguns
364
revivalismos, talvez por forca da procura de uma solucao, nao para melhorar o mundo, mas
para encontrar um novo sentido da arte. Nao podemos esquecer que actualmente, dentre as
mais variadas formas artisticas, o Neoconceptualismo e o Neominimalismo afiguram-se
como tendencias fortemente implementadas e que abarcam de um modo geral
variadissimas atitudes; tambem as novas tecnologias nao acabaram de nos espantar, em
particular no dominio de uma arte interactiva e virtual.
A eliminacao da barreira que limita o entendimento da obra e que transfere o
"dizer" do criador nao somente para um "ver" do espectador, mas tambem para um "dizer"
(perceber) podera ser conseguida pela adopcao de um protocolo de comunicacao, nao um
protocolo que seja utilizado para comunicar entre duas maquinas - a nao ser que
condenemos a arte a concepcao exclusivamente tecnologica, sem qualquer intervencao
humana (pura Utopia?) - mas sim entre humanos, por meio de interfaces, tecnologicos ou
nao. A arte, para reclamar uma comunicacao necessita urgentemente de um protocolo que
estabeleca as convencoes para o tratamento dos elementos do processo artistico. Necessita
fundamentalmente de uma gramatica para o estabelecimento de uma linguagem
padronizada e aceite por todos porque, como diz Lyotard, tanto um como outro (criador e
fruidor), «(...) nao dispoem de simbolos estabelecidos, de figuras ou de formas plasticas,
os quais permitiriam significar e perceber que se trata, na obra, de ideias da razao ou da
imaginacao» 660 .
A arte deveria estar incluida num contexto de "sobrevivencia", ou seja, a ela
deveria ser atribuida a funcao de comunicar por meio de uma linguagem que todos
reconhecessem. Deste modo, a sobrevivencia compreende-se pela sua funcao. So pela
instauracao de uma comunidade que compreenda o "estranho idioma estrangeiro" 661 e que
instaure uma lingua universal e que se possibilitaria «(...) a circulacao e o intercambio de
todos os significados» 662 . Na medida em que se atribui uma tarefa, ela adquire uma nova
dimensao, passando a integrar as necessidades do humano. Mas o humano ja necessita
dessa arte, aquela que lhe confere estabilidade emocional, mas nao lhe e vitalmente
necessaria. Ela pode ser dispensada em detrimento das necessidades basicas. Mas sera que
nao podera pertencer a um campo, em que seja fundamental para a sobrevivencia? Talvez,
se adquirir a verdadeira dimensao comunicacional, aquela que nao se afigura no momento
660 LYOTARD, Jean-Francois, op. cit., p. 129.
cf. idem, ibidem, p. 134.
662 idem, ibidem
365
e que a ser instalada necessita de um longo processo de aprendizagem por parte do
humano.
O criador tern ao seu dispor a realidade que o envolve e faz dela a sua obra de arte.
Utiliza para tal fim todos os meios de que dispoe e transporta toda a sua sapiencia para o
dominio da fruicao. Origina outra realidade, diferente da original, mas que, apesar disso,
conteria referencias, as quais deveriam ser indiscutiveis para qualquer fruidor, por virtude
de uma padronizacao artistica. A criacao disponibilizada pelo criador deveria conter uma
linguagem univoca e os seus signos, do mesmo modo, deveriam ter caracteristicas
univocas. Estariamos deste modo a criar uma linguistica "matematica" (cientifica), nao
deixando margem de duvidas quanto a sua identificacao. Estariamos certamente a forcar a
sua acessibilidade. A sua significacao seria reduzida, valorizando-se mais o seu
significado. Deste modo, o signo pertencente a este tipo de linguagem ocuparia um lugar
incontestavel e o fruidor nao levantaria duvidas apos a visualizacao da obra, anulando-se a
crise da recepcao. De facto, o que se pretende e estabelecer um modelo comunicacional
para o processo artistico, ou antes, um programa informativo que permita apenas uma
unica leitura da obra de arte, um Neue Alphabet^. Pretende-se registar um novo marco de
viragem na historia, onde uma nova linguagem edenica teria lugar.
Esta situacao nao nos e nova: as ciencias utilizam este tipo de linguagem. Entao, se
a ciencia a utiliza e se a arte e bem mais antiga, nao podera esta fazer uso de igual modo
desta convencionalidade, passando da sua plurivocidade para a univocidade, deixando pelo
meio, a equivocidade da linguagem escrita e verbal, demasiado deficiente 664 para ser
considerada como materia-prima para a criacao artistica? Franz Erhard Walther 665 (1939- )
parte da situacao contraria, da univocidade para a plurivocidade, ou antes, da linguagem
para a arte, mas este e o principio geral das artes, partir dos conceitos para os significantes.
No entanto, este modelo de apresentacao artistica poderia ser tornado como um principio,
porque ele constitui-se, ou pelo menos pretende ser, um "novo alfabeto", com o designio
de representar uma outra linguistica. Seria ele capaz de se afirmar positivamente como tal?
663 "O novo alfabeto" e uma tentativa de Franz Erhard Walther em acabar com o conceito de obra tradicional.
664 A linguagem escrita e verbal pressupoe o codigo fixo, pressupoe a linguagem fixa e deste modo, o
significado do receptor pode diferir do significado do emissor. Existe entao, um significado para o emissor e
outro para o receptor. Quantas vezes nos apercebemos, que o que nos foi dito nao corresponde ao que
teriamos pensado!?
665 WALTHER, Franz Erhard - O novo alfabeto deve cantar. In AA. VV., catalogo da exposicao O novo
alfabeto, de Franz Erhard Walther, realizado no Centro de Arte Moderna Jose de Azeredo Perdigao, de 20 de
Marco a 15 de Junho de 2003. Lisboa: FCG [Fundacao Calouste Gulbenkian], 2003. pp. 5-7.
366
Franz Walther: «(...) insurge-se contra o caracter criptico dos sentimentos subjectivos
porque procura a responsabilidade numa forma de parceria entre a obra e o utilizador, no
seio de uma democracia que cresce lentamente. Para superar uma iconografia apenas
acessivel as elites, opta por uma linguagem material e formal de compreensao acessivel
(mesmo sendo incompreendido num primeiro momento)» 666 . Esta insurgencia, enquanto
modelo para uma nova forma de "linguagem" artistica, procura desocultar o conteudo da
obra, que se reflecte em imagem. Por outras palavras, seria torna-la universal, visto que
seria alcancavel por todos os publicos.
Se o homem conseguiu instituir um protocolo de comunicacao cientifico, talvez
tambem seja possivel encetar esforcos no sentido de institucionalizar um programa
comunicacional de ambito artistico que inclua um protocolo que satisfaca todas as partes
intervenientes no processo artistico.
As vivencias do criador apenas tomariam sentido para ele proprio e elas nao
afectariam a concepcao da obra de arte, porque o criador imputar-lhe-ia padroes sociais
nao passiveis de variacao e que deveriam ser interpretados com total rigor. Essa seria pois
a preocupacao do criador. Do mesmo modo, o fruidor nao faria uso das suas vivencias
pessoais, pelo que a recriacao da obra de arte seria feita apenas segundo o principio da
observacao e respectiva traducao univoca. Ele nao retiraria da obra uma significacao, mas
sim um significado. So posteriormente e que, perante esse significado, ele formularia a
devida significacao, atribuindo-lhe o valor que entendesse. Algo similar acontece com a
linguagem verbal ou escrita atraves da qual, segundo determinados padroes (escritos ou
falados) formulamos novas realidades (significacoes), independentemente do seu
significado - dai a equivocidade deste tipo de linguagem.
Se ate agora este modelo nao foi aplicado foi talvez porque a arte pertencia um
papel diferente do dos dias de hoje. Se cada vez mais se reclama uma arte que comunique,
entao talvez esteja na altura de mudar. No entanto, se tal situacao fosse possivel,
estariamos nos a fazer arte? Deixaria de fazer sentido compreendermos a arte, tal como ela
sempre nos foi proposta. A sua autotelia reduzir-se-ia nao a uma funcao, mas sim a uma
multiplicidade de funcoes. Assim como a ciencia tern uma vastidao de aplicacoes, tambem
a arte adquiriria uma dimensao exterior universal, em virtude da sua funcao primeira de
"arte pela arte" nao se encontrar presente, mas sim ausente, por falta de sentido e de
666 BROCKHAUS, Christoph - "Acgao = Plastica = Imaterial" A aventura da renovagao da escultura". In
AA. VV., op. cit., p. 14.
367
contextualizacao cultural. Precisariamos da arte para transaccionar accoes na bolsa, para
proferir discursos politicos, para esclarecer os crentes nas mais diversas religioes, para se
fazer ciencia, enfim, para satisfazer todos os universos onde o homem se inclue como actor
principal - teriamos as artes como verdadeiras "maquinas para comunicar" 667 . Mas, se tal
situacao orientava a arte para a pluridisciplinaridade e polivalencia social, entao pelos
modelos actuais deixariamos de fazer arte. Esta e uma forma utopica de pensar a arte, com
certeza, mas tern como principal funcao perceber que a comunicacao na arte passaria por
um modelo de caracteristicas semelhantes e que, se ele fosse atingivel, entao como Adorno
nos diz, «Se a Utopia da arte se realizasse, seria o seu fim temporal)) 668 .
4.3.4 A fealdade como factor condicionante da compreensao artistica
E verdade que os tempos mudam a realidade: o que ontem era longe, hoje tornou-se
perto, o que era impossivel passou a ser exequivel, os sonhos tornam-se realidades. De
igual modo, as sociedades souberam criar alteracoes no dominio artistico e, assim, a
transformacao da arte arrasta inevitavelmente consigo a mudanca de conceitos, entre os
quais o belo nao poderia escapar. Mas como podera a obra de arte condicionar a mudanca
da nocao de belo? E como podera esse condicionamento tornar dificil uma compreensao da
obra, dificultando a comunhao de interpretacoes?
Pode-se admitir que o fenomeno artistico teve inicio na dicotomia
agradavel/desagradavel e que, hoje em dia, se transformou num enorme paradoxo: a
dualidade que opoe beleza e fealdade. O belo na arte era entendido como algo que deveria
proporcionar sensacoes esteticas agradaveis. Essas sensacoes teriam origem nas cores, nas
formas, na composicao, etc. Assim, afastar-se-ia da agradabilidade estetica tudo quanto
provocasse no fruidor sensacoes de desagrado ou repulsa. As obras que criam no
667 Pierre Schaeffer introduz o conceito de "maquinas para comunicar" para designar os media da sua epoca,
aquilo a que hoje apelidamos de "media tradicionais". O seu conceito implica a ideia desses meios serem
uma forma de simulacro, que ocupam o lugar da realidade. cf. SCHAEFFER, Pierre - Machines a
communiquer: genese des simulacres. Paris: Seuil, 1970. Vol. I, (Pierres vives).
668 ADORNO, Theodor, op. cit., p. 45
368
espectador repulsa, correntemente designadas como feias, estao aprioristicamente
condenadas a sua nao-compreensao e por tudo quanto se disse condenadas a reafirmarem e
a perpectuarem o fracasso comunicacional. O desagrado de uma obra de arte desmotiva e
retira interesse a sua contemplacao.
Tambem o publico que contacta antecipadamente com a obra, por mediatizacao
negativa tera a sua valoracao adulterada. Este desinteresse desconsidera a obra e retira-lhe
a aura desejada pelo fruidor. Importa realcar que nos referimos ao fruidor "leigo", visto
que o "conhecedor" estara na posse do entendimento funcional dos processos de criacao e
logicamente o seu contacto com a obra sera estabelecido noutra dimensao. O Surrealismo,
talvez tenha sido o primeiro momento historico, em que esta repulsa nao se evidenciou,
isto porque o Surrealismo era totalmente liberto de valores, devido ao "puro automatismo
psiquico" declarado por Breton. Nele nao se estabeleceu, ou pelo menos nao se pretendeu
estabelecer, distincao entre o belo e o feio. O bem, a beleza e a verdade eram considerados
e coabitavam de igual forma com a fealdade, o mal, o grotesco, a crueldade e ate o
satanico.
Noutro tempo, a forma harmoniosa de uma obra de arte nao era considerada na sua
objectividade elementar, mas antes no conjunto das varias elementaridades objectivas, pois
so assim o publico teria pleno acesso a obra. Quantas obras de ontem nao poderiam ser
abstraccoes de hoje, se nao se oferecessem ao publico numa conjugacao harmoniosa?
Claramente se compreende entao que eram as cores, as formas, a composicao, etc., que, em
harmonia, levavam a obra ao publico e tornavam possivel a transmissao de mensagens e
acessivel a sua compreensao. A beleza, tal como hoje e considerada, eleva-se ao
individual, ao puramente objectivado na sua essentia e a harmonia e criada neste contexto
de renovacao estetica. Se o que caracterizava a beleza era, grosso modo, o conceito de
harmonia, entao isso significa que tal pressuposto assentava numa forma canonizada dos
conceitos (regras de representacao) que compunham a harmonia. Consequentemente,
temos um belo convencional e normalizado por um padrao universal.
Mas entao a beleza correspondent a um sentimento ou antes a uma norma? Ha
efectivamente, em materia de gosto, algum conformismo relativamente a ideia de belo, que
pode levar a um consenso informativo. Mas nao podemos olvidar que a beleza e relativa
em termos de tempo e espaco e que portanto, a sua norma varia em funcao deles. Nesta
perspectiva, a beleza aparece-nos como uma convencao. O julgamento do gosto pode,
369
entretanto, ultrapassar as epocas e os lugares: as formas da beleza podem provocar a
sensibilidade, independentemente das normas em vigor. Nos somos sensiveis a beleza de
um quadro de Rafael (Raffaello Sanzio) (1483-1520), visto que este pertence a uma epoca
passada e se enquadra num periodo "resolvido". Somos entao consensuais em considerar
bela uma obra de Rafael, mas quanto a arte moderna, a realidade sera bem diferente. Na
medida em que ja nao existe o mesmo padrao harmonioso, o espectador, pela sua valoracao
pessoal, diferencia-se dos outros fruidores e caracteriza-a (descrevendo-a) a seu modo.
Outrora, considerava-se que o belo era o objectivo do artista, porque o que o artista
podia fazer de melhor seria representar o que Deus tinha criado, e portanto a natureza, a
criacao de um Deus que apenas podia criar coisas maravilhosamente belas. Tinhamos,
assim, obras quasi-fotograficas, onde o artista se exprimia com as suas ferramentas de
criacao e com alguma liberdade que lhe estava reservada. No seguimento dos seculos
XVIII e XIX, algumas transformacoes ocorrem ao nivel das ideias, reflexo de uma rotura
em que o homem passa a considerar a natureza em detrimento de Deus.
O culto da beleza, da Renascenca ate aos nossos dias, e inseparavel de modelos,
que sao os da Arte Classica, ou seja, de uma arte figurativa com representantes de genio
como Leonardo da Vinci, Miguel Angelo, Rafael, Nicolas Poussin (1594-1665), ou entao,
na musica, como Johann Sebastian Bach (1685-1750), Friedrich Haendel (1685-1759),
Antonio Vivaldi (1678-1741), Amadeus Mozart. Que compreendemos hoje quando nos e
dito que uma obra de arte e a incarnacao do belo e que permite identificar o seu conteudo?
A resposta mais comum sera a de que a obra de arte segue um modelo academico, aquele
que foi legado por grandes mestres da arte. Dever-se-a, no entanto, relativizar esta
interpretacao, dizendo que e uma verdade no que respeita a Arte Classica, mas nao se
enquadra na arte contemporanea. A arte contemporanea explora novos caminhos e, por
conseguinte, hoje ja nao e possivel definir a obra de arte a partir da beleza, ou pelo menos,
atraves do conceito tradicional de beleza. A arte contemporanea e bem mais a fealdade do
que a beleza. Melhor: havera sempre uma relacao a beleza - embora esta seja o horrivel, o
feio.
Karlheinz Stockhausen (1928-2007) chocou a opiniao critica quando se referiu ao
"11 de Setembro" como a maior obra de arte de todo o cosmos 669 , sendo portanto de
669 «That is the greatest work of art for the whole cosmos» in Jornal The New York Times. (19 de Set.
2001). Tambem disponivel em versao HTML em:
370
inegavel beleza. Esta afirmagao obteve a contestagao imediata da opniao publica, sendo
que sobre este assunto, qualquer obra pictorica ou fotografica deste assunto sera
certamente considerada de feia; igualmente Guillermo Vargas 670 (1975- ) sensibilizou o
mundo quando deixou um cao morrer por inanigao. Estas situagoes por traduzirem
realidades de grande sofrimento, levantam indignagao, verifica-se no entanto, que o mesmo
nao acontece com obras de periodos bem mais longinquos, que explicitam sofrimento e
que ainda assim as consideramos de belas, como e o caso da decapitacao de Holofernes por
Judite, representada nas pinturas de Andrea Mantegna 671 (1431-1506), de Caravaggio
(Michelangelo Merisi da) 672 (1573-1610), ou de Artemisia Gentileschi 673 (1593- c.1653),
ou ainda na escultura de Donatello 674 (Donato di Niccolo di Betto Bardi) (1386-1466). Esta
ultima levantou controversia e tornou-se demasiado perturbadora aos olhos de muitos
florentinos que solicitaram insistentemente a sua retirada.
Como vulgarmente se julga, os ultimos (entenda-se, os contemporaneos) a falar da
historia, sao sempre os que tern mais razao. Por isso, podemos considerar a arte do passado
como ultrapassada e dizer que nos, os pos-modernos, estamos na posse da "verdade" da
obra de arte. Na contemporaneidade, as preocupacoes sao de outra ordem e o artista segue
os seus tramites quasimodais, tal como refere Luis Calheiros: «E o "Feio" que comanda os
discursos esteticos da modernidade, conformando a nocao de idade contemporanea como
um pathos singular, claramente antagonico a continuidade regular e (alegadamente)
imutavel do processo artistico secular, numa dinamica afirmagao de um devir feito de
descontinuidades dinamicas, dialecticas.» 675 . O feio e uma das fracgoes da dicotomia do
belo de hoje, porque o belo hoje e indiscutivelmente o belo e, paradoxalmente o feio. A
modernidade artistica atinge a maior abrangencia da historia, no que ao belo diz respeito. E
se falamos de beleza ou fealdade e porque a estetica se preocupou em encontrar-lhes uma
<http://query.nytimes.com/gst/fullpage.html?res=9F0DE2DB153BF93AA2575AC0A9679C8B63&fta=y&sc
p=6&sq=Stockhausen+the%20greatest%20work%20of%20art%20that%20is%20possible%20in%20the%20
whole%20cosmos&st=cse>
670 Exposigao na galeria Codice (Nicaragua), 2007. Este artista foi igualmente seleccionado para representar a
Costa Rica na "Bienal Centroamericana Honduras 2008".
671 "Judite e Holofernes" (c. 1495).
672 "Judite cortando a cabeca de Holofernes" (1597-1600)
673 "Judite assassinando Holofernes" (c. 1612-21).
674 "Judite e Holofernes" (1455-60).
675 CALHEIROS, Luis - Feio e modernidade em Portugal [Em linha]. [SI: s.n.], 2005. [Consult. 22 Dez.
2006]. Disponivel em WWW:<URL:http://www. ipv.pt/millenium/15_pers4. htm>.
371
definicao, em cataloga-las em prateleiras distintas, ou antes em entronca-las num unico
caminho (o verdadeiro belo).
Se a nocao do "belo" artistico que dominou a historia da arte desde Platao ate Hegel
perdeu hoje a sua consistencia, a arte continua sempre a utilizar o mundo dos sentidos para
penetrar no mundo do entendimento artistico. O artista tenta provar ao publico que o
potencial humano nao se reduz a transformacao, mas visa o universo da criacao. Neste
sentido estetico, a arte e uma representacao particular, pessoal da natureza, dum
sentimento, do sagrado..., mas tambem, dum inconsciente que surge espontaneamente. A
arte pode entao desprender-se de um mote, podendo ter apenas como suporte a criacao.
As diferentes formas de arte concretizam portanto uma mediacao: mediacao entre o
homem e a natureza, entre o homem e os seus semelhantes, entre o homem e Deus. Estas
mediacoes artisticas ultrapassam e transcendem o problema do conhecimento do mundo. O
estudo dos fenomenos fisicos e o desenvolvimento das tecnologias jogam um papel
importante porque, por vezes, influenciam as ferramentas da criacao. Uma experimentacao
artistica, paralela a experimentacao cientifica, vem, pois, fundar uma nova estetica,
sustentada pelo cruzamento das tecnicas postas ao servico da vida quotidiana. A arte
poderia, portanto, servir para reproduzir os conceitos eternos que o homem concebeu por
meio da contemplacao. A origem da arte provem entao do conhecimento das ideias e das
coisas, mas transcende este conhecimento, para se apresentar de outro modo, advindo dai a
representacao disponivel ao publico.
Um dos objectivos da arte seria entao transmitir o conhecimento prof undo
adquirido nao somente pelo sentir das coisas, mas tambem pela sua inteleccao. Hoje, uma
arte de imitacao estara muito longe da verdade artistica e sera permitido duvidar de que a
obra de arte possa ser tao bela como a coisa real, porque ela apenas representara uma
pequena parte dessa realidade, mesmo que perfeitamente conseguida. A imitacao nunca
traduzira o nivel de beleza da natureza, ainda que a representacao artistica descubra em
absoluto uma verdade do nosso espaco natural.
* *
372
CAPITULO V
Projecto pratico para uma fundamental teorica: problematica
experimental (uma leitura subjectiva sobre a objectividade)
A logica e inimiga da arte, porem a arte nao e inimiga da logica. Para
afirmar que dots mats dots sao cinco, e preciso saber que dots mats
dots sao quatro
Karl Kraus
5.1 Introducao
Considera-se que este projecto pratico de recolha de opinioes foi fundamental para
a prossecucao e fundamentacao desta tese. Justificar o aspecto comunicacional da obra de
arte no espaco geografico como algo de invariavel e averiguar se existe a possibilidade de
uma relatividade comunicacional no mesmo espaco era um criterio de grande importancia,
para justificar o principio deste trabalho, que postula a ideia da arte nao ser comunicacao.
5.1.1 Enquadramento do tema
Ha muito tempo que existe uma ideia de comunicacao associada a arte. Se os
nossos antepassados pre-historicos "comunicavam" com forcas externas, no sentido de
realizarem as suas pretensoes, tambem hoje o artista pretende veicular uma mensagem
directamente associada aos contextos sociais que o envolvem. E claro que estas pretensoes
373
nao sao apenas exclusivas dos criadores, mas tern tambem uma forte relacao com os
desejos dos observadores de arte. Assim, os publicos desejam ser surpreendidos com
inovacoes, pretendem que os artistas sejam os motores de revolucoes, e deste modo
sustentam a ideia de que os trabalhos destes nao sao apenas o reflexo das suas intencoes,
desejando que falem por eles mesmos, que explicitem determinados conteudos de forma
clara e eficiente. Podera sustentar-se esta ideia se atentarmos na intolerancia dos
espectadores a determinado tipo de obras, da qual surgira a famosa pergunta "o que e que
isto significa?". De facto, este significar, tornando-se inatingivel, levanta indignacao. Para
muitos espectadores, o levantamento desta questao e sinonimo de ausencia de arte, na
medida em que ela nao "comunica" nada. Ora, esta problematica esta centrada num
aspecto que os fruidores consideram fundamental para a efectivacao da obra de arte -
aceder em absoluto a sua compreensao. E de notar que a dificuldade de compreensao da
obra e normalmente justificada pela excessiva hermetizacao da parte do seu criador,
esquecendo-se o fruidor que ele proprio pode ser a razao dessa causa.
5.1.2 J ustifica^ao do estudo
Justifica-se este estudo com a necessidade de contrariar a ideia de uma
comunicacao na arte. Houve portanto, a necessidade de enquadrar, neste trabalho, uma
componente que, de algum modo, viesse complementar toda a abordagem teorica. Tivemos
a necessidade de uma verificacao mais proxima da realidade; dai que a inclusao de uma
parte pratica neste trabalho procurou dar sustentabilidade ao seu conteudo, reforcando a
ideia central deste trabalho. Evidentemente que, como complemento desta ideia, ele
pretende constituir-se como um todo - teoria e pratica - e visa essencialmente o
alargamento das abordagens a esta tematica, pelo que esta proposta sera antes de mais, uma
busca, uma procura, na tentativa de amplificacao do conceito "comunicacao" na arte.
374
5.1.3 Objectivos
O estudo da comunicacao na arte nao e indissociavel do conceito espaco-tempo.
Existe uma diversidade historica e geografica das artes. Trata-se de uma diversidade de
epocas e de lugares, mas tambem de relacoes varias com o tempo e o espaco, diversas
manifestacoes e diversos metodos de producao, diversas definicoes e diferentes funcoes.
Mas se, por urn lado, a diversidade significa multiplicidade, por outro, a diferenca nao
implica necessariamente uma alteridade radical. A arte do Oriente corresponde,
evidentemente, a sentidos muito diferentes daqueles a que obedece a arte do Ocidente na
sua definicao classica. Mas significara isto que elas sejam totalmente diferentes, e que nao
possam enquadrar-se num contexto comum e logico? Sera que nao existem, na sua
existencia e avaliacao, elementos que nas suas diferencas as tornem comuns? Teremos pois
de tomar em consideracao a sua relatividade temporal e espacial. O que foi ontem nao e
hoje (relatividade temporal), e o que e aqui nao e ali (relatividade espacial). Estes dois
conceitos, apropriados em termos esteticos, sao considerados nesta tese. No entanto,
somente a relatividade espacial tern aplicacao pratica, visto que a demonstracao da
relatividade temporal se torna inviavel, compreensivelmente, pela extensao temporal
necessaria a sua demonstracao. Qualquer alteracao artistica, que possa ser questionada e
passivel de estudo quanto a sua modificacao, so se verifica em largos periodos de tempo.
Por essa razao, este trabalho inclui um estudo teorico que se debruca sobre o percurso da
historia da arte, para compreensao da sua sequencia no tempo 676 .
Fundamentalmente o que se pretende com este estudo pratico e averiguar a
"relatividade comunicacional" da obra de arte no espaco geografico. Assumir uma
relatividade comunicacional nao e aceitar a ideia de uma flutuacao num possivel processo
de comunicacao na arte, mas antes crer que a priori havera essa possibilidade e que de
algum modo, ela possa inviabilizar a ideia central deste trabalho. Este estudo pratico serviu
tambem para afirmar, mas tambem, se necessario, contestar o intento inicial da tese.
Se, por um lado, se pretende averiguar se, num dado momento espacial, uma
determinada obra de arte podera constituir-se como um veiculo de transmissao de
mensagem e de que forma ela "comunica" e o que podera "comunicar", por outro, interessa
' cf. supra, cap. IV (Analise do processo diacronico-historico da arte), pp. 270-372.
375
saber se o "objecto" exposto e aceite como obra de arte e, se sim, de que forma ela interage
com o fruidor, que sera tanto mais diversificado quanto possivel. E nesta relacao criador-
obra de arte-fruidor, que todo o processo artistico se desenrola, e e ele que merece a nossa
especial atencao.
5.1.4 Hipotese de investigate)
Procura-se uma explicacao plausivel da ideia provisoriamente adoptada com o fim
principal de submete-la a uma verificacao metodica pela experiencia, tendo como ponto de
partida proposicoes aceites, para deduzir delas consequencias logicas.
Espera-se verificar que a obra de arte, independentemente do espaco geografico em
que se encontra inserida, mantem por parte dos diversos publicos uma uniformizacao
quanto a sua analise, remetendo a arte em geral e a obra em particular para o dominio da
nao-comunicacao.
Espera-se que o publico inquirido apresente respostas que sejam a traducao desta
hipotese, ou seja, que maioritariamente correspondam as expectativas deste trabalho.
Pretende-se que analisem as obras de arte, de modo a descobrir-lhes caracteristicas
identicas em todas elas, mesmo que a evidencia pertencam a atitudes opostas, de modo que
a generalizacao encaminhe esta tese para a sua aceitacao.
Deseja-se que este projecto pratico venha confirmar que qualquer obra, mesmo a
mais figurativa, seja sempre incompreendida, assumindo, por outro lado, que ela e apenas a
compreensao dos seus elementos constituintes, quer dizer, dos seus conceitos apreendidos
de forma individual. Por essa razao, parte-se do principio de que a obra de arte transmite
conceitos e significados baseados na informacao e nao propriamente na comunicacao.
Deste modo, a arte sera significacao e o humano jogara com os elementos da obra, para
criar variacoes na sua significacao. Ainda nesta sequencia, supoe-se que o somatorio de
elementos constituintes, digamos conceitos, promove a sua hermetizacao, visto que os
referidos elementos individuals se perdem na conjugacao, passando a serem elementos
compostos; pelo contrario o processo inverso leva a depuracao da obra e a sua consequente
376
compreensao conceptual 677 . Ainda que assim seja, tambem se conjectura que o fruidor
supoe compreender a obra apenas quando esta se baseia em referencias adquiridas
anteriormente. Ou seja, uma cadeira representada artisticamente numa obra significara uma
cadeira. No entanto, a sua ausencia plastica na obra admitira a sua inexistencia e
determinara outras referencias.
Acreditamos que uma obra de arte dependera da mediatizacao para a sua
compreensao "absoluta", pelo que toda aquela que nao se inclua neste processo,
dificilmente sera entendida. Por outras palavras, somente as obras que anexam a sua
descricao (independentemente do meio), poderao ser atingidas intelectivamente. No
entanto, tal so sera possivel por virtude da interiorizacao dos seus conteudos vivenciais e
basicos. Colocando em confronto o fruidor com obras de arte pertencentes a diversos
quadrantes artisticos, deseja-se evidenciar que (nao sendo elas mediatizadas) nem as obras
abstractas nem as figurativas permitem a compreensao do seu significado, inviabilizando
portanto qualquer ideia ou processo de comunicacao na arte.
Espera-se que seja comummente aceite que o publico deseja sempre algo da obra
de arte e do artista quer na sua visao pessoal e particular quer na visao que mantem sobre
os outros fruidores.
5.2 Descricao do projecto
5.2.1 Exposicao itinerants
O projecto e representado por uma exposicao, que percorreu alguns paises de varios
continentes, de forma a servir de padrao cientifico comum - factor que experimentalmente
nao deve ser omitido.
A referida exposicao teve como conteudo alguns trabalhos artisticos do dominio da
pintura e fotografia e que, nao sendo representatives da obra do autor desta tese, foram
criados e realizados com o desejo de servir de instrumento para atingir o proposito de
677 Entende-se por compreensao conceptual, a compreensao dos elementos basicos da obra, assumidos como
conceitos implicitos.
377
analisar a relatividade comunicacional da obra de arte no espaco geografico. Trata-se de
uma exposicao itinerante realizada em diversos locais designados pelas entidades
acolhedoras.
5.2.1.1 Constitute) da exposicao
A exposicao foi composta por (fig. 90):
- 22 pinturas em acrilico sobre tela com as dimensoes de 30x30 cm.
(Obras n os 1-3, 5-13, 15-24)
- 2 fotografias a cores com as dimensoes de aproximadamente 30x30 cm.
(Obras n os 4 e 14)
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Teenier .'!■:' .:.
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Fig. 90 | Obras utilizadas no projecto pratico.
378
Pretendeu-se na exposicao apresentar trabalhos que, de certo modo, tivessem uma
determinada amplitude de caracterizacoes, ou seja, era determinante que as obras em
analise nao fossem predominantemente referentes a uma unica atitude artistica. Por essa
razao, verifica-se que o conjunto de obras utilizadas para esta pesquisa sao a traducao,
ainda que de um modo superficial, de varios grupos artisticos, partindo de icones
puramente figurativos, com um extremo de figuracao a verificar-se na fotografia (obras n os
4 e 14), passando por obras mais abstractizantes (e.g. obras n os 6 e 15), ate a abstraccao
pura, evidenciada numa quase ausencia de elementos constituintes (obras n os 1, 9, 13, 19).
Esta diversidade de obras teve como objectivo principal oferecer ao publico
inquirido uma maior amplitude, fazendo-a corresponder ao sentido mais amplo do universo
da arte, na medida em que, deste modo, se permite uma abordagem mais completa, por
aproximacao a determinado tipo de obras. Dividindo a exposicao em figurativa,
abstractizante e abstracta (fig. 91), estamos a percorrer, de uma forma sintetica, todo o
conteudo historico da arte. Evidentemente, algumas atitudes esteticas nao sao
contempladas, mas este corpus ficara com certeza adjacente as correntes mais
vulgarizadas.
JL
OBRAS
1
Abstractas
Abstractizantes
T
Figurativas
_r rff U , ™" «» -=
Fig. 91 I Estrutura das obras em estudo.
Apesar desta vontade da exposicao varrer, grosso modo, todo o universo artistico,
houve a preocupacao de a tornar o mais simplificada possivel. Para tal, ela deveria basear-
se em poucas referencias externas. Por esta razao, adoptou-se um unico elemento central
para todas as obras - a cadeira. A realidade "cadeira" foi tida em conta, porquanto pertence
379
ao dominio do nosso quotidiano: «Na realidade, alem, possivelmente do automovel, a
cadeira e o artefacto da era moderna mais desenhado, mais estudado, sobre o qual mais se
escreve e que mais e apreciado» 678 . Pretendeu-se que a familiarizacao do publico com este
elemento nem levantasse duvidas, nem fizesse com que as pessoas se dedicassem
demasiadamente a ele. O caracter vulgar e neutro do objecto "cadeira" remete-o para
segundo piano, possibilitando uma atencao mais cuidada a obra enquanto obra e nao
enquanto traducao de uma realidade (cadeira).
5.2.1.2 Particularidades das obras
Foram introduzidas particularidades em algumas obras, mormente nas n os 1, 9, 13,
19, nas obras n os 2, 5, 12, 15, 17, 23, na obra n° 10 e nas obras n os 4 e 14.
O primeiro grupo de obras sugere apenas uma monocromia individual de cores
planas. No entanto, foram realizadas segundo o intento oculto de representarem mais do
que se torna evidente. Todas elas tern sub-repticiamente uma figura, neste caso o elemento
central da exposicao - a cadeira. Portanto, podemos dizer que elas foram realizadas
fazendo distincao entre fundo e figura, ainda que tal nao seja perceptivel, visto que fundo e
figura sao tratados com a mesma cor. Apos a extensao da tinta em toda a superficie da tela,
foi desenhada e pintada com a mesma cor, a cadeira, o que a tornou indistinta. Essas obras
sao apresentadas individualmente numa unica tonalidade, reivindicando o conceito de
"branco sobre branco" de Kasimir Malevich, reduzindo-se a obra a sua simplicidade
extrema, com o minimo de cores e elementos geometricos. Ao contrario da obra de
Malevich, nao se pretendeu criar uma diferenciacao entre fundo e objecto representado,
mas antes criar uma ilusao para tambem, em certa medida, ocultar um significado proprio.
Interessara portanto saber se tal procedimento e apreendido pelo publico fruidor e se isso
se reflecte nas suas opinioes deixadas nos inqueritos.
O segundo grupo de obras, tendo igualmente uma forte ligacao com o elemento
central da exposicao, desvia-se aparentemente dele visto que todas ocupam o lugar da
; FIELL, Charlotte; FIELL, Peter - 1000 Chairs. Colonia: Taschen, 2005. p. 19.
380
abstraccao (grosso modo). Nenhuma delas e fruto do acaso, tendo antes origem numa
desconstrucao/deformacao. Assim sendo, todas tern origem na desconstrucao de outras
cadeiras: as obras n os 2 e 17 derivam da obra n° 6; as obras n os 5 e 23 advem da obra n° 24;
a obra n° 12 tern origem nas obras n os 3 e 24; e a obra n° 15 e o resultado da deformacao da
obra n° 3. Esta ideia de desconstrucao/deformacao pretendeu nao incluir no conjunto
expositivo qualquer outro elemento estranho, para criar junto do publico inquirido uma
familiarizacao com todas as obras e assim nao haver lugar a desvios no contexto de analise.
A obra n° 10, ainda que nela nao tenha sido introduzida nenhuma peculiaridade
plastica, tern, na sua individualizacao e na sua integracao no contexto global da exposicao,
grande importancia. Sendo a unica palavra exposta, "cadeira", numa primeira analise,
apresenta-se como a unica obra que nao carece de justificacao visto que todos estarao na
posse do conceito "cadeira", mas a sua concepcao no contexto da exposicao revela-se mais
hermetica. Esta obra tern em principio um unico significado, mas pode eventualmente
conter uma quantidade indeterminada de significacoes, desde logo pela latitude dos
conceitos. A obra n° 10, "cadeira" e tomada como tendo um factor de direccao potencial e
variavel, visto que se refere quer ao genero "cadeira" quer ao universo das especies. A sua
quantificacao nao esta estabelecida, porque le-se "cadeira", mas, implicitamente, le-se
"uma cadeira", o que imprime grande variabilidade ao conceito. "Cadeira" esta em lugar
de um universo de cadeiras: a palavra "cadeira" e sinonimo de uma grande variedade
conceptual, pelo que, no contexto da exposicao, pode ser geradora de confusao, visto que
nao explicita as caracterlsticas da cadeira. Esta sera apenas identificada pelo
reconhecimento da respectiva traducao grafica, que e desde logo interiorizada pelos
fruidores da obra.
Cada individuo tera o seu conceito da palavra "cadeira", visto que o tera
interiorizado de modo diferente, e isso podera, de forma imaginativa, levar a extrapolar o
seu significado, sobretudo partindo do dominio geral para os dominios especificos, criando
em cada humano diversas variacoes do conceito "cadeira". No entanto, podemos falar de
uma constante ideologica quanto ao conceito "cadeira", porque as variacoes serao sempre
de ordem qualitativa e de caracteristica. Considera-se, portanto, nao serem muito
importantes para a compreensao deste conceito as diversas variacoes da palavra "cadeira",
geradas em cada individuo, pois a ideia geral nao se perdera. Chegamos ao conhecimento
de um objecto e, de forma coerente, a apreensao do seu conceito ideal pela multi-variedade
381
de significances. Ingarden aponta a significacao da propria palavra em estudo e as diversas
significacoes das palavras que correspondem a definicao do referido conceito como
elementos de analise e avaliacao do conceito em causa. «E que a palavra "quadrado" tern a
sua significacao propria e as palavras diferentes que na sua variedade pretendem indicar a
significacao da palavra "quadrado" tern todas as suas proprias significacoes» 679 . Assim, a
obra n° 10 pode significar-se a si propria, mas tambem sintetizar toda a exposicao. Se ela
podera ser vista como uma individuacao plastica, tendo portanto o seu significado proprio,
tambem, de outro modo, podera constituir-se como o conceito globalizante de todas as
obras. Poderemos dizer que a palavra "cadeira" da obra n° 10 e o termo e as restantes obras
a sua definicao, formas distintas e tautologicas de compreensao.
Pretendeu-se que a obra n° 10 fosse de maxima compreensao e entendamos aqui
compreensao nao no seu sentido mais complexo da interiorizacao dos conteudos da obra,
mas sim no sentido da relacao imediata do fruidor com a obra, quer dizer, numa relacao de
imediatidade conceptual 680 , que se preve seja sem equivocos, na medida em que a obra n°
10 assenta num codigo linguistico que foi adaptado para todas as diferencas culturais. A
forma linguistica "cadeira" foi, com efeito, convertida para a lingua inglesa, na palavra
"chair". Deste modo obliteramos, a partida, toda a possibilidade de nao-imediatidade,
bastando, para a compreensao imediata da obra, que todo o sujeito fruidor conheca o
codigo das linguas portuguesa e inglesa. Os termos relativos ao conceito "cadeira" foram
sempre utilizados na obra de forma isolada, ou seja, nao se pretendeu convocar uma
confrontacao cultural. Pelo contrario, tentou-se sempre adaptar a obra ao universo cultural
do fruidor. Deste modo, conseguiu-se uma maior uniformizacao das obras face aos
diferentes meios culturais. Nao podemos falar, portanto, de uma incomplementaridade
entre a obra n° 10 e os respectivos fruidores, criando-se, assim, um padrao cientifico,
apesar da sua variabilidade. Para alem do conhecimento do codigo cultural, outro aspecto
da associacao a imediatidade conceptual da obra, e o conhecimento da escrita, que e
condicao necessaria e essencial. Portanto, uma das condicoes exigidas para este projecto
era a obrigatoriedade de conhecimento da lingua escrita e falada. Pelas razoes apontadas,
679 INGARDEN, Roman - A obra de arte literaria. 3 a ed. Lisboa: FCG [Fundacao Calouste Gulbenkian],
1965. p. 105
680 Nao se confunda esta imediatidade conceptual com a imediatidade sensorial. Esta ultima esta sempre
presente em primeiro lugar no primeiro contacto em que sao utilizados os orgaos sensorials. A obra carece de
imediatidade sensorial, para ser entendida, mas esta imediatidade tem mais a ver com o sujeito fruidor, ao
passo que a imediatidade conceptual tem uma forte ligacao ao sujeito criador, dependendo sempre do efeito
da obra. Dependendo do seu grau de conceptualidade ela sera mais ou menos imediata.
382
esta e apenas uma particularidade desta exposicao e nao tenciona de modo algum ser um
principio para outras mostras, onde a apresentacao de obras com este caracter e enaltecida,
mesmo por analfabetos.
A palavra "cadeira" assume um duplo papel no contexto da obra. Primeiramente
porque a sua imediatidade conceptual nos remete para o objecto sensorial. Ao
visualizarmos a palavra "cadeira", assumimos logo de antemao que a referida palavra tern
plena referenda a realidade objectual e sensorial 681 , ou seja, ao objecto cadeira em
concreto; por outro lado, a palavra "cadeira", nao se desprendendo da imagem "cadeira",
liga-se a um significado que esta muito afastado da sensorialidade. Temos pois um efeito
duplo: o da denotacao, que e aquilo que realmente e a cadeira enquanto imagem formada
individualmente (sempre em funcao de cada vivencia pessoal); e o da conotacao, que e a
ligacao referential da palavra "cadeira" a sua imagem, que pode ser uma cadeira ou algo
mais que vivencialmente se lhe possa corresponder. Resumindo, temos a palavra "cadeira"
e o seu significante: a palavra tipografica com todo o seu potential signico a que todos nos
nao somos indiferentes; e a cadeira em concreto (referente), objecto real, vivido
sensorialmente por todos de formas diferentes, mas sempre com caracteristicas tais que
formam um todo universal. Podemos estar privados do significado da obra, mas
continuamos a "Ler" e a compreender que ela mantem retidos no seu conteiido elementos
passiveis de identificacao e nao somente formas e cores. Nos vemos a(s) "cadeira(s)", as
formas, as composicoes, mas nao vemos aquilo a que isso corresponde.
As obras n os 4 e 14, apesar de pertencerem ao mesmo grupo artistico, diferenciam-
se no seu conteiido. Pretendeu-se que a obra n° 14 nao apresentasse qualquer equivoco; dai
que a sua representacao seja a mais clarificadora possivel. A cadeira, representada
fotograficamente, apresenta-se isolada, sem qualquer fundo, parecendo flutuar no espaco,
para realcar apenas a sua existencia, nao havendo portanto referenda a dimensao. Ela
tambem se encontra na posicao de tres quartos, para permitir uma maior inequivocidade,
visto que, frontalmente ou em qualquer outro alcado, apenas seria possivel visualizar um
lado da sua estrutura, contribuindo isso talvez para alguma confusao ou mesmo
incompreensao. Ja a obra n° 4 pretende, de igual modo, nao criar confusao, usando a
simetria, apenas ligeiramente quebrada pela colocacao do pe do homem sobre a cadeira,
681 Para a imediatidade sensorial, o sujeito fruidor, tera de ja ter tornado conhecimento com o objecto em
causa. Por essa razao optou-se por utilizar o objecto cadeira como instrumento de analise e como elemento
basico para a exposicao, em virtude de se tratar de um objecto totalmente universal.
383
que ocupa o lugar central da composicao. Esta obra resulta, no fundo, do adicionar de
varios elementos. Poderiamos partir da obra n° 14 e, atraves de um somatorio sucessivo, ir
completando-a, ate atingir um maior grau de complexidade. Naturalmente, o resultado
desta harmoniosa associacao de elementos sera hermetizar o conteudo da obra, que passa
de uma simples cadeira a um complexo de cadeira, pessoas e espaco.
Os elementos fundamentals que compoem a obra (pessoas, cadeira e espaco)
interligam-se dando origem a uma complexidade, que se pretende seja entendida pelos
diversos publicos, quer quanto a sua conjugacao, quer simplesmente quanto aos seus
elementos basicos. No entanto, admite-se a partida, que o resultado dos inqueritos venha
contrariar a ideia de uma compreensao "absoluta" , na medida em que esta obra se afasta
da simplicidade oferecida pela obra n° 14 e joga com as intencoes do criador.
5.2.2 Inquerito junto do publico
Foi dada oportunidade ao publico visitante da exposicao de exprimir a sua opiniao
relativamente a mesma, atraves do fornecimento de um inquerito/questionario (v. anexo
A2).
Serviu este como forma de fundamentacao do projecto, nao de forma peremptoria,
mas sim como complemento de sustentacao de todo o trabalho teorico.
O inquerito tinha questoes muito directas, nao sendo necessaria qualquer formacao
artistica para o seu preenchimento; alias, pretendia-se que o mesmo fosse dirigido a um
universo muito vasto, em termos culturais, sociais, profissionais e etarios.
Foi elaborada uma primeira versao do inquerito, posteriormente pre-testada numa
amostra de conveniencia, formada por vinte pessoas com diferentes niveis de escolaridade
e areas de saber distintas. Esta versao nao levantou qualquer duvida ou dificuldade no
preenchimento, nem revelou deficiencias na sua elaboracao, pelo que nao houve lugar a
reformulacoes. Estava pois validado o inquerito e pronto a ser utilizado.
Com vista a evitar que o inquerito fosse de algum modo falseado em termos de
resposta, ele foi sempre fornecido no inicio da exposicao, para que os publicos fruidores se
384
fizessem acompanhar dos mesmos e assim pudessem responder em simultaneo, se assim o
desejassem. Foi tambem distribuido um folheto-desdobravel com reproducao das obras (v.
anexo A3), para acompanhar a exposicao e possibilitar ao publico o preenchimento do
inquerito fora do espaco expositivo. Conseguiu-se, assim, um maior numero de respostas,
porquanto o publico poderia preenche-lo a posteriori, mesmo nao estando na presenca das
obras.
De notar que, so apos o preenchimento e devolucao do inquerito, se procedeu ao
inicio da conferencia 682 . Deste modo, o publico da exposicao nao ficou influenciado pelas
opinioes apresentadas, opinioes que de alguma forma poderiam inviabilizar a exactidao dos
resultados.
Para validacao dos inqueritos e sua posterior aceitacao em termos cientificos, eles
foram autenticados individualmente pelo organismo que viabilizou o projecto, com
aposicao de carimbo institucional.
5.2.3 Conferencia /Comunicacao
Simultaneamente, e a par com as exposicoes nos diversos paises, foi feita uma
divulgacao teorica sobre o tema de doutoramento, centralizada na seccao 3.3 desta tese e
intitulada "Uma objectividade elementar para uma subjectividade artistica" (pp. 162-190).
Pretendeu-se com esta apresentacao conferencial esclarecer as minhas conviccoes e
submeter-me a uma troca de opinioes.
Esta comunicacao foi aberta a um publico lato, para que deste modo houvesse uma
maior variedade de opinioes e uma interaccao critica sobre o tema em causa.
As comunicacoes foram sempre efectuadas somente apos a inauguracao da
exposicao e sempre depois do preenchimento dos inqueritos, para que as minhas opinioes
nao adulterassem as do publico.
cf. nesta pagina, sec. 5.2.3 (Conferencia / Comunicacao).
385
5.3 Material e metodos
5.3.1 Pai'ses do estudo
Este projecto de investigacao, como ja referido, teve o seu estudo centrado numa
itinerancia, pelo que nao existe propriamente um unico local de abordagem experimental,
mas antes uma diversidade de locais. A dispersao geografica foi um criterio tornado em
conta para a apresentacao deste projecto. Tentou-se portanto dispersar geograficamente os
locais de apresentacao, de modo a cobrir uma area mais vasta.
O intento inicial deste projecto era obter uma abrangencia territorial que cobrisse
todos os continentes. No entanto, tal tarefa, por condicionantes financeiras e temporais, foi
impossivel de concretizar. Por essa razao, apenas existem representacoes da Europa,
Africa, Asia, e America do Sul (fig. 92).
Ao nivel europeu, o inquerito foi realizado apenas em Portugal.
Fora do pais, e no sentido de viabilizar o projecto, foram contactadas Embaixadas
Portuguesas e Centros Culturais Portugueses do Instituto Camoes dos seguintes paises:
Embaixadas Portuguesas:
- Angola (Luanda)
- Argelia (Argel)
- Australia (Camberra)
- Canada (Otava)
- Chile (Santiago)
- Dinamarca (Copenhaga)
- Egipto (Cairo)
- Grecia (Atenas)
- Japao (Toquio)
- Marrocos (Casablanca)
- Noruega (Oslo)
- Polonia (Varsovia)
- Russia (Moscovo)
386
Para alem destas embaixadas, tambem foi contactada a embaixada da Letonia em Portugal
(Lisboa).
Centros Culturais Portugueses do Instituto Camoes:
- Brasil (Brasilia)
- Cabo Verde (Praia)
- China (Beijing)
- Franga (Paris)
- Guine-Bissau (Bissau)
- India (Nova Deli)
- Luxemburgo (Luxemburgo)
- Mozambique (Maputo)
- Timor-Leste (Dili)
Dentre as entidades contactadas, apenas houve resposta positiva dos Centros
Culturais Portugueses de Cabo Verde, Mozambique, Guine-Bissau, Brasil, India, China e
Timor-Leste, bem assim como das embaixadas no Canada, Australia e Letonia. Apesar
disso, apenas foi realizado o projecto em Cabo Verde, Mozambique, Brasil, India, China e
Timor-Leste.
Oceania
* >
Fig. 92 | Areas geograficas de apresentacao do projecto.
387
Excluiu-se a Guine-Bissau, Canada, Australia e Letonia pelas seguintes razoes:
Guine-Bissau
O Centra Cultural Portugues da Guine-Bissau disponibilizou-se para apoiar o
projecto. Foi, no entanto, decidido nao aceitar participar naquele pais, dado que a
proximidade com Cabo Verde era muito grande, o que entraria em confronto com o que
inicialmente estaria previsto: dispor geograficamente os locais para apresentacao, de modo
a tornar-se um projecto dispersivamente abrangente. Pretendia-se que as participates nao
fossem centradas em nucleos geograficos, mas sim dispersos no espaco. Evidentemente
que o ideal seria uma abrangencia de todos os paises, so deste modo se poderia retirar
conclusoes absolutas, mas como tal nao e possivel, primeiro por questoes financeiras, e
segundo por falta de tempo, houve necessidade de se estabelecer criterios de seleccao.
Como Cabo Verde foi o primeiro pais dos PALOP a dar parecer positivo, deu-se
preferencia a este, em detrimento da Guine-Bissau.
Canada
A embaixada de Portugal em Otava aceitou o projecto, tendo referido que havia
possibilidade de fazer a sua apresentacao na Faculdade de Artes da Universidade de Otava.
No entanto, apos alguma troca de correspondencia com o Conselheiro Cultural daquela
embaixada, deixei de receber informacao, tendo-se instalado um silencio que levou ao
abandono da minha pretensao por aquele pais.
Australia
O Senhor Embaixador colocou a disposicao os servicos da embaixada e envidou
esforcos para poder concretizar o projecto naquele continente, contactando a "School of
Art" da prestigiada "The Australian National University", em Camberra. A Universidade
deu parecer positivo, remetendo o processo para um responsavel das pos-graduacoes.
Foram estabelecidos sucessivos contactos telefonicos e por e-mail com o referido
responsavel, mas sempre sem efeito, o que originou o desinteresse por aquela instituicao.
388
Letonia
A embaixada da Letonia em Portugal aceitou desde o primeiro momento apoiar a
concretizacao deste trabalho, tendo sido marcado o mes de Junho de 2005 para a sua
realizacao, em Riga, na "Art Academy of Latvia". Por motivos que nao me foram
comunicados, foi desmarcada, na vespera da partida, a minha viagem para aquele pais,
tendo ficado suspenso o projecto ate indicacao de um novo periodo. Ate ao momento da
redaccao desta tese, nao foi recebido qualquer novo agendamento.
5.3.2 Cidades / Institutes do estudo
A seguir referem-se os locais onde se desenvolveram as recolhas de opinioes:
Portugal
Em Portugal, as cidades escolhidas centraram-se no centro e norte do pais: Figueira
da Foz (alunos de cursos diversos da Universidade Internacional, Hospital Distrital e
populacao geral); Aveiro (Servicos Administrativos da Universidade de Aveiro); Coimbra
(Servicos Administrativos e alunos do Curso de Mestrado Integrado em Engenharia
Mecanica da Universidade de Coimbra) e Porto (alunos do 3° e 4° ano da Faculdade de
Belas Artes da Universidade do Porto). Recolheu-se ainda uma diminuta quantidade de
inqueritos em localidades diversas.
Cabo Verde
Sala de exposicoes do Centro Cultural Portugues - Instituto Camoes, da Cidade da
Praia, ilha de Santiago e posteriormente na Sala Julio Resende do Centro Cultural
Portugues - Instituto Camoes, da cidade do Mindelo, ilha de S. Vicente (populacao geral).
Mozambique
Sala de exposicoes do Centro Cultural Portugues - Instituto Camoes, da Cidade de
Maputo (populacao em geral).
389
Brasil
Sala de exposicoes da Biblioteca Central da Universidade de Brasilia (fig. 93) e
posteriormente no Centro Educacional 1 da cidade de Guara (estudantes de nivel
universitarios, secundario e populacao em geral).
India
Sala de exposicoes do "India International Centre", da cidade de Nova Deli
(populacao em geral).
China
Universidade de Comunicacao de Pequim e Universidade de Xangai (Alunos de
nivel universitario).
Timor-Leste
Instituto de formacao continua de professores, na localidade de Balida (Dili)
(alunos de nivel superior).
Fig. 93 | Sala de exposicoes da Biblioteca Central da Universidade de Brasilia.
390
5.3.3 Duracao e periodo do estudo
O estudo teve um periodo em media de uma semana, em cada local de investigacao,
nos meses abaixo indicados:
Cabo Verde - Marco 2005
Mozambique - Novembro 2005
Brasil - Marco 2006
India - Maio 2006
China - Dezembro 2006
Timor-Leste - Janeiro 2007
5.3.4 Populacao do estudo
A par com as diferencas culturais devidas a diversidade de localidades, tambem a
populacao em estudo e bastante diversificada etaria, profissional, ou socialmente. Essa
populacao e constituida por todas as pessoas que visitaram a exposicao itinerante, onde a
mesma esteve exposta.
A amostra representa a populacao, uma vez que toda essa populacao respondeu ao
inquerito.
5.3.5 Tipo e tecnica de amostragem e dimensao da amostra
A investigacao foi efectuada com base nos resultados obtidos a partir da totalidade
dos indivlduos entrados, que aceitaram participar no estudo. Para uma analise mais
391
globalizante, e porque nao interessou averiguar especificamente os resultados obtidos nos
diversos locais/instituicoes, optou-se por agrupar os resultados por cidades. Por isso, a
recolha realizada na Universidade Internacional da Figueira da Foz, no Hospital Distrital
da Figueira da Foz e da populagao geral da mesma cidade, foi englobada como Figueira da
Foz. Assim a amostra atingiu a seguinte dimensao:
Tab. 1 I Dimensao da amostra
PAISES
CIDADE
QUANTIDADE DA AMOSTRA
Portugal
Figueira da Foz
Aveiro
Coimbra
Porto
Localidades diversas
293
43
24
109
25
494 (41,7%)
Cabo Verde
Praia
Mindelo
36
18
54 (4,5%)
Mogambique
Maputo
85
85 (7,2%)
Brasil
Brasilia
Guara
117
39
156 (13,2%)
India
Nova Deli
55
55 (4,6%)
China
Pequim
Xangai
71
37
108 (9,1%)
Timor-Leste
Dili
234
234 (19,7%)
TOTAL
1186 (100%)
5.3.6 Definigao das variaveis em estudo
Consideram-se no presente estudo as seguintes variaveis:
- Idade
- Nacionalidade
- Profissao
- Habilitates academicas
392
5.3.7 Limita<;6es do estudo
O inquerito apresenta diversos conceitos na sua constituicao, tais como:
"elementos", "comunicacao", "significacao", "elementos visuais", "mensagens",
"informacao", "composicao", "geometria", "mais compreensivos", entre outros.
Considera-se que a antecipacao destes conceitos no questionario possa servir de ajuda ao
preenchimento das perguntas abertas.
Na questao n° 11, a utilizacao do verbo "esperar" indicia, desde logo, um
"aguardar", uma transmissao de algo, confundivel portanto com o termo comunicacao. Tal
situacao podera em certa medida influenciar os inquiridos a optarem imediatamente pela
opcao "comunicacao". No entanto, esta situacao devera ser uma muito pequena limitacao
ao estudo.
5.3.8 Metodos de recolha de informacao
O elenco das informacoes do inquerito foi obtido por meio da entrega do
questionario, de forma presencial e pessoal. Os mesmos foram preenchidos no local da
exposicao e entregues no proprio dia. Para a recolha da informacao foi utilizado um
inquerito realizado pelo autor, que se encontra em anexo (v. anexo A2). O mesmo
encontra-se dividido em questoes que se referem as obras que foram apresentadas, bem
assim como perguntas sobre arte no contexto do tema em causa. A estruturacao do
inquerito encontra-se de acordo com o esquema abaixo indicado (fig. 94):
393
i (Fechadas) (n w : 1-4,6)
Perguntas sobre
as obras >
(jNQUERITO)
^Abertas) Cn^sjTTS)
Verguntas sobre ^^U^^y-QF^i)
j\o contexto do tema/ ^ '
Fig. 94 | Estruturacao do inquerito
O inquerito visava a seguinte recolha de informacao:
- Questoes n os 1 e 2:
"As obras n os 1, 2 e 12, nao se referem a uma cadeira!"
"As obras n os 3, 7, 10 e 14, referem-se a uma cadeira!"
Estas questoes, sendo assertivas, pretendem designar as obras em causa de acordo
com a sua relacao a realidade, ou seja, assevera-se que as obras da pergunta n° 1 nao se
referem a uma cadeira. No entanto, todas elas tern fortes relacoes com a "cadeira".
Poderemos reforcar dizendo que todas as obras do projecto tern uma intima ligacao a este
elemento, como foi verificado acima 683 , quer devido a ocultacao (obra n° 1), quer devido a
desconstrucao/deformacao de outras obras (obras n os 2 e 12), correspondendo pois a
interpretacao de uma realidade segunda, quer isto dizer, da realidade da realidade. A
realidade e interpretada artisticamente e posteriormente e desconstruida/deformada, dando
origem a outras realidades, diremos, outras obras. Sera portanto previsivel que tais obras
nao sejam identificadas com o elemento cadeira. Ja na pergunta n° 2 nao existe qualquer
equivoco e logicamente existem fortes probabilidades de se obterem respostas
concordantes.
' cf. supra, sec. 5.2.1.2 (Particularidades das obras), pp. 380-384.
394
- Questoes n os 3 e 4:
"A obra n° 14, pertence ao grupo das obras mais compreensiveis!"
"A obra n os 1, 2 e 12, pertence ao grupo das obras menos compreensiveis!"
A transmissao da mensagem da obra de arte so sera possivel se estiverem satisfeitas
determinadas condicoes. Isso levara a sua compreensao. Estabeleceu-se portanto, nesta
pergunta, uma separacao ad hoc das obras que classificamos em mais compreensiveis e
menos compreensiveis. Deste modo, pretendeu-se averiguar junto do publico se seria
possivel esta separacao e se as obras a que se referem as questoes estao relacionadas.
Supoe-se que as obras puramente figurativas, tal como a obra fotografica n° 14, sejam
classificadas de mais compreensivel e as n os 1, 2 e 12 de menos compreensiveis.
- Questao n° 5:
"Qual o(s) elemento(s) que predomina(m) nas pinturas expostas?"
Neste ponto pretendeu-se, fundamentalmente, que as pessoas fizessem um resumo
da exposicao por palavras, colocando-lhes a possibilidade de descreverem o que predomina
no conjunto expositivo. Esta questao pretende avaliar a validade da ideia de elementos
basicos na obra de arte. Supoe-se que podera haver dois tipos de respostas: por um lado,
referir que o que se apresenta com mais frequencia nas obras e a "cadeira", e, por outro,
que os elementos compositivos da obra se tornam mais evidentes e por isso serao motivo
de escolha. Esta pergunta sera, digamos assim, aprofundada pela pergunta n° 12.
- Questao n° 6:
"As pinturas expostas sao obras de arte!"
Sera que a relatividade espacial influencia a validade do objecto artistico? Podera
haver, em funcao do espaco geografico, flutuacoes que vao desde a consideracao do vulgar
objecto, a obra de arte?
- Questoes n os 7 e 8:
Arte e comunicacao!"
Arte e significacao!"
Estas sao duas questoes centrais deste trabalho. A primeira e colocada
afirmativamente, desde logo assumindo uma formulacao contraria a desta tese. A escolha
395
maioritaria desta opcao apenas confirmara a ideia vulgar de que arte e comunicacao. A
segunda e de igual modo afirmativa, mas vem sugerir uma alternativa a primeira, baseada
nos principios da informacao que promovem uma valoracao unica e pessoal.
- Questoes n os 9 (9.1, 9.2) e 10 (10.1, 10.2)
"Quando observa uma obra de arte espera algo dela!"
"O publico espera algo da obra de arte!"
"Quando observa uma obra de arte espera algo do artista!"
"O publico espera algo do artista!"
Estas questoes pretendem averiguar se o publico, quando confrontado com uma
obra de arte, se encontra numa pre-disposicao para a mesma, ou seja, se o fruidor tern
esperanca de descobrir algo na obra ou se espera que o artista lhe possa veicular alguma
coisa. Esta questao e dirigida individualmente a cada inquirido, mas solicita tambem uma
visao que ele proprio tern do outro. Deste modo, poderemos ficar a saber se ele espera
algo da obra de arte ou do artista e como ele ve o restante publico, relativamente a estas
questoes. O fruidor podera julgar nao esperar nada da obra ou artista, mas entender que
os outros necessitam descobrir, ou, pelo contrario, esperar algo e achar que o publico nao
pensa de igual modo.
Questao n° 11
"O que espera da obra de arte?"
O publico, se esperar algo da obra de arte, esperara o que? Esta questao vem
imediatamente na sequencia das perguntas anteriores e pretende de algum modo
complementa-las, por meio de uma descricao de opcoes. Entre outras opcoes, destaca-se
a transmissao de sentimentos, que normalmente muitas pessoas referem serem essenciais
a obra de arte.
A opcao "Nada" foi introduzida para corresponder as respostas negativas
("discordo") das perguntas anteriores, n os 9 e 10.
Questao n° 12
"As obras de arte sao constituidas por:"
Esta questao pretende averiguar se existe uma opiniao maioritaria que considere as
obras constituidas por elementos basicos de construcao, como a cor, a forma, a
396
composicao, a geometria, etc. Evidentemente que outras respostas sao tambem validas,
como os "significados", e a "informacao", que nao e nada mais, nada menos, do que um
complexo de significados. Esta ultima poderia assemelhar-se a "mensagens", mas
distancia-se, porquanto a informacao e um conjunto de dados, em principio
imprevisiveis, recebidos do exterior e as mensagens sao um conteudo significativo
ordenado numa sequencia de signos. De realcar, que nao existe propriamente uma
resposta certa. Havera, com certeza, umas mais que outras, podendo mesmo
complementarem-se mutuamente. A opcao "comunicacao" e indubitavelmente aquela
que nao e considerada neste trabalho, pelas razoes ja exaustivamente apontadas nos
capitulos anteriores. Ja a opcao "mensagens" tern grande validade, na medida em que as
obras de arte - ainda que julguemos tornar-se dificil elas ultimarem o seu objectivo - nao
deixarao de se efectivar como transmissoras de mensagens, quer por vontade do criador
quer por necessidade do fruidor. Esta possibilidade podera ser contraditoria, visto que o
fruidor podera querer conhecer a mensagem da obra, mesmo sem esta existir, isto porque
ele nao toma parte absoluta na sua criacao.
Questoes n os 13, 14 e 15:
"Na sua opiniao qual o significado da obra n° 1?'
"Na sua opiniao qual o significado da obra n° 4?'
"Na sua opiniao qual o significado da obra n° 14?"
Estas tres questoes sao as que dao a possibilidade aos inquiridos, de opinarem sobre
tres obras fundamentals no contexto da exposicao. E-lhes solicitada uma opiniao que refira
quais os significados das obras n os 1, 4 e 14. Este questionar pretende averiguar se
efectivamente existe, da parte dos fruidores, uma opiniao que seja transversal ou, na
melhor das hipoteses, coincidente com aquela que foi introduzida neste projecto.
Evidentemente que se supoe nao surgir tal opiniao, antes pelo contrario demonstrando-se
que a simples visualizacao da obra de arte, sem qualquer previo auxiliar informativo, nao
permite a sua compreensao, pelo que o fruidor inquirido, na sua descricao explicativa,
apenas induzira uma resposta do dominio da sua significacao. Sera esta portanto pessoal e
intransmissivel: pessoal por pertencer as suas vivencias anteriores particulares, e
intransmissivel na medida em que, assentando essa significacao em vivencias, elas nunca
poderao fazer parte de outro universo humano, senao aquele que lhe deu origem. Mesmo
num meio envolvente similar, todo o humano recriara sensacoes diferentes e, logicamente,
397
isso repercutir-se-a na sua formacao individual. Compreende-se, entao, que um
determinado fruidor nao vera uma obra de arte da mesma forma que outro, mesmo que este
lhe traduza as suas vivencias.
5.3.9 Aspectos eticos
Ainda que este estudo nao levantasse grandes questoes eticas sobre a identidade dos
individuos e suas respostas, procedeu-se de modo a proteger a privacidade, atraves da
participacao anonima e voluntaria.
5.4 Analise estatistica
5.4.1 Tipo de estudo e instrumentos de medida
O projecto foi efectuado atraves de um estudo transversal. Foram utilizadas as
medidas estatisticas de tendencia central e dispersao, o que possibilitou uma analise e
caracterizacao da amostra
Para a analise estatistica, foi usado o programa informatico "Statistical Package for
the Social Sciences" (SPSS), versao 14 para Windows.
398
5.5 Apresentacao de resultados
5.5.1 Caracteristicas da amostra: analise superficial
Esta primeira abordagem pretende apenas fazer um enquadramento geral do
universo dos inquiridos que responderam ao inquerito em questao, num total de 1186. Para
uma analise mais detalhada, cruzar-se-ao, neste ponto, os dados relativos a caracterizacao
dos sujeitos inquiridos.
Por outro lado, esta primeira abordagem tern por intencao apresentar uma analise
superficial do conteudo, com referenda as questoes colocadas, mas sem qualquer
cruzamento de dados. Esta ira ser abordada mais aprofundadamente no ponto
subsequente 684 .
Todos os valores apresentados no texto foram arredondados a unidade, podendo ser
consultados os valores exactos nas respectivas tabelas que se encontram quer no texto, quer
em anexo (o texto nao contem todas as tabelas pelo que devera ser consultado o anexo CI).
Para facilitar a redaccao deste trabalho, optou-se por abreviar as perguntas pela
letra "P". Assim, a pergunta 1 correspondent a abreviatura "PI".
- Nacionalidade
Do universo de pessoas que responderam ao inquerito, cerca de 42% sao de
nacionalidade portuguesa, 20% de nacionalidade timorense, 13% brasileira, 9% chinesa,
6% mocambicana, 4% indiana, 3% cabo-verdiana e finalmente 2% de outras
nacionalidades. Neste ultimo grupo, podemos encontrar a nacionalidade francesa, alema,
belga, hungara e espanhola.
Taxa de abstencao: 16 pessoas (1,3%)
1 cf. infra, sec. 5.5.2 (Algumas relates efectuadas - Analise cruzada), pp. 416-445.
399
Tab. 2 I Nacionalidade
Frequencia
Percentagem
Validas portuguesa
496
41,8
cabo-verdiana
39
3,3
mocambicana
69
5,8
brasileira
155
13,1
indiana
51
4,3
chinesa
108
9,1
timorense
234
19,7
outra
18
1,5
Total
1170
98,7
Nao respondentes
16
1,3
Total
1186
100,0
- Idade
Do ponto de vista etario, os sujeitos mais novos (3) tern 14 anos e o mais velho 82.
O grupo mais representative e o que esta compreendido entre os 19 e 26 anos, totalizando
cerca de 41%, o que se justifica pela grande quantidade de estudantes inquiridos, mas
tambem pelo interesse suscitado por este tema/dominio nesta faixa etaria. Segue-se um
segundo grupo que vai de forma relativamente homogenea dos 27 aos 55, com 47%. De
forma sintetica e destacando o grupo mais representativo (19-26 anos), os grupos etarios
distribuem-se do seguinte modo:
Tab. 3 I Idade
Frequencia
Percentagem
<19
40
3,2
19-26
484
40,8
27-35
175
14,8
36-45
196
16,5
46-55
182
15,3
56-65
52
4,4
66-75
5
0,4
>75
3
0,26
Taxa de abstencao: 51 pessoas (4,3%)
- Habilitates academicas
Da analise do perfil dos inquiridos, constata-se uma elevada participacao (55%) de
individuos com formagao secundaria. E no entanto, tambem relevante o volume de
400
respostas (25%) de individuos com formacao academica superior. Ja os sujeitos com
formacao primaria (8%) apresentam uma taxa relativamente baixa. Note-se ainda a baixa
percentagem de pessoas (0,6%) sem frequencia escolar.
Tab. 4 | Habilitates academicas
Frequencia
Percentagem
Validas sem frequencia escolar
7
,6
ensino primario
92
7,8
ensino secundario
650
54,8
ensino superior
294
24,8
Total
1043
87,9
Nao respondentes
143
12,1
Total
1186
100,0
Taxa de abstencao: 143 pessoas (12,1%)
Convira, no entanto, notar que Portugal encontra-se, juntamente com o Brasil e
Timor-Leste, a partilhar a pior percentagem de habilitacoes academicas, com 2 sujeitos
sem frequencia escolar.
Tab. 5 | Nacionalidade x Habilitacoes academicas
habilitagoes
academicas
Total
sem
frequencia
escolar
ensino
primario
ensino
secundario
ensino
superior
nacionalidade
portuguesa
2
,4%
15
3,2%
329
70,9%
118
25,4%
464
100,0%
cabo-verdiana
,0
,0%
3
13,6%
14
63,6%
5
22,7%
22
100,0%
mocambicana
,0%
2
3,6%
29
51,8%
25
44,6%
56
100,0%
brasileira
2
1,6%
5
4,1%
45
36,6%
71
57,7%
123
100,0%
indiana
1
2,2%
1
2,2%
5
11,1%
38
84,4%
45
100,0%
chinesa
,0%
,0%
108
100,0%
,0%
108
100,0%
timorense
2
1,0%
66
32,2%
107
52,2%
30
14,6%
205
100,0%
outra
,0%
,0%
7
50,0%
7
50,0%
14
100,0%
Total
7
,7%
92
8,9%
644
62,1%
294
28,4%
1037
100,0%
401
- Profissao
Entre as 3 possibilidades de resposta que foram propostas, os estudantes dividem
com as outras profissoes os valores da amostra. Assim sendo, os estudantes e as outras
profissoes acumulam 42% cada, sendo 6% a populacao de artistas. Na nacionalidade
chinesa, apenas temos estudantes. No universo dos inquiridos, a nacionalidade que tern
mais estudantes e a portuguesa, com 47% de representacoes. Nas outras, profissoes lidera a
nacionalidade timorense com 83%, e no que respeita aos artistas, e Mozambique que detem
o maior valor com 44%. Do grupo de artistas, salienta-se que apenas 1 individuo (dentre
70) possui o ensino primario como habilitacao profissional, classificando-se ainda 31
pessoas maioritariamente com ensino secundario e 22 com ensino superior. Estes numeros
poderao demonstrar um grande interesse deste grupo profissional pela aprendizagem.
Tab. 6 I Profissao
Frequencia
Percentagem
Validas estudante
501
42,2
artista
70
5,9
outra
493
41,6
Total
1064
89,7
Nao respondentes
122
10,3
Total
1186
100,0
Taxa de abstencao: 122 pessoas (10,3%)
As outras profissoes tern largamente um grande numero de sujeitos (57) com ensino
primario comparativamente aos artistas, muito provavelmente pela multipla diversidade de
profissoes, muitas delas talvez indiferenciadas.
402
Tab. 7 | Profissao x Habilitagoes academicas
habilitacoes
academicas
Total
sem
frequencia
escolar
ensino
primario
ensino
secundario
ensino
superior
profissao
Total
estudante
2
,4%
17
3,6%
367
78,6%
81
17,3%
467
100,0%
artista
,0%
1
1,9%
31
57,4%
22
40,7%
54
100,0%
outra
5
1,1%
57
12,3%
225
48,5%
177
38,1%
464
100,0%
7
,7%
75
7,6%
623
63,2%
280
28,4%
985
100,0%
- Questao n° 1: As obras n os 1, 2 e 12, nao se referem a uma cadeira!
Relativamente a esta questao e acerca das obras n os 1, 2 e 12, conclui-se que 59%
das pessoas concorda que elas nao tern qualquer referenda com a cadeira, 21% discorda e
20% mantem uma posicao neutra. Efectivamente, as obras em causa nao traduzem no
imediato uma realidade que se reporte ao objecto cadeira; dai que nao seja de estranhar a
opiniao maioritaria.
Tab. 8 | PI) As obras n os 1, 2 e 12, nao se referem a uma cadeira!
Frequencia
Percentagem
Validas Concordo
694
58,5
Nem concordo
nem discordo
232
19,6
Discordo
253
21,3
Total
1179
99,4
Nao respondentes
7
,6
Total
1186
100,0
Taxa de abstencao: 7 pessoas (0,6%)
- Questao n° 2: As obras n os 3, 7 e 10 e 14 referem-se a uma cadeira!
Pelo contrario, nesta questao, o publico inquirido nao teve qualquer duvida no que
respeita a imagem que se lhe apresentava, ou seja, a representacao da cadeira. Seja de
modo pictorico, fotografico, ou ainda pela inscricao da palavra "cadeira", considera que, de
modo inequivoco, existe uma ligacao a cadeira. 84% das respostas indicam concordar que
403
as obras apresentadas se referem a uma cadeira, enquanto que 7% discordam e 9%
mantem-se indiferentes.
A grande disparidade nesta questao, e bem menor na questao n°l, dever-se-a
fundamentalmente, aquilo que existe ou nao existe na obra de arte, melhor dizendo, aquilo
que se torna visivel ou que permanece oculto. No caso das obras da questao 1, como ja
referido, todas elas dizem respeito ao objecto cadeira, seja pela sua dissimulacao, seja pela
sua desconstrucao/deformacao; no entanto, essas variacoes afastam-na do seu verdadeiro
significado.
Tab. 9 | P2) As obras n os 3, 7, 10 e 14, referem-se a uma cadeira!
Frequencia
Percentagem
Validas Concordo
994
83,8
Nem concordo
nem discordo
105
8,9
Discordo
79
6,7
Total
1178
99,3
Nao respondentes
8
,7
Total
1186
100,0
Taxa de abstencao: 8 pessoas (0,7%)
- Questao n° 3: A obra n° 14 pertence ao grupo das obras mais compreensiveis!
Sao unanimes em concordar com esta questao mais de 3 A dos sujeitos (77%),
seguindo-se 11% de respostas contrarias, bem assim como igual percentagem para as
respostas neutras. A elevada concordancia em aceitar a obra n° 14 como pertencente ao
grupo das mais compreensiveis, revela uma vez mais que a classificacao
compreensivel/nao-compreensivel e efectuada por meio do reconhecimento da
realidade/tema da obra. Neste caso, aos olhos do fruidor, torna-se indubitavel o
reconhecimento de uma cadeira, mesmo que expressa num suporte fotografico.
404
Tab. 10 | P3) A obra n° 14 pertence ao grupo das obras mais
compreensiveis!
Frequencia
Percentagem
Validas Concordo
913
77,0
Nem concordo
nem discordo
129
10,9
Discordo
134
11,3
Total
1176
99,2
Nao respondentes
10
,8
Total
1186
100,0
Taxa de abstencao: 10 pessoas (0,8%)
- Questao n° 4: As obras n os 1, 2 e 12 pertencem ao grupo das obras menos
compreensiveis!
Esta questao vem uma vez mais demonstrar que o fruidor classifica a compreensao
das obras por aquilo que previamente conhece da realidade. 61% das respostas concordam
que as obras em causa pertencem ao grupo das obras menos compreensiveis, contra cerca
de 18% a discordar. A taxa de indecisao e de 20%.
Verifica-se, portanto, que a taxa de concordancia nesta questao e inferior em cerca
de 16% a questao n° 3. Tal constatacao leva a crer que mais facilmente se aceita uma obra
figurativa como compreensivel e que, pelo contrario, a atentar pelo dobro (mais 10%) de
indecisoes nesta questao, uma obra abstracta remete o fruidor para alguma indecisao.
Tab. 11 | P4) As obras n os 1, 2 e 12 pertencem ao grupo das
obras menos compreensiveis!
Frequencia
Percentagem
Validas Concordo
728
61,4
Nem concordo
nem discordo
242
20,4
Discordo
207
17,5
Total
1177
99,2
Nao respondentes
9
,8
Total
1186
100,0
Taxa de abstencao: 9 pessoas (0,8%)
405
- Questao n° 5: Qual o(s) elemento(s) que predomina(m) nas pinturas expostas?
Questionadas as pessoas sobre o que achariam que predominava no conjunto
expositivo, constatamos que, no computo geral, obtivemos uma grande variedade de
respostas. Importa referir que, nesta questao (bem assim como nas restantes abertas, P13,
P14 e PI 5), houve a necessidade de agrupar algumas respostas por afinidades, de modo a
tornar mais consistente a analise. Assim, a variedade inicial de 154 respostas foi
posteriormente aglutinada, dando origem a um grupo de 31 (reducao de 80%).
Realca-se ainda que 46% dos inquiridos consideraram ser a "cadeira" o elemento
que mais predominava, enquanto que 21% indicaram os "elementos visuais", tais como a
cor, a composicao, geometria, etc.
Ainda com valor significativo destaca-se um misto deste dois ultimos, ou seja, 10%
das pessoas acharam que o que predominava seria a "cadeira e elementos visuais".
Esta questao leva-nos a verificar que, no contexto geral da exposicao, as pessoas
avaliam a predominancia do elemento presente na mesma, por aquilo que e identificavel
em termos concretos de realidade objectiva. Entendamos realidade objectiva aquela que e
proxima das vivencias do fruidor. Num total de 24 obras, apenas 7 sao apresentadas sem
"equivocidade", a saber, as obras n os 3, 14, 16, 18, 20, 22 e 24. As obras n os 6 e 8 sao
demasiado ambiguas para se assumirem como totalmente representativas do objecto
cadeira 685 e as obras n os 4, 7, 11 e 21, embora tenham representado o objecto cadeira,
misturam-se com outros elementos, o que em significado podera ter diversas conotacoes.
Julgamos poder afirmar que os 46% de respostas apresentadas nesta questao, tern
fundamentalmente origem nas 7 obras mais representativas do objecto cadeira, mas sao
complementadas pelas restantes 6 e pelo significante da obra n° 10, que vem certificar a
globalidade contextual do conjunto expositivo.
Segundo o ponto de vista anterior, os 21% apresentados para os "elementos
visuais" sao baseados nas 10 obras constituidas apenas por elementos basicos.
Provavelmente esta percentagem incluira tambem obras figurativas, mas devera com
certeza ser uma muito pequena quantidade, nao justificando a sua distincao. O mesmo
podera acontecer com a maioria das respostas, onde alguns inquiridos poderao caracterizar
obras abstractas como representativas do elemento "cadeira". Esta analise carece de
685 Ainda que o inquerito nao contemplasse nenhuma pergunta para averiguar qual o grau de ambiguidade
destas obras, de uma forma ad hoc, foram apresentadas visualmente a 30 pessoas, tendo apenas 9 pessoas
dito que se tratava de uma cadeira.
406
comprovacao. No entanto, as respostas as perguntas P2 e P3, podem ajudar-nos a deduzir
que, se algumas obras pertencem a um grupo restrito de compreensao, entao isso significa,
que mais facilmente essas obras serao identificaveis por aquilo que e efectivamente
reconhecivel.
Tab. 12 | P5) Qual o(s) elemento(s) que predomina(m) nas pinturas expostas?
Frequencia
Percentagem
Validas Cadeira
Elementos visuais
Cadeira e elementos visuais
Total
548
248
117
913
46,2
20,9
9,9
77
Taxa de abstencao: 216 pessoas (18,2%)
- Questao n° 6: As pinturas expostas sao obras de arte!
Do universo de pessoas que responderam a esta pergunta, 61% consideram que as
obras apresentadas fazem parte do universo artistico, sendo por isso rotuladas de obras de
arte. Ja 28% dos inquiridos colocam algumas reticencias e preferem manter uma posicao
de incerteza, muito ao contrario dos 10% que peremptoriamente decidem nao considerar as
obras como arte. Talvez esta taxa bem assim como os 28% de hesitacoes estejam
relacionados com a previa ideia de que as obras faziam parte de um enquadramento nao
artistico, antes, procurando atingir um determinado estudo analitico. Isso nao so era
verificavel pela distribuicao do inquerito no acto da inauguracao, o que prefigura um
estudo, mas tambem por algumas conversas ocasionais que aconteceram entre mim e o
publico, em que, de modo sucinto, era explanado o desiderato do projecto.
Tab. 13 | P6) As pinturas expostas sao obras de arte!
Frequencia
Percentagem
Validas Concordo
719
60,6
Nem concordo
nem discordo
331
27,9
Discordo
114
9,6
Total
1164
98,1
Nao respondentes
22
1,9
Total
1186
100,0
407
Taxa de abstencao: 22 pessoas (1,9%)
- Questao n° 7: Arte e comunicacao!
Quando confrontados com a questao fundamental deste projecto, sobre se a arte e
ou nao comunicacao, a grande maioria dos inquiridos (83%) revelou concordar com tal
afirmacao. Pelo contrario, apenas 7% discordant e 8% mantem-se indecisos.
A pertinencia desta questao vem reafirmar a maxima popular de que arte e
comunicacao. Pela analise destes resultados podemos supor que a valoracao da obra de arte
esta centrada quase exclusivamente no criterio da comunicacao. Esta confirmacao pode
verificar-se na pergunta 11.
Tab. 14 | P7) Arte e comunicacao!
Frequencia
Percentagem
Validas Concordo
985
83,1
Nem concordo
nem discordo
96
8,1
Discordo
87
7,3
Total
1168
98,5
Nao respondentes
18
1,5
Total
1186
100,0
Taxa de abstencao: 18 pessoas (1,5%)
- Questao n° 8: Arte e significacao!
Quanto a arte ser significacao, uma vez mais a grande maioria (72%) concorda.
Este valor e ligeiramente abaixo dos 83% da questao anterior, indiciando pois que esta tern
maior relevancia no contexto artistico do que a significacao. Ainda assim, a taxa de
indecisao e superior a questao 7 e cifra-se nos 19%, enquanto a discordancia atinge os 7%.
408
Tab. 15 | P8) Arte e significacjio!
Frequencia
Percentagem
Validas Concordo
850
71,7
Nem concordo
nem discordo
219
18,5
Discordo
86
7,3
Total
1155
97,4
Nao respondentes
31
2,6
Total
1186
100,0
Taxa de abstencao: 31 pessoas (2,6%)
- Questao n° 9.1: Quando observa uma obra de arte espera algo dela!
Em resposta a esta questao, verifica-se que 75% das pessoas esperam sempre algo
da obra de arte, 8% nao esperam nada e 16% nao tern uma opiniao precisa. "Esperar algo"
de uma obra e possivelmente aceitar que esta possui caracteristicas que nao sao de todo
indiferentes a quern as observa. Esta sera indubitavelmente uma questao centrada na
vontade do fruidor, mas sempre associada a sua significacao. Como veremos na questao
11, "esperar algo" esta relacionado com o criador por meio de um acto de comunicacao.
Esperar que o fruidor da obra "retire" algo dela, por meio de um qualquer processo,
como por exemplo de "comunicacao", e considerar que ele lhe atribua uma determinada
significacao, um determinado proveito proprio.
Tab. 16 | P9.1) Quando observa uma obra de arte, espera algo dela!
Frequencia
Percentagem
Validas Concordo
889
75,0
Nem concordo
nem discordo
186
15,7
Discordo
92
7,8
Total
1167
98,4
Nao respondentes
19
1,6
Total
1186
100,0
Taxa de abstencao: 19 pessoas (1,6%)
409
- Questao n° 9.2: O publico espera algo da obra de arte!
Esta questao, diferentemente da anterior, esta centrada na analise que cada
inquirido faz do publico relativamente a questao precedente. Assim, cerca de % dos
inquiridos considera que os outros (o publico) esperam sempre alguma coisa da obra de
arte. O inquirido, fazendo simultaneamente parte do publico, responde como se este se
centralizasse nele proprio, justificando-se pois a grande aproximacao nos valores
percentuais.
Tab. 17 | P9.2) O publico espera algo da obra de arte!
Frequencla
Percentagem
Validas Concordo
880
74,2
Nem concordo
nem discordo
219
18,5
Discordo
65
5,5
Total
1164
98,1
Nao respondentes
22
1,9
Total
1186
100,0
Taxa de abstencao: 22 pessoas (1,9%)
- Questao n° 10.1: Quando observa uma obra de arte, espera algo do artista!
Relativamente a esta questao verifica-se que 58% dos inquiridos, sempre que
observam uma obra de arte, esperam alguma coisa do artista. Ja 23% nem concorda nem
discorda com a afirmacao e 17% discorda.
Tab. 18 | P10.1) Quando observa uma obra de arte, espera
algo do artista!
Frequencia
Percentagem
Validas Concordo
689
58,1
Nem concordo
nem discordo
269
22,7
Discordo
206
17,4
Total
1164
98,1
Nao respondentes
22
1,9
Total
1186
100,0
Taxa de abstencao: 22 pessoas (1,9%)
410
- Questao n° 10.2: O publico espera algo do artista!
61% das pessoas acham que o publico espera algo do artista, contra apenas 10% a
nao concordarem com a afirmacao e 27% a nao terem uma opiniao formada sobre o
assunto.
Tab. 19 | P10.2) O publico espera algo do artista!
Frequencia
Percentagem
Validas Concordo
723
61,0
Nem concordo
nem discordo
315
26,6
Discordo
122
10,3
Total
1160
97,8
Nao respondentes
26
2,2
Total
1186
100,0
Taxa de abstencao: 26 pessoas (2,2%)
- Questao n° 11: O que espera da obra de arte?
Nas questoes n os 11 e 12, os inquiridos nao responderam tal como tinha sido
solicitado no inquerito, ou seja, fazendo a escolha de uma unica opcao para a mais
representativa e outra para a menos representativa. Importa realcar que tal situacao nao foi
detectada na validacao dos inqueritos, pelo que se tratou de uma situacao inesperada. No
entanto, este percalco nao foi uma limitacao; pelo contrario, permitiu obter uma analise
mais refinada dos resultados a esta questao. Se os inquiridos respondessem correctamente
ao inquerito, apenas teriamos acesso aos extremos, quer dizer, a opcao mais e menos
representativa. Ora, como tal nao aconteceu, onde pelo contrario as pessoas optaram por
atribuir varias possibilidades de resposta para a mais e menos representativa, pudemos
averiguar quais as respostas que se situam entre os extremos.
Relativamente a questao 11, podemos constatar que o que as pessoas mais esperam
da obra de arte e a "comunicacao" e os "sentimentos do autor", com 42% de
predominancia. Um pouco abaixo encontram-se a "transmissao de informacao" e a
"transmissao de elementos visuais", com 32%. Ja os "conhecimentos" descem para os 29%
e 4% dos inquiridos consideram nao esperar nada da obra de arte.
Para a menos representativa verifica-se, que de forma complementar a "mais
representativa", 54% considera ser "nada", ou seja, 638 pessoas nao esperam nada da obra
411
de arte. Em virtude de uma tao diminuta percentagem (3,8%) a resposta "nada" da "mais
representativa", seria tambem de esperar uma elevada percentagem na "menos
representativa", o que nao veio a acontecer, ficando-se apenas por uma curta maioria. Com
18% esta a opcao "conhecimentos", seguindo-se a "transmissao de elementos visuais" e a
"transmissao de informacao" com 17% e 14% respectivamente. Relativamente aos
"sentimentos do autor", 10% das pessoas nao os esperam encontrar na obra. Entretanto,
apenas 7% acham que a "comunicacao" e a menos representativa das opcoes.
Tab. 20 | Pll) O que espera da obra de arte?
Mais representativa
Menos representativa
Frequencia
Percentagem
Frequencia Percentagem
Transmissao de informagao
380
32
168
14,2
Transmissao de elementos visuais
374
31,5
204
17,2
Comunicacao
502
42,3
88
7,4
Sentimentos do autor
494
41,7
123
10,4
Conhecimentos
340
28,7
217
18,3
Nada
45
3,8
638
53,8
Taxa de abstencao: 187 pessoas (15,8%)
- Questao n° 12: As obras de arte sao constituidas por:
Para a maioria das pessoas inquiridas (53%), as obras de arte sao constituidas por
"elementos visuais", seguindo-se as "mensagens" e os "significados", com 34%. Muito
perto deste valor esta a "comunicacao", com 33%. Por ultimo, encontramos os "simbolos"
e a "informacao", com 29% e 25% respectivamente. Existe, como se pode ver, alguma
homogeneidade nos resultados. Destacam-se os "elementos visuais", mantendo-se depois
um grupo muito semelhante de 3 opcoes em torno de uma media de 34%. Isto leva-nos a
crer que, muito embora as pessoas considerem determinante a existencia de elementos
visuais (explicito), nao menos importantes serao as mensagens que a obra possa conter, os
seus implicitos significados e a comunicacao. Estes resultados vem ajudar a fundamentar a
ideia de que a obra de arte e fundamentalmente elementos visuais, muito antes de ser
qualquer outra coisa. Na sua analise e o que e primeiramente depreendido. Repare-se que,
em segunda posicao, encontram-se os significados, que nao sao mais do que elementos
visuais que assentam em conceitos, perfeitamente compreensiveis pelo fruidor. No entanto,
412
estes significados tambem poderao estar relacionados com as mensagens (visto que
partilha a mesma posicao).
Como menos representativa, temos a "informacao", que obtem cerca de 23%.
Tambem aqui nao se estabelece a relacao de complementaridade entre os elementos visuais
e a informacao. Segundo esta tese, defende-se a ideia de que os elementos visuais sao
informacao, que por sua vez e repleta de significados/conceitos. Para justificar tal ponto de
vista, seria necessario um equilibrio entre estes pontos, o que de facto nao se verifica
nestes resultados. Convira, no entanto, ressalvar que as opcoes foram dadas as pessoas sem
qualquer explicacao previa, o que em certa medida poderia inviabilizar os resultados.
Considera-se ainda que estes resultados nao invalidam esta reflexao, porquanto apenas
correspondem a formas diferentes de analise, tambem elas validas. Verificar que mais de
metade das respostas recaiu sobre os "elementos visuais" ja e suficientemente importante
para a compreensao deste ponto de vista.
Tab. 21 | P12) As obras de arte sao constituidas por:
Mais representativa
Menos representativa
Frequencia Percentagem
Frequencia
Percentagem
Mensagens
406 34,2
184
15,5
Informacao
292
24,6
274
23,1
Elementos visuais
630
53,1
130
11
Comunicagao
396
33,4
119
10
Significados
401
33,8
173
14,6
Sfmbolos
338 28,5
250
21,1
Taxa de abstencao: 178 pessoas (15%)
- Questao n° 13: Na sua opiniao qual o significado da obra n° 1?
As questoes n os 13, 14 e 15, de resposta aberta, sao perfeitamente iguais, ou seja,
estao direccionadas exclusivamente para aquilo que, em relatividade, cada fruidor queira
julgar sobre as obras em questao.
A unica dissemelhanca existente esta, na obra em analise. Pretendeu-se dar uma
maior cobertura a realidade/tema abordado. Desse modo, passamos de uma obra pictorica
totalmente sintetica (n° 1) a outra, de igual modo sintetica, embora fotografica (n° 14),
deixando de permeio a "confusao" imagetica de varios elementos em associacao (n° 4).
413
Para a questao n° 13 optou-se por escolher uma obra que fosse paradigmatica do grupo de
obras consideradas abstractas.
O limite para a consideracao de respostas a entrar em estudo nas P13, P14 e P15
foram obtidos ate se conseguir um valor percentual que conferisse maioria. Apenas por
mero acaso se obtiveram 6 possibilidades de respostas em cada uma das perguntas.
Em todas as tres questoes existiu uma grande diversidade de respostas, tendo sido
posteriormente agrupadas por afinidades. Assim, na pergunta 13, obteve-se um universo de
128 respostas diferentes que, por afinidades, foram reduzidas a 53 (reducao de 59%). Neste
conjunto, 19% das respostas nao tern importancia para o estudo, visto que nao tern valor de
predominancia significativo, dispersando-se por 47 respostas diferentes. Significa isto,
logicamente, que tomaremos para estudo apenas 6 respostas, totalizando estas 67%
repartidas do seguinte modo:
Tab. 22 | P13) Na sua opiniao qual o significado da obra n° 1?
Frequencia
Percentagem
Validas
Elementos visuais
285
24,0
Sem significado
172
14,5
Vazio
161
13,6
Sentimentos
76
6,4
Multiplos significados
61
5,1
Nao sabe
43
3,6
Total
798
67,2
Taxa de abstencao: 158 pessoas (13,3%)
Por termos trabalhado com os resultados em formato aglutinado, as tabelas das
perguntas abertas que se encontram em anexo (anexo CI e C2) unicamente dizem respeito
as respostas nesse formato, ou seja, as resultantes da previa seleccao de afinidades. No
entanto, muito raramento serao evidenciados, a titulo informativo, valores referentes a
respostas nao incluidas no formato aglutinado e que fizeram parte da lista inicial de
respostas deste estudo.
Da analise da tabela verifica-se que os "elementos visuais" sao a resposta com
maior frequencia, totalizando 24%. Ja 15% das pessoas acharam que a obra n°l nao tinha
qualquer significado, contra 5% de pessoas a considerarem que esta possuia "multiplos
significados". Pela natureza da obra, muitos inquiridos entenderam que se tratava de
414
"vazio", pelo que esta e outra resposta a considerar, com 14%. Os "sentimentos"
preenchem 6% do total de respostas e 4% manifestaram nao saber qual o significado da
obra.
- Questao n° 14: Na sua opiniao qual o significado da obra n° 4?
Relativamente a obra n° 4, constatamos que se trata de uma obra bem mais
subjectiva do que a n° 1, desde logo pela quantidade de respostas que foram possiveis a
esta questao. Assim sendo, obteve-se um total de 189 respostas diferentes. Em virtude de
algumas serem analogas, optou-se, a semelhanca da pergunta anterior, por agrupa-las,
tendo este numero baixado para as 102 respostas (reducao de 53%).
Verifica-se entao que, no topo da tabela, esta o "dialogo/comunicacao", como
sendo o significado mais citado pelos inquiridos. De facto, 30% das pessoas acham que a
obra n° 4 corresponde o significado de "dialogo/comunicacao". Ja em segunda posicao,
estao os "elementos visuais", com 8%, seguindo-se a "discussao/confronto", com 6%.
Imediatamente a seguir esta a "relacao pessoas-cadeira", com 4%, e com menos relevancia,
mas a ter em conta neste estudo, sao os 3% de respostas indicados para o
"dominio/subjugacao" e "finalidades da cadeira".
Tab. 23 | P14) Na sua opiniao qual o significado da obra n° 4?
Frequencia
Percentagem
Validas
Dialogo/comunicacao
350
29,5
Elementos visuais
93
7,8
Discussao/confronto
69
5,8
Relacao pessoas-cadeira
42
3,5
Dominio/subjugacao
35
3,0
Finalidades da cadeira
30
2,5
Total
619
52,1
Taxa de abstencao: 162 pessoas (13,7%)
- Questao n° 15: Na sua opiniao qual o significado da obra n° 14?
160 foram as respostas possiveis para atribuicao de um significado a obra n° 14. No
entanto, apos agrupar algumas possibilidades de respostas, este valor foi reduzido para 83
(reducao de 52%).
415
Neste item verifica-se que 35% dos inquiridos considerou a "cadeira" como sendo o
significado da obra n° 14. Por outro lado, os "elementos visuais" ocupam 9% das respostas.
Segue-se o "modelo", com 6%, e o "descanso", com 4%, e, em ultimo lugar e com valores
muito proximos, estao os "sentimentos" e "sem significado", obtendo ambos cerca de 3%,
com respectivamente 32 e 31 pessoas a escolherem estas opcoes.
Tab. 24 | P15) Na sua opiniao qual o significado da obra n° 14?
Frequencia
Percentagem
Validas
Cadeira
416
35,1
Elementos visuais
108
9,1
Modelo
68
5,7
Descanso
47
4,0
Sentimentos
32
2,7
Sem significado
31
2,6
Total
702
59,2
Taxa de abstencao: 175 pessoas (14,8%)
5.5.2 Algumas relates efectuadas - Analise cruzada
Apos termos examinado qual a elementaridade do conteudo da amostra, interessa
verificar que relacoes se poderao estabelecer entre os diversos resultados, para atingir
conclusoes que possam ajudar na fundamentacao deste trabalho. Tal como na analise
anterior todos os valores no texto foram arredondados a unidade, sendo que os valores
precisos podem ser consultados quer nas tabelas principals incluidas no corpo do texto,
quer nas tabelas em anexo (v. anexos C2 e C3).
Numa exposicao com estas caracteristicas, ou seja, com uma grande diversidade de
atitudes artisticas, facilmente encontraremos respostas opostas, para perguntas ou
afirmacoes tambem contrarias. Assim se percebem algumas respostas.
Importa desde logo fazer uma analise mais detalhada, da pergunta que indagava
acerca da qualidade das obras expostas, enquanto obras de arte. Com excepcao dos
416
Portugueses e das outras nacionalidades, todas as restantes nacionalidades consideraram,
em maioria, que as obras expostas eram obras de arte. Efectivamente, todas as
nacionalidades, com excepcao da portuguesa (45%) e das 6 pessoas (33%) que pertencem
as outras nacionalidades responderam em maioria, totalizando uma media de 74%.
Contribuem para esta minoria portuguesa os estudantes e os artistas, que se mostram
totalmente indecisos, sobretudo os artistas, cuja percentagem atinge os 83%, ao lado de
53% dos estudantes.
Quando nos reportamos as obras 1, 2 e 12 estamos a tentar criar uma oposicao as
obras n os 3, 7, 10 e 14, com a pretensao de averiguar a interaccao do fruidor com diferentes
tipos de obra. O primeiro grupo de obras (n os 1, 2, 12) e claramente despido de figuracao, o
que dificulta notoriamente a visualizacao de uma cadeira. Por isso e que, no universo dos
inquiridos, a maioria (59%) concorda que estas obras nao se referem a uma cadeira,
verificando-se uma maioria concordante em todas as nacionalidades, a excepcao do Brasil,
que se aproxima com 49%. Quando se analisa a pergunta/afirmacao oposta (P2) constata-
se que a evidencia e ainda maior, visto que todas as nacionalidades tern valores acima dos
80%, com excepcao da cabo-verdiana, com 77%.
Por outro lado, verifica-se que, nas obras ditas abstractas (n os 1, 2, 12), existe uma
maior taxa de discordancia comparativamente com as obras figurativas da P2 (n os 3, 7, 10,
14). Os niimeros sao conclusivos: 21% e a media correspondente a taxa de discordancia da
PI, enquanto que, no segundo grupo, a media desce para 7%. Esta evidencia talvez
justifique que a ausencia do elemento cadeira na obra, para algumas pessoas, pode
significar a sua presenca. Pelo contrario, quando esse elemento esta presente na obra, o
fruidor nao refuta a evidencia da sua presenca e, como tal, apenas a avalia por aquilo que
lhe e mostrado visualmente. Por este raciocinio se compreende que a taxa de indecisao face
a estas perguntas/afirmacoes, seja maior nas obras abstractas do que nas figurativas (20%
contra 9% de media).
Talvez por estarem mais predispostos para determinado tipo de conhecimentos, os
artistas foram aqueles que mais discordaram na PI. Os artistas: Portugueses (43%),
Brasileiros (50%) e timorenses (50%) (partilhados com 50% de artistas a concordarem),
discordam que aquele grupo de obras nao se refira a uma cadeira. Isto levanta a
possibilidade das referidas obras se referirem de facto a uma cadeira, mesmo nao estando
visualmente representada. Tal resposta so e possivel num grupo de pessoas que detenha a
417
partida os conhecimentos essenciais, nao para interpretar a obra, mas para lhe abrir uma
nova possibilidade de interpretacao. E um facto que nem so os artistas discordam da
afirmacao da PI, mas tal acontece em menor grau. Por exemplo, apenas os cabo-verdianos,
da classe estudantil e de outras profissoes, se opoem a afirmacao, com respectivamente
44% e 38% (igualmente 38% destes nem concordam nem discordam). Por outro lado, em
nenhuma das nacionalidades predominam artistas que discordem na P4 (apenas 30% dos
artistas brasileiros discordam, contra 20% a concordar, sendo esta superioridade um pouco
incerta na medida em que os indecisos adquirem a maioria, com 50%), o que leva a crer
que, embora os artistas saibam das diversas possibilidades conceptuais que uma obra de
arte pode adquirir, estao conscientes da sua dificuldade de compreensao, de tal modo que
nao o omitem no inquerito. Para reforcar esta ideia, nalguns casos nem sequer ha qualquer
referenda a discordancia. E o caso dos artistas Portugueses, indianos e timorense, em que
nenhum deles opta por discordar e contrariamente tern o valor mais elevado de
concordancia entre as restantes profissoes, respectivamente 86%, 80% e 50% (partilhados
com 50% de artistas que nem concordam, nem discordam).
Relacionando ainda a PI com as habilitacoes academicas, e no sentido de averiguar
quais os niveis de ensino que discordam da assercao, verifica-se que os cabo-verdianos
com ensino secundario e formacao superior opoem-se a pergunta, com respectivamente
50% e 40% (igualmente 40% destes concordam). Tambem os timorenses com formacao
primaria e superior tern a mesma opiniao, com 36% (igualmente 36% destes concordam) e
37% respectivamente. Pelo contrario, na India, nota-se uma peremptoriedade, visto que,
com excepcao do nivel de ensino superior que tern 74% de pessoas a concordarem na PI,
todos os outros niveis de escolaridade tern 100%. Esta situacao talvez se explique por
aquilo que os indianos estao habituados a ver. Efectivamente, a arte indiana, ligada a uma
forte tradicao mistico/religiosa, muitas das vezes narrativas de acontecimentos, e uma arte
que ostenta realismo e que esta um pouco desligada da ideia de "arte pela arte". So depois
da independencia do pais em 1947, e que comecam a surgir com maior intensidade
influencias do ocidente, induzindo novas atitudes esteticas, mas sempre muito ligadas as
suas raizes culturais, ou entao, como aconteceu na decada de sessenta, deu-se o surgimento
dos estilos indigenistas, ou ainda, na decada de 80, as novas tendencias exploradas por
grupos feministas das quais podemos destacar Nalini Malani (1946- ) e Arpita Singh
(1937- ), sempre com forte influencia figurativa, quer na pintura, instalacoes ou videos.
418
Afirmar-se que uma obra totalmente minimalista nao se refere a uma cadeira e
esperar que o publico aceite a afirmacao; no entanto, tambem e criar-se espaco para a
duvida e para a discordancia, visto que e sabido que a abstraccao pode remeter para algo
figurativo. Como vimos, teremos em media 21% das pessoas a discordarem e 20% de
pessoas a manterem uma posicao de indecisao, o que perfaz 41% de pessoas a verem nas
obras abstractas a possibilidade de uma evidencia diferente daquela que lhes e mostrada.
Pelo contrario, quando, relativamente a uma obra figurativa, se afirma que esta se refere a
uma determinada realidade/tema que esta explicita na obra, entao, apenas uma reduzida
percentagem de pessoas contrariara a afirmacao, o que vem demonstrar de forma
inequivoca que o fruidor nao extrapola para alem da visibilidade. Sera pois mais facil
"acreditar" numa obra figurativa do que numa obra abstracta, visto que nesta ultima o
"engano" e maior. As obras da exposicao foram construidas seguindo alguns criterios para
atingir determinados objectivos 686 e as obras referentes a PI sao a traducao mais que
evidente do tipo de "enganos" que podem surgir numa analise artistica. Todas as obras a
que a PI diz respeito, seja por ocultacao seja por desconstrucao/deformacao, referem-se a
uma cadeira, contrariando pois a sugestao da afirmacao. E claro que tais situacoes nao
foram reveladas aos fruidores, porque se pretendia que estes fossem levados a descobri-las.
Ora, se a obra correspondia um significado e se o publico inquirido viu outro, significa isso
que quase 687 todos foram enganados. Sao estes enganos que evidenciam a incomunicacao.
Ja verificamos que, quando confrontamos a PI e a P4, o publico, relativamente as
obras que carecem visualmente de uma realidade/tema, acaba por inseri-las no grupo das
"menos compreensiveis". Por isso nao e dificil perceber a grande proximidade de
percentagens no que respeita a concordancia com as questoes/afirmacoes PI (59%) e a P4
(61%). O mesmo sucede com as obras figurativas, que o publico insere no grupo das "mais
compreensiveis" - P2 obtem 84% e a P3 77%, valores relativamente proximos, portanto.
Se nas diferentes profissoes, nao havia um consenso absoluto acerca da PI, na P2 tal nao
acontece, visto que todas concordam que as obras da pergunta se referem a uma cadeira.
Note-se ainda que todos os artistas de Cabo Verde, Brasil, India e Timor sao unanimes nas
suas escolhas, de tal modo que todos eles consideram que as obras referentes a P2 se
reportam a uma cadeira. Apenas os artistas Portugueses se dividem, com 43% entre a
686 cf. supra, sec. 5.2.1.2 (Particularidades das obras), pp. 380-384.
687 Quase todos, porque 7 pessoas, ainda que nao entrassem verdadeiramente no significado da obra
responderam correctamente, dizendo que se tratava de uma "cadeira dissimulada".
419
concordancia e a indecisao. Todas as restantes profissoes ultrapassam largamente a
maioria. Relativamente as habilitacoes academicas, estas acompanham os resultados das
profissoes, ainda com a excepcao dos cabo-verdianos habilitados com o primario, visto que
estes totalizam 67% a mostrarem-se indecisos. Se tivermos em conta que esta percentagem
pode pender para ambos os lados, seja para o "concordo" ou para o "discordo", entao nao
se trata de um valor significativo, ate porque o valor percentual a concordar ronda os 33%,
contra nenhuma pessoa a discordar.
Quanto a P3, esta so vem confirmar a P2, porquanto todas as classes profissionais
optam por agrupar a obra n° 14 nas mais compreensiveis. Apenas os artistas brasileiros se
dividem entre concordar e discordar, com 40%, e os timorenses partilham a maioria, entre
a concordancia e a indecisao.
De todos estes resultados podemos concluir que a compreensao da obra de arte, ou
pelo menos, o julgamento sobre a sua compreensao por parte do fruidor dependera sempre
do tipo de obra em causa. Isto leva a pensar que uma obra nao figurativa sera remetida para
o grupo das menos compreensiveis precisamente pelo facto de estas nao serem inteligiveis.
Ora, a nao-compreensao e uma dificuldade de aquisicao de conhecimento da obra, tendo o
mesmo como consequencia uma impossibilidade de transmissao dos seus conteudos
informativos, o que inviabiliza portanto a ideia de comunicacao. Uma cadeira representada
tern uma estreita relacao com uma cadeira real e isso e perfeitamente compreensivel, o que
sugere desde logo duas coisas: primeiro, o entendimento do que e uma cadeira (real) e,
segundo, que uma cadeira representada pode ser uma cadeira real. Isto e, a obra de arte na
imediatidade da sua compreensao. E o conhecimento (compreensao) do conceito cadeira e
associa-lo a uma sua representacao que faz estreitar o laco entre o criador e o fruidor. Mas
sabemos que nem sempre e assim e esta relacao de cadeira-representacao de cadeira podera
nao corresponder a uma "verdade", porquanto tantas vezes a figuracao e enganosa. Aludir-
se a determinadas coisas para "dizer" outras e muito comum e perfeitamente valido.
Sem especificar que tipo de obra de arte, o publico espera sempre algo desta. Esta e
pelo menos a conviccao dos inquiridos. Ora, esperar sera julgar-se que a obra transmita
alguma coisa, que o mesmo sera dizer, aceder a sua compreensao. Por essa razao e que,
talvez de forma inconsciente, o fruidor categorize as obras em compreensiveis e nao-
compreensiveis. So assim se compreende a catalogacao de algumas obras nesses moldes,
visto que o publico que manifestou opiniao incluiu as obras nessas categorias. As taxas
420
percentuais sao semelhantes, ou seja, relacionando a P3 e a P9.1, verifica-se que tern
respectivamente 77% e 75%. Isto leva a crer que o publico tera julgado ter compreendido a
obra, na medida em que ele a classifica como tal. Assim, o que ele considera esperar da
obra e a sua compreensibilidade, e so posteriormente a avalia e a classifica em funcao do
julgamento da sua compreensao. Alias, podemos constatar na pergunta que se dirige
especificamente a esta questao, a Pll, que a "comunicacao" e aquilo que as pessoas mais
consideraram esperar da obra de arte. Neste contexto, comunicacao e compreensao
poderao ser sinonimos. A comunicacao tern por objectivo colocar em comum alguma coisa
e, neste caso, aceder a compreensao. Sera inevitavelmente participar das intencoes do outro
- do artista. Esperar algo da obra e portanto esperar que esta lhe transmita qualquer coisa,
seja os sentimentos do autor, seja os seus elementos constituintes, etc. (cf. Pll).
Neste estudo facilmente se constata que existe alguma diferenca entre a relacao que
o publico mantem com a obra (P9.1) e com o artista (P10.1). Se 75% da populacao
inquirida espera algo da obra de arte, apenas 58% espera algo do artista. No primeiro caso
(P9.1), apenas a populacao chinesa atinge o valor mais baixo, com 65% de pessoas a
concordarem com a afirmacao. No segundo caso (P10.1), a nacionalidade chinesa lidera
igualmente a percentagem mais baixa, com uma reducao para os 48%, acompanhada por
uma reducao generalizada de todas as outras nacionalidades. Estes resultados evidenciam
que o mais importante na triade artistica e de facto a relacao que se estabelece entre o
fruidor e a obra de arte. Mesmo que o publico espere algo do artista, e sempre a obra que
se revela, e sempre esta que lhe e mostrada. E a evidencia contra o obscuro e a incerteza de
algo que se desconhece. Esta evidencia pode ser constatada pela pergunta n° 5, onde se
verifica que o que mais predomina nas obras expostas seria em primeiro lugar a cadeira,
com 46%, seguindo-se os elementos visuais, com 21%. Tanto uma como outra resposta sao
por isso facilmente identificados na obra; dai que nao haja qualquer ligacao com o artista,
mas antes com a obra em si. Trata-se de uma traducao directa da obra de arte efectuada
atraves de uma analise sensorial. Logicamente, qualquer mensagem e algo que nao se torna
visivel na obra e a sua transmissao tambem nao e facilitada, mesmo que o meio seja a
expressao plastica. Talvez seja esta a razao que leva o publico a valorizar a imagetica da
obra, em prejuizo do seu conteudo. E claro que, como se disse atras, esta situacao podera,
na maioria das vezes, levar ao entendimento pessoal da obra, a sua compreensao singular.
421
Mas atingir o seu significado nao e sustentar a obra apenas por aquilo que ela oferece
visualmente, mas tambem pela penetragao nos seus reconditos significados.
De um modo geral, o estudo das profissoes acompanha a diferenga existente entre a
P9.1 e a 10.1. Em todas as nacionalidades, com excepgao da timorense, a P10.1 apresenta
valores sempre abaixo ou iguais a P9.1. Destaca-se uma particularidade: sao os artistas
que, em algumas nacionalidades, discordam. E o caso dos Portugueses e brasileiros que, na
P10.1, se afastam da concordancia. Os Portugueses tern 40% ex aequo entre "concordo" e
"nem concordo nem discordo", so 20% concordando. Os brasileiros discordam, com 50%,
sendo apenas 30% o numero de pessoas que concordam com a pergunta. Pelo contrario, na
P9.1 estas duas nacionalidades mostram valores opostos e muito dispares. Os artistas
Portugueses totalizam apenas 17% de discordancia e nenhum brasileiro discorda. Nao se
encontra portanto, nestes dois casos, uma relagao que seja equivalente a forma
generalizada dos restantes resultados. As habilitagoes academicas confirmam a tendencia
geral de maior percentagem na P9.1 relativamente a P10.1. Realga-se tambem uma maior
percentagem de cabo-verdianos com o ensino secundario a nao concordarem com a
pergunta da P10.1. Estes totalizam 46%, sendo que apenas 39% destes concordam. Nos
indianos com ensino secundario nota-se tambem uma queda nos valores percentuais da
opgao "concordo" da P9.1. Apenas 20% destes concorda e a grande maioria esta na
indecisao, com 80%.
Esta foi uma analise direccionada para si proprio, ou seja, em que cada inquirido
respondia apenas por si, sem ter em conta a analise de outrem. Quando se trata do fruidor
fazer um julgamento sobre a apreciagao que o publico faz das obras (P9.2) ou dos artistas
(P10.2), os resultados sao semelhantes. Ou seja, 74% (contra 75% da P9.1) acham que o
publico espera algo da obra de arte e 61% (contra 58% da P10.1) espera algo do artista.
Como se pode verificar, os valores sao deveras semelhantes, o que leva a concluir que o
fruidor inquirido reve no outro a sua posigao pessoal. Uma vez mais a nacionalidade
chinesa e a que apresenta os valores mais baixos, com respectivamente 60% e 50%. No
computo geral, tambem aqui existe um decrescimo nos valores percentuais entre a P9.2 e
P10.2, em media cerca de 13 pontos percentuais, o que vem reforgar a ideia de que o mais
importante na obra sera a sua visibilidade, em detrimento do seu conteudo oculto.
Em todas as profissoes o valor percentual da P9.2 e sempre superior a P10.2, com a
unica excepgao dos artistas e possuidores de outras profissoes cabo-verdianos, que
422
contrariam a tendencia. Relacionando esta analise com a das perguntas anteriores (P9.1 e
10.1), verifica-se que existe uma semelhanca nalguns resultados. E o caso dos artistas
timorenses que, em ambas as questoes, dividem a maioria entre a concordancia e a opcao
"nem concordo nem discordo". Salientando as particularidades da relacao da P9.2 e P10.2,
destaca-se uma vez mais que sao apenas os artistas os que contrariam a generalidade dos
resultados. Nao existe nenhuma discordancia, mas a taxa de indecisao e elevada. Assim
sendo, nenhum dos artistas Portugueses, brasileiros, indianos e timorenses acha que o
publico espera algo do artista. Os artistas timorenses ainda dividem a maioria entre "nem
concordo nem discordo" e "concordo", enquanto que os outros mostram-se
maioritariamente indecisos, com respectivamente 80%, 60% e 60%.
Estes resultados vem mostrar que o artista, como fazedor que e, tera uma visao
completamente diferente da de um comum fruidor. Ele e simultaneamente fazedor e
fruidor e por isso algumas questoes terao um duplo sentido. Do universo dos inquiridos,
sao portanto um grupo muito particular e os unicos a poderem estabelecer sentidos
diferentes para perguntas tambem elas diferentes. Os artistas nao so interpretam as
perguntas taxativamente como elas lhes sao apresentadas, mas tambem de outro modo. A
P9.2 pode ser vista do seguinte modo: "o publico espera algo do que eu faco?" - e entao
jogara com o que ele proprio julga da sua fruicao de obras de outros artistas, mas sempre
com uma forte influencia do intento do seu trabalho. Por outro lado, a P10.2 podera ser
tambem interpretada pelo artista do seguinte modo: "o publico espera algo de mim?". Se
este for desprovido de qualquer intencao "comunicacional", como parecem indicar os
resultados referentes aos artistas Portugueses, brasileiros, indianos e timorenses, entao
prefere manter uma posicao de neutralidade, fazendo diminuir consequentemente os
valores da concordancia. Se relacionarmos estes com a Pll, verificamos que apenas os
artistas indianos e mocambicanos optam por achar que o que esperam da obra de arte e a
"comunicacao", enquanto que os Portugueses mantem-se indecisos entre a "comunicacao",
a "transmissao de elementos visuais" e os "sentimentos do autor", com 50%. Tambem os
timorenses se dividem entre a "transmissao de informacao" e a "transmissao de elementos
visuais", com 50%. Ja os brasileiros optam por considerar os conhecimentos (75%), o mais
representative daquilo que se pode esperar da obra de arte. Se atentarmos nas duas
restantes nacionalidades, verifica-se que tambem existe da parte dos artistas cabo-
verdianos uma indecisao, porquanto estes se dividem entre a "comunicacao" e os
423
"sentimentos do autor", com 83%. Como se pode ver, a "comunicacao" apenas ganha
consenso absoluto nos artistas de nacionalidade indiana e mocambicana, o que parece
pouco significativo.
Os inquiridos demonstraram estar conscientes das dificuldades de anaiise da obra,
sobretudo no que diz respeito aquilo que se pode esperar do artista, ou seja, aquilo o que o
artista possa vir a transmitir. Souberam distinguir o que apreenderam sensorialmente
daquilo que se mantem oculto na obra, mas que supostamente se deseja dar a conhecer - o
conteiido. Um pouco como se fosse um pacote de bolachas, do qual se conhece a marca e o
tipo por virtude do expressamente visivel na sua embalagem, mas se desconhece o sabor.
Nao se estabelece portanto um consenso entre uma e outra parte, quer dizer, visibilidade e
conteiido nao andam a par.
Se aceitarmos que, para a compreensao "absoluta" da obra de arte, devemos
apreender toda a sua visibilidade e todo o seu conteiido, entao facilmente perceberemos
que as obras nao sao comunicaveis, isto no sentido da transmissao de informacao.
Informacao sera tanto a visibilidade como o conteiido. A visibilidade e manifestamente
perceptivel, ao passo que o conteiido mantem-se, alem de oculto, totalmente hermetico.
Tab. 25 | Graus de importancia da obra de arte
obra de arte
visibilidade
conteudo
Ideia que o fruidor tem de si relativamente a/ao
Ideia que o fruidor tem do outro relativamente a/ao
75%
75%
60%
60%
Se, grosso modo, 75% dos inquiridos responderam que o que predominava na
exposicao era de forma globalizante a cadeira e os elementos visuais, apenas uma muito
pequena parte percebeu o seu verdadeiro significado, desde logo a averiguar pelas
respostas as perguntas n os 13, 14 e 15. Nao ha diivida de que, nestas questoes, as respostas
foram dadas tendo em conta apenas a visibilidade das obras e muito raramente
considerando os seus conteiidos. Ver para alem de uma cadeira, cores e formas torna-se
uma tarefa dificil, na medida em que nao existe um previo suporte para a compreensao.
Ainda assim, 83% das pessoas que responderam ao inquerito acha que arte e
comunicacao. Os timorenses sao a nacionalidade que apresenta a menor percentagem, com
424
65%. A nacionalidade a responder em maior numero a esta pergunta e a brasileira com
94%, seguindo-se a portuguesa (92%), a mocambicana (91%), a cabo-verdiana (87%),
indiana (82%) e chinesa (79%). Como se pode verificar, existe unanimidade relativamente
a esta questao, que pode ainda ser comprovada pela Pll, onde "comunicacao" obteve o
maior numero de votos (42,3%), sendo considerada a mais representativa, ligeiramente
acima de "sentimentos do autor" (41,7%). As profissoes e habilitacoes academicas, nao sao
um factor determinante nesta tendencia. Na verdade, apenas 67% dos cabo-verdianos
titulares do ensino primario discordam da ideia de arte ser comunicacao. No entanto, este
valor nao adquire importancia porque esta percentagem diz apenas respeito a 2 pessoas
(sobre 3 em analise).
Se os inquiridos nao tern duvidas quanto a arte ser comunicacao, de igual modo
existe unanimidade relativamente a P8, sobre se arte e significacao. No entanto, os valores
estao ligeiramente abaixo, com cerca de 11 pontos percentuais. Em todo o universo dos
inquiridos, so os mocambicanos possuidores de habilitacao secundaria e os artistas,
igualmente mocambicanos, nao atingem a maioria, quedando-se ambos pelos 48%.
Confrontando o conceito "comunicacao" das Pll e P12 averigua-se que existe uma
diferenca nas taxas percentuais de cerca de 9%. Portanto, ainda que na P12 a
"comunicacao" nao lidere, aproxima-se do valor da Pll. Ora, as pessoas esperam que a
obra de arte comunique, mas nao julgam que esta seja constituida por comunicacao. Por
outras palavras, esperam que a obra seja veiculo de uma mensagem num processo de
comunicacao. Contudo, esta opiniao nao e partilhada pela nacionalidade indiana, chinesa e
timorense, que apresentam valores abaixo da maioria, a saber, respectivamente 32%, 22%
e 43%. O que os indianos mais esperam da obra de arte sao os "sentimentos do autor", com
60%, contribuindo para esta media os estudantes e as outras profissoes, respectivamente
com 55% e 62%. Os artistas indianos (75%) preferem optar pela opcao "comunicacao".
Partilham da mesma opiniao os chineses (apenas estudantes), com 46%, enquanto que os
timorenses admitem ser os "conhecimentos", aquilo que mais esperam da obra de arte, com
56%. Mesmo assim, nestes ultimos, existe uma grande indecisao relativamente as restantes
opcoes de resposta, com excepcao da opcao "nada", porque todas elas estao entre os 43% e
os 48%.
425
Tab. 26 | Valores percentuais da relacao da variavel "nacionalidade" com a PH.
Mais representativa
Menos representativa
a
b
c
d
e
f
a
b
c
d
e
f
nacionalidade portuguesa
32,7
48,1
52,9
55,4
35,1
14,8
48,3
31,3
38,0
37,6
51,9
29,4
36,2
21,6
26,9
47,1
56,3
37,6
52,3
92,6
62,7
66,9
32,4
22,2
42,5
50,0
50,1
44,1
66,7
56,9
65,4
59,5
45,4
45,4
62,5
49,4
27,3
33,3
37,3
54,6
16,2
6,5
56,3
31,3
34,0
5,4
3,7
5,9
6,2
2,7
2,9
18,8
4,5
16,4
29,6
11,8
20,0
8,1
10,2
19,5
37,5
16,9
17,0
18,5
27,5
36,2
5,4
11,1
24,1
18,8
20,3
5,6
7,8
10,0
5,4
6,5
19,0
25,0
8,9
13,0
18,5
5,9
13,8
2,7
6,5
16,1
12,5
12,3
22,9
40,7
17,6
20,0
5,4
34,3
12,6
31,3
21,6
67,9
74,1
62,7
70,8
78,4
44,4
57,5
56,3
64,0
cabo-verdiana
mogambicana
brasileira
indiana
chinesa
timorense
outra
Total
a: "transmissao de informacao"; b: "transmissao de elementos visuais"; c: "comunicacao"; d: "sentimentos
do autor"; e: "conhecimentos"; f: "nada".
Ja tinhamos verificado anteriormente que a resposta "comunicacao", no seio
artistico, nao ganha grande projeccao. Tambem na classe estudantil, apenas os Portugueses,
cabo-verdianos e mocambicanos consideram esperar da obra de arte comunicacao, ao
passo que nas "outras profissoes", apenas os nacionais de Portugal, Cabo Verde e Brasil
escolhem a comunicacao. Os restantes inquiridos dividem-se entre os sentimentos e
conhecimentos.
Observa-se que, nesta questao, os inquiridos se dividem entre "comunicacao" e
"sentimentos do autor", estando mesmo esta opcao a frente daquela, nos inquiridos de
nacionalidade indiana e chinesa 688 . Podemos ainda referir a amostra brasileira que,
apresentando um valor abaixo, apenas dista 1,5% de "comunicacao". A arte tambem e
regularmente aceite como sendo sentimento e isso foi fortemente evidenciado nos
ocasionais contactos com cabo-verdianos e mocambicanos, e agora demonstrado pelos
resultados deste inquerito.
Ja quando se questiona o publico sobre a constituicao das obras de arte (P12),
maioritariamente este opta por considerar os "elementos visuais" como os mais
representatives. Isto vem demonstrar que as pessoas entenderam a pergunta, visto que, se
assim nao fosse, poderiam ter escolhido "comunicacao", a semelhanca do que acontece na
Pll. Em boa verdade, as obras nao sao constituidas por comunicacao: poderiam
eventualmente participar de um acto de comunicacao. A constituicao aqui designada tern
388 De somenos importancia, mas a considerar e as outras nacionalidades que tambem subscrevem os
'sentimentos do autor" com 63%.
426
uma forte ligacao com a visibilidade da obra, aquilo que na P5 as pessoas consideram ser a
cadeira e os elementos visuais. Ora, os inquiridos optarem por considerar os "elementos
visuais" como sendo os mais representativos da constituicao das obras de arte (53%) e
reduzi-las a sua elementaridade plastica. Com esta percentagem, percebe-se, uma vez mais,
que a obra e mais visibilidade do que conteudo. Basta atentarmos no valor obtido por
"informacao" para perceber que esta ocupa o primeiro lugar entre as menos
representativas, com 23%, e o ultimo entre as mais representativas, com um valor
sensivelmente igual, ou seja, 25%. Percebe-se que a obra de arte e constituida por
elementos visuais, mas quando se questionam as mesmas pessoas sobre o que esperam
dela, depreende-se que nao e a transmissao desse mesmos elementos visuais que
predomina. Isto e um indicador de que o fruidor esta consciente do que constitui a obra e
nao tern duvidas em afirmar que se trata dos elementos visuais. No entanto, ele espera que
esses elementos sejam apenas parte integrante da obra e que personifiquem outras coisas,
mormente a comunicacao, para um "dialogo" com os sentimentos do autor.
Estranhamente, nesta pergunta fechada, poucos sao os artistas a acharem que as
obras de arte sao constituidas por "elementos visuais". Apenas os artistas brasileiros e
timorenses o consideram, com, respectivamente, 75% e 50% (partilhando 50% com a
opcao "informacao"). Todos os outros divergem entre a opcao "mensagens" [cabo-
verdianos (100%), mocambicanos (65%) e Portugueses (80%) - partilhando estes a mesma
percentagem com a opcao "simbolos"] e "comunicacao" e "significados" (indianos, 75%).
Na classe estudantil, apenas os de nacionalidade mocambicana referem "mensagens", com
uma larga maioria de 87%. Quanto a "outras profissoes", apenas a nacionalidade brasileira
opta por escolher "comunicacao", com 66%, e a mocambicana, que escolhe
simultaneamente "comunicacao" e "mensagens", ambas com 70%. Quando se trata de
verificar o factor menos representative da pergunta, nota-se que todos os artistas
consideram ser a informacao, com a excepcao dos artistas brasileiros, que opta pelos
simbolos (50%). Todos os outros inquiridos se repartem pelas outras opcoes, com
predominancia na classe estudantil para "informacao" e "mensagens" e nas "outras
profissoes" para "simbolos" e "mensagens".
Relacionando as respostas "transmissao de informacao", da Pll e "informacao", da
P12, verifica-se que nao ocupam lugares de destaque relativamente a outras opcoes. Estes
427
termos nao sao muito vulgarizados no seio artistico, destacando-se mais o conceito
"comunicacao" e "mensagens", existindo, porem uma grande proximidade entre todos.
Tambem poderemos agrupar, para analisar o conteiido da obra, "mensagens"
(16%), "simbolos" (21%) e "significados" (15%), visto que todos sao intrinsecos a obra.
Todos eles sao remetidos para o primeiro lugar das opcoes menos representativas. Esta
"informacao" aqui considerada nao tern qualquer relacao com a "informacao" assumida na
seccao 3.3 (pp. 162-190), distincao alias facilmente destrincavel pelos inquiridos,
porquanto estes sobrevalorizam os elementos visuais. Nao se trata aqui da informacao
relativa aos elementos basicos e constituintes da obra, mas sim da informacao que esta na
base das mensagens e da comunicacao. Se no inquerito utilizassemos, "informacao" com o
sentido de "elementos visuais", entao estariamos a duplicar as possibilidades de resposta, o
que se traduziria numa redundancia nao desejavel. As "mensagens" sao, poderemos dizer,
o enlace que se podera criar com os "simbolos" e os "significados". Os simbolos
transportam mensagens atraves de relacoes nem todas as vezes convencionais, porque nem
sempre estao ao alcance de todos. Por outro lado, as mensagens sao significados, ou seja,
sao o seu sentido que, lembre-se, deve ser linico, ja que a plurivocidade e consequencia da
significacao. Os significados sao o conteiido nocional de um determinado signo artistico.
Tab. 27 | Valores percentuais da relacao da variavel "nacionalidade" com a P12.
Mais representativa
Menos representativa
a
b
c
d
e f
a
b c
d
e
f
nacionalidade portuguesa
43,0
76,9
70,0
61,1
25,0
6,5
26,9
33,3
40,0
23,9
42,3
38,0
48,1
16,7
6,5
39,6
13,3
28,8
58,1
80,8
56,0
67,9
44,4
52,3
75,3
73,3
62,1
39,5
69,2
52,0
62,6
30,6
7,5
34,1
33,3
39,1
37,1 27,4
57,7 50,0
28,0 40,0
58,0 51,1
12,2
16,0
4,0
14,5
16,7
33,0
31,9
33,3
18,5
32,6 13,1
40,0 16,0
22,0 14,0
24,4 13,0
7,5
8,0
8,0
11,5
5,6
16,0
22,5
20,0
11,8
16,9
20,0
26,0
18,3
16,7
11,3
18,7
17,1
27,1
28,0
34,0
20,6
30,6
18,9
22,5
20,0
24,9
cabo-verdiana
moc-ambicana
brasileira
indiana
30,6
16,7
13,9
19,8
18,1
66,7
27,0
8,3
7,5
16,5
13,3
13,1
chinesa
24,3 23,4
42,3 38,5
66,7 46,7
timorense
outra
Total
39,7
33,2
a: "mensagens"; b: "informacao"; c: "elementos visuais"; d: "comunicacao"; e: "significados"; f: "simbolos".
Estranhamente, uma extensa maioria de mocambicanos (70%) considera que as
"mensagens" e que constituem as obras de arte, ocupando os simbolos o ultimo lugar, com
34%. Segundo este ponto de vista, mensagens e simbolos sao coisas diferentes. Isto leva a
crer que os mocambicanos esperam que as obras de arte veiculem mensagens, mas nunca
428
sob a forma de simbolos. Isto vem abrir caminho para a significagao, visto que as
mensagens poderao ser passiveis de significagao, ao contrario dos simbolos geralmente
convencionados de forma tacita e dos elementos visuais, aceites culturalmente em
determinadas sociedades. As mensagens serao portanto informagao e terao, uma
determinada significagao para os fruidores,. Neste contexto, verifica-se que todas as
nacionalidades consideram que arte e significaczao.
As ultimas tres perguntas revelaram-se de extrema importancia para este estudo e
fundamentalmente para o entendimento da ideia de que a arte nao suporta um sistema de
comunicagao. Com elas pretendeu-se saber se os inquiridos conseguiam atingir o
significado das obras em questao e averiguar se haveria uma unanimidade ou pelo menos
uma maioria. Esta tarefa tornou-se dificil para os inquiridos, deixando-os muitas das vezes
confusos e indecisos nas respostas. Se a obra de arte comunica, entao ela devera possuir
caracteristicas capazes de possibilitar o seu verdadeiro entendimento por cada fruidor. As
perguntas abertas vieram revelar que a obra nao tern a capacidade de transmitir o que quer
que seja de oculto, nao passando de um depositario de informagao encriptada. O fruidor e
que retira da obra a sua significagao, em fungao das suas anteriores vivencias.
No nosso estudo temos uma grande variedade de individuos, sobretudo pela enorme
diversidade de vivencias pessoais. E esta plurivocidade de vivencias que tambem permite
uma grande variedade de respostas. Como ja anunciado anteriormente (cf. supra, pp. 414,
415), na P13 obteve-se um total de 128 respostas; na P14, 189 e na P15, 160. Estas
respostas por sua vez foram aglutinados, dando origem a, respectivamente, 53, 102 e 83
respostas. Para este estudo e para simplificar a analise, tomou-se em consideragao estes
ultimos valores, ficando os iniciais como seu complemento. Como houve uma redugao
relativamente proporcional nas tres perguntas (media de 55%), nao fica anulada a
coerencia da ideia inicial. Portanto, todos os valores apresentados daqui em diante referem-
se, exclusivamente, as respostas em formato aglutinado.
Estes valores sao de extrema importancia para a compreensao do objectivo deste
trabalho. Convira recordar que as obras sobre que incidiram estas questoes foram
realizadas segundo uma grande diversidade de atitudes. Interessava saber em qual das tres
obras haveria uma maior latitude de respostas. Se a obra possui informagao e se esta e
passivel de entrar num circuito de comunicagao, entao deveremos obter resultados
conclusivos a este respeito. Nao parece que tal acontega, ou seja, em qualquer das tres
429
obras, nao houve unanimidade nas respostas correspondentes. Ora, se a obra comunica,
entao devera colocar em comum toda a sua informacao e possibilitar a todos os fruidores a
sua compreensao, tal como quando se estabelece um dialogo em que todos os
intervenientes se percebem e, caso momentaneamente surja algum lapso na conversa, entao
nao ha comunicacao, por nao haver entendimento de uma das partes (pelo menos),
deitando por terra a ideia de comum acordo.
Portanto, ja verificamos que nao existe uma unica resposta a cada uma das
perguntas, restando pois perceber a diferenca numerica entre as tres obras. Podemos dizer
que, ao menor numero de respostas, corresponde a obra mais sintetica, enquanto que a obra
mais complexa, aquela que possui mais informacao visual, detem o maior numero de
respostas, ficando de permeio a obra que detem complexidade intermedia. Esta analise vem
comprovar parte do "Esquema de dualidades em relacao" apresentado na seccao 3.3 (cf.
supra, fig. 32, p. 176), em que a arte abstracta e sinonimo de objectividade devido a sua
elementaridade compositiva, ao passo que a arte dita figurativa corresponde uma maior
subjectividade, devido a conjugacao dos seus elementos constituintes. Ressalta
visualmente que a obra n° 1 e totalmente homogenea, enquanto que a obra n° 4 e ricamente
ilustrada. Entao, facilmente se conclui que, quanto mais sinteticas forem as obras, menores
serao as possibilidades de analise, ficando tambem claro que esta e proporcional a
complexificacao das obras. Podera entao dizer-se, contrariamente ao que vulgarmente se
pensa, que a abstraccao e mais facilmente entendivel do que qualquer outra atitude artistica
e que a compreensao da obra dependera claramente da sua constituicao.
E claro que, no computo geral, as pessoas nao entenderam o significado das obras,
mas tiveram a sua propria compreensao das mesmas e expressaram isso nas suas respostas.
Essas respostas foram fundamentadas na imediatidade sensorial, ou seja, as pessoas
responderam tendo em conta aquilo que as obras de arte sao - exterioridade - e nao
conteudos interiores. Este pequeno estudo e paradigmatico daquilo que se verifica quando
o fruidor e confrontado com uma obra de arte. Ainda que ele discurse sobre o que esta
possa conter de oculto, e no que se torna visivel, que a avalia e classifica. A famosa
pergunta "o que quer dizer esta obra?", sera equivalente a "o que quer dizer esta
conjugacao de elementos visuais?", porque e no somatorio e consequente conjugacao dos
elementos visuais que a obra se hermetiza, perdendo o seu sentido visivel.
430
A pergunta 13 vem entao de encontro a esta questao e isso ficou perfeitamente
demonstrado nas respostas. 24% dos inquiridos responderam que eram os elementos
visuais que preenchiam a obra e que lhe davam significado. Ao dizer-se que o significado
da obra e um elemento visual, como a cor por exemplo, isso significa, que a obra nao
corresponde directamente nenhum significado. A cor nao e um significado na obra, mas
funda-se num significado nocional baseado na sensorialidade e padronizacao. Ela e um
elemento constituinte. Tais respostas foram dadas em funcao do que apenas era visivel,
visto que o verdadeiro significado permanecia oculto. Talvez por isso nao se estranhe o
segundo maior valor percentual (15%) pertencer precisamente a resposta "sem
significado". So em terceiro lugar aparece a resposta "vazio" com 14%, no fundo, a dar a
indicacao de que a obra se encontra despida do que a poderia enriquecer - os elementos
visuais. "Vazio", pela analise das respostas, corresponde a um estado de ausencia de
qualquer coisa e nao tern o sentido de futilidade. Significa isto que a cor utilizada na obra
nao foi suficiente para que aumentasse a percentagem dos que responderam "elementos
visuais". Isto dever-se-a com certeza a neutralidade da cor cinzenta utilizada.
A P5 pode em certa medida vir corroborar a P13. Se nao, vejamos: a maior
quantidade de respostas vai para "cadeira" (46%), tendo ficado os "elementos visuais"
(21%) em segunda posicao. Mas afinal a cadeira nao se podera constituir como um
elemento visual? Elemento visual e um estado simples da obra de arte, ou seja, e algo que
devera ser considerado nao-decomponivel 689 , uma parte de um todo que se pode apreciar
em separado atraves de uma analise. Sera um principio formal basico, que estrutura a obra
e lhe da coerencia. Ora a cadeira, neste caso, ainda que seja um somatorio de elementos
visuais, acaba por ser um elemento. Trata-se de um elemento conceptual de toda a
exposicao. Ja nao e mais a cadeira com forma, cor, textura, etc., mas sim um conceito que
resume todo o conjunto expositivo. A ser assim, poder-se-iam incluir todas as respostas
"cadeira" em "elementos visuais", o que definitivamente demonstraria que os elementos
visuais sao de facto o mais realcado numa obra de arte. Alias, na P15 "elementos visuais"
tambem e a segunda resposta mais escolhida, evidenciando que esta ideia possa ter
fundamento. Trata-se obviamente de uma suposicao, mas, se juntarmos as respostas
A nao-decomponibilidade dos elementos visuais da obra de arte e relativa. A cor verde podera ser
decomposta em duas primarias, uma linha podera ser decomposta numa sucessao de pontos, etc. A "cadeira"
e um elementos constituintes basicos com vida propria, que ainda assim pode ser decomposto nos seus
constituintes elementares (cor, forma, etc.). Para melhor entendimento deste assunto cf. infra, o esquema de
"Formacao da obra de arte", fig. 95, p. 437.
431
"elementos visuais" e "cadeira e elementos visuais", obtemos um total de 31%, o que se
torna significativo. Repare-se tambem que, nesta P5, apenas as respostas "cadeira",
"elementos visuais" e "cadeira e elementos visuais" apresentam valores que podem ser
passiveis de estudo. As restantes respostas tern valores abaixo da unidade percentual,
contanto apenas, uma vez mais, para confirmar a ideia de nao consensualidade.
Entre algumas nacionalidades e ainda na P5, os "elementos visuais" ganham
primordial importancia, como e o caso da indiana e chinesa que tern respectivamente 45%
(contra 31% de "cadeira") e 49% (contra 34% de "cadeira"). Os estudantes indianos e as
"outras profissoes" sao aqueles que mais ajudam a colocar os "elementos visuais" em
primeiro lugar, com respectivamente 50% e 55%. Tambem a nacionalidade cabo-verdiana
divide a primeira posicao com a resposta "elementos visuais" e "cadeira", com 43%, e
contribuem para esta posicao os artistas que em ambas as respostas tern 33% e os
estudantes com 38% na opcao "elementos visuais" e 63% na opcao "cadeira". Realce-se
ainda a grande maioria de inquiridos (80%) com outras profissoes a considerarem
"elementos visuais" como o elemento que mais predomina no conjunto expositivo. Ainda a
contribuirem para uma maior media de "elementos visuais" estao os estudantes chineses,
com 49%, e os artistas brasileiros e mocambicanos, com respectivamente 27% e 50%.
Tab. 28 | Valores percentuais da relacao das variaveis "nacionalidade" x "profissao" x "habilitacoes
academicas" x P5.
nacionalidades
profissoes
habilitagoes academicas
estudantes
artistas
outras
sem
frequencia
ensino
primario
ensino
secundario
ensino
superior
portuguesa
Ca 54%
Ca 43%
Ca 68%
Ca 100%
Ca 85%
Ca 59%
Ca 66%
cabo-verdiana
Ca 63%
Ev 38%
Ca 33%
Ev 33%
Ev 80%
Ev 100%
Ca 56%
Ev 100%
mocambicana
Ca 64%
Ev 50%
Ca 43%
Ev 100%
Ca 38%
Ca 52%
brasileira
Ca 59%
Ev 27%
CaEv 27%
Ca 48%
Ev 100%
Ca 50%
Ca 58%
Ca 47%
indiana
Ev 50%
Ca 80%
Ev 55%
Ca 100%
Ca 50%
Ev 50%
Ev 48%
chinesa
Ev 49%
Ev 49%
timorense
Ca 69%
Ca 100%
Ca 71%
Ev 100%
Ca 64%
Ca 70%
Ca 90%
Ca: "cadeira"; CaEv: "cadeira e elementos visuais"; Ev: "elementos visuais"
432
Voltando a P13 e analisando mais profundamente os resultados, verifica-se que
apenas a nacionalidade portuguesa 690 nao considera em primeiro lugar os "elementos
visuais" como o significado da obra, preferindo a resposta "vazio". Esta obtem cerca de
23%, seguindo-se entao "elementos visuais", com 22%, e muito proximo a resposta "sem
significado", com 20%. E tambem nas nacionalidades portuguesa e timorense que "sem
significado" atinge o valor mais elevado, com 20% (destacando-se grandemente de todas
as restantes nacionalidades que tern uma media de 10% para esta resposta).
Independentemente das diferencas nas respostas, a nacionalidade portuguesa sobressai de
todas as outras, isto se considerarmos que existe uma grande homogeneidade nos
resultados, visto que as tres respostas mais frequentes oscilam entre os 20% e os 23%.
Podera dizer-se que os nacionais Portugueses se encontram indecisos sobre o verdadeiro
significado da obra n° 1. De igual modo, a nacionalidade indiana apresenta 17% em tres
respostas distintas, ou seja, para os "elementos visuais", "multiplos significados" e
"vazio". E tambem a nacionalidade que apresenta o valor mais elevado para a resposta
"multiplos significados", ja que nas restantes nacionalidades esta resposta tern uma media
de 7%.
Tentam contrariar a media da primeira posicao da P13, os estudantes indianos
("preparacao artistica" e "cadeira dissimulada", ambas com 33%), os artistas Portugueses
("vazio", 33%) e de "outras profissoes", os Portugueses ("sem significado"e "vazio",
ambos com 24%), os cabo-verdianos ("vazio", 29%), mocambicanos ("sem significado" e
"multiplos significados", ambos com 27%) e brasileiros ("vazio", 29%).
690 Tambem as outras nacionalidades deixaram a resposta "elementos visuais" para a segunda posicao, no
entanto estas nao foram consideradas no estudo, por se tratarem de uma pequena minoria (18 pessoas) muito
diversificada.
433
Tab. 29 | Valores percentuais da relagao das variaveis "nacionalidade" x "profissao" x "habilitagoes
academicas" x P13.
nacionalidades
profissoes
habilitac-oes
academicas
sem
ensino
ensino
ensino
estudantes
artistas
outras
frequencia
primario
secundario
superior
portuguesa
Ev 23%
Va 33%
Ss 24%
Va 24%o
Ss 100%
Ss 50%
Va 24%
Va 26%o
cabo-verdiana
Ev 25%
Ev 38%
Va 29%
Ev 50%
Ns 50%
Ev 18%
Ms 18%o
Va 40%
mocambicana
Ev 31%
Ev 27%o
Ss 27%
Ms 27%o
Va 100%
Ev 30%
Ev 21%o
Ss 21%
brasileira
Ev 34%
Ev 50%)
Va 29%
Ms 100%o
Im 50%
Ev 38%
Ev 29%
indiana
Pa 33%
Cd 33%
Se 25%
Ev 25%)
Ss 25%>
Va 25%
Ev 21%
Ms 21%)
Va 21%o
Va 100%o
Ev 100%
Ms 21%
chinesa
Ev 34%
Ev 34%o
timorense
Ev 48%
Ev 100%
Ev 33%
Te 50%
Pa 50%
Ev 41%
Ev 32%
Ev 33%
Cd: "cadeira dissimulada"; Ev: "elementos visuais"; Im: "imaginagao"; Ms: "miiltiplos significados"; Ns:
"nao sabe"; Pa: "preparacjio artistica"; Se: "sentimentos"; Ss: "sem significado"; Te: "tecnologia"; Va:
"vazio".
Ja aqui foi referido que os inquiridos nao conseguiram esclarecer o significado da
obra n° 1. Das 128 respostas, a grande maioria vai no sentido da imediatidade sensorial.
Respostas como "cor cinzenta", "quadrado cinzento", "pintura", "abstraccao", etc. estao
direccionadas para o que se realca de mais evidente e nao tern outro sentido que nao seja
esse. Existem tambem outras respostas que nao estao directamente ligadas as obras, mas
sim ao criador. E o caso de "criatividade", "imaginacao", "estado de espirito do artista",
etc. Estas respostas ligam-se mais a criacao do que a fruicao, tern mais em conta os
factores que terao dado origem a obra.
Existe tambem um tipo de respostas que se liga aos sentimentos e vivencias
pessoais do fruidor. Sao respostas que fazem recordar e que despertam outros sentidos. E o
caso de "tristeza", "liberdade", "tranquilidade", etc. Nestas podemos ainda incluir aquelas
que se estabelecem por conotacao e que sao obviamente do dominio pessoal visto que nao
existe qualquer regra ou padrao para confirmar tais respostas e assim torna-las universais.
E o caso de "quadro de escrita", "cidade poluida", "rede mosquiteiro", ou ainda "creme no
cafe". Todas estas respostas tern, portanto, apenas validade particular. No universo das
respostas podemos tambem encontrar aquelas que dizem respeito ou que estimulam a
434
diivida sobre um processo de transmissao de conteiidos informativos, como e o caso das
respostas "comunicacao", "mensagem", "incomunicacao", "sem informacao".
Destes grupos de resposta, uns tern validade universal, enquanto outros, validade
pessoal. Todos eles procuraram responder a pergunta que era solicitada. Temos as
respostas e temos o conceito introduzido na obra. Verifica-se, pois, que nao sao
coincidentes. No entanto, convira aqui realgar um muito pequeno grupo de pessoas que se
aproximaram, ao menos quanto a criacao plastica. Estas pessoas revelaram ter
compreendido a obra e, talvez em parte, o seu conceito. Sete pessoas afirmaram que o
significado da obra era uma "cadeira dissimulada", o que corresponde perfeitamente a
verdade. Realce-se ainda que, dessas sete pessoas, quatro sao estudantes, dois artistas e
uma de outra profissao (dos estudantes, 3 sao indianos e 1 portugues; dos artistas, 1 e
mocambicano e outro pertence ao grupo das "outras nacionalidades"; quanto as "outras
profissoes" temos, 1 brasileiro). A relacao de artistas a referirem essa resposta nao e
proporcional a mesma situacao criada pelos estudantes e outras profissoes, visto que temos
501 estudantes e 493 nas outras profissoes, contra 70 artistas. Ora, as duas pessoas artistas
a considerarem a obra n° 1 como uma cadeira dissimulada, ainda que sejam um niimero
reduzido, representam, no computo geral, uma grande amostra de que existe uma maior
abertura de analise da obra por parte destes. Numa tao grande percentagem a concordar
que a obra n°l nao se refere a uma cadeira, como se compreende que algumas pessoas
digam precisamente o contrario, conseguindo revelar o intento desta obra? Nao existem na
exposicao elementos que possam evidenciar tais factos, porem parte-se do principio de que
tal sucedeu devido ao facto de estas obras estarem inseridas num meio que prima por ter
como realidade/tema, a cadeira. Por consequencia, julgam-se umas obras pelas outras,
sendo pois uma questao de deducao logica e nao uma constatacao pura de factos.
A reducao de elementos visuais aumenta a possibilidade de se encontrar o seu
verdadeiro significado, mas nao explica a obra. Esta carece de uma descricao como
complemento. So assim se poderia juntar o conteiido em conformidade com a visibilidade.
Logicamente, nao so as obras abstractas necessitam de apoios externos para o seu
entendimento, mas tal e extensivel a figuracao, onde a dificuldade de compreensao das
suas relacoes internas aumenta. Nao podemos entao falar de comunicacao quando
estiverem ausentes determinadas condicoes essenciais. Por isso, segundo um respondente,
a obra n° 1 e «incompreensivel; nao tern (para mim) qualquer significado, expressao do
435
autor; nao passa qualquer mensagem; nao comunica.» 691 . Ainda relativamente a mesma
obra, outro inquirido refere: «Nao faco ideia! Porque se a ideia era comunicar algo, ou
falhou profundamente ou so tendo uma memoria descritiva ao lado.» 692
A obra n° 1 encontra-se perfeitamente concluida. Apesar disso poderia apenas ser,
como 13 inquiridos disseram, uma "tela em branco", ou ainda uma "preparacao artistica"
para o inicio de outra obra, tal como 31 pessoas o disseram. Poderia evidentemente ser
uma preparacao artistica para uma obra mais complexa, como a n° 4, e assim passariamos
de uma obra "simples" para outra mais complexa, relevando o "Esquema das dualidades
em relacao" (cf. supra fig. 32, p. 176). E claro que esta e uma fotografia e, como tal, nao se
poderia passar de um estado pictorico para outro fotografico, a menos que nos
aproximassemos deste atraves de tecnicas hiper-realistas. Nao se pretende criar um
esquema sucessorio com estas obras, onde ate poderiamos estabelecer uma certa ordem
logica, a saber, obra n° 1, obra n° 14 e finalmente obra n°4 (isto se tivermos em conta as
obras referentes as perguntas abertas) 693 . Pretende-se sim evidenciar e compreender que e
este o principio que rege este esquema sucessorio, onde a passagem do abstracto ao
figurativo se faz pela adicao de elementos visuais, e que sao estes, no seu todo e em
ordenacao conjugada, os responsaveis por uma dificuldade de compreensao, inviabilizando
consequentemente qualquer processo de comunicacao. Podemos entao dizer que a obra n°
4 sera um estado avancado da obra n° 1, onde a "cadeira" perde importancia. Repare-se que
apenas 11 pessoas indicaram que era esse o significado da obra n° 4, ou, se quisermos
aglutinar todas as respostas que, embora distintas, estejam relacionadas com a cadeira,
entao teremos uma percentagem na ordem dos 10%. Estranhamente, as respostas a P13,
onde a cadeira nao se torna visivel, apresentam um valor mais elevado do que para a obra
n° 4. Esta situacao apenas comprova que a miscelanizacao de elementos visuais na obra
vem enriquecer as possibilidades de resposta, deixando estes elementos de fazerem sentido
individualmente, mas tornando-se imprescindlveis colectivamente. Ao multiplicarmos
elementos visuais, tambem aumentamos a possibilidade de respostas e, simultaneamente,
fazemos prevalecer a interaccao daqueles em detrimento das suas unidades (entenda-se
elementos) basicas. Por isso, embora a cadeira esteja presente na obra n° 4, esta deixa de
691 Inquirido n° 632, portugues, 34 anos.
692 Inquirido n° 849, portugues, 20 anos, aluno da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.
693 Outras sequencias poderiam ser obtidas como por exemplo: obra n° 13, obra n° 24 e obra n° 21, ou ainda
obra n° 9, obra n° 3 e obra n° 7.
436
ter importancia na medida em que esta obra ja passou a um outro estado, onde se incluem
mais duas pessoas e um espaco. A medida que se complexifica a obra, vao-se agrupando
varios elementos visuais, o que da origem a outros elementos mais complexos, criando-se
uma hierarquizacao (fig. 95). A cadeira da obra n° 4 juntara-se-lhe lhe mais duas pessoas e
um espaco. Obviamente que a "leitura" da obra nao se vera pelos seus varios elementos
constituintes basicos (cadeira, pessoas, espaco), mas sim como um todo, tendo sempre em
conta, evidentemente, esses elementos. Talvez por isso, apenas 11 pessoas tenham citado a
"cadeira" como resposta a P14, 12 inquiridos referindo serem "pessoas", e so 1 referiu ser
"espaco". Estes tres elementos, que tiveram origem nos elementos visuais, passaram de
"elementos constituintes basicos" a "elementos constituintes complexos" e desse modo
perderam importancia.
Formagao da Obra de Arte
EP Visual
« (cor)
EP Visual
„ (forma)
EP Visual
„ (linha)
EP Visual
bo (escata)
Y-/---Y -/-
EP Constituintes Basicos
„: (cadeira)
EP Constituintes Basicos
(pessoas)
V
/-
Elementos Constituintes Complexos
(cadeira+pessoas)
Fig. 95 | Formagao da obra de arte (exemplo da obra n° 4).
Em resposta a esta pergunta, 30% dos respondentes disseram ser o dialogo, ou a
comunicacao, o significado da obra n° 4. Deduz-se portanto que as pessoas avaliaram a
obra apenas por aquilo que visualmente ela sugere. Duas pessoas frente a frente sao
437
sinonimo de dialogo ou comunicacao e a posicao informal do homem na composicao da
obra remete uma grande quantidade de respostas para "discussao/confronto", obtendo
desse modo 6%, logo atras dos "elementos visuais". A todas estas respostas, com excepcao
da resposta "elementos visuais", podemos tambem juntar "dominio/subjugacao" e verificar
que todas elas estao intimamente ligadas a relacao humana, que possa existir entre o
homem e a mulher. Talvez nao seja por acaso que uma das respostas seja "relacionamento
humano", com 14 pessoas (1,2%) a responderem desse modo, ou ainda a "relacao pessoas-
cadeira", com 4%.
Independentemente do que possa significar a obra n° 4, ela continua a ser
"elementos visuais", e pelo menos essa a opiniao de 8% dos inquiridos. O caracter
figurativo desta obra, nao invalida que nao seja elementos visuais; pelo contrario, sera uma
obra mais enriquecida desses elementos, que se tornaram constituintes basicos e que se
complexificam harmoniosamente em conjugacao. Respostas como «(...) e objectiva na
medida em que se ve de imediato duas pessoas, uma cadeira, uma parede, um chao... No
entanto, nao sabemos o contexto em que foi criada, o que pode originar diferentes
significados» 694 , ou ainda, «Na obra n° 4 esta uma fotografia, na fotografia estao um jovem
e uma menina. O homem esta com um pe sobre a cadeira, a mao direita esta sobre o joelho,
a menina esta de pe em posicao de sentido» 695 sao totalmente descritivas da imagem, ou
melhor dizendo, dos seus elementos constituintes. No entanto, os cabo-verdianos, os
brasileiros e os chineses discordam em grande maioria, com respectivamente 4%, 7% e
2%. Contribuem para estes resultados todas as categorias profissionais cabo-verdianas, as
"outras profissoes" e estudantes brasileiros e os estudantes chineses. Quanto a resposta
mais frequente, podemos dizer que todas as nacionalidades convergiram, mas nenhuma
delas obteve a maioria, ainda que os cabo-verdianos e os timorenses se aproximassem,
ambos com 46%. Podemos dizer que nao so todas as nacionalidades convergiram para esta
resposta, como tambem todas as categorias profissionais, excluindo os estudantes e artistas
indianos.
Se compararmos a resposta "elementos visuais" da P14 e P15, verifica-se que
ambas tern valores semelhantes, pois a P14 tern 8% e a P15, 9%. Esta ultima, referindo-se
a um elemento constituinte basico da obra, acaba por ficar encerrada na mesma
complexidade imagetica da P14. Dai que as respostas sejam direccionadas apenas para
694 Inquirido n° 616, portugues, 23 anos.
695 Inquirido n° 981, timorense, 57 anos.
438
esses elementos enquanto globalidade e nao individualidade, ou seja, os fruidores
responderam em funcao do que viram (pessoas, cadeira e espaco) e nao por aquilo de que
sao formadas/constituidas, o que alias e perfeitamente compreensivel. Constata-se ainda
que a resposta "sem significado", comum as perguntas 13 e 14, tern valores distintos numa
e noutra. Na P13 responderam 172 pessoas enquanto que na P14 apenas 27, o que nos
permite perceber que existe uma relacao inversamente proporcional entre os elementos
visuais e a possibilidade de se obter um significado. Quanto maior for a quantidade de
elementos visuais numa dada obra menor sera a possibilidade dos fruidores nao lhe
atribuirem um significado. Esta verificacao nao tern a ver com os valores dos elementos
visuais de ambas as questoes, mas sim com a quantidade de elementos visuais presente nas
obras a que se referem essas perguntas. Portanto, uma obra de arte abstracta, objectiva na
sua constituicao (elementaridade), sera subjectiva na sua analise, levantara duvidas quanto
ao seu significado e sera conotada como "sem significado". Dai que a atribuicao de 15% a
esta resposta seja perfeitamente compreensivel.
Os valores da resposta "nao sabe" as tres perguntas seguem este principio, com um
valor mais elevado para a P13 relativamente as restantes (3,6% na P13; 1,3% na P14; e
1,4% na P15). Portanto, na duvida, o fruidor selecciona a resposta "sem significado", ou
"nao sabe". A resposta "sem significado" traduz a existencia de um significado - a sua nao
existencia. Este acaba por ser um significado, contrariamente a resposta "nao sabe", que
corresponde ao assumir de uma ignorancia. O mesmo racioclnio permite perceber as
diferencas nos valores da resposta "multiplos significados". Embora esta resposta tenha um
maior valor na P13 (61 pessoas contra 18 na P14), a verdade e que e na P14 que se
encontra a maior quantidade de respostas, num total de 189. A P14 e P15 tern valores
muito semelhantes. Esta ultima com 17 pessoas, portanto menos uma que na P14. Pela
analise da quantidade de respostas as tres ultimas perguntas, percebemos entao que a P13
se encontra em ultimo lugar, muito embora tenha o maior valor na resposta "multiplos
significados".
Se na P13 estabelecemos alguns grupos de semelhanca entre as diversas respostas,
na P14 esses grupos aumentam substancialmente, nao so pelo maior numero de respostas
disponiveis para esta pergunta, mas tambem por se tratar de respostas bem mais
diversificadas. Assim, temos um grupo que privilegia a relacao humana, e neste podemos
distinguir outros, como a contenda entre as duas pessoas, expressa pelas respostas
439
"discussao/confronto" e "provocacao"; a relacao de autoridade expressa pelas respostas
"ordem superior" e "imposicao", ou ainda "professor/aluno" e "chefe/empregada". Dentro
deste grupo, ainda podemos encontrar as respostas que tern a ver com as relacoes de
proximidade, que e como quern diz, de intimidade. Sao exemplo disso, "engate",
"namoro", "declaracao de amor". Outro grupo sera aquele que apela para o dominio social
do homem sobre a mulher. E o caso de "machismo" e "exploracao sexual".
Um outro tipo de respostas liga a obra a situacao exposta, como se de um frame da
vida se tratasse. As respostas "cena comum", "quotidiano" ou "momento" reportam a
situacao tematica a uma vulgarizacao generalizada da vida, seja individual ou colectiva.
Outras respostas privilegiam o objecto "cadeira" e obrigam tudo o resto a girar em torno
dele. E o caso de "cadeira como centro", "cadeira como uniao", "finalidades da cadeira"
ou ainda "importancia da cadeira". Assim como na P13, tambem a P14 tern respostas que
realcam o aspecto relativo a mensagem da obra, como "transmissao de informacao",
"comunicacao/informacao". Curiosamente, na P13, o numero de pessoas a responderem
"comunicacao" (6 no total), e maior do que na P14 (o somatorio de "comunicacao na arte"
e "comunicacao/informacao" totaliza de 2 pessoas). Nao confundir esta "comunicacao",
que nao tern nenhuma relacao com a mutua interaccao entre locutores, com a resposta
"dialogo/comunicacao". Talvez as pessoas estejam conscientes da dificuldade de
compreensao da obra de arte n° 4, para que pudesse ser conotada como um acto de
comunicacao. Uma outra possibilidade de resposta foi a dada para justificar a composicao
da obra. Algumas pessoas atribuiram um possivel cenario para a situacao expressa, e assim
temos um grupo de respostas como "interrogatorio", "teatro" ou "telenovela brasileira",
que nos dao uma possivel explicacao para a situacao, caracterizando o elemento "pessoa"
como actor, orador, narrador, ou entrevistador.
Tal como em relacao a P13, tambem aqui surgiu outro tipo de respostas, mas que,
pela sua grande diversidade, seria fastidioso realcar, ate porque nao forma um grupo
demasiado coeso para ser referido.
440
Tab. 30 | Valores percentuais da relac,ao das variaveis "nacionalidade" x "profissao" x "habilitagoes
academicas" x P14.
nacionalidades
profissoes
habilitagoes academicas
sem
ensino
ensino
ensino
estudantes
artistas
outras
frequencia
primario
secundario
superior
portuguesa
DiCo 27%
DiCo 33%
DiCo 37%
DiCo 100%
Ev 31%
DiCo 35%
DiCo 30%
cabo-verdiana
DiCo 50%
DiCo 33%
DiCo 50%
DiCo 100%
DiCo 36%
DiCo 50%
mocambicana
DiCo 27%
DiCo 40%
DiCo 36%
Po 100%
DiCo 30%
DiCo 47%
brasileira
DiCo 22%
DiCo 10%
Ev 10%
Ms 10%
Ss 10%
DiCon 10%
Ca 10%
Ob 10%
Ol 10%
Ve 10%
Oa 10%
DiCo 29%
DiCon 100%
DiCo 25%
DiCon 25%
Fc 25%
In 25%
DiCo 49%
DiCon 18%
indiana
DoSu 22%
Ss 25%
Sg 25%
Fc 25%
Se 25%
DiCo 27%
DiCo 100%
Ev 100%
DiCo 16%
chinesa
DiCo 21%
DiCo 21%
timorense
DiCo 59%
DiCo 45%
Se 100%
DiCo 51%
DiCo 40%
DiCo 57%
Ca: "chamada de atenc,ao"; DiCo: "dialogo/comunicac,ao"; DiCon: discussao/confronto; DoSu
"dominio/subjugac,ao"; Ev: "elementos visuais"; Fc: "finalidades da cadeira"; In: "interrogatorio"; Ms
"miiltiplos significados"; Oa: "os autores"; Ob: "obstaculo"; Ol: "olhar"; Po: "pose"; Se: "sentimentos"; Sg
"superioridade de genero"; Ss: "sem significado"; Ve: "verdade".
A obra n° 14 e um estado intermedio entre a n° 1 e a n° 4. A esta obra adicionamos
o espago e duas pessoas.
Na pergunta 15, as respostas centram-se fundamentalmente na cadeira. 35% dos
respondentes acham que o significado da obra n° 14 e apenas a "cadeira", seguindo-se 9%
de pessoas a acharem que sao os "elementos visuais" e 6% a responderem "modelo".
Todas as nacionalidades convergem em dar a primeira posigao a "cadeira", mas nenhuma
delas alcanna a maioria, ficando a nacionalidade timorense muito perto com 49%. Em
todas as categorias profissionais ha consenso, muito embora exista nos artistas Portugueses
e nas "outras profissoes" cabo-verdianas igualdade de valores em algumas respostas. Ja
relativamente as habilitagoes academicas, encontramos quatro pessoas sem frequencia
escolar que discordam. Sao eles um brasileiro respondendo "descanso", um indiano que
responde "importancia da cadeira" e dois timorenses a responder "elementos visuais" e
"habilidade artistica".
441
A associacao da resposta "cadeira" a obra n° 14 e totalmente semelhante a da
questao anterior, em que o fruidor julga em funcao do puramente visivel. Aqui a tarefa e
mais facilitada, visto que nao existe agrupamento de elementos constituintes basicos. O
que permanece na obra e unica e exclusivamente varios elementos visuais em conjugacao,
constituindo no seu todo um objecto de designacao "cadeira". Por isso podemos descrever
a mesma em funcao das suas caracteristicas, tal como alguns inquiridos o fizeram. Nao e
por acaso, que algumas pessoas, respondendo objectivamente ao visualmente apresentado,
descreviam essa objectividade como: «Uma cadeira de cor marrom e seu assento e
arroxeado» 696 (aqui estando claramente explicita a juncao do elemento cadeira e dos
elementos visuais) ou ainda como «(...) uma cadeira que e feita de madeira. Foi pintada
pelo pintor com o verniz» 697 , onde se opina sobre o que nao e totalmente evidente. E claro
que a cadeira pode ser de madeira, mas poderia ser de metal ou outro material, bem assim
como nao se percebe se esta ou nao envernizada. Este tipo de respostas, uma vez mais e
dada em funcao da significacao do fruidor, por intermedio dos seus conhecimentos e
vivencias pessoais.
A terceira resposta com maior taxa percentual e "modelo" e, curiosamente, e na
nacionalidade portuguesa que surge o valor mais elevado, com 10%. Em oposicao temos a
nacionalidade cabo-verdiana, que nao tern ninguem a responder desse modo. A resposta
"modelo" nao e uma resposta unica, mas sim multiplica-se em 12 diferentes. "Modelo" e a
contraccao de outras respostas como, por exemplo, "prototipo". A ausencia de espaco
confere-lhe uma maior atencao, tecnica muito utilizada no marketing para maior venda dos
produtos. Algumas pessoas, indo de encontro a esta ideia, responderam "propaganda da
cadeira" ou "catalogo". Talvez por isso as pessoas tenham criado a associacao cadeira-
modelo.
A resposta "descanso" e uma das que nao se aplica a exterioridade da visibilidade
imagetica da obra, ou seja, ela nao se configura com a representacao do objecto cadeira,
mas antes com o que ele possibilita de pratico ao utilizador. Existe uma especificidade
nessa caracterizacao do objecto - trata-se de um objecto de descanso, como se todas as
cadeiras tivessem por fim o descanso. A parte e tomada pelo todo.
696 inquirido n° 253, brasileiro, 33 anos.
697 Inquirido n° 1161, timorense, 50 anos.
442
Tab. 31 | Valores percentuais da relacao das variaveis "nacionalidade" x "profissao" x "habilitagoes
academicas" x P15.
nacionalidades
profissoes
habilitagoes academicas
sem
ensino
ensino
ensino
estudantes
artistas
outras
frequencia
primario
secundario
superior
portuguesa
Ca 39%
Ca 17%
Ca 36%
Ca 100%
Ca 46%
Ca 35%
Ca 41%
cabo-verdiana
Ca 63%
Ca 50%
Ca 14%
Se 14%
Va 14%
Re 14%
Des 14%
Ed 14%
Ob 14%
Ca 100%
Ca 44%
Se 20%
Re 20%
Des 20%
Ed 20%
Ob 20%
moQambicana
Ca 58%
Ca 30%
Ca 42%
Ca 50%
Mo 50%
Ca 26%
Ca 60%
brasileira
Ca 37%
Ca 20%
Ca 48%
De 100%
Ca 75%
Ca 42%
Ca 36%
indiana
Ca 33%
Ca 67 %
Ca 29%
Ic 100%
Ca 38%
chinesa
Ca 43%
Ca 44%
timorense
Ca 62%
Ca 47%
Ev 50%
Ha 50%
Ca 52%
Ca 51%
Ca 48%
Ca: "cadeira"; De: "descanso"; Des: "desenho"; Ed: "estimular uma diivida"; Ev: "elementos visuais"; Ha:
"habilidade artistica"; Ic: "importancia da cadeira"; Mo: "modelo"; Ob: "objectividade"; Re: "realismo"; Se:
"sentimentos"; Va: "vazio".
A pergunta 15 apresenta evidentemente outras respostas que podemos agrupar por
afinidades. Tal como na P14, tambem nesta pergunta temos respostas que sao uma
metafora ao estatuto social privilegiado, como por exemplo, "reinado", ou "poder". Outras
respostas incidem sobre a ausencia de qualquer coisa que a cadeira sugere. E o caso de
"vazio", ninguem", ou "incompletude". O "vazio" da P13 assume uma posicao mais
elementar, enquanto que, na P15, ocupa o lugar de um momento. Dai que o valor
percentual da primeira (14%) seja substancialmente superior ao da segunda (2%).
Outro tipo de respostas tern a ver com a descricao da imagem, nao no seu conteudo,
mas naquilo que ela e antes de tudo, ou seja uma "fotografia de cadeira" ou uma
"concepcao grafica". Existe tambem um grupo de respostas que se apoia apenas no objecto
e ve nele a sua unica justificacao. Respostas como "mobiliario" ou "decoracao" centram a
sua atencao naquilo que o objecto e ou pode proporcionar.
Por se achar que os dados da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto
(FBAUP) se desviam dos atras mencionados, optamos por dedicar, ainda que em separado,
uma pequena atencao a estes, para se perceber que diferencas possam existir entre o vulgo
443
inquirido e o especialista em arte ou, se quisermos, aspirante a tal. Far-se-a apenas
referenda as questoes que se afastam da generalidade dos resultados.
A primeira discordancia verifica-se na PI, em que estes alunos se mantem
reticentes em concordar com a afirmacao e assim 40% optam por nem concordar nem
discordar, afastados oito pontos percentuais acima da opcao "concordo". A "inteligencia
especifica" destes, face a uma obra que pouco revela e que pouco espaco oferece a
conotacao obriga ao afastamento da deducao logica. Por isso e que, na pergunta seguinte,
os valores ja tern paralelismo com a generalidade. Quando se trata de questionar estes
estudantes de belas artes sobre se as obras sao ou nao artisticas, nota-se que prevalece a
duvida. A grande maioria (68%) prefere nao dar uma resposta concreta e fica-se pela opcao
"nem concordo nem discordo", sendo que apenas 24% concorda que elas sejam obras de
arte e 8% discorda. Mas sera que afinal sao obras de arte? Faltara com certeza o aval de
factores externos para o serem e neste trabalho apenas se constituiram como um
instrumento de estudo, portanto sem valor artistico. A validade artistica destas obras e
entao questionada por pessoas, cujo meio academico as torna conscientes para este tipo de
estudos.
Fica tambem claro que estes alunos, quando observam uma obra de arte, esperam
algo dela, mas ja quando se trata de esperar algo do artista, a situacao nao se torna tao
evidente. O maior valor percentual na P10.1 vai no sentido da indecisao: 36% das pessoas
nem concorda nem discorda. Podemos ainda dizer que, nas restantes opcoes, existe uma
grande proximidade, ja que 32% e o valor da concordancia e discordia. Porventura esta
questao e mais inconclusiva por virtude da homogeneidade dos resultados nas tres opcoes,
o que demonstra que o mais importante esta na obra e nao no artista, que e apenas o seu
precursor. O valor da concordancia na P10.1 nao se assemelha ao existente na P10.2, o que
demonstra que estes inquiridos nao se reveem nas mesmas opinioes do publico, mas pelo
contrario tern uma ideia deste muito real, ou seja, eles veem no publico um grupo de
pessoas que tanto espera alguma coisa da obra de arte como do artista.
Na pergunta subsequente, percebe-se que e a comunicacao o que mais esperam da
obra, mas se, na generalidade dos resultados anteriormente apontados, a segunda opcao era
os sentimentos do autor, aqui estes surgem em penultimo lugar, ficando apenas a frente da
opcao "nada". A comunicacao adquire 51% e os "sentimentos do autor" descem para os
20%. Nesta pergunta verifica-se que ha um privilegio da "transmissao dos elementos
444
visuais", que ocupa o segundo lugar com 38%, um pouco acima dos 32% da generalidade
das respostas anteriores.
Relativamente as perguntas abertas, tambem ha algumas diferencas. Desde logo, na
P5, nao ha consonancia com os resultados anteriores. Os estudantes da FBAUP
consideraram que o que mais predominava nas pinturas expostas eram os "elementos
visuais", com 38%, contrariamente a resposta "cadeira" dos resultados anteriores. 34% e a
percentagem de alunos a considerarem "cadeira", enquanto que a resposta "cadeira e
elementos visuais" queda-se pelo terceiro lugar, com 19%. A P13 nao traz novas
alteracoes: os "elementos visuais", que lideram a tabela, tern valores semelhantes (23%
contra os anteriores 24%) enquanto que, na P14, os elementos visuais voltam a liderar,
com 14%, e o "dialogo/comunicacao" tern 12%. Estas tres questoes abertas (P5, P13, P14)
sao conclusivas em dizer que as pessoas com formacao especifica na area artistica tern uma
visao diferente das pessoas que se encontram num estado de ignorancia. Percebemos isto,
por exemplo, numa das respostas relativas a P13, em que o aluno ve a obra enquanto
visibilidade e correlaciona-a com Malevich, coincidindo no fundo com o intento que lhe
foi introduzido: «De um ponto de vista especulativo, pode significar apenas o que e: um
piano cinzento a semelhanca do famoso quadrado branco em tela branca» 698 . Esta resposta
nao so revela que o inquirido percebeu a indistincao da obra n° 1 entre realidade, tema e
fundo, como tambem percebeu a reivindicacao do conceito de "branco sobre branco".
Podemos dizer que, em todas as perguntas abertas, esta sera a unica resposta minimamente
coincidente com o que a obra pretendeu apresentar. A formacao do aluno permitiu-lhe ter
um julgamento mais ponderado e equilibrado da imagem. Todas as obras expostas,
independentemente de serem ou nao obras de arte, independentemente de serem ou nao
figurativas, sao imagens e como tal tern uma constituicao basica.
A P15 vem reforcar a lideranca da resposta "cadeira", mas estabelece um equilibrio
entre ela e a resposta "modelo". Esta adquire 20% e "cadeira" apenas a ultrapassa por 0,9
decimas percentuais. Reina portanto a indecisao entre estas opcoes. A opcao "elementos
visuais", nesta PI 5, nao se revela de grande importancia visto que apenas ocupa a 5 a
posicao.
' Inquirido n° 850, portugues, 21 anos, aluno da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.
445
5.6 Conclusoes
A analise dos dados ja revelou algumas conclusoes. Vamos pois sintetizar e retirar
outras ilacoes que se julguem complementares. Estas conclusoes serao, por isso, uma
especie de adenda em que se reafirmam as deducoes anteriores de maior relevo.
Como proposicao final deste projecto pratico e tendo em conta a sua ideia base, que
procurava indagar da relatividade "comunicacional" da obra de arte no espaco geografico,
podemos concluir que existe coerencia nos dados, que nos indicam a inexistencia de
significativas flutuacoes, entre os diversos paises em estudo. Por esta razao, as conclusoes
serao generalistas. Com todas as nacionalidades a concordarem que as obras expostas sao
obras de arte, estava aberta a porta para as questoes subsequentes.
Ficou claro que a analise que as pessoas fazem da obra incide sobre o que ela
apresenta de evidente. Por isso, uma dada obra abstracta e vista como uma divisao dela
mesma, ou seja, e analisada tendo em conta a essentia que a define. Se a obra pertence ao
mundo figurativo, ja sera vista como um conjunto, como se de um somatorio de varias
obras abstractas se tratasse, e todos os publicos foram categoricos na sua classificacao.
Outra evidencia e a quase inexistencia de diividas na classificacao das obras figurativas em
compreensiveis ou nao-compreensiveis, contrariamente as obras abstractas que tern uma
maior taxa de indecisos. E portanto a natureza da obra que vai definir a sua posterior
compreensao. Isto demonstra que os fruidores "acreditam" no artista quando este lhes
apresenta obras de caracter figurativo, mas mantem diividas quando estas nao representam
nem descrevem realidades concretas. Eles "acreditam" no artista quando este junta na sua
obra varios elementos constituintes basicos, criando conceitos que o fruidor entendera
perfeitamente por virtude da sua padronizacao e logica existential (aquilo que a obra
abstracta nao tern).
Este estudo revela que existe uma forte associacao entre os conceitos comunicacao
e compreensao. Talvez possamos dizer que aqui reside a inadequada utilizacao do termo
comunicacao, quando exportada para o campo artistico: as pessoas esperam atingir a
compreensao da obra, mas atraves de um processo de comunicacao. Esta e pelo menos a
conviccao maioritaria dos nossos respondentes. Mas esperar alguma coisa da obra de arte e
tambem alcancar os sentimentos do autor. A pergunta n° 11 revela isso. Porem, no
computo geral do inquerito, nunca tiveram grande realce. Nas perguntas abertas nunca
446
assumiram valores significativos. No condicionamento das perguntas fechadas, porem, os
inquiridos revelaram dar uma grande importancia aos sentimentos do autor, sendo os
paises africanos, o Brasil e a India os que mais os consideram. Se, por um lado, as pessoas
pretendem alcancar as intencoes do artista, tambem querem fazer parte do conhecimento
que resulta da sua experiencia de vida e assim participar dos seus sentimentos
("comunicacao de sentimentos do autor"?) 699 .
Podemos tambem concluir que, considerada a triade artistica, a maior importancia
esta centrada na obra de arte, em detrimento do artista. E na obra de arte que o publico
encontra o medium para uma "comunicacao", porque afinal, o artista nada revela,
contrariamente a obra, que se expoe e se mostra na sua total evidencia. A "cadeira" e os
"elementos visuais", respostas que mais predominam nas perguntas abertas, sao
precisamente o que se torna visivel, aquilo que e passivel de "calculo", enquanto que a
possivel mensagem permanece oculta. A obra de arte, alem de intermediaria, tern um
especial destaque na relacao criador-fruidor e se ignoti nulla cupido tambem ninguem fala
do que desconhece, dai que se torna mais facil julgar o que e manifestamente perceptivel
pela sensorialidade, porquanto nao esta interceptado por coisa que oculte. Esta conclusao
tambem e valida para a imagem que o fruidor tern dos outros. Quer isto dizer que existe
uma forte tendencia para julgarmos que o fruidor se encontra num estado de egocentrismo,
em que apenas prevalece a sua significacao, sendo o publico visto como uma translacao
das suas ideias.
Dos resultados deste estudo conclui-se que nao so a visibilidade ganha vantagem
relativamente ao conteiido (e a "informacao", as "mensagens", "simbolos" e "significados"
sao relegados para outros pianos) mas tambem, segundo larga maioria dos respondentes,
que a arte e comunicacao. Isto apenas vem revelar que o conceito que as pessoas tern de
comunicacao nao se prende exclusivamente ao conteiido da obra, mas igualmente, a sua
visibilidade. Estes resultados fazem todo o sentido porque, se a obra e as duas coisas, a
existir comunicacao, ambas teriam de ser comunicadas. Podemos dizer que existe
congruencia e complementaridade nas respostas. Pensar-se tambem que arte e
comunicacao e simultaneamente concordar que ela e significacao: esta e pelo menos uma
conclusao deste estudo. Se, por um lado, as pessoas esperam que a obra de arte lhes
comunique alguma coisa, nao descuram igualmente a possibilidade de elas proprias a
699 Conjuncao das duas respostas mais votadas na pergunta n° 11 - "comunicacao" e "sentimentos do autor".
447
recriarem a seu modo. Parece que a convergencia dos termos comunicacao e significacao
se deve a uma inadequada apropriacao daquele termo, fruto de uma padronizacao
instaurada, consequencia talvez de uma confusao com o seu verdadeiro conceito. Se
omitirmos tal facto, percebemos que existe uma forte relacao entre as duas, ou seja, se
tomarmos a comunicacao como transmissao de qualquer coisa e a significacao como a
analise que o fruidor fara do que for transmitido, entao parece haver coerencia. Afinal, a
todo o instante mesmo que de forma inconsciente, somos confrontados com situacoes, em
que e a significacao que prevalece, nao sendo possivel decidirmos sem ela. Com efeito, a
analise de uma obra de arte tambem carece de uma decisao, que sera tanto mais complexa
quanto maior for a vivencia que o fruidor possua. Esta decisao e uma conviccao, e ela pode
notar-se aquando da leitura das perguntas abertas. Entao verificou-se que os inquiridos
asseveravam, respondendo com afirmacoes concretas, nao deixando espaco para qualquer
diivida e nao colocando como hipotese as suas respostas. Utilizaram frequentemente
marcas discursivas como "e isto", em vez de "talvez seja isto".
O maior contributo para este estudo vem das perguntas abertas. Sao elas que vem
reforcar a ideia de que o conteudo oculto esta sujeito a maior quantidade de significacoes,
ao passo que a visibilidade da obra, convencionada e concreta, restringe a significacao.
Ficamos a saber que nao existem respostas unicas para as obras em analise: colocar em
comum e portanto uma irrealidade. Por outro lado, tambem se verificou que algumas
respostas estao presentes em obras totalmente diferentes. Ficamos tambem a saber que uma
obra em que predomina o sintetismo (abstracta) dara origem a um menor numero de
significacoes, contrariamente a uma obra figurativa, relativamente a qual a diversidade de
respostas sera directamente proporcional a sua complexidade imagetica. Quanto menor for
a quantidade de elementos visuais (maior objectividade elementar) na obra, menor sera a
significacao. Dito de outro modo: as significacoes sao inversamente proporcionais a
objectividade da obra (no sentido de elementaridade). Na passagem da arte abstracta para a
arte figurativa, deixando de permeio um misto das duas, da-se um aumento do n° de
respostas, que o mesmo sera dizer de significacoes. Ainda neste sentido se percebe que as
respostas a uma obra abstracta sao dadas privilegiando o que lhe e exterior e logicamente
visivel, omitindo o que lhe e oculto e que por isso mesmo e desvalorizado. Pelo contrario,
na obra figurativa, somatorio de incomensuraveis elementos visuais, a avaliacao e feita por
aquilo que ela possa sugerir, nao se tendo em conta as suas unidades essenciais. Os
448
elementos visuais denotam e ajudam a depreender, quer dizer, a conota-los com outras
realidades.
De igual modo se conclui que quanto menos elementos visuais estiverem presentes
na obra, maiores serao as dificuldades na atribuicao de um significado. As respostas "sem
significado" e "nao sabe" das perguntas 13, 14 e 15 confirmam-no. Ainda assim, em
qualquer tipo de obras, mesmo nas abstractas o significado recai maioritariamente sobre os
elementos visuais em detrimento da resposta "sem significado". Existe portanto, face a
obra abstracta, uma maior dificuldade de avaliacao, mas tambem uma maior concordancia
nos significados e significacoes, ao passo que, na obra figurativa, as respostas "sem
significado" diminuem substancialmente, dando lugar a uma maior recriacao pessoal e
consequentemente a um aumento no numero de significacoes. As pessoas, na
impossibilidade de encontrar o verdadeiro significado das obras, descrevem-nas tendo em
conta aquilo a que acedem visualmente. Por exemplo, na pergunta 15, as pessoas
maioritariamente atribuem como significado dessa obra apenas o que realmente esta
expresso, ou seja, uma cadeira.
A predominancia da resposta "elementos visuais", que vem afirmar toda a obra
como visibilidade e menos como conteudo, pode ser reforcada pelo somatorio desta
resposta nas tres perguntas. Facilmente se conclui que a resposta directa a "elementos
visuais" e ligeiramente superior a de "cadeira", com respectivamente 41% e 37% 700 . Esta
indicacao podera dizer-nos que, no computo geral, os elementos visuais resumem a
exposicao.
Tab. 32 I Tabela resumo
P13
P14
P15
respostas
Ev 24%
Ss 15%)
Va 14%
DiCo 30%
Ev 8%
DiCon 6%
Ca 35%
Ev 9%
Mo 6%
Ca: "cadeira"; DiCo: "dialogo/comunicacao"; DiCon:
discussao/confronto; Ev: "elementos visuais"; Mo:
"modelo"; Ss: "sem significado"; Va: "vazio".
Sera entao que esta conclusao se cinge apenas as obras que foram mostradas ou
poderemos generalizar? No mundo da arte sao incontaveis as atitudes esteticas: desde as
700 Para apurar o somatorio da resposta "cadeira" foram tidos em conta os valores dessa resposta apresentados
nas perguntas P13, P14 e P15 respectivamente 1,3%, 0,9% e 35%.
449
mais primordiais as mais actuais, todas elas tern existencia fisica. E esta existencia que lhes
da corporeidade e visibilidade. Portanto, parece que estas conclusoes se podem aplicar a
todo o tipo de obra de arte. Todas elas sao passiveis de serem "medidas" por aquilo que
deixam transparecer - os elementos visuais. As obras de arte sao entao constituidas por
elementos visuais e o que o fruidor espera delas e a "comunicacao" desses elementos
visuais. Os fruidores esperam que a obra veicule uma determinada mensagem num
processo de comunicacao, por meio da utilizacao de elementos visuais. A maioria das
pessoas espera que a obra lhes comunique algo (cf. Pll), por meio das mensagens que os
elementos visuais corporizam 701 .
Podemos dizer que, sobre a exposicao nao existe uma opiniao que seja transversal a
todos os inquiridos e tal so acontece por virtude da ausencia de conhecimento de causa. Se
todo o processo fosse acompanhado por uma previa explicacao, como ansiava um
inquirido quanto a pergunta 14, talvez os resultados fossem outros: «Necessito de um
discurso exterior (...) porque senao torna-se demasiado subjectiva e passo eu a dar-lhe toda
a significacao com os meus "modos de ver"» 702 .
*
* *
Visto que estes lideram a tabela na P12.
Inquirido n° 847, portugues, 24 anos, aluno da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.
450
CAPITULO VI
Conclusoes e comentarios
Como proposicao final desta investigacao podemos em primeiro lugar concluir que
e possivel problematizar conceitos bem firmados no ideario artistico. O conceito de
comunicacao, longamente explorado no dominio artistico, foi questionado, no sentido de o
comprometer. A exploracao da comunicacao no seio artistico veio revelar que existe uma
grande confusao relativamente ao seu conceito. A comunicacao e a colocacao em comum
de algo, contrariamente a arte que nao prima por essa definicao e que assenta
fundamentalmente numa actividade subjectivamente humana, melhor dizendo,
intersubjectivamente humana. A confusao surge entao quando se troca e se confunde o
termo comunicacao com informacao ou, para sermos mais rigorosos, com significacao.
A comunicacao sempre foi um meio necessario a sobrevivencia da especie, dai que
se percebam todas as modificacoes e melhorias que sofreu ao longo dos tempos, sempre
com o sentido de tornar mais confortavel a vida humana. A arte tambem e uma actividade
que sempre caminhou ao lado do homem, sendo naturalmente imprescindivel para o seu
bem-estar. O cruzamento destas duas actividades e provavelmente uma das causa
determinante para a confusao existente entre arte e comunicacao. Paralelamente, a
tecnologia vem reforcar o desentendimento entre estes dois conceitos. A Galaxia de
Gutenberg abriu as portas para a era das comunicacoes e a Galaxia Marconi mudou as
sociedades, obrigando-as a viver em funcao dos meios que disponibilizam e de acordo com
modificacoes que induzem. Esta evolucao que a tecnologia sempre promoveu,
transformando as sociedades, condiciona tambem tudo o que a rodeia. Deste modo, as
sociedades nao so vivem na era das comunicacoes, como tambem o desejam. Ora, esta
aspiracao reflecte no seu espaco circundante toda uma serie de nomenclaturas muito
proximas do termo comunicacao. Nascem assim termos como comunicacao social,
comunicacao de maquinas, comunicacao de massas, comunicacao estetica, etc.
451
No contexto actual, a comunicacao liberta-se da sua raiz etimologica e sobrepoe-se
a informacao, que perdeu toda a sua forca. Ate o modelo da teoria da informacao foi
posteriormente publicado com o titulo "Uma teoria matematica da comunicacao", sem
respeitar em absoluto as regras gerais da comunicacao e ainda presa aos ideais da
industrializacao do seculo XVIII.
Mas se esta tese trata das relacoes entre a arte e a comunicacao, entao a analise de
uma e de outra seria o seu alicerce. Por isso se analisaram alguns modelos de comunicacao
e tambem por isso relacionamos a arte com os mesmos, tentando encontrar algum ponto
que pudesse desencorajar a ideia principal de nao-comunicacao na arte. Se realmente arte e
comunicacao e sendo tambem uma actividade social, entao ela deveria enquadrar-se nos
referidos modelos, o que constatamos nao acontecer. Pelo contrario, constatamos que os
modelos de comunicacao nao se perspectivam no contexto artistico. Obviamente que
fomos sensiveis aos modelos que se dizem comunicativos, mas que pouco tern de
comunicacional e que, embora outros, sejam paradigmas de uma verdadeira comunicacao,
nao contemplam a arte. Da linearidade de Norbert Wiener ate a semiotica de Saussure, nao
se visualiza nenhuma relacao que possibilite um enquadramento da arte no sentido de uma
verdadeira comunicacao. Podemos dizer que a arte em todos os modelos tern
aplicabilidade, mas, se quisermos estuda-la indexada a exactidao do conceito de
comunicacao, entao verificamos que nenhum deles oferece condicoes para se efectivar
como tal.
Tomamos contacto com uma evidencia comum a todos os modelos, ou seja, a
unilater alidade. Ao artista compete a elaboracao de uma determinada mensagem e ao
fruidor compete interpreta-la a seu modo. Por outro lado, todos os modelos apresentam
uma ausencia de simetria. Quer isto dizer que, por virtude da unilateralidade criador e
fruidor, serao diferentes. O papel que cada um desempenha no processo artistico e dissimil.
Mesmo em situacoes em que a criacao esta a cargo do fruidor (ou pelo menos quando este
e chamado a completa-la) existe sempre uma recriacao, isto porque o fruidor nunca se
desvincula do seu estatuto de recriador - essa criacao sera sempre uma recriacao.
Se assumimos a ideia de que a arte nao e comunicacao e porque acreditamos que
ela nao se enquadra na definicao do conceito de comunicacao, mas que possui
caracteristicas que se aproximam da informacao. Mas informacao de que? Quando alguem
contacta com uma obra de arte, apenas consegue atingi-la pelo seu exterior, pelo explicito,
452
por aquilo que demonstra ser. A informacao e portanto o que "demonstra ser". Esta foi,
inclusivamente, a ideia que exploramos e que comprovamos na pratica atraves da
inquiricao em diversos espacos geograficos e que serviu de titulo a este trabalho.
Deduzimos entao que o explicito da obra de arte e a informacao perceptivel atraves dos
nossos sentidos - e a sua objectividade. Ninguem contacta com uma obra por meio do que
desconhece e o que desconhece e o seu implicito, e o que estrutura interiormente a obra e
lhe da valor integral constitutivo.
Demonstramos portanto que toda a objectividade assenta em conceitos, que sao
aprioristicamente apreendidos, seja pela via da educacao, seja pela interiorizacao vivencial
das variadissimas situacoes que enriquecem o humano, como diria Moles 703 , por meio da
"cultura viva" e da "cultura adquirida" A arte revela-nos qualquer coisa espontanea e
subjectiva, sendo no entanto uma forma de expressao logica e objectiva. E por isso mesmo
consideramos que a formatividade ou objectividade (principalmente) da obra e a sua visao
ontologica. E ela que nos permite compreende-la. Quanto ao subjectivo, embora de grande
importancia, nao possibilita ao fruidor o entendimento da obra. O facto da objectividade da
obra ser acessivel nao significa que venha a conota-la como comunicativa, isto porque a
objectividade nao tern por intencao vir a fazer parte de um processo de comunicacao, mas
sim criar uma imagem da re alidade, seja ela fisica ou imaginaria. Talvez possamos entao
inverter o aforismo e dizer que "uma palavra vale por mil imagens", dado que sao as
palavras que se traduzem em imagens e que podem ser plurais, consoante a plurivocidade
dos sujeitos fruidores.
Ao contrario de Rene Huyghe que apelida o seculo XX de "civilizacao da
imagem" 704 , Barthes 705 , diz que vivemos mais numa civilizacao da escrita do que da
imagem. A imagem e o momento ultimo de analise e o ponto maximo no processo de
interpretacao de uma obra de arte. E pela associacao de palavras, ou ideias, as imagens que
a identificacao de uma obra se faz. E a partir deste tipo de informacoes que o fruidor
expressa significacoes. Em suma, a arte nao assenta em nenhuma relacao com a
comunicacao, mas, antes, ela provoca significacoes. Sao estas que enriquecem o dominio
artistico e que renovam a sua prossecucao no tempo.
703 MOLES, Abraham - Sociodynamique de la culture. 2 a ed. Paris: Mouton, 1971. p. 36.
704 HUYGHE, Rene - O poder da imagem. Lisboa: Edigoes 70, D.L.. 1998. (Arte & Comunicacao; 29). p.
10.
705 BARTHES, Roland - Rhetorique de l'image. Communications. Paris: Seuil. n° 4, (1964), p. 43.
453
Verificamos tambem que toda a obra de arte resulta de uma oscilacao entre a
objectividade e subjectividade. Esta ciclicidade e caracterizadora da arte. Por um lado, a
obra e objectiva, pelo que permite uma correcta visualizacao do representado em virtude da
harmonia retiniana que se apresenta, consequencia da conjugacao dos elementos visuais.
Mas esta conjugacao coerente de elementos visuais (elementaridade) promove a
hermetizacao da mesma e remete-a para a subjectividade. Por isso podemos dizer, que
qualquer obra figurativa (objectiva) e simultaneamente subjectiva e portanto proxima da
abstraccao. Analisamos o processo contrario e percebemos que algo similar acontece. Se
tomarmos em conta uma obra abstracta, verificamos que ela pouco revela para alem da sua
visibilidade e logicamente isso torna ininteligivel o seu conteudo. Dizemos que ela e
subjectiva. A reducao do numero de elementos que a constitui encaminha-a para a
objectividade, e ela sera tanto mais objectiva quanto menos elementos contiver. O
"Quadrado preto sobre fundo branco" de Malevich e um paradigma do que acaba de se
referir. Daqui se deduz que se pode constituir uma obra figurativa a partir de uma obra
abstracta e vice-versa. Em qualquer dos casos, a obra de arte e observavel na sua
imediatidade sensorial e objectiva.
Como ja anteriormente referimos, consideramos a arte repleta de informacao
(podemos pois dizer, informacao objectiva), e e aqui que reside a enorme confusao que
remete a arte para o campo da comunicacao. Nenhuma obra e comunicacao, mas sim
informacao objectiva que sensorialmente percepcionamos e que traduzimos de diferentes
modos conforme as nossas vivencias e aprendizagens e que se traduz a posteriori numa
significacao. Substitui-se entao a comunicacao pela significacao e isso demonstra o acento
que se colocou neste trabalho sobre a participacao do humano. De outro modo nao seria
possivel, porque parece ser consensual que a variabilidade artistica tern origem no humano.
E a diversidade de vivencias que fundamenta as variadissimas interpretacoes de uma dada
obra e que compromete desse modo a arte, entendida como comunicacao de qualquer
coisa. Se a obra e informacao, esta e invariavel e, por conseguinte, o elemento humano e o
unico a quern nos devemos remeter para perceber a compreensao, por uns, e o absoluto
desentendimento, por outros. A arte e transmissao sensorial de informacao a qual
corresponde uma dada significacao e e esta que complementa a obra na ausencia da
compreensao. Por isso se deduz que a diversidade de significacoes explica a relatividade da
realidade, na medida em que existe algo que e comum a todos - a informacao - e qualquer
454
coisa que adultera individualmente essa informacao - a nossa capacidade de apreciacao e
consequente valoracao. As realidades sao ajustadas particularmente, em funcao das
vivencias pessoais de cada fruidor.
Todas estas deducoes sao comprovadas pela parte pratica, que mostra notoriamente
que a significacao e uma representacao individual calculada num determinado espaco e
tempo (demonstrado pela diacronia historica) e que assenta no puramente visivel da obra
(no estudo empirico, designado por elementos visuais). Pela analise das perguntas abertas,
ficou tambem provado que o verdadeiro sentido do termo comunicacao (por em comum)
nao tern aplicabilidade nas artes e que a objectividade das obras restringe a significacao,
mas, por outro lado, possibilita uma "leitura" clara e univoca (quase) dos seus conceitos
(constituintes). A consequencia disto e que o numero de significances e maior em obras de
cariz figurativo e menos nas abstractas, precisamente porque estas sao puramente
objectivas e, por conseguinte sem grandes possibilidades de variacao da parte dos
fruidores. Elas sao o que sao na sua imediatidade sensorial.
Vulgarmente, associa-se a ideia de comunicacao mais as obras figurativas do que as
abstractas (todas de um modo geral). O estudo empirico veio demonstrar que as obras que
aparentemente sao "comunicativas", ou seja as obras figurativas, pouco tern de
"comunicativo", porque nao so dao lugar a um maior numero de significacoes como
tambem a revelacao do seu conteudo permanece menos acessivel, comparativamente as
abstractas, que apenas revelam o que objectivamente representam. Entao quando uma obra
e abstracta, ela e vista pelo que e e consequentemente a significacao e reduzida; se, pelo
contrario, a obra e figurativa, os fruidores tern uma maior margem de manobra para
poderem extrapolar no sentido da busca do seu significado e logicamente havera uma
maior plurivocidade de opinioes, o mesmo sera dizer, de significacoes. Assim
(erradamente falando) diremos que uma obra abstracta "comunica" mais do que uma obra
figurativa.
Em todo o trabalho fizemos sempre questao de associar a comunicacao a
compreensao, isto porque nao parece ser possivel a dissociacao de ambas em qualquer
contexto de relacoes humanas e muito menos no artistico. Assim como «(...) a recepcao e
a condicao fundamental para a compreensao» 706 tambem esta ultima e condicao
fundamental de qualquer acto comunicacional, dai que "Nao se podera comunicar sem
706 FERREIRA, Antonio Quadros - Paineis das gares maritimas de Lisboa - Analise e recepcao da
modernidade em Almada Negreiros. Porto: Funda^ao Eng. Antonio de Almeida, 1994. p. 150.
455
compreender" foi o pressuposto que se teve sempre presente; por isso, na tese nao so se
desenvolveu um ponto sobre este assunto como tambem de um modo geral em toda a tese,
este foi desenvolvido tendo em consideracao o principio de que, para um acto de
comunicacao, tera de prevalecer o criterio da compreensao. A este respeito, dividimos as
sociedades fruidoras em "conhecedoras" e "leigas" e verificamos que as sociedades
"conhecedoras" fazem parte de um grupo restrito e exclusivo que lhes possibilita o
entendimento das obras, ao passo que as sociedades "leigas" reduzem os equivocos
(sobretudo da actualidade artistica) pela comparacao com a realidade social que as
envolve, se quisermos aos padroes que convencionam a realidade.
A dificuldade de compreensao nao deve ser imputada ao criador, porque este
limita-se a desempenhar o seu papel, mas sim a obra em si e tambem, fundamentalmente, a
dificuldade que o fruidor tern em associar as causas aos correspondentes efeitos. Os efeitos
podem ser avaliados e ate categorizados, isto porque sao o explicito. Ja as causas nao sao
observaveis e, por conseguinte, o entendimento da logica de uma dada obra nao se revela.
E se uma obra de arte e um conjunto de causas e efeitos e se sao mormente estes ultimos
que se clarificam, isto permite-nos asseverar que a arte nao e comunicacao. A compreensao
da obra de arte perde-se inevitavelmente pela dificuldade em conseguir aliar esses dois
dominios, ou seja, associar as causas que levam o artista a agir, ao efeito que provoca nas
diversas sociedades um determinado modo de actuacao E por isto que surge a critica e o
que se apelida, na tese, de assessores de compreensao (catalogos, jornais culturais, revistas
de arte, guias de museus, etc.).
O verdadeiro objectivo da critica e o "crivo", ou seja, a ligacao das causas ao efeito.
Ela pressupoe aspectos axiologicos e fenomenologicos. A critica nao e objectiva, mas
tambem nao se trata de uma actividade exclusivamente subjectiva, pelo que se compreende
que a critica falhe no cumprimento dos seus objectivos - cabe-lhe a tarefa de adjectivar, de
melhor esclarecer (explicando) as obras de arte, a arte de um modo geral e o publico nao
esclarecido. Muitas universidades tern, nos seus curriculos, programas de critica de arte
nao so ligadas a interpretacao moderna e contemporanea mas tambem abrangendo outros
periodos desde a Antiguidade Classica. Por essa razao entende-se que a critica de arte e
uma disciplina contigua a historia da arte, que se preocupa em revelar o que
superficialmente nao e observavel, mas que, na busca de uma verdade artistica, faz uso da
linguagem verbal e escrita, provocando inevitavelmente uma rotura com os verdadeiros
456
significados inerentes as obras. Ficou claro tambem que, embora a critica pretenda a
exegese de conteudos hermeticos, acaba por produzir um discurso tambem ele
ininteligivel, o que em certa medida a encaminha para a criacao de uma obra de arte
(poetica), fazendo uso da mesma linguagem plurivoca que a arte utiliza.
Outra questao que se reveste de grande importancia e que contrariamos e a
impossibilidade dos sentimentos serem transmitidos de criador para fruidor. Vulgarmente a
comunicacao esta associada aos sentimentos, porque com frequencia se diz, acerca de uma
dada obra, que a arte comunica ou transmite um determinado sentimento. Este tentam
anular a incompreensao das obras porque, embora estas possam ser julgadas tendo em
conta suposicoes mais ou menos vagas, os sentimentos geralmente complementam essas
suposicoes e afirmam-se vulgarmente como definidores das obras. Mas obviamente que os
sentimentos nao sao universais e, por conseguinte, percebe-se que nenhuma relacao
comunicacional possa ser tecida tendo como materia-prima algo que assenta no nao-
universal. Se a comunicacao carece de codigos convencionais e universais em
determinados grupos, como se podera conceber uma comunicacao na arte, tendo por base a
transmissao de algo nao convencionado e nao universal? Se nos sentimos tristes ou alegres
perante a visualizacao de uma determinada obra ou apos a audicao de uma musica, e
porque as objectividades dessas obras induzem em nos esses sentimentos; mas
evidentemente que se tratara de um estado afectivo particular e nunca tendo origem em
qualquer transmissibilidade de sentimentos da parte do criador.
Nos encontros que mantive com os publicos das diversas nacionalidades inquiridas
(projecto pratico), evidenciou-se uma elevada preocupacao com os sentimentos. Com
efeito, a pergunta "o que espera da obra de arte?" as respostas "comunicacao" e
"sentimentos do autor" foram as mais escolhidas, com valores percentuais identicos (42%).
Podemos dai inferir que ambas as respostas, por serem tao proximas uma da outra, nos
indiciam que se trata de uma so, a saber, "comunicacao de sentimentos do autor".
Outro complemento deste trabalho demonstrou a importancia do factor tempo,
como indicador da inversao do "poder comunicacional" das obras de arte. Ou seja, a
medida que se caminha no tempo e nos aproximamos da actualidade, assistimos ao
periclitar das formas academicas, ao surgimento de novas concepcoes artisticas e a
libertacao de qualquer referenda "comunicacional". O surgimento das academias,
principal aliado do factor comunicacao, pretendia aproximar o fruidor da realidade - uma
457
arte para todos. Os fruidores, mais do que simples observadores sentiam-se passivamente
actores de um determinado acontecimento, tal era a destreza de execucao das obras. Os
seus pontos de vista, por meio de diversas caracteristicas tecnicas, apresentam-se ao olhar
do contemplador, o que tern por efeito uma alteracao da relacao obra-espectador. E como
se existisse um prolongamento do espaco da obra ate nos e este nos fizesse incluir nele,
como parte integrante, fazendo-nos participar num jogo virtual, onde nao se acham
diferencas substanciais e isoladas na concepcao da obra, mas sim, que toda ela ganha igual
importancia aos olhos de qualquer observador. Todo a obra ganha uma dimensao unica e
nao diferenciada e e isso que facilita o reconhecimento das realidades/temas representados
e que possibilita uma associacao da arte a comunicacao, ainda que esta seja uma
associacao limitada porque apenas contempla o observavel.
As obras seguem criterios pre-definidos e os criadores nao ousam desviar-se deles.
So assim se percebe o surgimento de obras que, embora diferentes tecnicamente, tern
caracteristicas comuns. Mas, como vimos em alguns exemplos, as obras necessitam da
aquisicao previa de conhecimentos, para que se aceda a sua compreensao. Esta pressupoe o
acesso nao so aos modelos de narracao mas tambem ao conhecimento da estetica em vigor
em cada momento. Isto resume, no fundo, a complexidade necessaria para se atingir a
plenitude "comunicativa" de uma obra de arte, de resto, so acessivel a uma minoria de
pessoas (sociedades "conhecedoras"). Portanto, nao se pode afirmar que as obras, por mais
imediatas e convincentes que sejam, explicitem coerentemente o que pretendem designar.
E esta abstrusidade na compreensao e directamente proporcional as modificacoes da
historia da arte no tempo. A diacronia historica faz perder o poder "comunicacional" das
obras de arte. Por isso, associamos a "evolucao" da arte a sua nao-comunicacao ou, se
quisermos, a sua decadencia. Mas a nao-comunicacao na arte nao e a sua violacao e a sua
decadencia nao e a sua morte, porque por definicao a arte, como os fantasmas, nunca
morre.
Demonstramos entao que, a medida que nos afastamos do passado, diminuem as
convencoes, ate que chegamos a contemporaneidade artistica, onde nada e convencionado.
Esta sera uma das razoes para a nao-comunicacao na arte. O afastamento temporal, implica
o "caminhar do significar". Julgamos que o caminhar do informar induzira o caminho do
significar, por varias razoes, quer de ordem tecnica, quer de ordem social ou vivencial quer
das relacoes destas tres. Por isso, quando perguntamos se "arte e comunicacao?",
458
respondemos que, num acto isolado e individual, sera "comunicacao" se for dado o
"resultado da operacao", se for explicitada a obra a priori, sem contudo nos
desvincularmos da ideia de que esse resultado e informacao que sera trabalhada em prol de
uma dada significacao, fruto das vivenciacoes pessoais. Ainda assim, apesar de se tornar
comum nao se possibilita uma retroaccao entre criador e fruidor, o que inviabiliza o
verdadeiro sentido da palavra "comunicacao"
Se o seculo XIX trouxe uma lufada de ar fresco a arte pela introducao de novos
valores tecnicos e ideologicos, os seculos XX e XXI acentuaram fortemente esses valores
artisticos, introduziram novos criterios heteroclitos e demoveram definitivamente a arte das
anteriores pragmaticas tidas como universais, sendo ate reavaliados os conceitos de
criadores e fruidores. A mutua participacao destes estende-se a todas as possiveis relacoes
comunitarias da arte, com o unico objectivo de encontrar um sentido para a obra. No
momento actual, as anteriores lutas entre criadores (rubenistas e poussinistas, e.g.) foi
substituida pela luta entre criadores e espectadores. A criatividade de uns e sinonimo de
incompreensao para outros. Independentemente deste dissentimento, havera sempre uma
relacao de afectividade que reiine a arte e o humano: uma correlacao humano-objecto, que
tern como consequencia a aproximacao de varios humanos, mas que a priori se funda no
anonimato. Muito raramente se contacta com o criador, para alem dos processos
mediaticos e de difusao que o possam envolver. Porem, sao todos estes processos paralelos
ao ambiente artistico que geram aproximacao entre os diversos humanos (fruidores) e que
simultaneamente opoem as suas significacoes a expressao do criador. Esta relacao e um
eficiente contributo para que os humanos se sintam mais humanos. Afinal, so isso importa.
Todo o artista procura dar forma a uma experiencia (vivencia): se quisermos, numa
linguagem corrente, procurar "comunicar". Qualquer obra de arte e pois uma doacao
afectiva de si para si, que se repercute numa relacao incomunicante e incongruente de si
com o outro. Toda a fruicao estetica e uma experiencia propria e individual, e por essa
razao nao coloca em comum. Neste sentido, podemos dizer que a arte mais original e
aquela que cada um de nos elabora. Mas a arte, por dizer directamente respeito a
sensibilidade, e unificadora: qualquer humano e interiormente afectado por um sentimento
que ela provoca e a relacao suscitada entre criador e fruidor faz-se no piano da
sensibilidade, pelas emocoes.
459
Antes de ser um fenomeno de contemplacao colectiva, a arte e uma paixao
individual. A sua aventura nao e a da representacao das formas do mundo, mas a da
reelaboracao desse mundo, numa "linguagem" artistica, que vai dizer e fazer repensar esse
mundo. Mas se consideramos a arte uma "linguagem", nao pode ser por se entender esta
vinculada a uma forma de comunicacao. A linguagem aprende-se, mas a comunicacao
"reside", ou seja, ela e produto resultante de uma linguagem. Mas a linguagem ocupa uma
maior seriedade terminologica no contexto linguistico, visto que, no campo artistico, a
construcao de uma "linguagem" parece acontecer sem um fim exacto. Por exemplo, o
Realismo continua a ser uma pratica artistica actual. No entanto, todo o conhecimento que
se tern do Realismo, desde a sua origem ate aos dias de hoje, nao foi suficiente para que
possamos perceber que, independentemente de se ter instaurada como "linguagem", nao se
evidencia o que estes pintores pretendem significar.
AFIRMADO
Fica demonstrado, em definitivo:
• Que a arte nao e comunicacao no sentido de por em comum, mas sim expressao do
humano e consequentemente significacao.
• Que a obra de arte e fonte de informacao de conceitos objectivos.
• Que a compreensao da obra de arte e a principal condicao da "comunicacao".
• Que a diacronia historica e co-responsavel pela nao-comunicacao na arte.
• Que a arte como papel fundamental no humano e o factor da variabilidade
subjectiva.
• Que a profusao de elementos constituintes da obra restringe o significado e valoriza
a significacao e que inversamente, aumentando a objectividade elementar da obra,
diminui a variabilidade de significacoes.
Fica claro, a demonstrar melhor no futuro:
• Que na arte nao e possivel estabelecer um modelo protocolar de comunicacao.
• Que a analise/compreensao da obra faz-se erradamente pela sua imediatidade
sensorial.
460
Trabalhos realizados / frequentados no ambito desta tese
Foram realizados os seguintes trabalhos:
2005
CHUVA VASCO, Nuno - Uma objectividade elementar para uma subjectividade
artistica. In CONGRESSO DAS CIENCIAS DA COMUNICAgAO, 4, Aveiro. "Repensar
os Media: novos contextos da Comunicacao e da Informacao", [Actas em CD-ROM].
Aveiro: SOPCOM [Associacao Portuguesa de Ciencias da Comunicacao], 2005. ISBN 972-
789-163-2. pp. 107-118. Tambem disponivel em
WWW:<URL:http://www.bocc.ubi.pt/pag/vasco-oliveira-santos-
objectividade%20elementar-subjectividade%20artistica.pdf>.
2007
CHUVA VASCO, Nuno - Holografia: Palimpsestos de realidades existenciais [Em linha].
In CONGRESSO DA ASSOCIAgAO PORTUGUESA DE CIENCIAS DA
COMUNICACAO, 5, Braga. "Comunicacao e cidadania". Braga: SOPCOM [Associacao
Portuguesa de Ciencias da Comunicacao], 2008. ISBN 978-989-95500-1-8. pp. 1580-1582.
Disponivel em
WWW:<URL:http://lasics. uminho.pt/ojs/index.php/5sopcom/ardcle/viewFile/144/140>.
2008
CHUVA VASCO, Nuno - A afectividade na triade artistica. Promocao de um humano
mais enriquecido. In SIMPOSIO SOBRE A AFECTIVIDADE, Porto. "Afectividade, a
ostracizada". Porto: [no prelo], 2008.
Foram apresentadas as seguintes comunicacoes/palestras:
2004
IV Congresso Nacional dos Artistas Plasticos
Local: Pacos da Cultura, Guarda
Entidade promotora: Associacao Nacional dos Artistas Plasticos
Tema: "Comunicacao na arte" e "Falencia da arte"
Data: dias 24 e 25 de Setembro de 2004
461
2005
1" Comunicacao no ambito da prospeccao sobre a relatividade espacial da obra de arte
Local: Centra Cultural Portugues - Instituto Camoes, cidade da Praia, ilha de Santiago,
Republica de Cabo Verde
Entidade promotora: Centro Cultural Portugues - Instituto Camoes da Praia
Tema: "Uma objectividade elementar para uma subjectividade artistica"
Data: 16 de Marco de 2005
T Comunicacao no ambito da prospeccao sobre a relatividade espacial da obra de arte
Local: Centro Cultural do Mindelo, cidade do Mindelo, ilha de Sao Vicente, Republica de
Cabo Verde
Entidade promotora: Centro Cultural Portugues - Instituto Camoes (Polo do Mindelo)
Tema: "Uma objectividade elementar para uma subjectividade artistica"
Data: 18 de Marco de 2005
4° SOPCOM, Congresso da Associacao Portuguesa de Ciencias da Comunicacao:
"Repensar os media, novos contextos da comunicacao e da informacao"
Local: Universidade de Aveiro
Tema: "Uma objectividade elementar para uma subjectividade artistica"
Data: 21 de Outubro de 2005
3 a Comunicacao no ambito da prospeccao sobre a relatividade espacial da obra de arte
Local: Centro Cultural Portugues - Instituto Camoes, cidade de Maputo, Republica Popular
de Mozambique
Entidade promotora: Centro Cultural Portugues em Maputo - Instituto Camoes
Tema: "Uma objectividade elementar para uma subjectividade artistica"
Data: 08 de Novembro de 2005
2006
4 a Comunicacao no ambito da prospeccao sobre a relatividade espacial da obra de arte
Local: Centro Educacional 01 do Guara, cidade do Guara - Brasilia, Brasil
Entidade promotora: Centro Cultural Portugues em Brasilia - Instituto Camoes
Tema: "Uma objectividade elementar para uma subjectividade artistica"
Data: 16 de Marco de 2006
2007
5° SOPCOM, Congresso da Associacao Portuguesa de Ciencias da Comunicacao:
"Comunicacao e cidadania"
Local: Universidade do Minho (Braga)
Tema: "Holografia: palimpsestos de realidades existenciais"
462
Data: 06 de Setembro de 2007
2008
Simposio "Afectividade, a ostracizada"
Local: Universidade Lusiada (Porto)
Tema: "A afectividade na triade artistica. Promocao de um humano mais enriquecido' :
Data: 11 de Abril de 2008
Foram frequentados os seguintes cursos/congressos:
2003
Curso de Formacao "As leituras da obra de arte"
Nome da organizacao: Centra de Formacao de Professores Almada Negreiros
Local: Escola EB 2-3 Joao de Barros (Figueira da Foz)
Datas: 05/09/2003 - 19/09/2003
2004
Curso intensivo "Sensibilizacao a arte moderna e contemporanea"
Nome da organizacao: Centra Cultural de Belem - Ministerio da Cultura
Local: Centra Cultural de Belem (Lisboa)
Datas: 02/08/2004 - 13/08/2004
IV Congresso Nacional dos Artistas Plasticos
Nome da organizacao: Associacao Nacional dos Artistas Plasticos, Porto
Local: Pacos da Cultura da Guarda
Datas: 24 e 25/09/2004
Modulo I de formacao desenvolvimento de competencias pessoais
Linha 6 de investigacao - Promocao do desenvolvimento pessoal e educacao para a saiide e
bem-estar, no ambito do laboratorio de estudo e intervencao no ensino superior (LEIES)
Nome da organizacao: Departamento de Matematica da Universidade de Aveiro
Local: Universidade de Aveiro
Datas: 14/12/2004
2005
Curso "Caminhos da abstraccao"
Nome da organizacao: Centra Cultural de Belem - Ministerio da Cultura
Local: Centra Cultural de Belem (Lisboa)
Datas: 02/2005 - 03/2005
Curso intensivo "Arte em Portugal - Seculo XX"
Nome da organizacao: Centra Cultural de Belem - Ministerio da Cultura
Local: Centra Cultural de Belem (Lisboa)
Datas: 01/08/2005 - 12/08/2005
463
Seminario "Arte contemporanea - A actualidade a partir dos anos 60 e 70"
Nome da organizacao: Servico educativo do Centra de Artes e Espectaculos da Figueira da
Foz
Local: Centra de Artes e Espectaculos da Figueira da Foz (CAE)
Datas: 14/01/2005
Programa completo (seminario e debates) do "Encontro arte e comunicacao - novos
media novas praticas"
Nome da organizacao: CECL - Centra de Estudos de Comunicacao e Linguagens
Local: Centra Cultural de Belem (Lisboa)
Datas: 02 e 4/06/2005
2006
Curso "Historia da pintura portuguesa na V Metade do seclo XX"
Nome da organizacao: Servico educativo do Centra de Artes e Espectaculos da Figueira da
Foz
Local: Centro de Artes e Espectaculos da Figueira da Foz (CAE)
Datas: 6, 13, 20 e 27/05/2006
Curso "Historia da pintura portuguesa na 2 a Metade do seclo XX"
Nome da organizacao: Servico educativo do Centro de Artes e Espectaculos da Figueira da
Foz
Local: Centro de Artes e Espectaculos da Figueira da Foz (CAE)
Datas: 3, 10, 17 e 24/06/2006
2007
Seminario "Potencialidades e Aplicacoes Praticas de Ferramentas Informaticas: SPSS,
NUD*IST, EndNote, B-ON"
"Pesquisa, analise, compreensao e gestao da informacao no Ensino Superior - PA.C.G.I."
Nome da organizacao: Departamento de Ciencias da Comunicacao da Universidade de
Aveiro
Local: Universidade de Aveiro
Datas: 24/10/2007
Curso Introdutorio de edicao de texto cientifco/tecnico em LaTex
"Pesquisa, analise, compreensao e gestao da informacao no Ensino Superior - PA.C.G.I."
Nome da organizacao: Departamento de Ciencias da Comunicacao da Universidade de
Aveiro
Local: Universidade de Aveiro
Datas: 19/12/2007
2008
Designacao: Simposio "Afectividade a ostracizada"
Nome da organizacao: Departamento de Psicologia da Universidade Lusiada, Porto
Local: Universidade Lusiada, Porto
Datas: 10/04/2008 - 11/04/2008
464
Perspectivas defuturo
As reflexoes apresentadas neste trabalho nao se pretendem findas ou definitivas,
antes representam a possibilidade de estabelecer um ponto de partida para questionamentos
futuros, nomeadamente nas relacoes entre a arte e o publico. Portanto, interessara no futuro
dar continuidade a alguns dos temas aqui abordados.
«Tornar-se humano», e como disse um dia Albert Camus, a passagem do discurso a
accao, usando esta premissa, pretende-se realizar um projecto artistico que permita atestar
a ideia axial defendida no trabalho. Sera uma perspectiva artistica considerada como uma
continuidade e demonstracao empirica da tematica da tese. No fundo e a demonstracao
pratica daquilo que se defende, porque estou convicto que qualquer teoria adquire mais
validade se sustentada por uma praxis. Alem de se fundar em termos de criacao pessoal,
esse projecto tera uma vertente de investigacao teorica, permitindo cruzar e relacionar os
dados recolhidos com os presentes no capitulo V desta tese. Mais do que a procura de
respostas e afirmacoes pretende-se que essa investigacao seja fundamentalmente um
trabalho de sensibilizacao do publico para novas concepcoes teorico-praticas.
Outro desiderato e num futuro proximo desenvolver um modelo que traduza a
realidade artistica, considerando alguns factores determinantes, tais como as realidades
interna e externa do humano, factores culturais, etc... Pretende-se um esquema teorico
representative que circunstancie o fenomeno artistico, qualquer que ele seja. Nao sera com
certeza um modelo de comunicacao, porque nao parece que uma comunicacao na arte
venha a ser possivel no futuro. No sentido da compreensao da arte, isso obrigaria a uma
arte para todos e consequentemente passariamos a ter uma nova forma de linguagem (no
seu verdadeiro sentido), assente na total descaracterizacao da arte. Seria uma arte
dogmatica ou doutrinaria ao servico do poder.
Por fim, desejo colocar-me no panorama artistico actual e desenvolver um trabalho
artistico de investigacao sobre arte e ciencia (arte e tecnologia) que possibilite a
participacao do publico. Desejo tomar contacto com novos dominios cientifico-
tecnologicos, soma-los a minha formacao de base artistica, e relaciona-los aos
conhecimentos adquiridos nesta tese, mormente aqueles que questionam a triade artistica e
465
que assentam nas relagoes que se estabelecem entre o criador e o fruidor, e entre este e a
obra.
466
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Minuit, 1963. (Arguments; 14). p. 214, 220 47
Fig. 5 - Os elementos da significagao segundo Saussure. In FISKE, John - Introducao ao estudo da
comunicacao. 5 a ed. Porto: Asa, 1999. p. 67 52
Fig. 6 - Os elementos da significagao segundo Peirce. In FISKE, John - Introducao ao estudo da
comunicacao. 5 a ed. Porto: Asa, 1999. p. 65 54
Fig. 7 - Os elementos da significagao de Odgen e Richards. In FISKE, John - Introducao ao estudo
da comunicacao. 5 a ed. Porto: Asa, 1999. p. 66 55
Fig. 8 - Modelo semiotico-informacional de Umberto Eco e Paolo Fabbri. In WOLF, Mauro -
Teorias da comunicacao. Lisboa: Editorial Presenca, 1995. (Textos de apoio; 21). p. 110 .... 56
Fig. 9 - Modelo de Horace Newcomb. In FISKE, John - Introducao ao estudo da comunicacao. 5 a
ed. Porto: Asa, 1999. p. 50 75
Fig. 10 - Joseph Kosuth. Uma e tres cadeiras (1965). Instalacao com 1 cadeira, 1 fotografia da cadeira
e 1 fotografia da definicao de cadeira ( 200 x 271 x 44 cm). Centro nacional de arte e cultura
Georges Pompidou, Paris 80
Fig. 11 - Adaptagao da arte ao modelo de George Gerbner 83
Fig. 12 - Esquema da dualidade, representagao - expressao 94
Fig. 13 - Adolphe Yvon. Estudo para a batalha de Solferino: Napoleao III (1861). Desenho 103
Fig. 14 - Adolphe Yvon. Batalha de Solferino (1861). Oleo sobre tela (65 x 44 cm). Museu Nacional
do Chateau de Compiegne (Franca) 103
Fig. 15 - Oscar Rejlander. Os dois caminhos da vida (1857). Fotografia sobre chapa de albumina (78,7
x 40,6 cm). The Royal Photographic Society, Londres 106
502
Fig. 16 - William Hogarth. A orgia, cena III de The rake's progress (c. 1734). Oleo sobre tela (62,5 x
75,2 cm). Sir John Soane's Museum, Londres 106
Fig. 17 - Arko Datta (Agenda Reuters). Mulher chora parente morto no tsunami (28 de Dezembro de
2004). Cuddalore, Tamil Nadu, India. Premio World Press Photo 2004 109
Fig. 18 - David Hockney, Shoes, Kyoto (1983) 115
Fig. 19 - Andres Serrano. Sem 7y?«/oX/F(Traject6ria de ejaculacao, vulgarmente apelida Cum Shot),
(1989). Fotografia cibachrome (152 x 102 cm). Em deposito na Paula Cooper Gallery, Nova
Iorque 115
Esquema de transtextualidade artistica da holografia 123
Esquema abreviado de comunicaqdo 138
Carl Andre. Equivalent VIII (1966). 120 tijolos refractarios (12.7 x 68.6 x 229.2 cm). Tate
Gallery, Londres 144
Marina Abramovic. Ritmo (1974). Happening, duracao: 6 horas. Galeria Estudio Mora,
Napoles 149
Marina Abramovic. Ritmo (1974). Happening, duracao: 6 horas. Galeria Estudio Mora,
Napoles 149
Piet Mondrian. Composiqdo 2 (1922). Oleo sobre tela (55,5 x 53,6 cm). Museu Solomon R.
Guggenheim, Nova Iorque 152
Jan van Eyck. Os Esponsais dos Arnolfini (1434). Oleo (tempera?) sobre madeira (81,8 x
50,7 cm). National Gallery, Londres 155
Correspondencia entre signo e forma. Adaptado de BECKETT, Wendy - Historia da
pintura. [S.l.]: Livros e Livros, D.L. 1995. p. 65 156
Mestre de Flemalle (Robert Campin?). O Retdbulo de Merode (c. 1425-28). Triptico. Oleo
sobre madeira (117,8 x 64,5 cm). Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque 161
Kasimir Malevich. Quadrdngulo (vulgarmente designado Quadrado preto sobre fundo
branco), (1913). Oleo sobre tela (106,2 x 106,5 cm). State Russian Museum, Sao Petersburgo 172
Palavra com extensao Biblia 174
Objecto (livro) com extensao Biblia 174
Esquema de dualidades em relaqdo 176
Adiqao de elementos 176
Produqao de um Gestalt 178
Produqao de um Gestalt 178
Produqao de um Gestalt 178
503
Fig.
20-
Fig.
21-
Fig.
22-
Fig.
23-
Fig.
24-
Fig.
25-
Fig.
26-
Fig.
27-
Fig.
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Fig.
29-
Fig.
30-
Fig.
31-
Fig.
32-
Fig.
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Fig.
34-
Fig.
35-
Fig.
36-
Fig. 37 - Aberto Korda. Guerrilheiro heroico (5 de Marco de 1960). Crop do fotograma original 180
Fig. 38 - Aberto Korda. Guerrilheiro heroico (5 de Marco de 1960). Fotografia preto & branco,
Fotograma n° 40, filme Kodak Plus X Pan 180
Fig. 39 - Complexo objectividade/subjectividade 183
Fig. 40 - Leonardo da Vinci. A Ultima Ceia (1495-98). Tecnica mista com predominancia de tempera
e oleo sobre duas camadas de preparacao de gesso aplicadas sobre reboco - estuque (880 x
460 cm). Refeitorio do convento de Santa Maria delle Grazie, Milao 185
Fig. 41 - Algumas referencias a linha, da obra: Os Esponsais dos Arnolfini (1434), Jan van Eyck, oleo
(tempera?) sobre madeira (82 x 60 cm) 188
Fig. 42 - Algumas referencias a cor, da obra: Os Esponsais dos Arnolfini (1434), Jan van Eyck, oleo
(tempera?) sobre madeira (82 x 60 cm) 188
Fig. 43 - Piet Mondrian. Composiqao 2 (1922). Oleo sobre tela (55,5 x 53,6 cm). Museu Solomon R.
Guggenheim, Nova Iorque 189
Fig. 44 - Signos cromdticos da obra: Composiqao 2 (1922), Piet Mondrian, oleo sobre tela (55,5 x
53,6 cm). Museu Solomon R. Guggenheim, Nova Iorque 189
Fig. 45 - Signos estruturais da obra: Composiqao 2 (1922), Piet Mondrian, oleo sobre tela (55,5 x
53,6 cm). Museu Solomon R. Guggenheim, Nova Iorque 189
Fig. 46 - Hocine Zaourar (Agenda France-Presse). Pietd de Bentalha (23 de Setembro de 1997).
Bentalha, Argelia. Premio World Press Photo 1997 194
Fig. 47 - Miguel Angelo. Pietd (c. 1498). Marmore (195 x 174 cm). Basilica de Sao Pedro, Roma 195
Fig. 48 - Escola de Roberti. Pietd (c. 1495). Oleo sobre painel de madeira (34,4 x 31,3 cm). Walker
Art Gallery, Liverpool 195
Fig. 49 - Antonio Pollaiuolo. Martirio de Sao Sebastiao (1475). Oleo sobre madeira de choupo (291,5
x 202,6 cm). National Gallery, Londres 205
Fig. 50 - Processo deformaqdo da criatividade 209
Fig. 51 - Acqao como concretizaqdo de potencialidade humanas. In SANTOS, Alvaro Miranda -
Enigma indecif ravel?. Revista Psychologica. Coimbra: FPCEUC [Faculdade de Psicologia e
de Ciencias da Educacao da Universidade de Coimbra]. n° 22, (1999), p. 116 210
Fig. 52 - Conjugaqao de elementos 212
Fig. 53 - Dispersao aleatoria de elementos 212
Fig. 54 - Sociedade "conhecedora " vs Sociedade "leiga " 215
Fig. 55 - Damien Hirst. Adao & Eva (banidos do Jardim) (2000). Aco, vitrine em vidro e acessorios
diversos (427 x 221 x 122 cm). Galeria Gagosian, Nova Iorque 232
504
Fig. 56 - Joan Miro. Uma gota de orvalho que cai da asa de uma ave acorda Rosalia adormecida a
sombra de uma teia de aranha (1939). Oleo sobre tela (100,3 x 73,7 cm). Iowa (IA),
University of Iowa Museum of Art, Iowa. Deposito da coleccao de MarkRanney 233
Fig. 57 - Marcel Duchamp. L.H.O.O.Q (1919). Ready Made transformado. Lapis de grafite sobre
heliogravura (61,5 x 49,5 cm; impressao: 48 x 33 cm). Assinado e datado em baixo a direita:
replica 1930. Deposito do Siege national du Parti communiste francais (2005) no Centra
nacional de arte e cultura Georges Pompidou, Paris 234
Fig. 58 - Rene Magritte. A traiqao das imagens - Ceci n 'est pas unepipe (1929). Oleo sobre tela
(93,98 x 64,45 cm). LACMA (Los Angeles County Museum of Art), Los Angeles 235
Fig. 59 - Francisco Goya. Ofuzilamento do 3 de Maio de 1808 (1814). Oleo sobre tela (347 x 268
cm). Museu do Prado, Madrid 238
Fig. 60 - Diego Rivera. A industria de Detroit (Ford) ou O Homem e a mdquina (1932-1933). Fresco.
Parede sul. (painel superior: 269,2 x 1371,6 cm; painel central: 132,7 x 1371,6 cm; 540 x
1371,6 cm). Detroit Museum of Fine Arts, Detroit 247
Fig. 61 - Rober Racine, Page miroir: debouchement/marche - 452 - hiver/debraille, (1986). Papel,
grafite, tinta, lapis de cor, espelho (33 x 22 cm) 251
Fig. 62 - Rober Racine, pormenor da obra: Page miroir: debouchement/marche - 452 -
hiver/debraille, (1986). Papel, grafite, tinta, lapis de cor, espelho (33 x 22 cm) 251
Fig. 63 - Luis Bunuel. Still do filme Viridiana (1961). Duracao: 90 minutos. Premio Palma de Ouro
(melhor filme) do festival de Cannes em 1961 268
Fig. 64 - Masolino da Panicale. Anunciaqao (c. 1425/30). Tempera sobre madeira (148,8 x 115,1 cm).
Coleccao Andrew W. Mellon, Nova Iorque 281
Fig. 65 - Simone Martini. A virgem da anunciaqao (1333). Tempera sobre madeira (210 x 184 cm).
Galeria dos oficios (Galleria degli Uffizi), Florenca 281
Fig. 66 - Mestre de Flemalle (Robert Campin?). O Retdbulo de Merode (c. 1425-28). Parte central do
triptico: Anunciaqao. Oleo sobre madeira (64,1 x 63,2 cm); dimensao total do triptico (117,8
x 64,5 cm). Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque 281
Fig. 67 - Fra Filippo Lippi. Anunciaqao (c. 1448-50). Tempera de ovo sobre madeira (152,7 x 68,6
cm). National Gallery, Londres 281
Fig. 68 - Agnolo Bronzino. Venus, Cupido, Loucura e Tempo (c. 1546). Oleo sobre madeira (146,5 x
116,8 cm). National Gallery, Londres 282
Fig. 69 - Duccio di Buoninsegna. Anunciaqao da morte da Virgem (c. 1308-11). Tempera sobre
madeira (54 x 41,5 cm). Museo delfOpera di Santa Maria del Fiore, Florenca 284
Fig. 70 - Jean Auguste Dominique Ingres. Venus em Paphos (1852-53). Oleo sobre tela (91,5 x 70,5
cm). Museu d'Orsay, Paris 292
Fig. 71 - Jean Auguste Dominique Ingres. A grande odalisca (1814). Oleo sobre tela (162 x 91 cm).
Museu do Louvre, Paris 293
505
Fig. 72 - Gustave Courbet. Os britadores depedra (1849). Oleo sobre tela (257 x 165 cm). Obra
destruida durante a 2 a Guerra Mundial. Anteriormente propriedade da Dresden State Art
Collections, Dresden 297
Fig. 73 - Claude Monet. Festa do 30 dejunho de 1878 na Rue Saint-Denis (1878). Oleo sobre tela
(102 x 74 cm). Museu de belas artes de Rouen, Rouen 300
Fig. 74 - Paul Serusier. O Aven no bois d'amour - O talismd (1888). Oleo sobre madeira (27 x 21,5
cm). Museu d'Orsay, Paris 300
Fig. 75 - Pablo Picasso. Les demoiselles d' Avignon (1907). Oleo sobre tela (243,9 x 233,7 cm).
MOMA (Museum of Modern Art), Nova Iorque 305
Fig. 76 - Paula Rego, Anunciaqdo (2002). Pastel sobre papel (54 x 52 cm). Capela do palacio de
Belem 310
Fig. 77 - Edvard Munch. O grito (1893). l a versao: oleo e pastel sobre cartao (91 x 73,5 cm). Galeria
Nacional de Oslo; 2 a versao: tempera sobre cartao (83,5 x 66 cm), museu Munch, Oslo; 3 a
versao: museu Munch, Oslo; 4 a versao: coleccao particular de Petter Olsen 316
Fig. 78 - Gleizes. A caqa (1911). Oleo sobre tela (124 x 99 cm). Coleccao particular 319
Fig. 79 - Piet Mondrian. Composigao com vermelho, amarelo, azul e preto (1921). Oleo sobre tela
(59,5 x 59,5 cm). Haags Gemeentemuseum, Haia 327
Fig. 80 - Kasimir Malevich. Composigao suprematista: branco sobre branco (vulgarmente designado
Quadrado branco sobre fundo branco), (1918). Oleo sobre tela (79,4 x 79,4 cm). MOMA
(Museum of Modern Art), Nova Iorque 328
Fig. 81 - Bridget Riley. Catarata 3 (1967). Emulsao sobre tela (222,9 x 221,9 cm). British Council,
Londres 331
Fig. 82 - Duane Hanson. Queenie II (1988). Tecnica mista: bronze policromado com acessorio de
varios tamanhos. Saatchi Gallery, Londres 336
Fig. 83 - Joseph Kosuth. Meaning - blow up (1967). Photostat sobre papel montada sobre madeira 339
Fig. 84 - Wolf Vostell. You (1964). Happening de de-collage para Bob & Rhett Brown. Duracao: 3
horas; tempo de preparacao: um mes. 19 de Abril de 1964. Vivenda de Bob & Rhett Brown,
Long Island, Nova Iorque 341
Fig. 85 - Thomas Eakins. A clinica de Gross (1875). Oleo sobre tela (244 x 198 cm). Jefferson
Medical College, Filadelfia 347
Fig. 86 - Elaine Sturtevant. Duchamp 1200 sacos de carvao (1973/1992). Instalacao com sacos de
carvao e outras pecas. Vista parcial da instalacao no Museum fur Moderne Kunst,
(Francoforte) realizada em 2004 353
Fig. 87 - Stephan Balkenhol. Tanzende Paare (1996). Instalacao com 10 pecas de madeira pintada
(cada peca: 160 x 34 x 24 cm) 354
506
Fig. 88 - Orlan. Omnipresence (1993). Setima cirurgia-performance (total de oito) realizada em Nova
Iorque em 21 de Novembro de 1993. Fotografia cibachrome montada em Diasec (165 x 110
cm) 361
Fig. 89 - Orlan apos setima cirurgia-performance 362
Fig. 90 - Obras utilizadas no projecto pratico e que constituiram a exposicao itinerante 378
Fig. 91 - Estrutura das obras em estudo 379
Fig. 92 - Areas geograficas de apresentacao do projecto itinerante 387
Fig. 93 - Sala de exposicoes da Biblioteca Central da Universidade de Brasilia 390
Fig. 94 - Estruturacao do inquerito 394
Fig. 95 - Formacao da obra de arte (exemplo da obra n° 4) 437
507
indice das tabelas
Tab. 1 - Dimensao da amostra 392
Tab. 2 - Nacionalidade 400
Tab. 3- Idade 400
Tab. 4 - Habilitacoes academicas 401
Tab. 5 - Nacionalidade x Habilitacoes academicas 401
Tab. 6 - Profissao 402
Tab. 7 - Profissao x Habilitacoes academicas 403
Tab. 8 - PI) As obras n° 1, 2 e 12, nao se referem a uma cadeira! 403
Tab. 9 - P2) As obras n° 3, 7, 10 e 14, referem-se a uma cadeira! 404
Tab. 10 - P3) A obra n° 14 pertence ao grupo das obras mais compreensiveis! 405
Tab. 11 - P4) As obras n° 1, 2 e 12 pertencem ao grupo das obras menos compreensiveis! 405
Tab. 12 - P5) Qual o(s) elemento(s) que predomina(m) nas pinturas expostas? 407
Tab. 13 - P6) As pinturas expostas sao obras de arte ! 407
Tab. 14 - P7) Arte e comunicacao! 408
Tab. 15 - P8) Arte e significacao! 409
Tab. 16 - P9.1) Quando observa uma obra de arte espera algo dela! 409
Tab. 17 - P9.2) O publico espera algo da obra de arte! 410
Tab. 18 - P10.1) Quando observa uma obra de arte espera algo do artista! 410
Tab. 19 - P10.2) O publico espera algo do artista! 411
Tab. 20 - Pll) O que espera da obra de arte? 412
Tab. 21 - P12) As obras de arte sao constituidas por: 413
Tab. 22 - P13) Na sua opiniao qual o significado da obra n° 1? 414
508
Tab. 23 - P14) Na sua opiniao qual o significado da obra n° 4? 415
Tab. 24- P15) Na sua opiniao qual o significado da obra n° 14? 416
Tab. 25 - Graus de importancia da obra de arte 424
Tab. 26 - Valores percentuais da relacao da variavel "nacionalidade" com aPll 426
Tab. 27 - Valores percentuais da relacao da variavel "nacionalidade" com a P12 428
Tab. 28 - Valores percentuais da relacao das variaveis "nacionalidade" x "profissao" x "habilitacoes
academicas xP5 432
Tab. 29 - Valores percentuais da relacao das variaveis "nacionalidade" x "profissao" x "habilitacoes
academicas x P13 434
Tab. 30 - Valores percentuais da relacao das variaveis "nacionalidade" x "profissao" x "habilitacoes
academicas x P14 441
Tab. 31 - Valores percentuais da relacao das variaveis "nacionalidade" x "profissao" x "habilitacoes
academicas x P15 443
Tab. 32 - Tabela resumo 449
509
indice onomastico
Este indice remete para o texto e notas de rodape.
Os nomes das referencias bibliograficas substituidos
por locucoes latinas (op. cit, idem, ibidem) foram
entrados. Os nomes presentes nos titulos das
referencias bibliografias nao foram entrados. As
obras de arte estao grafadas em itdlico e as
ilustracoes a negrito.
ABERCROMBIE, Margaret, 21
ABRAMOVIC, Marina
Ritmo 0, 148, 149
ADAM, Edouard, 170
ADORNO, Theodor, 90, 92, 93, 99, 100, 128, 145,
158, 167, 177, 181, 202, 215, 227, 347, 359, 368
Compreensao intelectual, 227
Comunicacao da incomunicacao, 145
Escola de Frankfurt, 63
Espirito subjectivo, 92, 93, 158
Na recepcao a subjectividade mediatiza a
objectividade, 177
Objectividade nao objectivada, 128
Vocacao incomunicante da arte, 359
ADRIAN, Robert, 358
AGUNDEZ GARCIA, Jose, 228, 229, 342
ALBERS, Joseph, 329, 330
Interaction of color, 330
ALBERTI, Leon Battista, 284
ALLOWAY, Laurence, 333
ALMEIDA, Aires, 239
ALMEIDA, Bernardo Pinto, 79, 129, 164, 205, 206,
230
O museu comunica que a arte permanece
incomunicavel, 230
Passagem da objectividade para a objectualidade,
164
Quadro-objecto, 164
Sistemas de enunciacao, 79
AMPERE, Andre-Marie, 32
Cibernetica (ciencia politica), 32
ANDRE, Carl
Equivalent VIII, 144
ANGELO, Miguel, 180, 284, 370
Decoracao da Capela Sistina, 162
Pietd, 195
ANTONIETA, Maria, 239
APOLLINAIRE, Guillaume, 226
AQUINO, Sao Tomas de, 290
ARAGON, Louis, 226
ARGAN, Giulio Carlo, 224, 270, 310-312
ARISTOTELES, 2, 22, 23, 96, 260, 276, 277
Causas aristotelicas, 143, 165
Ethos, 23
Poetica, 277
Sensacao falsa, 260
ARMSTRONG, Edwin Howard, 33
ARNOLFINI, Giovanni, 154, 157
ASCOTT, Roy, 350, 358
Cibercepcao, 350
Prospeccao, 350
ASHBY, Ross, 34
ATTALLAH, Paul, 18, 24, 33, 62, 78, 87, 137
AVOCAT, M. L., 276
AZEVEDO, Isabel, 120
B
BACH, Johann Sebastian, 370
BACHELARD, Gaston, 260
BAECKER, Dirk, 131, 187
Comunicacao como observacao, 187
BAIRD, John, 26
BALDESSARI, John, 338
BALKENHOL, Stephan, 353
Tanzende Paare, 354
BALL-ROKEACH, Sandra, 88
BALLY, Charles, 51
BARBOSA, Pedro, 71, 111, 132, 180, 357
Cultura de objectos vs Cultura do imaterial, 357
Grau zero da imagem, 180
Videncia estetica vs Vivencia estetica, 132
BARR, Alfred
Expressionismo abstracto, 329
BARRY, Gerald, 274
BARRY, Robert, 148
Gallery Closing, 148, 337
BARTHES, Roland, 51, 53, 85, 104, 110, 112, 117,
231, 233, 257, 265, 268, 312, 453
Ancrage, 231
Ciencia geral de todos os sistemas de signos, 51
Conotacao vs Denotacao, 53
Dissemblable, 265
Irrealidade real, 117
Morte do autor, 268, 312
Processos de conotacao da fotografia, 110
Relais, 231
Retorica da imagem, 112
Similaire, 265
BATE SON, Gregory
Escola de Palo Alto, 58
510
BAUDELAIRE, Charles, 262, 314, 347
O pintor da vida moderna, 314
BAUDRILLARD, Jean, 116
Simulacrum industrial, 116
BEAVIN, Janet Helmick, 59, 60
BEETHOVEN, Ludwig van, 136, 137
TSinfonia, 136, 137
BELIN, Edouard, 26
BELL, Graham, 26
BELTING, Hans, 345
BENJAMIN, Walter, 6, 101, 107, 109, 116, 315
Perda da aura, 315, 352
Reprodutibilidade tecnica da arte, 116
Valor de culto, 6, 107
Valor de exposicao, 107
BENVENISTE, Emile, 51
BERELSON, Bernard, 40
BERNAYS, Edward, 28
BERTALANFFY, Ludwig von, 36, 58
Teoria geral dos sistemas, 36
BEUYS, Joseph, 226, 312, 313
BIGELOW, Julian, 15
BIOULES, Vincent
Support-Surfaces, 332
BIRDWHISTELL, Ray, 60
BISSON, Auguste, 102
BLAKE, Peter, 333
BLANCHOT, Maurice, 132
BOCHNER, Mel
Serial Art, 337
BOSCH, Hieronymus, 77, 324
Jardim das Delicias, 161
BOURDIEU, Pierre, 91, 163, 171, 206, 207, 225, 259,
287, 288
Deleite, 207
Familiaridade, 171
Materialidade fenomenal, 163
BOURRIAUD, Nicolas, 315, 359
Estetica da relacao, 359
BRANCUSI, Constantin, 306
BRAQUE, Georges, 250, 317, 319
BRECHT, Bertolt, 109
BRETON, Andre, 226, 261, 369
BRETON, Philippe, 15, 17, 19, 261, 471
BROCKHAUS, Christoph, 367
BRONZINO, Agnolo, 281, 282
Venus, Cupido, Loucura e Tempo, 281, 282
BROWN, Bob, 340
BROWN, Rhett, 340
BRUEGHEL, Pieter, 324
BRUNELLESCHI, Filippo, 284
BRYEN, Camille
Abstraccionismo Lirico, 329
BUNUEL, Luis, 268
Viridiana, 268
BUONINSEGNA, Duccio di
Anunciacao da Morte da Virgem, 283, 284
BUREN, Daniel, 313
BURGIN, Victor, 111
Texto fotografico, 111
CADAVIECO, Fombona, 18
CAGE, John, 77, 137, 170
4'33", 136, 137, 170
CALABRESE, Omar, 224
CALHEIROS, Luis, 371
CAMPIN, Robert, 160, 161, consulte Mestre de
Flemalle
CAMUS, Albert, 465
CANTRIL, Hadley, 27
CARAVAGGIO, Michelangelo
Judite cortando a cabeca de Holofernes, 371
CARNOT, Nicolas, 37
CAVAZA, Marc, 153
CENAMI, Giovanna, 155
CENNINI, Cennino, 280
CENTENO, Maria Joao, 147
Autocorreccao, 147, 148
Percepcao da percepcao, 147, 148
CEZANNE, Paul, 171, 304, 305, 310, 317, 325
Baigneuses, 305
Sensacao fisiologica cezanniana, 171
CHAGALL, Marc, 93
CHAKOTIN, Serge, 27
CHAMPOLLION, Jean-Francois, 252
CHAPPE, Claude, 25, 26
Rede telegrafica, 14
CHARBONNIER Geroges, 255
CHE GUEVARA, Ernesto, 180, 181, 184
CHILLIDA, Eduardo, 245
Montanha Tindaya, 245
CHIRICO, Giorgio de, 77, 324
CLARA VAL, Sao Bernardo, 279
CLOUTIER, Jean, 18, 20, 21, 23, 25, 29, 33, 41, 264
Comunicacao de elite, 20
Comunicacao de massa, 23, 25
Comunicacao interpessoal, 20
Emerec, 18, 20, 21, 33
COCTEAU, Jean, 226, 318
COELHO NETTO, J. Teixeira, 66, 131, 132, 177, 181,
304, 315, 355
CONDE, Idalina, 210, 211, 236, 304, 360
Insignificancia dos significados, 304
Recepcao pela reflexividade, 210
COOLEY, Charles, 29
COSTA, Mario
Estetica da comunicacao, 9, 358, 359
COSTA, Noronha da, 184
Ecra, 249
COURBET, Gustave, 105, 287, 296, 311, 347
O Atelier do Pintor, 297, 347
Os Britadores de Pedra, 296, 297
COUSIN, Victor
Arte pela arte, 128
CRANE, Diana, 201, 256, 275
CRISTO, Jesus, 85, 157, 238, 245, 268, 282
CUPIDO (Deus romano do amor), 281, 282, 292
D
D. QUIXOTE DE LA MANCHA, 25
DAGUERRE, Louis, 101
DALI, Salvador, 357
DAMASIO, Antonio, 241, 242
DAMPERAT, Marie-Helene, 167
511
DANTO, Arthur, 79, 207, 345
Interpretacao profunda, 207
DATTA, Arko, 110, 112, 113
World Press Photo 2004, 108, 109
DEFLEUR, Melvin, 88
DEGAS, Edgar
Orquestra da Opera, 181
DELACROIX, Eugene, 105, 262
DELAUNAY, Robert, 250, 330
DELAUNAY, Sonia, 330
DELEUZE, Gilles, 134, 166, 169, 240
Arte como acto de resistincia, 134
Arte como perceptos e afectos, 240
Informacao como palavra de ordem, 166
Les concepts il faut les fabriquer, 169
DENIS, Maurice, 163
DENIS, Michel, 97, 118, 153, 190, 232, 334, 335
Suplemento cognitivo, 232
DENJEAN, Marc, 358
DESCARTES, Rene, 277
DIAGHILEV, Sergei
Ballets Russes, 318
DIDEROT, Denis, 222
DOESBURG, Theo van, 327
DOGUET, Jean-Paul, 119, 145, 151, 165, 285
Circulacao aberta dos valores esteticos, 285
Circulacao estacionaria dos valores esteticos, 285
Comunicacao do incomunicavel, 145
Graus na recepcao da arte, 119
Producao vs Provocacao, 165
DONATELLO
Judite e Holofernes, 371
DONDIS, Donis, 98, 185
Simplicidade vs Complexidade, 185
DUBUFFET, Jean, 329
Art Brut, 329
DUCHAMP, Marcel, 76, 251, 288, 300, 310, 322-324,
336, 337, 342, 343, 348, 353
1200 Sacos de Carvao, 352
Fonte, 95, 323
L.H.O.O.Q., 234
Osmose esthetique, 323
DUCROCQ, Albert, 34
DUFRENNE, Mikel, 151, 168, 207, 256
Monde exprime, 207
Objectos esteticos vs Objectos significantes, 168
DURHAM, Jimmie
As frases, 81
DURKHEIM, Emile, 29
E
EAKINS, Thomas
A Clinica de Gross, 346, 347
ECO, Umberto, 48, 57, 92, 186, 196, 198, 250, 275,
290
A obra de arte e um signo que tambem comunica o
modo como e feita, 186
Modelo semiotico-informacional (Eco-Fabbri), 40,
41, 56, 57, 70, 249
Obra aberta, 92
Tratado de semiotica geral, 48
EDISON, Thomas, 26
EHRLICH, Marie-France, 153
EINSENSTEIN, Sergei
O Couracado Potemkine, 320
ELST, Vand, 133
ERNST, Max, 138, 329
ESCARPIT, Robert, 37, 39, 68, 69, 178, 179
Fruicao incompativel com entropia, 68
Theoreme de canal bruyant, 39
EUCLIDES, 280, 310
Divisao em extremo, 280
Racio medio, 280
EYCK, Jan van, 157
Os Esponsais dos Arnolfini, 154, 155, 157, 160,
187, 188
FABBRI, Paolo
Modelo semiotico-informacional (Eco-Fabbri),
40, 41, 56, 57, 70, 249
FAB RE, Maurice, 21
FAUCONNIER, Henry, 250
FELIBIEN, Andre, 222
Natureza morta, 222
FERREIRA, Antonio Quadros, 177, 455
Recepcao como condicao fundamental da
compreensao, 455
FICHTNER, Monica, 131
FIELL Charlotte, 380
FIELL Peter, 380
FISCHER, Herve, 345, 358
Arte sociologica, 9, 358, 359
FISKE, John, 18, 19, 30, 47, 50, 66, 74, 78, 82, 112,
191, 206, 247, 248, 250
Relacao entre codigo e cultura, 247
FLEMALLE, Mestre de (Robert Campin?), 160
Anunciacao, 280, 281
O Retabulo de Merode, 160, 161
FOHRMANN, Jurgen, 131, 187
FOREST, Fred, 126, 358
Estetica da comunicacao, 9, 358, 359
FOUCAULT, Michel, 268, 312
FOUILLOI, Hugo de, 279
FRANCASTEL, Pierre, 161, 273, 284
FRANCES, Robert, 153, 184, 209
FRANCISCO I, 282
FRANgOIS-JOSEPH, 102
FREUD, Sigmund, 28, 145, 146, 325
FRUTIGER, Adrian, 275, 282
FUCHS, Ernst, 77
FURTADO, Fernando, 216, 217, 346
Consumidor passivo vs Consumidor activo, 216,
217
Consumo vs Consumacao, 216
Galinha domestica da tecnologia, 217
GABOR, Denis, 121
GADAMER, Hans-Georg, 225
Arte de compreender, 225
GARDNER, Howard
Niveis de compreensao, 217
GAUDET, Hazel, 40
GAUTHIER, Yvon, 209
512
GAUTIER, Theophile, 128
Arte pela arte, 128
GENETTE, Gerard, 92, 123, 195
Transcendencia da obra de arte, 92
Transtextualidade, 123, 195
GENTILESCHI, Artemisia
Judite Assassinando Holofernes, 371
GERBNER, George
Dimensoes do modelo de George Gerbner
Dimensao comunicante (meios de controlo), 44
Dimensao perceptiva (Percepcao ou Recepcao),
44
Modelo comunicacional de George Gerbner, 44, 45,
81-84
GIDNEY, Eric, 358
GIL, Jose, 349
Alta Cultura, 349
GLEIZES, Albert, 250
A Caca, 319
GOODMAN, Nelson, 92, 241
Teoria da exemplificacao metaforica, 241
GOOSSEN, Eugene
Art of the Real, 337
GOURDON, Anne-Marie, 207
GOYA, Francisco, 239, 324
Fuzilamento do 3 de Maio de 1808, 238, 239
GRAO-DUQUE DA TOSCANA, 282
GREENBERG, Clement, 308, 314
Campos de cor, 329
GRIFFIN, Em, 31
GUATTARI, Felix, 240
Arte como perceptos e afectos, 240
GUEGUEN, Pierre
Tachismo, 329
GUIMARAES, Fernando, 170, 171, 345
GUIRAUD, Pierre, 128, 197-200, 241, 247
Codigo tecnico vs Codigo estetico, 199, 200
Incapacidade de compreensao dos sentimentos, 240,
241
Signo como substantia sensivel, 197
GUTENBERG, Johannes, 14, 20, 23
H
HABERMAS, Jiirgen, 60, 88, 89
Agir comunicacional, 88
Escola de Frankfurt, 63
HAENDEL, Friedrich, 370
HAMILTON, Richard, 333
HANSON, Duane
Queenie II, 336
HARRISON, Charles, 80, 308
HEGEL, Georg, 96, 99, 345, 372
Presentificacao da ideia na arte, 2
HIRST, Damien
Adao e Eva (banidos do Jardim), 231, 232
HITLER, Adolfo, 27
HJELMSLEV, Louis, 53
HOCHBERG, Julian, 183, 184
Economia de informacao, 183
HOCKNEY, David, 308, 333
Mr and Mrs Clark and Percy, 308
Shoes, 114, 115
HOGARTH, William
A Orgia, cena III de The Rake 's Progress, 106
HOLOFERNES, 371
HORKHEIMER, Max
Escola de Frankfurt, 63
HUISMAN, Denis, 133
Comunicacao pletorica, 133
HUTCHEON, Linda, 309
HUYGHE, Rene, 302
Civilizacao da imagem, 453
1
ILHARCO, Fernando, 154
IMDAHL, Max, 298
INGARDEN, Roman, 382
INGRES, Jean-Auguste, 291-294
Grande Odalisca, 292, 293, 294
Venus em Paphos, 291, 292, 294
INNIS, Harold
Teoria comunicacional innisiana, 62
JACKSON, Don, 59, 60
Escola de Palo Alto, 58
JACQUES, Francis, 38, 82
Comprehension mutuelle, 82
Esquema d'Hermes, 38
JAKOB SON, Roman, 45-48
Elementos do modelo linguistico-funcional de, 45,
47,76
Funcoes do modelo linguistico-funcional de, 46, 47,
76
Modelo linguistico-funcional de, 45
JANSON, Horst, 226
JASTROW, Joseph
Coelho-pato, 179
JAUSS, Hans Robert, 253
Estetica da recepcao, 253
JIMENEZ, Marc, 345
JOHNS, Jasper, 333
JOHNSON, Mark, 96
JONES, Allen, 333
JUDITE, 371
JUNG, Carl Gustav, 142
K
KABAKOV, Ilya, 313
KAC, Eduardo, 72, 245, 356
Arte transgenica, 72
Genesis, 356
GFP Bunny, 2AS
Time Capsule, 72
KANDINSKY, Wassily, 300, 307, 326, 328
KANT, Emmanuel, 126-128, 150, 261, 262, 289
Belo como objecto de uma satisfacao universal, 289
Comunicacao nao-conceitual, 160
Critica do gosto, 127
Finalidade desinteressada, 135
Finalidade sem fim, 126, 128
KAPROW, Allan, 77
KARCZMAR, Natan, 358
513
KELLY, Ellsworth, 329
KHATTARI, Majida, 217
KIEFER, Anselm, 349
KIERKEGAARD, Soren, 13, 146
Dupla reflexao, 146
KITAJ, Ronald, 333
KIVY, Peter, 238
Teoria cognitivista da expressao, 238
KLEE, Paul, 101, 243
KLEIN, Yves, 77, 148, 170
Epoca Pneumatica, 170
1KB, 170
Le Vide, 170
KLINGER, Friedrich
Sturm und Drang, 286, 322
KLINKOWSTEIN, Tom, 358
KLOSSOWSKI, Pierre, 99
KOFFKA Kurt, 178
KOHLER, Wolfgang, 178
KORDA, Alberto, 179, 180, 184
Guerrilheiro Heroico, 179, 180
KORZYBSKI, Alfred, 309
Arte com funcao cultural de time-binding, 309
KOSUTH, Joseph, 80, 159, 338, 344
Art as idea as idea, 80
Meaning (Blow Up), 338, 339
Proposicoes artisticas, 339
Uma e Tres Cadeiras, 80, 158
KOZINTSEV, Grigori
A Nova Babilonia, 320
KRAUS, Karl, 373
KUHN, Samuel, 323
Estrutura das revolucoes cientificas, 271
LAKOFF, George, 96
LAMARQUE, Peter, 128
LAMING-EMPERAIRE, Annette, 21
LANG, Fritz
Metropolis, 320
LANGER, Susanne, 238, 239, 241, 242
Teoria da representacao iconica, 238
LANHAS, Fernando
034-61, 236
LASSWELL, Harold, 27, 39, 42, 71, 73
Modelo comunicacional de Harold Lasswell, 42, 44,
45, 71, 72
Modelo dos 5 W, 31, 42, consulte modelo
comunicacional de Harold Lasswell
LAUTREC, Toulouse, 246
LAZARSFELD, Paul, 40, 63
Bullet theory, 35, consulte teoria hipodermica
Teoria das balas magicas, 28, 333, consulte teoria
hipodermica
Teoria hipodermica, 28, 35, 63, 71-73
Teoria linear da agulha hipodermica, 35, consulte
teoria hipodermica
LE BON, Gustave, 29, 114
Psychologie des foules, 114
LE BOT, Marc, 134
A arte e hostil a ideologia comunicacional, 134
LEBENSZTEIN, Jean-Claude, 316
LE PRESTRE, Sebastien, 25
LEE, Ivy, 28
LEENHARDT, Jacques, 256
Recepcao estetica dependente da
complexificacao da mensagem cultural, 256
LEFLON, Jean, 14
LEGER, Fernand, 250
LEONARDO DA VINCI, 280, 284, 308, 370
Cosa mentale, 338, 354
Mona Lisa, 262, 315
Niimero aureo, 280
Ultima Ceia, 184, 185, 275, 308
LEROI-GOURHAN, Andre, 21
LEROY, Louis, 298
LEVINE, Sherrie
Fonte (after Duchamp), 95
LEVI-STRAUSS, 255
LEVY, Pierre, 99
Ideographie dynamique, 98
LEWIN, Kurt, 178
Gatekeeping, 75, consulte teoria comunicacional de
Kurt Lewin
Teoria comunicacional de Kurt Lewin, 75
LEWIS, Clive, 98
LICHTENSTEIN, Roy, 333
LIMA, Francisco Cardoso, 266, 356, 363
LINDEKENS, Rene, 117, 118, 119
LIPPI, Fra Filippo
Anunciacao, 280, 281
LIPPMANN, Walter, 27
LONG, Richard, 353
LOPES, Anabela, 254
LOPES, Conceicao, 150
Intercompreensao, 150
LOPES, Joao Teixeira, 206, 207, 217
LUHMANN, Niklas, 87
Improbabilidade da comunicacao, 87
LUIS XIV, 25
LUMIERE, Auguste, 102
LUMIERE, Louis, 26, 102, 315
LUSSATO, Bruno, 14, 141-143, 253, 309
Perca de informacao no momento da codificacao,
142
Receptor ausente, 141, 142
LYOTARD, Jean-Francois, 17, 105, 109, 110, 160,
240, 320, 321, 328, 365
Comunicabilidade do sentimento, 240
Comunicacao sem comunicacao, 160
Representacao nao apresentavel, 328
M
MACHADO, Jose, 259, 265
MACKE, August, 326
MAGALHAES, Maria Luisa, 193
MAGRITTE, Rene, 235
A traicao das imagens - Ceci n 'est pas une pipe,
80, 235
MALANI, Nalini, 418
MALETZKE, Gerhard, 35
MALEVICH, Kasimir, 182, 200, 306, 307, 326, 328,
337, 343, 445
Primazia da quinta dimensao (economia), 328
Quadrado Branco Sobre Fundo Branco, 182, 307,
328, 380, 445
514
Quadrado Preto Sobre Fundo Branco, 171, 172-
173, 175, 182, 183, 199, 328, 454
Quadrdngulo , 171, consulte Quadrado Preto Sobre
Fundo Branco
MALRAUX, Andre, 84, 134
Musee Imaginaire, 84
MANET, Edouard, 105, 252, 298, 299
MANSILLA, Veronica
Niveis de compreensao, 217
MANTEGNA, Andrea
Judite e Holofernes, 371
MARC, Franz, 326
MARCELINO, Maria, 1
MARCONI, Guglielmo, 26
MARCUSE, Herbert
Escola de Frankfurt, 63
MAREY, Etienne-Jules, 319
MARINETTI, Filippo, 226
MARTE (Deus romano da guerra), 292
MARTINEZ, Elisa, 123
MARTINI, Simone
A Virgem da Anunciacao, 280, 281
MASACCIO, 284
MASLOW, Abraham, 211
MASOLINO DA PANICALE
Anunciacao, 280, 281
MASSINE, Leonide
Parade, 318
MATHIEU, Georges
Abstraccionismo Lirico, 329
MATISSE, Henry, 317
MATRAVERS, Derek, 241
Teoria da evocacao, 241
MATTELART, Armand, 14, 25, 27, 30
MATTELART, Michel, 30
MAUSS, Marcel, 270
MAZOLA, Girolamo, 180, consulte Parmigianino
MCALISTER, Edward, 183, 184
Economia de informacao, 183
MCLUHAN, Marshall, 20, 25, 62, 136
Galaxia Gutenberg, 15, 23, 25, 61, 451
Galaxia Marconi, 15, 25, 62, 451
Media hot vs Media cool, 136
O meio e a mensagem, 62
Sociedade tribal, 20, 61
Teoria comunicacional de Marshall McLuhan, 61,
62
MCSHINE, Kynaston
Primary Structures, 337
MEDEIROS, Maria Beatriz de, 134, 240
Comunicacao de afectos, 240
Informacao como comunicacao em sentido linico,
134
MELO E CASTRO, Ernesto, 216
Fruidor passivo vs Fruidor activo, 216
METZ, Christian, 110-112, 214, 230
Informacao grafica como frases no imperativo, 112
Literalidade perceptiva, 214
METZINGER, lean, 250
MEUNIER, Jean-Pierre, 18, 19, 41, 49, 100, 109, 112,
113, 218, 230, 231, 257, 283
Duplo estatuto da obra de arte, 218
Imagem referencial, 112
MEYER, Ursula, 148
MICHAUD, Yves, 345
MIES VAN DER ROHE, Ludwig, 336
MILLET, Jean-Francois, 105
MILLS, Charles Wright, 28
MIRO, Joan, 233, 357
Uma gota de orvalho que cai da asa de uma ave
acorda Rosalia adormecida a sombra de uma
tela de aranha, 233
MITROPOULOS, Mit, 358
MOLES, Abraham, 18, 74, 109, 453
Culture vivante vs Culture acquise, 74, 453
Escala de iconicidade, 109
Macro-meio vs Micro-meio, 74
Socio-dinamica, 74
MONDRIAN, Piet, 152-154, 169, 170, 189, 306, 307,
326, 327
Composicao 2, 151, 152-154, 189
Composicao com Vermelho, Amarelo, Azul e Preto,
327
MONET, Claude
Catedrais de Rouen, 309
Festa do 30 de Junho de 1878 na Rue Saint-Denis,
299, 300
Impressoes do Sol Nascente, 298
Pontes de Argenteuil, 309
MONFORT, Silvia, 218
Nao-publico, 218
MONTASSIER, Gerard, 218
MONTEIRO, Joao Cesar
Branca de Neve, 268
MONTEIRO, Paulo Filipe, 98
MORI, Mariko
Entropy of Love, 357
Mirror of Water, 357
Pure Land, 357
MORIN, Edgar, 84
Criacao vs Producao, 84
Cultura de massa como cultura industrial, 84
Pattern, 84
MORRIS, Charles, 196
MORSE, Samuel, 26
MOUNIN, Georges, 131
MOZART, Amadeus, 370
Requiem, 266
Sinfonia n" 41 em do maior - Jupiter, 239
MtJLLER, Harro, 131, 187
MUNCH, Edvard
O Grito, 316
MUTT, Richard, 323
N
NADAR, 298
NAPOLEAO III, 102, 103
NECKMAN, Alexandre, 279
NERET, Gilles, 328
NEUMANN, John von
Cibernetica, 58
NEVES, pedro, 259, 265
NEWCOMB, Horace, 74
Triangularidade de Horace Newcomb, 74, 75
NIEPCE, Nicephore, 26
NIETZSCHE, Friedrich, 129
Genio da comunicacao, 129
515
NITSCH, Hermann, 77
NOELLE-NEUMANN, Elisabeth
Espiral do silencio, 61
o
OGDEN, Charles Kay, 54
Elementos da significacao segundo Ogden &
Richards, 54, 55
Triangularidade de Ogden & Richards, 54, 55
OLDENBURG, Claes, 333
OLIVEIRA, Emidio, 184
OLIVEIRA, Rosa, 122, 359
OLSEN, Stein, 128
ORIACH, Stephan, 361
ORLAN, Mireille, 217, 360-362
Art charnel, 360, 361
Omnipresence, 361
Operation Opera, 361
PLATAO, 32, 96, 208, 276, 277, 372
Realidade como imagem de realidades verdadeiras,
208
POLKE, Sigmar, 349
POLLAIUOLO, Antonio
Martirio de S. Sebastiao, 204, 205
POLLOCK, Jackson, 138, 329
PONGE, Francis, 226
POPPER, Frank, 359
Participacao vs Interaccao, 359
POUSSIN, Nicolas, 352, 370
Rubenistas vs Poussinistas, 352, 459
Teoria dos modos, 352
PRICE, Derek de Solla, 58
PRIETO, Luis Jorge, 19, 53
Indice, 19
Notacao, 53
PROUDHON, Pierre, 287
PACIOLI, Fra Luca
Divina proportione, 280
PAGLIARO Antonino, 173-175
PANOFSKY, Erwin, 217
Significado intrinseco ou conteiido, 217
Significado primario ou natural, 217
Significado secundario ou convencional, 217
PAPA GREGORIO XVI, 14
PARMIGIANINO
Madona do Pescoco Alto, 180
P ARRET, Herman, 150
Communalite affective ou absolument rien n'est
communique, 150
Sensus communis, 150
PASCAL, Blaise, 262
PASTOUREAU, Michel, 189
PAULHAN, Jean, 226
PAVLOV, Ivan, 29, 35
PECEGUEIRO, Jose, 153
PEIRCE, Charles, 54, 55, 193
Elementos da significacao segundo Peirce, 54
Modelo comunicacional de Charles Peirce, 38, 54,
99
Representamen, 99, 158, 177, 191
Triade semiotica, 55
PERAYA, Daniel, 18, 19, 41, 49, 100, 109, 112, 113,
218, 230, 231, 257, 283
Duplo estatuto da obra de arte, 218
Imagem referencial, 112
PERLS, Fritz, 178
PERRIAULT, Jacques, 18
Maquinas para comunicar, 18
PETERSEN, Robert, 223
A critica e a sogra da arte, 223
PHILIPPE, Jean-Marc, 358
PHILLIPS, Peter, 333
PICASSO, Pablo, 126, 139, 192, 250, 317-319
Guernica, 139, 316
Les Demoiselles d 'Avignon, 305, 317
PINTO, Jose Madureira, 206
PISTOLETTO, Michelangelo, 313
QIANG, Cai Guo, 217
QUENEAU, Raymond, 226
QUITAUD, Gerald, 243
R
RACINE, Rober
2130 Pages-Miroirs, 251
RAFAEL, 370
Julgamento de Paris, 305
RAIMONDI, Marcantonio
Julgamento de Paris, 305
RANGEL, Andre, 266, 356, 363
RAPOSO, Maria Tereza, 162
RATO, Vanessa, 228
RAUSCHENBERG, Robert, 333
RECANATI, Francois, 203
REGO, Paula
Anunciacao, 310
REINHARDT, Ad, 80, 336
Art as art as art, 80
REIS, Pedro Cabrita, 259, 265
REJLANDER, Oscar
Os Dois Caminhos da Vida, 106, 107
REMBRANDT, Harmensooz van Rijn, 304
RE STAN Y, Pierre, 362
RICHARDS, Ivor Armstrong, 54
Elementos da significacao segundo Ogden &
Richards, 54, 55
Triangularidade de Ogden & Richards, 54, 55
RICHER, Simon, 209
RICHTER, Gerhard, 184
RIDLEY, Aaron, 241
RILEY, Bridget, 330, 331
Catarata 3, 331
RILEY, John
Modelo comunicacional de Riley & Riley, 41, 45
RILEY, Matilda
Modelo comunicacional de Riley & Riley, 41, 45
RIOPELLE, Jean-Paul, 94
RIVERA, Diego
A Industria de Detroit, 246, 247
516
ROBERTI, Escola de
Pietd, 195
RODRIGUES, Adriano Duarte, 17, 19, 69, 132, 248,
255
Limite superior e inferior da comunicacao, 69
ROGERSON, Sidney, 27
ROHDEN, Valerio, 289
ROHMER, Elisabeth, 109
ROOSEVELT, Franklin, 40
RORSCHACH, Hermann, 179
ROSE, Barbara, 362
ABC Art, 337
ROSENBERG, Harold, 352
Action Painting, 329
Objecto ansioso, 352
ROSENBLUETH, Arturo, 15
ROSENQUIST, James, 333
ROTHKO, Mark, 329
ROUBINE, Erie, 40
ROUSSEAU, Theodore, 314
RUBENS, Peter Paul
Rubenistas vs Poussinistas, 352, 459
RUHRBERG, Karl, 330
SANDLER, Irving
New cool art, 337
SANTAELLA, Lucia, 56
Triade da significacao, 56
Triade de interpretacao, 56
Triade de objectivacao, 56
Triade semiotica, 56
SANTOS, Alexandre, 110, 114
SANTOS, Jose Rodrigues, 28
SANTOS, Miranda, 207, 263
Informacao vs Apreciacao, 263
SANZIO, Raffaello, 370, consulte Rafael
SAPIR, Edward, 60
Agir individual vs Agir comunicacional, 59
SARMENTO, Juliao, 228
SATIR, Virginia
Escola de Palo Alto, 58
SAUSSURE, Ferdinand de, 50, 51, 53, 55, 104, 199,
338, 452
Arbitrario do signo, 151
Curso de Linguistica Geral, 51
Elementos da significacao segundo Saussure, 52
Modelo semiotico saussuriano, 50-52, 193
Semiologia da comunicacao vs Semiologia da
significacao, 53
SCHAEFFER, Pierre, 75, 368
Maquinas para comunicar, 368
SCHAPIRO, Meyer, 137, 138, 221
SCHOFFER, Nicolas, 325
SCHONBERG, Arnold, 87
SCHRAMM, Wilbur, 33, 39, 70
SCUOTTO, Anna
Mundo Suspenso, 72
SCUOTTO, Emanuele
Mundo Suspenso, 72
SCUOTTO, Lello
Mundo Suspenso, 72
SCUOTTO, Salvatore
Mundo Suspenso, 72
SECHEHAYE, Albert, 51
SERRA, Paulo, 111, 145, 149, 150
Incomunicacao como regra geral da comunicacao,
145
SERRA, Richard, 313
Titled Arc, 268
SERRANO, Andres
Piss Christ, 245
Sem Titulo XIV (Trajectoria de ejaculacao), 115
SERUSIER, Paul
O Aven no Bois d 'Amour, 299, 300
SEURAT, Georges, 179, 330
SFEZ, Lucien, 13
SHANNON, Claude, 5, 15, 32-34, 36-40, 43, 68, 70
Modelo informacional de Shannon e Weaver, 31,
34-36, 37-42, 43, 44, 58, 66, 69
Teoria matematica da comunicacao, 36, 45, 452
Teoria matematica da informacao, 34, 36, 41, 43,
56, 452
Tipos de problemas no estudo da comunicacao, 38
SHAW, Jeffrey
Cidade legivel, 357
SIGNAC, Paul, 179
SILVA, Carlos Eduardo, 18
SILVEIRA, Paulo, 1, 232
O titulo da a ler e ver o artista, 232
SILVESTER, David, 163
SIMMEL, Georg, 29
SINGH, Arpita, 418
SKAPINAKIS, Nikias, 302, 303, 359
SMALL, Albion, 29
SOURIAU, Etienne, 119
Realidade afilmique, 119
Realidade diegetique, 119
Realidade do criador, 119
Realidade do ecra, 119
Realidade do espectador, 119
Realidade filmographique, 119
Realidade profilmique, 119
SPOERRI, Daniel, 217
STALIN, Josef, 75
STEARN, Gerald, 136
STECKER, Robert, 264
STEICHEN, Edward, 107
STELARC, 360
O corpo e obsoleto, 360
STELLA, Frank, 329
STIEGLER, Bernard, 130
STOCKHAUSEN, Karlheinz, 370
STRAWSON, Peter, 128
Funcao sem funcao, 128
STURTEVANT, Elaine, 352
Duchamp, 1200 Sacos de Carvao, 352, 353
SZEEMAN, Harald, 313
TANGUY, Yves, 325
TAPIE, Michel
Informalismo, 329
TARDE, Gabriel, 29
TARDIEU, Hubert, 153
517
TAVARES, Monica, 257
Transcriacao, 257
TINGUELY, Jean, 77
TOENNIES, Ferdinand, 24
TOLSTOI, Leon, 127, 237
Teoria classica da expressao, 237
TOURNACHON, Gaspar-Felix, 298, consulte Nadar
TOUSSAINT, Bernard, 156, 228
VAN GOGH, Vincent, 316
VANDEVELDE, Louis, 133
VARGAS, Guillermo, 371
VASCONCELOS, Joana, 217
VEGA, Manuel de, 153
VEIGA, Jose, 223
VELAZQUEZ, Diego, 169
Las Meninas, 192
VENUS (Deusa romana do amor e da beleza), 281,
282, 291, 292, 294
VERMEER, Jan, 300
VERTOV, Dziga
O Homem da Cdmara, 320
VICTOR-EMMANUEL II, 102
VILCHES, Lorenzo, 18
VILLAFANE, Justo, 169, 179, 191
VIVALDI, Antonio, 370
VIVEIROS, Paulo, 307
VOSTELL, Wolf, 77, 228, 229, 313, 342
Teoria del arte, 342
You, 340, 341
VULCANO (Deus romano do fogo), 292
WATZLAWICK, Paul, 59, 60
Escola de Palo Alto, 58
WEAVER, Warren, 5, 15, 34, 36-39
Modelo informacional de Shannon e Weaver, 31,
34, 37, 40, 42-44, 58, 66, 69
Teoria matematica da comunicacao, 36, 45, 452
Teoria matematica da informacao, 34, 36, 41, 43,
56, 452
Tipos de problemas no estudo da comunicacao, 38
WELLES, Orson
The Invasion from Mars, 28
WELLS, Herbert
The War of the Worlds, 28
WERTHEIMER, Max, 178
WESSELMANN, Tom, 333
WIENER, Norbert, 5, 15, 31-33, 452
Cibernetica, 15, 32, 36, 58
Cybernetics or control and communication in the
animal and the machine, 32
WIERTZ, Antoine, 101
WILDE, Oscar, 95
A vida imita a arte, 95
WILDER, Carol, 59
WILKIE, Wendell, 40, 41
WINKIN, Yves, 58, 59
WISKE, Martha Stones, 217
WOLF, Mauro, 35, 57, 64, 84, 250
WOLFFLIN, Heinrich, 92, 166
Forma aberta, 92
WOLLHEIM, Richard, 336
WOLTON, Dominique, 13
WOOD, Paul, 80, 308
w
WALSER, Robert
Branca de Neve, 268
WALTER, Grey, 34
WALTHER, Franz, 366, 367
Neue-Alphabet, 366
WARHOL, Andy, 143, 333
Factory, 334
WATSON, John, 29
YVON, Adolphe, 102
Batalha de Solferino, 102, 103
ZAOURAR, Hocine
Pieta de Bentalha, 194
ZEMAN, Jay, 54
ZOLA, Emile, 287
ZUMTHOR, Paul, 258
ZWORYKIN, Vladimir, 26
518
indice tematico
Este indice remete para o texto e notas de rodape.
Os termos presentes nos titulos das referencias
bibliograflas nao foram entrados. As obras de arte
estao grafadas em itdlico e e as ilustracoes a negrito.
Convencao: v. = ver, tb. = tambem
1200 Sacos de Carvao (Marcel Duchamp), 352
2 1 30 Pages-Miroirs (Rober Racine), 251
4 '33 "(John Cage), 136, 137, 170
9" Sinfonia (Ludwig van Beethoven), 136, 137
A Caca (Albert Gleizes), 319
A Clinica de Gross (Thomas Eakins), 346, 347
A Industria de Detroit (Diego Rivera), 246, 247
A Nova Babilonia (Grigori Kozintsev), 320
A Orgia, cena III de The Rake 's Progress (William
Hogarth), 106
A traicao das imagens - Ceci n 'est pas une pipe (Rene
Magritte), 80, 235
A vida imita a arte (Oscar Wilde), 95
Academismo, 107, 218, 256, 276-288, 291, 293, 294,
298, 299, 347
Academia, 8, 9, 91, 228, 271, 272, 276, 285, 291,
295, 297, 298, 300, 301, 305, 457
Academismo do significado, 347
Academismo do significante, 347
Academos, 276
Arte academica, 105, 171, 271, 279, 285, 294, 301
Historia do academismo, 294
Pintura academica, 101
Regras academicas, 9, 161, 271, 276, 285, 286, 288,
291-297, 299, 301, 314, 315
Adao e Eva - banidos do Jardim (Damien Hirst), 231,
232
Afectividade, 94, 111, 150, 153, 165, 199, 200, 209,
210, 213, 237, 240, 241, 254, 258, 259, 264, 286,
306, 457, 459
Aldeia global, 62
Alegoria, 93, 275, 276, 280-282, 297, 348
Alfabeto, 3, 20, 22, 52, 67, 313, 366
Arabico, 22
Arameu, 22
Cananeu, 22
Cirilico, 22
Fenicio, 22
Fonetico, 37
Hebreu, 22
Latino, 22
Ocidental, 22
Oriental, 22
Portugues, 52
Analogia artistica, 96-101
Imitacao, 95-97, 99, 100, 107, 277, 285, 291, 292,
303, 305, 317, 328, 372
Mimese, 2, 8, 9, 96, 118, 120-123, 272, 299, 324,
334
Antiguidade Classica, 96, 456
Anunciacao
Fra Filippo Lippi, 280, 281
Masolino da panicale, 280, 281
Mestre de Flemalle, 280, 281
Paula Rego, 310
Simone Martini, 280, 281
Anunciacao da Morte da Virgem (Duccio di
Buoninsegna), 283, 284
Art as art as art (Ad Reinhardt), 80
Art as idea as idea (Joseph Kosuth), 80
Arte
Actualidade artistica, 3, 9, 68, 102, 168, 224-226,
272, 274, 275, 289, 302, 303, 307, 308, 311,
312, 344-363, 365, 456, 457
Appropriation art, 323, 352
Art charnel (Orlan), 360, 361
Arte abstracta, 69, 77, 78, 85, 154, 175, 197, 198,
264, 343, 349, 430, 439, 448
Arte africana, 230
Arte avant-garde, 230, 294, 297, 301, 305
Arte barroca, 360
Arte cinetica, 77, 320, 321, 325, 331
Arte classica, 106, 290, 324, 347, 370
Arte conceptual, 80, 132, 158, 337-339, 351, 353,
356
Arte processual, 337, consulte arte conceptual
Conceptualismo, 159, consulte arte conceptual
Neoconceptualismo, 365
Arte contemporanea, 9, 132, 223, 224, 229, 254,
272, 275, 302, 304, 308, 312, 314, 315, 343-348,
351, 354, 355, 362, 370, 371, 458
Arte digital, 5, 356, 357
Arte do seculo XX, 9, 83, 108, 113, 120, 222, 226,
227, 274, 301, 302, 304, 306, 311, 314, 320,
321, 325, 348
Arte electronica, 356
Arte figurativa, 69, 77, 78, 85, 175, 197, 333, 370,
448
Arte gotica, 2, 154, 283, 284
Arte grega, 2, 271, 278, 323, 331, 360
Arte helenistica, 295, consulte arte grega
Arte humanista, 278
Arte indiana, 418
Arte micenica, 2
519
Arte minoica, 2
Arte moderna, 27, 161, 186, 217, 274, 287, 303,
304, 307, 308, 311, 323, 348, 355, 359, 360, 370
Arte ocidental, 270, 331
Arte oficial, 279, 295
Arte oriental, 375
Arte pompier, 285
Arte pop, 88, 143, 144, 168, 333, 334, 336
Arte povera, 331, 332
Arte pura, 200, 287
Arte romana, 2, 278, 323, 360
Arte rupestre, 21, 126
Arte sacra, 279, 280
Arte simbolica, 155-157, 163, 203, 275, 297, 298
Arte sociologica (Herve Fischer), 9, 358, 359
Arte sovietica, 325
Arte transgenica (Eduardo Kac), 72, 356
Arte transvanguarda, 332
Arte vanguardista, 216, 310, 320-322, consulte arte
avant-garde
Arte video, 69, 343, 357
Body art, 342, 361
Arte corporal, 342, consulte body art
Ciber-arte, 357
Construtivismo, 321
Cubismo, 124, 226, 230, 250, 304, 305, 316, 318-
320, 326
Cubismo analitico, 305
Cubismo de salon, 250, 318
Cubismo sintetico, 318
Dadaismo, 320-324, 354
De Stijl, 200, 211, 212, 321
Der Blaue Reiter, 326
Expressionismo abstracto (Alfred Barr), 163, 326,
329, 332, 333, 336
Action painting (Harold Rosenberg), 138, 329
Informalismo (Michel Tapie), 226, 329, 349
Abstraccionismo lirico (Camille Bryen,
Georges Mathieu), 329
Art brut (Jean Dubuffet), 329, 333
Tachismo (Pierre Gueguen), 329
Expressionismo figurativo, 305, 316, 317, 320
Factory (Andy Warhol), 334
Fauvismo, 226, 304, 305, 315-317, 326
Futurismo, 226, 319, 320
Grupo Cobra, 329
Grupo El Paso, 329
Happening, 67, 76, 86, 132, 148, 258, 340-342
Proto-accoes, 67
Hiper-realismo, 104, 334-336, 436
Arte de ocultar a arte, 334
Historia da arte, 4, 8, 10, 175, 211, 219, 223, 224,
240, 254, 259, 270-274, 288, 291, 297, 298,
302-304, 307, 308, 311, 313, 323, 332, 344, 345,
347, 359, 369, 371, 372, 375, 379, 456, 458
Impressionismo, 9, 271, 276, 279, 286, 291, 294,
298-301, 309, 317
Instalacao, 67, 140, 313, 343, 351, 352, 357, 418
Proto-instalacoes, 67
Irmandade pre-rafaelita, 318
Isto e arte? vs Isto e belo?, IX, 310
Maneirismo, 180
Metafisica, 259, 332
Pintura metafisica, 77, 322, 324
Minimalismo, 70, 136, 144, 306, 326, 330, 332,
334, 336, 337, 351, 419
ABC art (Barbara Rose), 337
Art of the real (Eugene Goossen), 337
Arte enquanto ideia vs Arte enquanto accao,
337
Neominimalismo, 365
New cool art (Irving Sandler), 337
Primary structures (Kynaston McShine), 337
Serial art (Mel Bochner), 337
Morte da arte, 307, 312, 345, 458
Nao-arte, 255, 321
Naturalismo, 2, 102, 107, 136, 296
Neoclassicismo, 291, 314
Neo-impressionismo, 330
Neoplasticismo, 200, 307, 327
Abstraccao geometrica, 307, 328, consulte
neoplasticismo
Nova figuracao, 76
Op art, 330, 331
Orfismo, 330
Parnasianismo, 128
Performance, 67, 69, 76, 147, 258, 297, 340, 351,
357, 360-362
Pictoralismo, 107
Pintura de historia, 101, 291
Pintura egipcia, 2
Pos-impressionismo, 299, consulte neo-
impressionismo
Pos-modernidade, 17, 116, 309, 348, 350, 371,
consulte pos-modernismo
Pos-modernismo, 348
Ready-made, 95, 310, 323
Realismo, 276, 287, 295-297, 303, 311, 318, 326,
460
Realismo fantastico, 77
Realismo socialista, 75, 244
Renascimento, 9, 161, 279, 291, 294, 298, 314
Arte renascentista, 2, 70, 77, 96, 161, 162, 212,
271, 276, 291, 299, 304, 314
Renascenca, 23, 77, 96, 315, 317, 370, consulte
renascimento
Renascimento pleno, 184, 286
Retratismo, 2
Romantismo, 9, 107, 128, 285, 291, 295, 303, 304,
314, 348
Escola romantica, 285
Secessionismo, 107
Simbolismo, 303
Support-surfaces (Vincent Boules), 332
Peinture - cahiers theoriques, 332
Suprematismo, 200, 328
Primazia da quinta dimensao - economia
(Kasimir Malevich), 328
Suprematismo dinamico, 328
Suprematismo estatico, 328
Surrealismo, 108, 320, 324, 325, 329, 352, 357,
369
Arte como acto de resistencia (Gilles Deleuze), 134
Asfrases (Jimmie Durham), 81
Assessores de compreensao, 229-236, 456
Guias, 7, 229, 230, 267, 456
Legendas, 135, 193, 222, 230, 231, 233, 292
O titulo da a ler e ver o artista (Paulo Silveira), 232
520
Suplemento cognitive) (Michel Denis), 232
Titulo da obra, 77, 78, 115, 148, 155, 156, 194, 195,
230-236, 286, 292
Aura
Aura criativa para o artista (Omar Calabrese), 224
Aura intelectual para o critico (Omar Calabrese),
224
Perda da aura, 315, 369
Perda da aura (Walter Benjamin), 315, 352
Autocorreccao (Maria Joao Centeno), 147, 148
Autonomizacao do conceito de arte, 91
B
Baigneuses (Paul Cezanne), 305
Ballets Russes (Sergei Diaghilev), 318
Batalha de Solferino (Adolphe Yvon), 102, 103
Bauhaus, 326, 329
Behaviorismo, 15, 27, 29, 35, 36, 41, 63, 72, 196
Belo, 127, 128, 131, 215, 270, 275-277, 279, 285, 288-
291, 293, 294, 296, 298, 303, 306, 310, 360, 368,
369, 370-372
Belo classico, 289
Belo como objecto de uma satisfacao universal
(Emmanuel Kant), 289
Belo moderno, 289
Belo vs Comunicacao, 289
Belo vs Feio, 10, 290, 368-371
Integritas, 290
Isto e belo? vs Isto e arte?, IX, 310
Branca de Neve
Joao Cesar Monteiro, 268
Robert Walser, 268
Cabaret Voltaire, 322
Campos de cor (Clement Greenberg), 329
Canal, 16, 27, 30, 31, 34, 36, 38, 39, 42, 43, 46, 59, 71,
83, 86, 135, 139
Catarata 3 (Bridget Riley), 331
Catedrais de Rouen (Claude Monet), 309
Causa, 33, 57, 113, 143, 146, 190, 200, 203, 218, 219,
220, 451
Causa formal vs Forma, 143, 218
Causa vs Efeito, 33, 35, 72, 143, 165, 166, 218, 219,
225, 456
Causa vs Razao, 219
Causas aristotelicas (Aristoteles), 143, 165
Causas do emissor vs Causas do receptor, 143, 219
Causas explicitas vs Causas implicitas, 143
Forma como causa subjectiva, 181
Centro de Artes e Espectaculos da Figueira da Foz
(CAE), 81
Cibercepcao (Roy Ascott), 350
Cidade legivel (Jeffrey Shaw), 357
Ciencia, 3, 15, 19, 29, 32-34, 36, 38, 45, 50, 58, 63, 64,
98, 126, 146, 167, 187, 198, 202, 223, 224, 255,
307, 312, 325, 344, 355, 357, 358, 363, 366-368,
465
Ciencia do controlo (cibernetica), 32
Ciencia politica, 32
Cientificidade artistica vs Artistica cientificidade,
364
Civilizacao da imagem (Rene Huyghe), 453
Civilizacao das maquinas, 321
Codigo, 3, 7, 20, 36, 38-40, 43, 45, 46, 48, 50, 51, 53,
57, 59, 60, 69, 70, 74, 80, 111, 117, 119, 131, 132,
138, 139, 151, 160, 186, 190, 193, 195, 196, 199,
200, 206-208, 218, 245-252, 255, 256, 312, 333,
349, 356, 358, 363, 366, 382, 457
Codificacao, IX, 8, 31, 33, 38-40, 46, 52, 53, 57, 66,
68, 70, 97, 119, 138, 139, 143, 147, 198-200,
205, 245-252, 266
Perca de informacao no momento da
codificacao (Bruno Lussato), 142
Codigo analogico, 249
Codigo binario, 250, 255
Codigo comum, 57, 69, 132, 248, 256
Codigo intelectivo, 199
Codigo linguistico, 160, 382
Codigo tecnico vs Codigo estetico (Pierre Guiraud),
199, 200
Codigo vivencial (codigo afectivo), 199
Descodificacao, IX, 3, 16, 31, 33, 39, 40, 46, 53, 57,
66, 80, 85, 112, 118, 161, 172, 186, 189, 196,
198, 199, 212, 234, 245-252, 265, 266, 297, 313,
350, 363
Hipo-codificacao, 70
Relacao entre codigo e cultura (John Fiske), 247
Coelho-pato (Joseph Jastrow), 179
Cognitividade, 29, 111, 140, 191, 209-211, 213, 232,
264, 275
Color Field Painting, 329
Complexificacao da obra de arte, 182, 183, 185, 235,
256, 327, 430
Composicao 2 (Piet Mondrian), 151, 152-154, 189
Composicao com Vermelho, Amarelo, Azul e Preto
(Piet Mondrian), 327
Compreensao artistica-estetica, IX, 3, 4, 7, 10, 22, 30,
50, 68, 77, 78, 82, 85, 89, 98, 100, 102, 105, 111,
112, 115, 116, 125, 136, 141, 143, 150, 151, 154,
155, 157-160, 163-165, 167, 171-176, 178, 182-184,
187, 188, 190-193, 195, 197, 198, 205-236, 245,
246, 255, 257, 259, 262, 264, 265, 273-275, 279,
280, 282, 284, 289, 291, 297, 299, 302, 303, 306,
309, 311, 312, 325, 328, 330, 335, 338, 341, 342,
349, 351, 352, 363, 364, 367, 368, 374, 376, 377,
382, 395, 397, 404, 405, 407, 418, 420, 421, 424,
430, 435, 436, 440, 446, 454-456, 458, 460, 465
Arte de compreender (Hans-Georg Gadamer), 225
Compreensao absoluta, 67, 111, 157-159, 162, 164,
185, 186, 195, 203, 206-208, 217, 219, 257, 274,
374, 377, 384, 424
Compreensao conceptual, 377
Compreensao da obra como passagem do
significante ao significado, IX, 4
Compreensao intelectual (Theodor Adorno), 227
Comprehension mutuelle (Francis Jacques), 82
Entendimento, 3, 4, 66, 76, 79, 80, 82, 89, 112, 117,
118, 121, 127, 140, 142, 162, 163, 167, 172,
173, 180, 184, 186, 191, 195, 207, 211, 212,
220, 221, 224, 227, 230, 233, 236, 239, 249,
251, 258, 261, 262, 267, 273, 280, 303, 314,
325, 339, 358, 359, 365, 369, 372, 377, 420,
421, 429-431, 435, 446, 453, 456, consulte
compreensao artistica-estetica
Intercompreensao (Conceicao Lopes), 150
521
Niveis de compreensao (Veronica Mansilla, Howard
Gardner), 217
Recepcao como condicao fundamental da
compreensao (Antonio Quadros Ferreira), 455
Comunicacao
Acto de comunicacao, 1, 6, 14, 42, 45-47, 58, 87,
205, 219, 246, 248, 266, 273, 409, 426, 440, 456
Auto-estradas da comunicacao, 17
Communicare, 13
Comunicacao artistica, 3, 5-8, 11, 66, 86, 90, 91, 96,
130, 141-143, 145, 150, 159, 162, 187, 192, 240,
248, 252, 345, 368, 374, 375, 408, 440, 457
Comunicacao como colosso terminologico (Philippe
Breton), 17
Comunicacao como observacao (Dirk Baecker), 187
Comunicacao da incomunicacao (Theodor Adorno),
145
Comunicacao de elite (Jean Cloutier), 20
Comunicacao de maquinas, 17, 365, 451
Comunicacao de massa, 20, 27-30, 41, 42, 45, 57,
63, 75, 333, 451
Jean Cloutier, 23, 25
Comunicacao do incomunicavel (Jean-Paul
Doguet), 145
Comunicacao estetica, 150, 312, 451
Comunicacao humana, 17, 34, 38, 55
Comunicacao individual, 29, 150
Comunicacao interindividual, 45, 58
Comunicacao interpessoal (Jean Cloutier), 20
Comunicacao linguistica, 47, 255
Comunicacao nao-conceitual (Emmanuel Kant),
160
Comunicacao nomada, 25
Comunicacao pletorica (Denis Huisman), 133
Comunicacao sem comunicacao (Jean-Francois
Lyotard), 160
Comunicacao social, 17, 71, 132, 451
Comunicacao verbal, 47, 60, 76, 147, 221, 253, 266
Comunicacao vs Emocao, 240, 241, 317, 349
Comunicacao vs Informacao, 134, 135, 145, 451,
452, 454
Conceito de comunicacao, 4, 13-19, 86, 134, 451,
452
Especialista de comunicacao-Artista da
comunicacao, 9, 229, 358
Fracasso comunicacional, 4, 8, 18, 31, 49, 186, 369
Globalizacao da comunicacao, 28
Historia da comunicacao, 20, 23, 30, 62
Ideologia comunicacional, 134
Improbabilidade da comunicacao (Niklas
Luhmann), 87
Maquinas para comunicar
Jacques Perriault, 18
Pierre Schaeffer, 368
Meios de comunicacao, 14, 18, 23, 24, 28, 29, 31,
35, 62, 63, 75, 133, 135, 333, 357, 451
Processo de comunicacao, 1, 8, 23, 31-33, 35, 38,
40-43, 48-50, 57-60, 62, 65, 68, 71, 73, 90, 122,
130, 132-135, 137-139, 146-148, 151, 160, 161,
186, 198, 206, 222, 241, 246, 266, 274, 375,
377, 409, 425, 436, 446, 450, 453
Protocolo de comunicacao, 364-368
Relatividade comunicacional, IX, 373, 375, 378,
446
Revolucoes da comunicacao, 20
Sensus communis (Herman Parret), 150
Sistema de comunicacao, 8, 20, 23, 28, 30-32, 37,
43, 54, 135, 149, 150, 429
Sociedades da comunicacao, 17
Tecnologias da comunicacao, 9, 358
Telecomunicacoes, 17, 18, 25, 26
Tornar comum, 13, 14, 18, 19, 59, 86, 130, 150,
246, 248, 249, 421, 430, 448, 451, 455, 459, 460
Utopia da comunicacao, 87, 159, 363
Conceito, 1, 4, 5, 10, 11, 15, 17, 22, 23, 27, 29, 32, 33,
36, 38, 39, 44, 46, 49, 52, 55, 66-70, 80, 82, 85, 91,
92, 121, 127, 136, 143, 150, 157-160, 163, 167-171,
173-175, 187, 190, 199, 201-204, 206, 211, 212,
219- 223, 225, 228, 233, 236, 241, 254, 260, 261,
264, 271, 274, 280, 288-290, 295, 297, 299, 302,
306, 307, 311, 313, 322, 324, 325, 332, 337-339,
343-346, 348, 350, 355-357, 360, 364, 366, 368-
370, 372, 374-377, 380-382, 393, 413, 420, 425,
428, 431, 435, 445-448, 451, 453, 455, 459, 460
Compreensao do conceito, IX, 157, 167, 173, 174,
187, 190, 193, 211, 381, 412
Conceito como ideia, 169
Conceito vs Definicao, 223
Conceito vs Nocao, 169
Estabilidade semantica do conceito, 169
Extensao do conceito, IX, 173-175, 193, 211, 212
Les concepts il faut les fabriquer (Gilles Deleuze),
169
Monossemia do conceito, 168
Conotacao vs Denotacao, 53, 85, 104, 105, 187, 198,
383
Conotacao, 105, 125, 186, 239, 241, 339, 406, 434,
444
Conotacao como valor subjectivo, 53, 198
Denotacao, 48, 84, 111, 117, 119, 145, 147
Elementos denotativos, 85, 187
Processos de conotacao da fotografia (Roland
Barthes), 110
Roland Barthes, 53, 85
Consumo vs Consumacao (Fernando Fabio
Furtado), 216
Contemplacao, 3, 126, 135, 147, 148, 219, 237, 239,
253, 255, 322, 357, 369, 372, 460
Conteudo, 2, 3, 6, 7, 14, 38-42, 44, 45, 49, 52, 53, 58,
61, 62, 70, 73, 77, 79, 80-82, 88, 97, 98, 105, 112,
113, 116, 119, 124, 128, 158, 164-168, 177, 190,
193, 196, 197, 200, 204, 209-211, 214, 217, 221,
224, 231-233, 239, 241, 266, 270, 290, 293, 296,
305, 317, 329, 346, 351, 361, 367, 370, 374, 377,
379, 382-384, 397, 399, 416, 420-422, 424, 427,
428, 435, 443, 447-449, 454, 455, 457
Conteudo espiritual da arte, 326
Conteudo explicito, 165, 312, consulte conteudo
exterior
Conteudo exterior, 190
Conteudo implicito, 165, consulte conteudo interior
Conteudo informativo, 196, 209, 230, 420, 435
Conteudo interior, 94, 192, 430
Conteudo latente, 61, 252
Conteudo manifesto, 61, 252
Conteudo referente, 181, consulte conteudo interior
Conteudo subjectivo, 181
522
Conteudo vs Forma, 6-8, 68, 78, 81-83, 112, 113,
158, 168, 181, 203, 239, 272
Conteiidos vivenciais, 83, 209, 257, 258, 377
Discurso de conteudo, 177
Estetica do conteudo vs Estetica da forma, 167
Realismo de conteudo, 98
Transmissao de conteudo, 83, 344
Contexto de vida vs Contexto visual, 193, 194
Continuum artistico, 170, 278, 335, 343
Convencao artistica, 3, 4, 31, 39, 52, 66, 67, 70, 78, 84,
94, 95, 139, 148, 151, 154, 164, 186, 197-201, 220,
221, 238, 248, 274-276, 280, 304, 324, 329, 347,
365, 366, 369, 429, 448, 457, 458
(in)Convencionalidade, 7, 98, 151, 457, 458
Canone, 206, 272, 273, 276, 280, 285, 288, 298,
303, 306, 312, 323, 360
Canonizacao, 184, 254, 255
Convencao cultural, 283
Convencao signica, 192, 198, 199, 311
Cosa mentale (Leonardo da Vinci), 338, 354
Criacao artistica, 8, 9, 31, 64, 65, 73, 85, 92, 102, 121,
123, 126, 128, 133, 135, 146-148, 213, 214, 235,
239, 243, 253-255, 259, 260, 262, 263, 266, 286,
288, 295, 312, 323, 325, 331, 332, 340, 342, 344,
345, 348, 351, 353, 354, 356, 357, 363, 366, 372,
397, 434, 435, 452, 457
Acto criador, 2, 218, 239, 245, 253, 263, 324
Criacao com origem nas vivencias, 258
Criacao original, 84, 243, 253
Criacao vs Producao, 84
Criacao artistica vs Producao industrial, 127,
321, 322, 355
Forma de criacao, 240, consulte forma de
representacao,
Liberdade de criacao, 9, 243, 286, 291, 317, 322,
348, 370
Meta-concepcao, 356
Meta-criacao, 356, 357
Processo de criacao, 3, 68, 91, 121, 243, 244, 332,
340, 350, 358, 369
Transcriacao (Monica Tavares), 257
Criatividade, 208, 209, 212, 217, 297, 341, 362, 434,
459
Processo de formacao da criatividade, 209
Critica, 7, 13, 65, 71, 72, 75, 81, 91, 92, 141, 148, 192,
196, 197, 200, 211, 217, 219, 220, 221-229, 230,
237, 244, 250, 254, 258, 268, 269, 275, 286-288,
291, 298, 301, 306, 309, 312, 313, 315, 318, 319,
329, 333, 346, 347, 351, 352, 362, 370, 456, 457
A critica e a sogra da arte (Robert Petersen), 223
Critica da pura visibilidade, 3
Critica do gosto (Emmanuel Kant), 127
Critica experimentalista, 269
Critica formalista, 269
Critica hedonista, 269
Massa critica, 75, 81, 211, 228, 244, 315
Cubo albertiano, 284, 300
Cultura, 11, 18-20, 25, 28, 31, 39, 43, 49, 50, 52, 53,
59, 72-76, 82-84, 88, 92, 94, 100, 102, 116, 118,
129, 140, 151, 162, 185, 189, 195, 197, 201, 207,
209, 210, 213, 216, 223-225, 227, 229, 243, 247,
248, 254, 256, 275, 291, 294, 301, 311, 320, 324,
343, 346, 351, 352, 354, 357, 362, 368, 382, 384,
391, 418, 429, 456
Alta cultura (Jose Gil), 349
Convencao cultural, 283
Cultura contemporanea, 225
Cultura de massa, 83, 84, 88
Cultura de massa como cultura industrial (Edgar
Morin), 84
Cultura de objectos vs Cultura do imaterial (Pedro
Barbosa), 357
Cultura estandarizada, 88
Cultura individual, 74
Cultura ocidental, 323
Cultura popular, 349
Culture vivante vs Culture acquise (Abraham
Moles), 74, 453
Relacao entre codigo e cultura (John Fiske), 247
Sociedade cultural, 73, 118, 140
Socio-dinamica (Abraham Moles), 74
Valor cultural, 254
D
Decadencia artistica, 9, 10, 95, 272, 273, 303, 315, 344-
363, 458
Decoracao da Capela Sistina (Miguel Angelo), 162
Definicao, 17, 55, 80, 91, 92, 159, 170, 174, 218, 222,
223, 256, 265, 270, 289, 295, 298, 301, 312, 337,
344, 357, 372, 375, 382, 452
Definicao vs Conceito, 223
Deleite, 108, 274
Pierre Bourdieu, 207
Democratizacao da arte, 116, 226, 312
Desconstrucao artistica, 154, 169, 305, 332, 381, 394,
404, 419
Destinador, 45-47, 76, consulte emissor
Dissemblable (Roland Barthes), 265
Divina proportione (Fra Luca Pacioli), 280
Divisao em extremo (Euclides), 280
Duchamp, 1200 Sacos de Carvdo (Elaine Sturtevant),
352, 353
Dupla reflexao (Soren Kierkegaard), 146
Duplo estatuto da obra de arte (Daniel Peraya, Jean-
Pierre Meunier), 218
E
Ecra (Noronha da Costa), 249
Efeito
Efeito (artistico), 76, 89, 107, 122, 134, 143, 145,
165, 166, 191, 204, 219, 225, 287, 290, 293,
330, 331, 348, 350, 357, 358, 360, 382, 456
Efeito (comunicacional), 18, 27, 28, 31, 35, 41, 43,
47, 62, 63, 71, 72, 111, 122
Efeito vs Causa, 33, 35, 72, 143, 165, 166, 218, 219,
456
Elementos constituintes da obra de arte, IX, 3, 4, 7, 69,
77, 99, 109, 110, 112-114, 118, 140, 142, 147, 148,
152, 154, 155, 157-160, 162, 164-167, 169, 170,
172-182, 184, 185, 187, 188, 190, 192, 198-200,
203, 204, 206, 211, 212, 215, 216, 220, 238, 243,
245, 258, 267, 275-278, 283, 292, 314, 327, 332,
339, 340, 343, 376, 379, 384, 395, 396, 406, 407,
413-417, 421, 428, 430, 431, 436-438, 442, 446,
454, 460
523
Corpo como elemento constituinte da obra de arte,
149, 340, 342, 360, 361
Elementos da obra como signos da realidade, 190-
201
Elementos de representacao (Justo Villafane), 191,
consulte elementos constituintes da obra de arte
Elementos metasemioticos, 79, 80
Elementos signicos, 153, 154, 191-193, 195, 197,
198, 200, 311
Elementos visuais, 3, 97, 98, 116, 165, 170, 175,
177, 182, 186, 187, 192, 237, 393, 406, 407,
411-416, 421, 423, 424, 426-439, 441-443, 445,
447-450, 454, 455, consulte elementos
constituintes da obra de arte
Emerec (Jean Cloutier), 18, 20, 21, 33
Emissor, IX, 14, 16, 31, 33, 35, 36, 38, 39, 41-43, 45-
47, 49, 53, 56, 57, 60, 64, 70-72, 131-133, 135, 137-
139, 141-143, 145, 147, 148, 187, 196, 249, 252,
253, 266, 366
Causas do emissor vs Causas do receptor, 143, 219
Emocao, 9, 32, 47, 76, 93, 121, 138, 200, 207, 210,
217, 237-241, 286-288, 295, 336, 337, 349, 352,
365, 459
Arte como simbolo de uma emocao, 237-239
Emocao vs Comunicacao, 240, 241, 317, 349
Entropia, 37, 67-69, 175
Fruicao incompativel com entropia (Robert
Escarpit), 68, 69
Entropy of Love (Mariko Mori), 357
Epoca Pneumatica (Yves Klein), 170
Equivalent VIII (Carl Andre), 144
Equivocidade artistica/comunicacional, 6, 10, 47, 120,
122, 125, 130, 198, 208, 217, 232, 245, 260, 366,
367, 406, 456
Escala de iconicidade (Abraham Moles), 109
Escola de Constance, 253, consulte estetica da recepcao
jaussiana
Escola de Haia, 326
Escrita, 2-4, 16, 20, 22, 61, 69, 122, 135, 174, 186, 286,
338, 366, 367, 382, 434, 453, 456
Escrita cuneiforme, 22
Escrita dos eslavos, 22
Escrita hieroglifica, 22
Escrita ideografica, 22
Escrita linear, 22
Escrita sumeria, 22
Espaco-Tempo, IX, 10, 24, 37, 38, 71, 121, 124, 126,
140, 169, 185, 186, 213, 222, 223, 266, 272, 325,
340, 343, 350, 355, 375, 455
Espaco, 9, 117, 122, 124, 139, 144, 155, 157, 164,
197, 212, 213, 280, 282-284, 304, 317, 325, 336,
343, 349, 351, 352, 355, 359, 376, 383, 384,
388, 395, 437, 439, 441, 442, 453, 458
Espaco natural, 372
Nao-espaco, 152
Relatividade espacial, IX, 5, 10, 135, 343, 369,
373, 375, 378, 395, 446
Espaco e tempo como factores que decidem sobre o
valor artistico, 10
Tempo, 2, 4, 8, 10, 14, 25, 110, 117, 186, 191, 216,
226, 231, 252, 254, 256, 281, 302, 309-311, 314,
322, 335, 345, 349, 355, 358, 368, 375, 386,
453, 457, 458
Relatividade temporal, 5, 8, 135, 343, 369, 375
Temporalidade vs Intemporalidade, 355, 356
Espirito, 32, 92, 126, 128, 138, 143, 158, 162, 181, 197,
200, 241, 262, 291, 325, 326
Espirito subjectivo (Theodor Adorno), 92, 93, 158
Espiritual na arte, 326
Esquema d'Hermes (Francis Jacques), 38
Estetica
Estetica da comunicacao (Fred Forest, Mario Costa),
9, 358, 359
Estetica da recepcao jaussiana (Hans Robert Jauss),
253
Estetica da relacao, 9, 358
Nicolas Bourriaud, 359
Estetica do objecto, 358
Estetico vs Antiestetico, 324
Estrutura das revolucoes cientificas (Samuel Kuhn),
271
Experiencia, 10, 16, 27, 39, 50, 55, 70, 131, 145, 179,
197, 199, 200, 207, 227, 237, 241, 254, 259, 287,
291, 296, 308, 312, 325, 332, 336, 337, 340, 341,
343, 347, 350, 355-357, 376, 447, 459
A experiencia cientifica tem os valores adiados, 355
Experiencia afectiva, 199, 258, 259
Experiencia comum, 247, 338, 340
Experiencia cultural, 50, 82, 247, 248
Experiencia estetica, 116, 201, 223, 227, 254, 315,
330, 356, 360
Experiencia estetica vs Experiencia cientifica,
203, 355, 356
Na experiencia estetica todos os valores se
situam, na fruicao, 355
Experienciacao, 237, 245, 256-259, 304, 308, 348
Explicacao/Explicitacao da obra de arte, 120, 159, 186,
200, 208, 218, 220, 222, 225, 226, 228, 237, 240,
293, 302, 319, 341, 343, 349, 450
Expressao, 2, 20, 52, 53, 60, 66, 69, 78, 86, 94, 104,
108, 113, 119, 139, 168, 171, 172, 193, 195, 200,
201, 209, 212, 233, 237, 238, 241, 248, 250, 252,
254, 263, 265, 272, 295, 296, 298, 302, 306, 319,
320, 322, 326, 327, 329, 346, 347, 352, 361, 435,
459, 460
Expressao plastica, 306, 421
Expressao vs Representacao, 93, 94-96, 100, 342
Forca de expressao, 9, 104, 113, 171, 182, 184, 193,
282, 316
Forma de expressao, 1, 6, 9, 51, 68, 69, 86, 87, 105,
106, 119, 159, 201, 224, 227, 242, 246, 252,
298, 302, 303, 342, 348, 362, 453
Liberdade de expressao, 306-308, 329, consulte
liberdade de criacao
Variabilidade de expressao, 86, 244, 263
Expressivismo, 237, consulte teoria classica da
expressao
Familiaridade (Pierre Bourdieu), 171
Feio, 290, 305, 371
Feio vs Belo, 10, 290, 368-371
Festa do 30 de Junho de 1878 na Rue Saint-Denis
(Claude Monet), 299, 300
524
Finalidade da arte, 4, 6, 8, 116, 126-129, 135, 142, 168,
272, 274, 279, 280, 289, 290, 301
Arte com funcao cultural de time-binding (Alfred
Korzybski), 309
Arte como meio de sobrevivencia, 2, 365
Arte pela arte, 128, 129, 273, 358, 367, 418
Theophile Gautier, 128
Victor Cousin, 128
Arte sem funcao comunicacional, 4, 128
Autotelia, 6, 126-129, 201, 367
Fim em si mesma, 6, 91, 127, 129, 323, consulte
autotelia
Finalidade da arte como garantia do receptor, 129
Finalidade desinteressada (Emmanuel Kant), 126,
135
Finalidade magico-simbolica (pintura rupestre), 126
Finalidade sem fim (Emmanuel Kant), 126, 128
Funcao sem funcao (Peter Strawson), 128
Funcao social, 8, 127, 273, 287
Objectividade nao objectivada (Theodor Adorno),
128
Fonograma, 22
Forma
Correspondencia entre forma e signo, 156
Estetica da forma vs Estetica do conteiido, 167
Forma artistica-estetica, 4, 239, 285, 314, 365
Forma como causa subjectiva, 181
Forma realista, 6
Forma vs Causa formal, 143, 218
Forma vs Conteiido, 6-8, 68, 78, 81-83, 112, 113,
158, 168, 181, 203, 239, 272
Fotografia, 5, 11, 14, 26, 29, 80, 82, 97-99, 101-120,
135, 153, 159, 173, 179-181, 184, 192-194, 195,
243, 260, 296, 304, 314, 315, 319, 334, 338, 339,
352, 356, 357, 370, 371, 377-379, 395, 403, 404,
413, 436, 438, 443
Daguerreotipo, 101
Fotografia como imediatidade do espaco num tempo
que ja foi, 117
Fotografia digital, 360
Processos de conotacao da fotografia (Roland
Barthes), 110
Texto fotografico (Victor Burgin), 111
Fruicao, 50, 64, 65, 70, 71, 84, 87, 88, 95, 125, 139,
140, 147, 151, 180, 207, 215, 219, 224, 253-255,
259, 263, 265, 266, 268, 315, 321, 357, 363, 366,
423, 434, 459
Factores que influenciam a fruicao da obra de arte,
139-141
Factores de personalidade, 141
Factores fisiologicos, 140, 141
Factores pessoais, 140, 141
Factores sociais, 140, 141
Fruicao incompativel com entropia (Robert
Escarpit), 68, 69
Fruicao leiga, 218
Meta-fruicao, 351
Na experiencia estetica todos os valores se situam,
na fruicao, 355
Fruidor
Consumidor passivo vs Consumidor activo
(Fernando Fabio Furtado), 216, 217
Fruidor activo vs Fruidor passivo, 214, 216, 218,
293, 349
Ernesto Melo e Castro, 216
Fruidor prevenido, 254
Fuzilamento do 3 de Maio de 1808 (Francisco Goya),
238, 239
Galaxia Gutenberg (Marshall McLuhan), 15, 23, 25, 61,
451
Galaxia Marconi (Marshall McLuhan), 15, 25, 62, 451
Galeria Art & Project, 148
Galeria Codice, 371
Galeria Sidney Janis, 333
Galinha domestica da tecnologia (Fernando Fabio
Furtado), 217
Gallery Closing (Robert Barry), 148, 337
Gatekeeping, 75, consulte teoria comunicacional de
Kurt Lewin
Genesis (Eduardo Kac), 356
Genio da comunicacao (Friedrich Nietzsche), 129
Gestalt, 178
Producao de um gestalt, 178
GFP Bunny (Eduardo Kac), 245
Grande Odalisca (Jean-Auguste Ingres), 292, 293-294
Grau zero da imagem (Pedro Barbosa), 180
Guernica (Pablo Picasso), 139, 316
Guerrilheiro Heroico (Alberto Korda), 179, 180
H
Hipoteses de analise da obra de arte, 197
Historia, 4, 5, 13, 17, 19, 20, 24, 27, 29, 77, 91, 121,
127, 185, 186, 194, 197, 200, 215, 225, 229, 230,
252, 271, 278-280, 293, 296, 306-310, 322, 366,
371
Diacronia historica da arte, IX, 4, 10, 91, 121, 270-
273, 311, 344, 345, 375, 455, 458, 460
Historia da arte, 4, 8, 10, 175, 211, 219, 223, 224,
240, 254, 259, 270-274, 288, 291, 297, 298,
302-304, 307, 308, 311, 313, 323, 332, 344, 345,
347, 359, 369, 371, 372, 375, 379, 456, 458
Historia da comunicacao, 20-30, 62
Historia da fotografia, 108
Historia da humanidade, 20
Historia do academismo, 294
Historia individual, 140, 207, 210, 243, 254, 259,
339, 343
Historia politica dos EUA, 40
Historicidade, 24, 99, 171
Historiografia, 2, 243
Pintura de historia, 101, 291
Holografia, 6, 120-126, 139, 260
Semelhanca entre holografia e linguagem, 122
Transtextualidade artistica da holografia, 123
Homem de Lascaux, 302
Homo communicans, 17
Humanismo, 277
Humano, IX, 2, 4, 7, 14, 15, 17, 19, 20, 23, 29, 34-36,
39, 41, 52-54, 60-62, 70, 82, 87, 92, 95, 102, 107,
108, 113, 126, 129-131, 139, 140, 164, 171, 172,
189, 193, 194, 196, 206-211, 213, 214, 219, 225,
229, 236-243, 246, 248, 257-265, 267, 271, 273,
525
283, 285, 287, 288, 290, 302, 306, 307, 311, 312,
314, 317, 320, 341, 342, 345, 350, 357, 359, 360,
365, 366, 372, 376, 381, 397, 438, 453, 454, 459,
460, 465
Actividade humana, 1, 14, 17, 97, 126, 210, 242,
451
Niveis de actividade do humano, 209, 210
Sociedade humana, 28, 35
I
Idade Media, 275, 279, 283, 295
Ideia, 22, 24, 80, 82, 84, 85, 93, 95, 99, 110, 118, 128,
169, 171, 186, 190, 193, 196, 200, 203, 218, 221-
223, 242, 248, 249, 255, 256, 261, 264, 266, 267,
273, 280, 288, 298, 300, 308, 318, 324, 338, 339,
342-344, 346, 348, 349, 351, 356, 365, 369, 370,
372, 424, 447, 453
Arte enquanto ideia vs Arte enquanto accao, 337
Ideia como conceito, 169
Presentificacao da ideia na arte (Georg Hegel), 2
Signo como ideia mental, 52
Ideia como realidade verdadeira (Platao), 208
Ideograma, 22
Ideographie dynamique (Pierre Levy), 98
1KB (Yves Klein), 170
Imagem, 1, 5, 6, 15, 20-22, 26, 38, 49, 50-52, 61, 65,
78, 79, 82, 84, 87, 96-101, 104, 107-119, 121, 131,
135, 136, 143, 153, 157, 159, 162, 169-171, 173,
174, 178-180, 184, 189-191, 193-195, 202-209, 217,
218, 221, 227, 230-233, 235, 243, 245, 246, 251,
256-266, 268, 270, 272, 279, 280, 283, 296, 304,
307, 317, 326, 333, 334, 343, 348, 351, 360, 361,
367, 383, 403, 438, 443, 445, 447, 453
Imagem absoluta, 6, 101, 113, 120, 125
Imagem artistica, 5, 53, 85, 111, 187, 204
Imagem digital, 360
Imagem fotografica, 97, 98, 105, 111, 117, 118,
119, 179, 192, 193
Imagem grafica, 264
Imagem holografica, 124
Imagem mental, 190, 193, 197, 241, 264
Imagem publicitaria, 53, 111-113
Imagem referencial (Daniel Peraya, Jean-Pierre
Meunier), 112
Imagem virtual, 125
Imagem vs Imaginacao, 208, 209, 260, 261
Imaginacao, 16, 77, 114, 115, 125, 135, 189, 199, 208,
210, 243, 260-262, 266, 294, 295, 325, 332, 349,
365, 434
Arte como consequencia da imaginacao, 260
Fantasia, 199, 210, 243, 262, consulte imaginacao
Imaginacao (re)criadora, 260-262
Imaginacao como faculdade intermediaria entre a
percepcao e a criacao/recriacao, 260
Imaginacao como reconhecimento da realidade, 261
Imaginacao como reproducao de percepcoes, 260
Imaginacao estruturada pela instrucao, 212
Imaginacao vs Imagem, 208, 209, 260, 261
Imaginario consumista, 83, 333
Intransmissibilidade da imaginacao, 262
Mundo imaginario, 125
Mundos recriados pela imaginacao, 261
Realidade imaginaria, 125, 453
Universo imaginario criado pelos codigos esteticos,
199
Imediatidade da obra de arte, 154, 275, 382, 420
Fotografia como imediatidade do espaco num tempo
que ja foi, 117
Imediatidade conceptual, 382, 383
Imediatidade conceptual vs Imediatidade sensorial,
382
Imediatidade representativa, 297
Imediatidade sensorial, 103, 114, 173, 254, 278,
335, 383, 430, 434, 454, 455, 460
Imediatidade signica, 111, 154
Implicito vs Explicito, 143, 159, 165, 167, 188, 200,
204, 218, 246, 307, 312, 355, 412, 452, 453, 456
Impressoes do Sol Nascente (Claude Monet), 298
Incapacidade de compreensao dos sentimentos (Pierre
Guiraud), 240, 241
Incompreensao artistica-estetica, 1, 7, 68, 137, 139,
140, 147, 161, 162, 163, 180, 182, 193, 202, 218,
224, 225, 227, 228, 229, 240, 245, 249, 272, 286,
318, 325, 344, 349, 354, 359, 364, 367, 369, 374,
376, 383, 395, 404, 420, 435, 454, 456, 457, 459
Indice (Luis Jorge Prieto), 19
Individualidade criadora, 93, 249
Individualismo, 23, 294, 295
Informacao, 3, 4, 7, 8, 14-16, 18-20, 25, 26, 30, 32, 33,
37, 39, 40, 42, 44, 46, 48, 59, 66, 74, 82, 83, 97,
100, 107, 110, 120, 125, 132-136, 142-144, 160,
166, 169, 172, 173, 180, 183, 184, 187, 209, 211,
235, 246, 248, 252, 258, 263, 272, 280, 284, 288,
315, 316, 324, 330, 333, 337, 376, 393, 396, 397,
412, 413, 424, 427-430, 435, 440, 447, 452-455,
460
Economia de informacao (Julian Hochberg, Edward
McAlister), 183
Elemento de informacao, 136, 137, 245
Informacao artistica, 139, 245, 246, 339
Informacao como a coisa mais difundida e menos
definida do mundo (Bruno Lussato), 14
Informacao como comunicacao em sentido linico
(Maria Beatriz de Medeiros), 134
Informacao como essencia das inter-relacoes, 41
Informacao como palavra de ordem (Gilles
Deleuze), 166
Informacao espacial, 120, 122, 283
Informacao grafica como frases no imperativo
(Christian Metz), 112
Informacao objectiva, 1, 166, 171, 344, 454
Informacao visual, 107, 120, 122, 184, 430
Informacao vs Apreciacao (Miranda Santos), 263
Informacao vs Comunicacao, 134, 135, 145, 451,
452, 454
Informacao vs Significacao, IX, 209, 214, 263, 264,
266, 453, 459
Obra de arte como contra-informacao, 134
Perca de informacao no momento da codificacao
(Bruno Lussato), 142
Processo de informacao, 161
Teoria matematica da informacao (Claude Shannon,
Warren Weaver), 34, 36, 41, 43, 56, 452
Transmissao de informacao, 33, 36, 37, 39, 43, 56,
57, 61, 63, 66, 85, 104, 135, 139, 140, 148, 166,
196, 212, 225, 230, 252, 272, 275, 283, 337,
411, 412, 423, 424, 426, 427, 440, 454
526
Infoweb, 14
Institut fur Sozialforschung, 63
Institute of Social Research, 63
Instituto Cultural Itaii, 72
Interaccao, 2, 11, 32, 33, 36, 41, 44, 59-61, 83, 86, 88,
91, 92, 124, 125, 134, 139, 145, 147, 150, 187, 214,
256, 260, 266, 267, 330, 358, 359, 364, 385, 417,
436, 440
Interaction of color (Joseph Albers), 330
Interiorizacao imagetica, 78, 79, 82
Interlocutor, 16, 60, 69, 248
Interpretacao profunda (Arthur Danto), 207
Intransitividade da obra de arte, 67, 152, 158, 201-205,
267
Intransitividade vs Transitividade, 201-203, 205
Intransitividade signica, 67
Opacidade da obra de arte, 201-203, 208, consulte
intransitividade
Irrealidade real (Roland Barthes), 117
Janela albertiana, 114, 284
Jardim das Delicias (Hieronymus Bosch), 161
Judite e Holofernes
Andrea Mantegna, 371
Artemisia Gentileschi, 371
Donatello, 371
Michelangelo Caravaggio, 371
Julgamento de Paris
Rafael, 305
Marcantonio Raimondi, 305
L.H.O.O.Q. (Marcel Duchamp), 234
Las Meninas (Diego Velazquez), 192
he Vide (Yves Klein), 170
Les Demoiselles d'Avignon (Pablo Picasso), 305, 317
Limite superior e inferior da comunicacao (Adriano
Duarte Rodrigues), 69
Linguagem, 6-8, 16, 20, 29, 38, 48, 50-52, 65, 69, 76,
79, 98, 99, 111, 132, 138, 139, 146, 147, 159, 193,
202, 224, 230, 241, 243, 245, 248, 249, 302, 309,
312, 313, 338, 339, 346, 347, 365, 366, 460, 465
Linguagem analogica, 48
Linguagem artistica, 159, 367, 460
Linguagem cientifica, 47
Linguagem cinematografica, 110
Linguagem comum, 267, 312
Linguagem digital, 49, 357
Linguagem equivoca, 47, 367
Linguagem escrita, 122, 135, 338, 366, 367, 456
Linguagem escultorica, 137
Linguagem formal de compreensao, 367
Linguagem gestual, 132
Linguagem html (hipertexto), 15, 195
Linguagem material de compreensao, 367
Linguagem natural, 69
Linguagem oral, 10, 122
Linguagem pictorica, 137, 303, 332
Linguagem plastica, 151, 302
Linguagem plurivoca, 76, 457
Linguagem univoca, 230, 366
Linguagem verbal, 18, 29, 98, 132, 135, 137, 147,
169, 170, 267, 366, 367, 456
Linguagem verbal vs Linguagem visual, 98
Paralinguagem, 147
Semelhanca entre a linguagem e a holografia, 122
M
Madona do Pescoco Alto (Parmigianino), 180
Martirio de S. Sebastido (Antonio Pollaiuolo), 204, 205
Materialidade da obra de arte, 2, 5, 7, 77, 92, 131, 158,
163, 164, 167, 170, 184, 186, 200, 243, 249, 272,
307, 332, 337, 338, 354, 361
Imaterialidade da obra de arte, 170, 272, 357
Materialidade fenomenal (Pierre Bourdieu), 163
Plasticidade da obra de arte, 142, 144, 145, 293, 307
Visibilidade-aspecto fisico da obra de arte, 3, 5-7,
77, 113, 163, 165, 166, 169, 172, 182, 186, 188,
199, 201, 223, 249, 272, 308, 313, 330, 337,
344, 419, 422, 424, 427, 435, 442, 445, 447-450,
454, consulte materialidade
Meaning - Blow Up (Joseph Kosuth), 338, 339
Meio, 9, 19, 62, 69, 71, 74, 83, 127, 133, 136, 227, 240,
287, 348, 354, 358, 368, 377, 435, 451
Macro-meio, 76
Macro-meio vs Micro-meio (Abraham Moles), 74
Mass media, 15, 18, 19, 35, 39, 57, 75, 114, 132,
346
Media hot vs Media cool (Marshall McLuhan), 136
Media, 13, 29, 40, 41, 42, 61, 62, 63, 84, 133, 267,
consulte meio
Meio apresentativo, 69
Meio artistico, 360
Meio cultural, 382
Meio de comunicacao aereo, 14
Meio de comunicacao electronico, 14
Meio de comunicacao fluvial, 14
Meio de comunicacao humana, 14
Meio de comunicacao terrestre, 14
Meio envolvente, 18, 41, 53, 100, 140, 213, 254,
267, 397
Meio mecanico, 69
Meio representativo, 69
Meio tecnologico, 9, 29, 358, 360
Meio teorico, 270
Meios de comunicacao, 14, 18, 23, 24, 28, 29, 31,
35, 62, 63, 75, 133, 135, 333, 357, 451
Meios de controlo - dimensao comunicante (George
Gerbner), 44
O meio e a mensagem (Marshall McLuhan), 62
Mensagem, IX, 8, 13, 16, 19, 23, 28, 33, 35, 37-50, 53-
57, 59, 60, 62-66, 69-73, 76-80, 82, 83, 85, 86, 104,
117, 126, 128, 132-139, 141-145, 148, 161, 162,
167, 181, 196, 199, 202, 228, 231, 234, 247, 248,
250, 251, 253, 256, 266, 273, 276, 279, 280, 282,
287, 289, 297, 309, 312, 315, 330-332, 344, 349,
350, 393, 397, 412, 413, 425, 427-429, 435, 440,
447, 450, 452
Mensagem como forma significante (Umberto Eco,
Paolo Fabbri), 40
Protomensagem, 166
527
Transmissao de mensagem, 2, 4, 9, 16, 25, 26, 30-
32, 36, 37, 39, 43, 45, 46, 53, 57, 62, 63, 65, 66,
81, 84, 85, 128, 132-135, 139, 143, 145, 147,
148, 165, 186, 190, 196, 200, 202, 229, 236,
248, 273, 289, 293, 297, 302, 309, 318, 320,
326, 337, 349, 369, 373, 375, 395, 397, 421,
428, 436, 450
Metropolis (Fritz Lang), 320
Mirror of Water (Mariko Mori), 357
Mitologia, 68, 278, 280, 292
Modelos/Teorias da comunicacao
Center of Contemporary Cultural Studies, 84
Escola de Birmingham, 84, consulte Center of
Contemporary Cultural Studies
Cibernetica, 15, 32-34, 58, 65
Cibernetica (John Neumann), 58
Cibernetica (Norbert Wiener), 15, 32, 36, 58
Ciencia do controlo, 32, consulte cibernetica
Ciencia politica (Andre-Marie Ampere), 32
Cybernetics or control and communication in
the animal and the machine (Norbert
Wiener), 32
Communication research, 29, 42, 63
Escola de Frankfurt (Theodor Adorno, Jiirgen
Habermas, Max Horkheimer, Herbert Marcuse),
63, 64, 87, 88
Agir comunicacional (Jiirgen Habermas), 88
Teoria critica, 63, 64, 87, consulte escola de
Frankfurt
Escola de Palo Alto (Gregory Bateson, Paul
Watzlawick, Don Jackson, Virginia Satir), 5, 31,
58-61, 86, 87
Agir individual vs Agir comunicacional
(Edward Sapir), 59
Colegio invisivel, 58, consulte escola de Palo
Alto
E impossivel nao comunicar, 59, 60, 86
Escola processual, 30-32, 49, 50
Escola semiotica, 30, 31, 49, 50, 56
Espiral do silencio (Elisabeth Noelle-Neumann), 61
Estruturalismo, 36, 49
Modelo de George Gerbner, 44, 45, 81-84
Dimensoes do modelo de George Gerbner
Dimensao comunicante (meios de
controlo), 44
Dimensao perceptiva (Percepcao ou
Recepcao), 44
Modelo de Harold Lasswell, 42-43, 44, 45, 71, 72
Modelo dos 5 W, 31, 42, consulte modelo de
Harold Lasswell
Modelo de Riley & Riley (John Riley, Matilda
Riley), 41, 45
Modelo linguistico-funcional de Roman Jakobson,
45-49
Elementos do modelo linguistico-funcional, 45,
47, 76
Funcoes do modelo linguistico-funcional, 46,
47, 76
Modelo peirciano (Charles Sanders Peirce), 38, 54-
56,99
Elementos da significacao segundo Peirce, 54
Triade semiotica, 55
Modelo saussuriano (Ferdinand de Saussure), 50-53,
193
Curso de linguistica geral, 51
Elementos da significacao segundo Saussure, 52
Semiologia da comunicacao vs Semiologia da
significacao, 53
Modelo semiotico-informacional (Umberto Eco,
Paolo Fabbri), 40, 41, 56, 57, 70, 249
Mensagem como forma significante, 40
Teoria comunicacional de Kurt Lewin, 75
Gatekeeping, 75
Teoria comunicacional de Marshall McLuhan, 61,
62
Galaxia Gutenberg, 15, 23, 25, 61, 451
Galaxia Marconi, 15, 25, 62, 451
Sociedade primitiva, 61 consulte sociedade
tribal
Sociedade tribal, 20, 61
Teoria culturologica, 84
Cultural studies, 84, consulte teoria
culturologica
Teoria da informacao (Claude Shannon, Warren
Weaver), 41, 141
Modelo informacional de Shannon e Weaver,
31, 34-36, 37-42, 43, 44, 58, 66, 69
Teoria matematica da comunicacao, 36, 45, 452
Teoria matematica da informacao, 34, 36, 41,
43, 56, 452
Tipos de problemas no estudo da comunicacao,
38
Teoria empirica de campo ou dos efeitos limitados,
43
Teoria empirico-experimental, 35, 73
Teoria da persuasao, 35, 73, consulte teoria
empirico-experimental
Teoria funcionalista, 61, 62, 63
Teoria geral dos sistemas (Ludwig von Bertalanffy),
36
Teoria hipodermica (Paul Lazarsfeld), 28, 35, 63,
71, 72, 73
Bullet theory, 35, consulte teoria hipodermica
Teoria das balas magicas, 28, 333, consulte
teoria hipodermica
Teoria linear da agulha hipodermica, 35,
consulte teoria hipodermica
Teoria innisiana (Harold Innis), 62
Triangularidade de Horace Newcomb, 74, 75
Triangularidade de Ogden & Richards (Charles
Ogden, Ivor Richards), 54, 55
Elementos da significacao segundo Ogden &
Richards, 54, 55
Modernidade, 24, 95, 102, 108, 252, 256, 270, 286,
290, 294, 297, 301, 303, 304, 306, 314, 320, 347,
371, 380
Modernidade artistica, 70, 77, 290, 371
Modernidade cientifica, 306
Modernidade tecnologica, 306, 319
Modernismo, 273, 310, 348, 349, 350
Pos-modernidade, 17, 116, 309, 348, 350, 371,
consulte pos-modernismo
Pos-modernismo, 348
Sociedade moderna, 24, 25, 294, 335
Mona Lisa (Leonardo da Vinci), 262, 315
Monossemia da obra de arte, 90, 168, 264, 364
528
Montanha Tindaya (Eduardo Chillida), 245
Morte do artista, 268, 285, 312
Morte do autor (Roland Barthes), 268, 312
Mr and Mrs Clark and Percy (David Hockney), 308
Mundo, 5, 11, 13, 14, 19, 21, 23, 24, 35, 48, 52, 53, 60,
88, 92, 94, 96, 100, 101, 108, 115, 116, 118, 120,
125, 132, 137, 140, 143, 145, 152, 159, 164, 175,
180, 182, 185, 190, 194, 195, 199, 207, 231, 245,
248, 257, 270, 271, 294, 296, 307, 317, 319, 321,
322, 325, 326, 335, 340, 341, 344, 346, 361, 365,
371, 372, 449, 460
Monde exprime (Mikel Dufrenne), 207
Mundo artfstico, 79, 101, 227, 287
Mundo como mercado ou aldeia, 28
Mundo da plastica, 165, 175, 182
Mundo da simplificacao vs Mundo da
complexificacao, 182
Mundo dos pensamentos e sentimentos como
dominio das causas motora e final, 165
Mundo dos sentidos, 372
Mundo exterior, 92, 93, 120, 200, 218, 219, 236
Mundo figurativo, 446
Mundo ideal, 296
Mundo imaginario, 125
Mundo individual, 325
Mundo interior, 93, 120, 220
Mundo ocidental, 140
Mundo onirico, 325, 357
Mundo optico, 330
Mundo real, 44, 54, 98, 180, 296, 325
Mundo sensivel, 304, 316, 362
Mundo simbolico, 125, 217
Mundo Suspenso (Irmaos Scuotto), 72
Mundo tecnologico, 320
Mundos criados infograficamente, 357
Mundos recriados pela imaginacao, 261
Obra de arte com relacao subjectiva ao mundo, 93,
94
Museu, 7, 57, 73, 75, 79, 80, 91, 197, 206, 213, 229,
259, 301, 352, 354, 355, 456
Kunst Museum, 228
Musee Imaginaire (Andre Malraux), 84
Museu como funcao metasemiotica, 79, 81
Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, 323
Museu do Louvre, 315
O museu comunica que a arte permanece
incomunicavel (Bernardo Pinto de Almeida),
230
N
Nao-comunicacao artistica, IX, 1, 6-8, 11, 64, 86, 87,
90, 120, 128, 130-150, 271, 272, 289, 311, 312, 338,
344, 345, 363, 376, 408, 419, 436, 452, 456, 458,
460
A arte e hostil a ideologia comunicacional (Marc Le
Bot), 134
Communalite affective ou absolument rien n'est
communique (Herman Parret), 150
Decadencia comunicacional, 294, 344-363
Fracasso comunicacional, 4, 8, 186, 369
Incomunicacao como regra geral da comunicacao
(Paulo Serra), 145
Vocacao incomunicante da arte (Theodor Adorno),
359
Nao-publico (Silvia Monfort), 218
Natureza morta, 184, 300
Natureza morta (Andre Felibien), 222
Neue-Alphabet (Franz Walther), 366
Nocao, 15, 24, 30, 33, 57, 84, 91, 148, 167, 169, 222,
228, 245, 247, 249, 276, 352, 358, 368, 371, 372
Nocao vs Conceito, 169
Notacao (Luis Jorge Prieto), 53
Numero aureo (Leonardo da Vinci), 280
Numero de ouro, 280
o
O Atelier do Pintor (Gustave Courbet), 297, 347
OAven no Bois d 'Amour (Paul Serusier), 299, 300
O corpo e obsoleto (Stelarc), 360
O Couracado Potemkine (Sergei Einsenstein), 320
O Grito (Edvard Munch), 316
O Homem da Cdmara (Dziga Vertov), 320
O pintor da vida moderna (Charles Baudelaire), 314
O Retabulo de Merode (Mestre de Flemalle), 160, 161
034-61 (Fernando Lanhas), 236
Objectividade elementar da obra de arte, IX, 1, 6, 7, 92,
101, 115, 119, 134, 143, 145, 158, 162-190, 199,
203, 218, 244, 272, 282, 289, 297, 326, 330, 332,
337, 344, 364, 369, 373, 385, 430, 438, 442, 443,
448, 453-455, 457, 460
Elementaridade da obra de arte, 92, 118, 163, 168,
199, 349, 369, 427, 430, 439, 448, 454, consulte
Objectividade elementar, v. tb. elementos
constituintes da obra de arte
Na recepcao a subjectividade mediatiza a
objectividade (Theodor Adorno), 177
Objectividade nao objectivada (Theodor Adorno),
128
Objectividade simbolica, 143
Obra de arte simultaneamente objectiva e
subjectiva, 7, 87, 100, 141, 162, 165, 175, 176,
177, 178, 179, 181, 182, 183, 185, 190, 327,
339, 439, 453, 454
Passagem da objectividade para a objectualidade
(Bernardo Pinto de Almeida), 164
Objecto
Objecto ansioso (Harold Rosenberg), 352
Objecto artistico vs Objecto industrial, 220
Objectos esteticos vs Objectos significantes (Mikel
Dufrenne), 168
Obra aberta, 77
Forma aberta (Heinrich Wolfflin), 92
Umberto Eco, 92
Obra ausente, 170
Obra de arte total, 68, 340
Omnipresence (Mireille Orlan), 361
Operation Opera (Mireille Orlan), 361
Ordem Beneditina, 279
Ordem de Cister, 279
Ordem dos Cavaleiros de Sao Sebastiao, 170
Originalidade artistica, 95, 116, 225, 285-287, 291,
294, 297, 305, 332, 341, 347-349, 352
Orquestra da Opera (Edgar Degas), 181
Os Britadores de Pedra (Gustave Courbet), 296, 297
Os Dois Caminhos da Vida (Oscar Rejlander), 106, 107
529
Os Esponsais dos Arnolfini (Jan van Eyck), 154, 155,
157, 160, 187, 188
Osmose esthetique (Marcel Duchamp), 323
Prospeccao (Roy Ascott), 350
Psychologie des foules (Gustave Le Bon), 114
Publicidade, 15, 19, 26-28, 35, 47, 53, 83, 98, 111-113,
135, 252, 333, 334, 350
Pure Land (Mariko Mori), 357
Parade (Leonide Massine), 318
Participacao vs Interaccao (Frank Popper), 359
Pattern (Edgar Morin), 84
Percepcao, 26, 29, 44, 45, 61, 79, 82, 93, 95, 100, 117,
118, 120, 121, 135, 137, 142, 143, 147, 149, 153,
154, 163, 164, 166, 172, 173, 178, 181, 182, 185,
189, 200, 207, 210-213, 216, 221, 229, 231, 254,
259, 260, 272, 299, 303, 316, 325, 330, 331, 336,
337, 343, 346, 347, 349, 350, 380, 424, 447, 453,
454
A percepcao da realidade carece da interiorizacao de
vivencias, 82
Dimensao perceptiva (George Gerbner), 44
Literalidade perceptiva (Christian Metz), 214
O interesse da obra reside na percepcao, 221
Percepcao como elaboracao subjectiva, 101, 245
Percepcao como factor de entendimento da
representacao, 118, 119
Percepcao da percepcao (Maria Joao Centeno), 147,
148
Percepcao estruturada, 55, 212
Percepcao fomentadora da imaginacao, 260
Percepcao renovada a cada nova percepcao, 153
Pictograma, 22, consulte ideograma
Pietd, 194, 195
Escola de Roberti, 195
Miguel Angelo, 195
Pietd de Bentalha (Hocine Zaourar), 194
Piss Christ (Andres Serrano), 245
Pontes de Argenteuil (Claude Monet), 309
Prazer estetico, 206, 290, 352
Prazer estetico puro, 206, 213
Condicoes para atingir o prazer estetico puro,
206, 207
Pre-Historia, 20, 21, 96, 223, 373
Presentificacao da ideia na arte (Georg Hegel), 2
Processo artistico, IX, 1, 65, 67, 77, 78, 90, 116, 130,
131, 135, 140, 146-148, 167, 196, 236, 242, 245,
253, 274, 301, 339, 343, 364, 366, 367, 371, 376,
452
Processo artistico inseparavel do contexto social de
recepcao, 245
Sistema artistico, 64, 71, 75, 92, 135, 340, consulte
processo artistico
Triade artistica (elementos do processo artistico),
IX, 2, 5, 8, 10, 90, 135, 167, 242, 253, 365, 421,
447, 465
Producao artistica, 74, 84, 126, 168, 223, 260, 278,
290, 296, 310, 312, 328, 334, 337, 352
Niilismo da producao, 353
Producao vs Criacao, 84
Producao industrial vs Criacao artistica, 127,
321, 322, 355
Producao vs Provocacao (Jean-Paul Doguet), 165
Producao vs Recepcao, 91, 245
Valor de producao, 279
Propaganda, 26, 27, 35, 133, 442
Proposic5es artisticas (Joseph Kosuth), 339
Quadrado Branco Sobre Fundo Branco (Kasimir
Malevich), 182, 307, 328, 380, 445
Quadrado Preto Sobre Fundo Branco (Kasimir
Malevich), 171, 172-173, 175, 182, 183, 199, 328,
454
Quadrdngulo, 171, consulte Quadrado Preto
Sobre Fundo Branco
Quadro-objecto (Bernardo Pinto de Almeida), 164
Quattrocento, 271, 278, 294
Queenie 11 (Duane Hanson), 336
R
Racio dourado, 280
Racio medio (Euclides), 280
Realidade
Arte como amostragem da realidade, 164
Arte como discurso enunciativo da realidade, 166
Arte como realidade metafisica, 259
Arte como linica forma recriadora da realidade, 146
Compreensao da realidade por meio de outra
realidade, 65, 96
Hiper-realismo como melhor continuum da
realidade, 335
Imaginacao como reconhecimento da realidade, 261
Interpretacao da realidade dependente do nivel de
conhecimento sobre essa realidade, 140
Obra de arte como fonte da realidade, 65
Realidade afilmique (Etienne Souriau), 119
Realidade afotografica, 119
Realidade ampliada, 5
Realidade artistica, 50, 191, 225, 237, 259, 263,
313, 465
Realidade cientifica, 344
Realidade como imagem de realidades verdadeiras
(Platao), 208
Realidade como objecto (Charles Peirce), 55
Realidade contextual, 48
Realidade da realidade, 394, consulte realidade
segunda
Realidade diegetique (Etienne Souriau), 119
Realidade do criador (Etienne Souriau), 119
Realidade do espectador (Etienne Souriau), 119
Realidade existencial, 101, 249
Realidade explicada, 231
Realidade externa, 52, 55, 172, 187, 191, 199, 202,
465
Realidade factual, 63, 95, 141
Realidade filmographique (Etienne Souriau), 119
Realidade filmophanique (Etienne Souriau), 119
Realidade fisica, 122, 124, 453
Realidade imagetica, 257
Realidade imaginaria, 125, 453
Realidade material, 242, 332
Realidade mental, 142
Realidade natural, 95, 116, 118, 231, 242, 296
530
Realidade objectiva, 82, 144, 217, 406
Realidade objectual, 383
Realidade pessoal, 261
Realidade primeira, 65, 90, 95, 120-125, 231, 242
Realidade profilmique (Etienne Souriau), 119
Realidade relativa, 262-266
Realidade representada, 100, 122, 231, consulte
realidade artistica
Realidade segunda, 90, 119, 124, 394
Realidade sensorial, 181, 383
Realidade sintetica, 124, 125
Realidade social, 217, 225, 296, 456
Realidade subjectiva, 2, 82, 190
Realidade virtual, 124, 357
Realidade vs Representacao, 95, 109, 118, 121, 122,
124, 125, 180, 261, 297, 315, 334
Relacao entre a realidade vivencial e o significante,
52
Variacao da realidade em funcao do tempo, 368
Realismo, 97, 105, 108, 163, 188, 277, 285, 297, 318,
325, 347, 418, 443
Realismo de conteiido, 97
Realismo de representacao, 97
Recepcao, 14, 16, 18, 26, 46, 65, 70, 71, 86, 129, 142,
148, 165, 171, 177, 180, 210, 217, 237, 253-256,
286, 312, 334, 335, 338, 350, 366
A recepcao nao tern nada de comunicante, 359
Consciencia colectiva pela universalidade da
recepcao, 92
Dimensao receptiva (George Gerbner), 44
Estetica da recepcao jaussiana (Hans Robert Jauss),
253
Gratis na recepcao da arte (Jean-Paul Doguet), 119
Na recepcao a subjectividade mediatiza a
objectividade (Theodor Adorno), 177
Processo artistico inseparavel do contexto social de
recepcao, 245
Recepcao como condicao fundamental da
compreensao (Antonio Quadros Ferreira), 455
Recepcao estetica, 168, 171, 210, 229, 249, 253,
255, 256
Recepcao estetica dependente da complexificacao
da mensagem cultural (Jacques Leenhardt), 256
Recepcao passiva vs Recepcao activa, 253
Recepcao pela reflexividade (Idalina Conde), 210
Recepcao vs Producao, 91, 245
Receptividade, 71, 72, 141, consulte recepcao
Variabilidade da recepcao, 57, 249
Receptor, IX, 3, 14, 16, 23, 31, 33, 35, 36, 38, 39, 41-
44, 46, 47, 49, 50, 53, 56, 57, 60, 63, 64, 70-73, 83,
84, 87, 105, 120, 129, 131, 132, 135-137, 139-145,
147, 154, 166, 171, 174, 180, 187, 188, 191, 196,
199, 207, 240, 241, 244, 248-250, 252-254, 264,
266, 304, 313, 314, 349, 366
Causas do receptor vs Causas do emissor, 143, 219
Plurivocidade de receptores, 41, 46, 53, 64, 70, 86,
142, 197, 350, 357, 453
Receptor activo, 349
Receptor ausente (Bruno Lussato), 141, 142
Receptor como perturbador da transmissao de
informacao, 139
Receptor passivo, 133, 349
Receptor perfeito, 254
Subjectividade entre receptores
(Intersubjectividade), 150, 254, 301, 451
Recriacao artistica, 2, 6, 95, 114, 115, 144, 146, 148,
151, 154, 208, 214, 236, 253, 257, 260, 261, 288,
294, 304, 315, 343, 397, 448, 449, 452
Arte como unica forma recriadora da realidade, 146
Original recriacao, 148
Recriacao com origem nas vivencias, 258, 259
Recriacao da obra de arte segundo o principio da
observacao e respectiva traducao univoca, 367
Recriacao da recriacao, 148, consulte original
recriacao
Recriador, 100, 307, 311, 357, 452
Rede telegrafica (Claude Chappe), 14
Rede telematica, 14, 133
Redundancia, 37, 39, 66, 67, 68, 69, 78, 130, 142, 175,
182, 231, 232, 250, 261, 331, 348, 428
Referente, 17, 48, 49, 54, 55, 99, 151, 152, 190, 193,
198, 383
Representacao, 2, 6, 21, 38, 60, 70, 80, 82, 90, 93, 95,
97, 99, 102, 107, 115-118, 120-122, 124, 125, 127,
132, 141, 144, 158, 159, 161, 163, 168, 174, 176,
177, 179, 192-194, 199, 217, 218, 233, 235, 238,
242, 243, 256, 262, 266, 272, 274-278, 280, 282,
283, 293, 296, 304, 306, 314-316, 328, 333, 336,
338, 340, 348, 349, 353, 362, 372, 383, 403, 420,
442, 455, 460
Forma de representacao, 96, 97, 190, 192, 274
Obra de arte como representacao do mundo exterior,
93
Realismo de representacao, 97
Regras de representacao, 8, 9, 77, 151, 161, 197,
271, 279, 280, 285, 286, 288, 291-297, 299, 301,
305, 308, 314, 315, 354, 369
Representacao alegorica, 275
Representacao aliada a funcao simbolica, 97, 239
Representacao fotografica, 97, 109, 116, 326
Representacao futurista, 320
Representacao holografica, 120, 121, 122, 124, 125
Representacao mental, 237, 338
Representacao nao apresentavel (Jean-Francois
Lyotard), 328
Representacao vs Expressao, 93, 94, 95, 96, 100,
342
Representacao vs Realidade, 95, 109, 118, 121, 122,
124, 125, 180, 261, 297, 315, 334
Representacao vs Re-apresentacao, 116, 118, 261
Representamen (Charles Peirce), 99, 158, 177, 191
Reprodutibilidade tecnica da arte (Walter Benjamin),
116
Requiem (Amadeus Mozart), 266
Retorica da imagem, 51
Roland Barthes, 112
Retroaccao, 31, 33, 41, 71, 132, 148, 266-269, 459
Feedback, 8, 33, 41, 71, 147, 268, 269, consulte
retroaccao
Universalidade da retroaccao, 268
Revolucao industrial, 14, 23, 320
Ritmo (Marina Abramovic), 148, 149
Rubenistas vs Poussinistas (Peter Paul Rubens, Nicolas
Poussin), 352, 459
Ruido, 37, 38, 40, 77, 141, 196
531
Salao dos Recusados, 297
Self-media, 15, 29
Sem Titulo XIV - Trajectoria de ejaculacao (Andres
Serrano), 115
Semiologia, 29, 31, 45, 50, 51, 53, 135, 200
Ciencia geral de todos os sistemas de signos
(Roland Barthes), 51
Escola semiotica, 30, 31, 49, 50, 56
Semiologia da comunicacao vs Semiologia da
significacao (Ferdinand de Saussure), 53
Semiotica, 49, 50, 56, 193, 336, 338, 452, consulte
semiologia
Triade semiotica
Charles Peirce, 55
Lucia Santaella, 56
Sensacao falsa (Aristoteles), 260
Sensacao fisiologica cezanniana (Paul Cezanne), 171
Senso comum, 68, 152, 207, 220, 289, 338, 352
Perda do senso comum, 150
Sensus communis (Herman Parret), 150
Visualmente comum, 290
Sentimento, 87, 94, 126, 128, 139, 165, 210, 237-243,
288, 303, 329, 334, 355, 369, 372, 396, 411, 412,
415, 416, 421, 423-427, 434, 441, 443, 444, 446,
447, 457, 459
Arte como perceptos e afectos (Gilles Deleuze,
Felix Guattari), 240
Artistas de sentimento, 295
Comunicabilidade do sentimento (Jean-Francois
Lyotard), 240
Comunicacao de afectos (Maria Beatriz de
Medeiros), 240
Contexto como definidor de sentimento, 239
Incapacidade de compreensao dos sentimentos
(Pierre Guiraud), 240, 241
Obras sentimentalmente universais, 238
Sentimento como estado afectivo incomunicavel,
87, 139, 237-242, 457
Sentimento como resultado da significacao, 237
Sentimento de finalizacao da obra de arte, 127, 128
Sentimento estetico, 288, 289
Sentimento inseparavel da forma artistica, 238, 239
Sentimento subjectivo, 367
Teoria classica da expressao (Leon Tolstoi), 237
Teoria cognitivista da expressao (Peter Kivy), 238
Teoria da evocacao (Derek Matravers), 241
Teoria da exemplificacao metaforica (Nelson
Goodman), 241
Teoria da representacao iconica (Susanne Langer),
238
Shoes (David Hockney), 114, 115
Significacao, IX, 1, 16, 17, 21, 31, 40, 41, 43-46, 49,
50, 53, 54, 56, 57, 60, 68, 81, 83, 85, 93, 116, 119,
121, 125, 132, 134, 137, 141-144, 147, 151, 158,
159, 161, 171-173, 180, 192, 193, 197, 199, 200,
203, 208-210, 214, 237, 251, 254, 257, 259, 262-
267, 289, 294, 322, 331, 348, 363, 376, 382, 393,
395, 397, 408, 409, 425, 429, 442, 447, 448, 450,
451, 453-455, 459, 460
Dupla significacao, 142
Elementos da significacao segundo Ogden e
Richards, 54, 55
Elementos da significacao segundo Peirce, 54
Elementos da significacao segundo Saussure, 52
Intransmissibilidade da significacao, 16, 17
O significado da obra inibe a significacao, 159
Sentimento como resultado da significacao, 237
Significacao colectiva, 267
Significacao como representacao individual, 455
Significacao da significacao, 237
Significacao directamente proporcional a entropia,
68
Significacao inversamente proporcional a
objectividade elementar da obra de arte, 448,
455, 460
Significacao monossemica, 264
Significacao pansemica, 264
Significacao polissemica, 264
Significacao univoca, 206
Significacao vs Informacao, IX, 209, 214, 263, 264,
266, 453, 459
Significacao vs Significado, 31, 51, 52, 68, 146,
152, 175, 195, 196, 206, 216, 221, 257, 264,
321, 364, 366, 367, 381, 428, 439, 449, 455, 460
Tecnica como meio produtor de novas significacoes
(Walter Benjamin), 116
Triade da significacao (Lucia Santaella), 56
Variabilidade de significacoes, 4, 10, 21, 77, 125,
146, 168, 174, 180, 204, 255, 257, 265, 272,
291, 381, 382, 428, 455
Significado, 2, 38, 40, 46-50, 52, 53, 60, 76, 81, 82, 99,
118, 124, 136, 151, 157, 160, 162, 168, 172, 173,
177, 180, 183, 185, 187, 190, 197, 199, 202, 204,
206, 217, 221, 229, 236, 246, 248, 257, 262, 264,
265, 275, 276, 293, 312, 321, 323, 349, 352, 365,
366, 376, 377, 380-383, 397, 404, 406, 412-416,
419, 422, 424, 427-431, 433-439, 441, 447, 449,
457
Academismo do significado, 347
As vivencias obliteram a uniformidade do
significado, 265
Compreensao da obra como passagem do
significante ao significado, IX, 4
Incompreensao do significado da obra de arte, 1
Insignificancia dos significados (Idalina Conde),
304
O significado da obra inibe a significacao, 159
Procura de um significado atraves das vivencias,
179
Significado formal, 217, consulte significado
primario ou natural (Erwin Panofsky)
Significado intrinseco ou conteiido (Erwin
Panofsky), 217
Significado primario ou natural (Erwin Panofsky),
217
Significado secundario ou convencional (Erwin
Panofsky), 217
Significado vs Significacao, 31, 51, 52, 68, 146,
152, 175, 195, 196, 206, 216, 221, 257, 264,
321, 364, 366, 367, 381, 428, 439, 449, 455, 460
Significado vs Significante, 40, 51-53, 55, 57, 85,
105, 152, 158, 177, 193, 198, 199, 247, 251,
252, 264, 320, 337
532
Significante, 4, 17, 40, 53, 54, 84, 99, 104, 117, 151,
168, 194, 203, 347, 366, 406
Compreensao da obra como passagem do
significante ao significado, IX, 4
Mensagem como forma significante (Umberto Eco,
Paolo Fabbri), 40
Relacao entre a realidade vivencial e o significante,
52
Significante vs Significado, 40, 51-53, 55, 57, 85,
105, 152, 158, 177, 193, 198, 199, 247, 251,
252, 264, 320, 337
Signo, 3, 5, 15, 16, 22, 39, 45, 46, 50-56, 76, 85, 93, 94,
105, 116, 119, 124, 127, 151-154, 165, 177, 186,
188, 190-193, 196-200, 203, 204, 212, 247, 252,
255, 257, 264, 275, 307, 311, 312, 330, 337, 345,
346, 366, 383, 397
A obra de arte e urn signo que tambem comunica o
modo como e feita (Umberto Eco), 186
Arbitrario do signo (Ferdinand de Saussure), 151
Ciencia geral de todos os sistemas de signos
(Roland Barthes), 51
Convencao signica, 192, 198, 199, 311
Correspondencia entre signo e forma, 156
Economia dos signos, 19
Elementos da obra como signos da realidade, 190-
201
Elementos signicos, 153, 154, 191-193, 195, 197,
198, 200, 311
Imediatidade signica, 111, 154
Pluralidade de signos como causa para as varias
leituras de uma imagem, 257
Pode o signo ser um instrumento de comunicacao
valido?, 192
Realidade signica externa, 191
Relacao entre elementos informativos e relacoes
signicas, 136
Signo analogico, 85
Signo artistico, 428
Signo como ideia mental, 52
Signo como representamen (Charles Peirce), 99
Signo como substantia sensivel (Pierre Guiraud),
197
Signo cromatico, 152, 188, 191
Signo de igual semia vs Signo de diferente semia,
192
Signo denotativo, 53
Signo estetico, 186
Signo estetico vs Signo logico, 200, 201
Signo estrutural, 152
Signo geometrico, 152
Signo iconico, 109, 110
Signo literario, 192
Signo logico, 199
Signo poetico, 199
Signo sensivel, 93
Signo tecnico, 199
Signo univoco, 146
Signo visual, 191
Vida dos signos determinada pelo fruidor, 194
Simbolo, 21, 22, 25, 38, 39, 52, 54, 55, 61, 95, 111,
126, 142, 143, 155, 157, 158, 160, 162-164, 185,
196, 234, 237, 265, 275, 278, 282, 285, 297, 312,
319, 324, 328, 338, 365, 412, 427-429, 447
Arte como simbolo de uma emocao, 237-239
Corpo como valor simbolico, 340
Elementos simbolicos, 155, 157, 160, 164, 265, 280
Mundo simbolico, 125, 217
Objectividade simbolica, 143
Representacao aliada a funcao simbolica, 97, 239
Simbolismo, 143, 161, 277, 278, 297
Valor simbolico, 1, 217
Similaire (Roland Barthes), 265
Simplicidade vs Complexidade (Donis Dondis), 185
Simulacrum industrial (Jean Baudrillard), 116
Sinfonia n" 41 em do maior — Jupiter (Amadeus
Mozart), 239
Sistema de belas artes, 291
Instituioes, 291
Principios, 291
Sistemas de enunciacao (Bernardo Pinto de Almeida),
79
Sobre a autoria da obra de arte, 228, 280, 331
Sociedade, 2, 9, 17, 20, 22-24, 28, 31, 39, 61-64, 71,
73-76, 83, 88, 101, 118, 127, 169, 179, 186, 187,
200, 207, 213, 216, 219, 222, 224, 225, 242, 245,
253, 254, 270, 272, 275, 279, 297, 306, 307, 309-
313, 317, 320-322, 333-335, 339, 342, 344, 346,
350, 358-360, 362, 368, 429, 451, 456
Alta sociedade, 279
Arte como promotora de sociedades, 213
Nao existe sociedade sem arte, 270
Obra de arte como espelho da sociedade, 321
Sociedade antiga, 24
Sociedade artistica, 224, 225, 274, 339
Sociedade conhecedora, 172, 215-221, 456, 458
Critico, 7, 65, 71, 75, 91, 148, 200, 211, 219,
222-228, 230, 248, 258, 287, 298, 312,
318, 329, 333, 347, 352, 362
Curador, 7
Fruidor prevenido, 254
Historiador, 7, 71, 91, 160, 211, 219, 258, 298,
312, 318, 347, 362
Sociedade contemporanea, 360
Sociedade crista, 72
Sociedade cultural, 73, 118, 140
Sociedade da comunicacao, 17
Sociedade da galaxia de Gutenberg (Marshall
McLuhan), 61
Sociedade da galaxia de Marconi (Marshall
McLuhan), 62
Sociedade de consumo, 324, 333
Sociedade de massa, 35
Sociedade fechada, 215
Sociedade feudal, 24
Sociedade humana, 28, 35
Sociedade leiga, 172, 215-221, 456
Ignorancia artistica, 7, 220, 227, 246, 439, 445
Sociedade ligada ao tecnicismo e antiartistico, 324
Sociedade moderna, 24, 335
Sociedade pos-moderna, 17
Sociedade primitiva (Marshall McLuhan), 61,
consulte sociedade tribal
Sociedade tecnologica, 311
Sociedade tribal (Marshall McLuhan), 20, 61
Sociedade urbana, 314
Valores modernos da sociedade, 294
Sturm und Drang (Friedrich Klinger), 286, 322
533
Subjectividade, IX, 4, 9, 14, 82, 87, 88, 93, 94, 100,
114, 137, 146, 150, 152, 171, 175, 177, 181, 182,
184, 188, 189, 200, 210, 222, 243, 254, 259, 265,
288, 289, 291-301, 326, 338, 343, 344, 350, 367,
373, 430
Figuracao subjectiva, 179, 182
Na recepcao a subjectividade mediatiza a
objectividade (Theodor Adorno), 177
Obra de arte simultaneamente subjectiva e
objectiva, 7, 87, 100, 141, 162, 165, 175, 176,
177-179, 181-183, 185, 190, 327, 339, 439, 453,
454
Pos-academia como principio da subjectividade, 291
Subjectividade artistica, 6, 7, 162-190, 385
Subjectividade revolucionaria, 301
Variabilidade subjectiva, 7, 460
Tanzende Paare (Stephan Balkenhol), 354
Tecnica, 3, 19, 22, 25, 26, 40, 44, 63, 85, 91, 105, 110,
116, 124, 125, 127, 138, 167, 179, 180, 183, 185,
186, 195, 224, 228, 244, 260, 284, 285, 290, 293-
295, 299, 300, 305-308, 315, 318, 324, 329, 334,
339, 350, 351, 357, 359, 361, 372, 391, 436, 442,
458
Tecnica como meio produtor de novas significacoes
(Walter Benjamin), 116
Tecnica sfumato, 77
Teoria classica da expressao (Leon Tolstoi), 237
Teoria cognitivista da expressao (Peter Kivy), 238
Teoria da evocacao (Derek Matravers), 241
Teoria da exemplificacao metaforica (Nelson
Goodman), 241
Teoria da representacao iconica (Susanne Langer), 238
Teoria del arte (Wolf Vostell), 342
Teoria dos modos (Nicolas Poussin), 352
Teoria funcionalista, 34
The Invasion from Mars (Orson Welles), 28
The War of the Worlds (Herbert Wells), 28
Theoreme de canal bruyant (Robert Escarpit), 39
Time Capsule (Eduardo Kac), 72
Titled Arc (Richard Serra), 268
Transcendencia da obra de arte, 225, 266, 372
Gerard Genette, 92
Transitividade da obra de arte, 128, 201-205, 230, 349,
359
Transitividade vs Intransitividade, 201-203, 205
Transparencia da obra de arte, 84, 111, 201-203,
363, 364, consulte transitividade
Transtextualidade artistica, 123
Hiperexistencialidade, 124
Paraexistencialidade, 123
Transtextualidade (Gerard Genette), 123, 195
Transtextualidade artistica da holografia, 123
Tratado de semiotica geral (Umberto Eco), 48
Triade da significacao (Lucia Santaella), 56
Triade de interpretacao (Lucia Santaella), 56
Triade de objectivacao (Lucia Santaella), 56
u
Ultima Ceia (Leonardo da Vinci), 184, 185, 275, 308
Uma e Tres Cadeiras (Joseph Kosuth), 80, 158
Uma gota de orvalho que cai da asa de uma ave
acorda Rosalia adormecida a sombra de uma teia
de aranha (Joan Miro), 233
Univocidade artistica, 6, 120, 169, 203, 206, 230, 255,
366, 367, 455
Validade artistica, 5, 118, 179, 253, 299, 339, 395, 444
Valor, 1, 5, 10, 11, 33, 75, 77, 80, 84, 95, 102, 107,
127-129, 138, 140, 172, 198, 199, 201, 207, 211,
227, 228, 244, 276, 279, 288, 290, 294-296, 307,
321, 322, 345, 348, 350, 355, 356, 358, 369, 421,
453
A experiencia cientifica tern os valores adiados, 355
Atribuicao de valor, 95, 119, 209, 210, 259, 265,
367, consulte significacao
Circulacao aberta dos valores esteticos (Jean-Paul
Doguet), 285
Circulacao estacionaria dos valores esteticos (Jean-
Paul Doguet), 285
Conotacao como valor subjectivo, 53, 198
Corpo como valor simbolico, 340
Espaco e tempo como factores que decidem sobre o
valor artistico, 10
Na experiencia estetica todos os valores se situam,
na fruicao, 355
Valor artistico, 1, 168, 223, 311, 320, 444, 459
Crise de valor artistico, 311
Valor cultural, 254
Valor da interioridade, 325
Valor de culto (Walter Benjamin), 6, 107
Valor de exposicao (Walter Benjamin), 107
Valor de producao, 279
Valor didactico, 286
Valor economico, 278
Valor estetico, 1, 253, 323, 324, 349
Valor financeiro, 349
Valor humano, 317
Valor ideologico, 459
Valor moral, 286
Valor operativo, 1
Valor simbolico, 1, 217
Valor social, 317, 340
Valor tecnico, 459
Valoracao, 141-143, 193, 209, 237, 253, 264, 307,
369, 370, 396, 408, 455, consulte significacao
Valores modernos da sociedade, 294
Veduta, 284
Venus em Paphos (Jean-Auguste Ingres), 291, 292, 294
Venus, Cupido, Loucura e Tempo (Agnolo Bronzino),
281, 282
Veracidade artistica, 77, 80, 95, 101, 116, 117, 146,
172, 227, 231, 284, 315, 350, 351, 371, 372, 456
Viridiana (Luis Bunuel), 268
Vivencia, 3, 4, 7, 17, 55, 67, 81, 85, 94, 96, 100, 108,
117, 132, 139-141, 145, 147, 148, 154, 161, 165,
193, 197, 206, 208, 237, 243, 246, 256-259, 262,
263, 306, 307, 311, 355, 357, 367, 383, 397, 398,
406, 429, 434, 442, 448, 454, 455, 458, 459
A arte promove novas vivencias, 259
A percepcao da realidade carece da interiorizacao de
vivencias, 82
534
As vivencias obliteram a uniformidade do
significado, 265
Conteiidos vivenciais, 83, 209, 257, 258, 377
Criacao e recriacao com origem nas vivencias, 258,
259
Interiorizacao vivencial, 173, 186, 453
Plurivocidade de vivencias, 258, 429, 454
Processo de formacao de vivencias, 173, 258
Procura de um significado atraves das vivencias,
179
Relacao entre a realidade vivencial e o significante,
52
Simbiose entre acto criador e vivencia do fruidor, 2
Videncia estetica vs Vivencia estetica (Pedro
Barbosa), 132
Vivencia colectiva, 139
Vivencia historica, 207
Vivencias internas, 82, 165, 257
Vulgaridade da obra de arte, 115, 172, 179, 197, 225,
230, 323
w
World Press Photo 2004 (Arko Datta), 108, 109
You (Wolf Vostell), 340, 341
535
indice dos anexos
Todos os anexos encontram-se no DVD em apendice a esta tese, de acordo com o seguinte indice:
Anexo A - Imagens
Anexo Al - Obras do projecto pratico itinerante
Anexo A2 - Inquerito utilizado no projecto pratico itinerante
Anexo A3 - Folheto-desdobravel de apoio a exposicao itinerante
Anexo A4 - Imagens do projecto pratico itinerante
Anexo A5 - Divulgacao do projecto pratico itinerante em convites, cartazes,
agendas e outros
Anexo A6 - Noticias de imprensa do projecto pratico itinerante
Anexo B - Videos
Anexo Bl - Reportagem-entrevista no canal televisivo RTP Africa - Praia (Cabo
Verde)
Anexo B2 - Reportagem-entrevista no canal televisivo STV - Maputo
(Mozambique)
Anexo C - Tabelas
Anexo CI -Analise simples (perguntas abertas e fechadas)
Anexo Cl.l - analise simples
Anexo CI. 2 - analise simples da FBAUP
Anexo C2 - Analise cruzada (perguntas abertas)
Anexo C2.1 - Analise cruzada da nacionalidade portuguesa
Anexo C2.2 - Analise cruzada da nacionalidade cabo-verdiana
Anexo C2.3 - Analise cruzada da nacionalidade mocambicana
Anexo C2.4 - Analise cruzada da nacionalidade brasileira
Anexo C2.5 - Analise cruzada da nacionalidade indiana
Anexo C2.6 - Analise cruzada da nacionalidade timorense
Anexo C2.7 - Analise cruzada da nacionalidade chinesa
Anexo C2.8 - Analise cruzada de outras nacionalidades
536
Anexo C2.9 - Analise cruzada - todas as nacionalidades com as
perguntas abertas
Anexo C2.10 - analise cruzada da FBAUP
Anexo C3 - Analise cruzada (perguntas fechadas)
Anexo C3.1 - Analise cruzada da nacionalidade portuguesa
Anexo C3.2 - Analise cruzada da nacionalidade cabo-verdiana
Anexo C3.3 - Analise cruzada da nacionalidade mocambicana
Anexo C3.4 - Analise cruzada da nacionalidade brasileira
Anexo C3.5 - Analise cruzada da nacionalidade indiana
Anexo C3.6 - Analise cruzada da nacionalidade timorense
Anexo C3.7 - Analise cruzada da nacionalidade chinesa
Anexo C3.8 - Analise cruzada de outras nacionalidades
Anexo C3.9 - Analise cruzada - todas as nacionalidades com as
perguntas fechadas
Anexo C3.10 - Analise cruzada da FBAUP
*
* *
537
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Elementos pre-textuais: fonte Helvetica, tamanho 8, 10 e 11, com 1 ponto de espacamento entre linhas; indice geral -
fonte Arial Narrow, tamanho 13. Elementos textuais: fonte Times New Roman, tamanho 12, com 1,5 pontos de
espacamento entre linhas; citacoes com mais de quatro linhas - tamanho 11, com 1 ponto de espacamento entre linhas;
legendas das imagens e tabelas - tamanho 10 com 1 ponto de espacamento entre linhas; capitulos - fonte Arial, tamanho
14; titulo dos capitulos - fonte Arial Narrow, tamanho 16; seccoes e sub-seccoes - fonte Arial Narrow, tamanho 13.
Elementos pos-textuais: fonte Times New Roman, tamanho 11 e 12; bibliografia, indice das imagens, tabelas e dos
anexos - fonte Times New Roman, tamanho 11; indices remissivos - fonte Times New Roman, tamanho 9.
Toda a bibliografia esta de acordo com as normas portuguesas NP 405-1 e NP 405-4.
539